Angola e Brasil estão de volta

Após dois anos de crise, as vendas de vinho português para Angola e Brasil ganharam novo alento, protagonizando subidas fulgurantes. Quem enfrentou a crise de 2015 e 2016 diversificando mercados encara agora esta recuperação como um bónus. A meta dos 750 milhões de euros em exportações pode ser ultrapassada este ano.

 

TEXTO Luís Francisco ILUSTRAÇÕES Vitor Sousa

OS primeiros quatro meses de 2017 voltaram a trazer boas notícias para o sector do vinho em Portugal, com as exportações a cresce­rem seis por cento em valor (o preço médio subiu 6,3%, para 2,56 euros), descendo marginalmente (-0,3%) em quantidade. E neste cenário destacam-se as recuperações de dois mercados muito especiais: Angola e Brasil estão de volta após dois anos de crise – as vendas em Angola duplicaram e no Brasil Portugal já é segundo nas preferências dos consumidores. Abrem-se excelentes perspectivas aos exportadores portugueses, que ultra­passaram esta má fase apostando noutros mercados e diversificando a sua oferta.

Apesar das acentuadas quebras no mercado angolano (menos 62,5 milhões de euros em dois anos), os produ­tores e exportadores portugueses reagiram e os números mostram que foram capazes de compensar noutras fren­tes: Portugal exportou 726 milhões de euros em 2014, 732 milhões em 2015 e 727 milhões em 2016. E isto num cenário em que o Vinho do Porto (com os preços mais altos) está a perder peso no bolo total…

Perante esta recuperação dos mercados angolano e bra­sileiro, penalizados nos últimos tempos por cenários dife­rentes (ver caixa), não espanta que se abram novos sor­risos na fileira do vinho. A ViniPortugal antecipava para esta campanha 2016/17 um crescimento das exportações na ordem dos 4,14 por cento, qualquer coisa à volta dos 17 milhões de euros, o que poderia colocar os números finais muito próximos da barreira simbólica dos 750 mi­lhões de euros. Jorge Monteiro, presidente da ViniPortu­gal, a associação interprofissional que gere a marca Wi­nes of Portugal, sublinha que esta meta culmina um pro­cesso de crescimento com mais de uma década: “Tirando a crise de 2008, Portugal tem crescido consistentemente desde 2004. É uma tendência – e isso é que é relevante!”

Mas, neste contexto, as estimativas poderão mesmo ser ultrapassadas. Porque, depois de aprenderem a viver “sem” Angola e Brasil, as empresas portuguesas encaram agora o renascimento destes mercados como um bónus. E, mesmo tendo em conta que os primeiros meses do ano não são, normalmente, os mais importantes para as con­tas finais, trata-se de um bónus bem significativo… Nos primeiros quatro meses deste ano, Angola passou a ser o terceiro mercado de exportação dos vinhos portugueses no que toca a volume (72.650 hectolitros, contra 37.979hl em igual período do ano anterior, um crescimento de 91,3%) e o oitavo em receita (11,441 milhões de euros, uma subida de 108,6% face aos 5,485 milhões registados em 2016). No ano passado, Angola foi o sexto mercado em volume e o oitavo em valor. Quanto ao Brasil, passa de nono para oitavo em quanti­dade (40.654hl, mais 73,4% do que os 23.441 de 2016) e mantém a nona posição em valor (uma subida de 71,8%, de 6,051 milhões de euros no ano passado para 10,392 milhões em 2017). O desempenho dos vinhos portugue­ses permitiu-lhes mesmo subir ao segundo lugar nas pre­ferências dos consumidores brasileiros, ultrapassando a Argentina a Itália e batidos apenas pelo Chile. Uma proeza inédita, num mercado que até há pouco “soava” a crise para o sector em Portugal. “Não há milagres nem coin­cidências”, explicou, em declarações ao jornal “Público”, Jorge Monteiro. “Há um conjunto de factores, alguma per­sistência e trabalho, a começar pelo facto de o trabalho de promoção e de divulgação ter sido uma constante.”

Mas, numa perspectiva mais geral, como é que se expli­cam estes números e, igualmente importante, como é que o sector resistiu a dois anos de crise e se colocou agora em posição de os capitalizar.

O filme do contentor

O escritório de representações que a Lusovini abriu na China emprega três pessoas, uma delas chine­sa, o que facilita o contacto com os agentes locais. Mas a tranquilidade extra proporcionada pelo aten­dimento na sua língua não afasta por completo a desconfiança que existe no mercado chinês. Como a Lusovini não vende a crédito, era preciso dar aos compradores a garantia de que o que pagavam era rigorosamente o que encontrariam no contentor à chegada. E assim surgiu uma ideia inovadora: “Fil­mamos o processo de carga do contentor até à se­lagem e os compradores podem seguir o desenrolar dos trabalhos em directo”, revela Casimiro Gomes. “Assim não há desconfiança; pagaram antecipado, mas têm a certeza de que recebem o que pagaram. Na China, mais do que o vinho, o que estamos a trabalhar é a confiança.”

Sair da zona de conforto
“Só há três mercados onde os vinhos portugueses en­tram pela ‘porta da frente’: Angola, Brasil e mercado da saudade.” Se dúvidas houvesse, o diagnóstico feito por Eduardo Medeiro, administrador da Bacalhôa Vinhos de Portugal, deixa bem evidentes as dificuldades que o sec­tor enfrentou nestes últimos dois anos. Tanto mais que a pressão da procura (nomeadamente em Angola) levou alguns produtores a ignorarem a regra de ouro de não pôr todos os ovos no mesmo cesto…

Quando os alarmes começaram a soar, a reacção foi ime­diata. Amparados pela crescente notoriedade internacio­nal dos vinhos portugueses, os produtores e exportado­res apontaram baterias noutras direcções e afinaram as suas estratégias. A Bacalhôa, por exemplo, coordenou o seu trabalho em duas frentes: diversificou a oferta interna (“o vinho azul, os varietais, novas referências, rótulos, con­ceitos”, enumera Eduardo Medeiro) e, na frente externa, fortaleceu a sua presença em mercados onde já trabalha­va (Brasil, EUA, Canadá, Europa Central) e procurou abrir novos caminhos (Europa de Leste, China).

A Lusovini foi ainda mais proactiva: investiu um milhão de euros na criação de uma empresa de distribuição nos EUA e abriu um escritório de representação na China, assegu­rando assim uma ligação mais próxima com um mercado onde ainda reina alguma desconfiança acerca dos produ­tos europeus. Para ultrapassar reticências, acabou mesmo por adoptar práticas revolucionárias no processo de envio (ver caixa). Os resultados destes investimentos não se fi­zeram esperar: “Os EUA já são o nosso maior mercado”, garante Casimiro Gomes, administrador da Lusovini.

Tanto a Bacalhôa como a Lusovini nunca cortaram os la­ços com Angola. A primeira conta com dois distribuido­res (um para as marcas Bacalhôa, outro para os vinhos da Aliança), a segunda tem mesmo uma empresa própria no terreno (e outra no Brasil, acrescente-se). Também a Her­dade do Sobroso manteve os laços com o seu importador durante estes anos de crise. Mas o trabalho de diversifi­car os mercados foi feito: apostou-se mais no consumo interno, enquanto se abriam novas frentes (Holanda, Ja­pão) e se reforçavam outras (Luxemburgo, Suíça). “Para os vinhos portugueses, não há nenhum mercado como o angolano. Não se substitui por outro; são precisos vários para compensar”, garante Sofia Machado, proprietária.

É um caminho necessário, mas duro, como explica Pau­lo Laureano: “Exige um esforço de investimento material e humano muito grande, porque os mercados externos precisam de muito trabalho, durante um período mais ou menos longo de tempo, para funcionarem de forma acei­tável.” Completa Casimiro Gomes: “A produção deu o primeiro passo, com a melhoria da qualidade dos vinhos. Agora há que trabalhar os mercados. A diversidade joga a nosso favor, temos de agregar valor. Algum deste traba­lho no terreno ultrapassa o âmbito da nossa empresa, mas tem de ser feito para credibilizar os vinhos portugueses.”

Evolução dos mercados angolano e brasileiro

Os problemas em Angola e no Brasil são diferentes, mas ambos complicaram a vida aos exportadores portugueses em 2015 e 2016. Enquanto em Ango­la se assistiu a uma crise de divisas, com a moeda local a perder peso face ao dólar em consequên­cia da queda dos preços do petróleo, no Brasil foi a estrutura de mercado que se alterou, com perdas no preço médio dos vinhos portugueses, obrigados a concorrer com produtos bem mais baratos, no­meadamente os oriundos do Chile. Enquanto em Angola, que já foi uma espécie de El Dorado para o sector, a queda foi abrupta tanto em quantidade como em receitas, no Brasil o fluxo de cá para lá até registou um crescimento, mas o retorno financeiro praticamente estagnou nos últimos seis anos. Entre 2014 e 2016, as receitas em Angola caíram mais de 62,5 milhões de euros.

Crise de moeda, não de consumo
O desanuviamento do cenário em Angola, sobretudo, mas também no Brasil, reforça a ideia de que nunca hou­ve uma crise de procura – não foi por deixarem de gostar de vinhos portugueses que os angolanos e os brasileiros compravam menos. “Não é uma crise de consumo, é uma crise de moeda”, sintetiza Sofia Machado, da Herdade do Sobroso. Talvez o pior já tenha passado, mas o discurso geral é de alguma contenção, até porque, como salienta Paulo Laureano, “se mantém a crise económica e social que afecta os dois países”.

“Há que esperar pelas eleições [angolanas, a 27 de Agos­to] para perceber se a tendência se mantém ou se este foi apenas um período de euforia”, analisa Sofia Machado. “Nota-se que há maior disponibilidade de divisas para bens alimentares, vinho incluído. Mas subsiste um ponto de interrogação sobre como será o segundo semestre”, assume Eduardo Medeiro.

Mas enquanto os políticos resolvem as suas questões o que é que mudou no terreno para justificar esta evolução positiva dos números? A convicção generalizada é de que se assiste a uma simplificação da cadeia comercial. “As empresas locais estão a importar directamente a Portu­gal, sem importadores pelo meio”, resume Jorge Mon­teiro. E a saída de cena de alguns intermediários permite um fluxo mais racional de divisas, no caso angolano, e uma maior competitividade no mercado, quando olha­mos para o Brasil.

“O dinamismo demonstrado por algumas pequenas ca­deias estaduais (pequenas, mas que podem, ainda assim, representar algumas centenas de lojas…) alterou a pre­sença de vinhos portugueses no Brasil e garante preços muito mais concorrenciais, que, em alguns casos, passa­ram a ser quase metade dos que eram praticados ante­riormente”, explica Eduardo Medeiro. E assiste-se a uma clarificação do mercado, com os supermercados e os res­taurantes a optarem por produtos diferentes.

Tudo junto, e sem nunca esquecer o trabalho levado a cabo para diversificar mercados e abrir portas noutras pa­ragens, a verdade é que o sector vitivinícola português olha para 2017 como um ano em que se conjugam vários factores positivos. Uns fruto do esforço próprio, outros decorrentes da conjuntura internacional e da evolução da situação interna em alguns mercados. Este pode ser mais um ano histórico para a fileira do vinho. E que lança bases para metas ainda mais ambiciosas.

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