Doçuras natalícias e os vinhos da (nossa) cave

Aproxima-se a data onde o consumo de açúcar dispara, por força das doçarias que por tradição acompanham os momentos de convívio familiar. Não vale muito a pena fazer planos de dietas para a época que se avizinha. Venham os doces e bem acompanhados. Aqui ficam algumas sugestões, a Chef Justa Nobre com os doces e a minha garrafeira com os vinhos.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Mário Cerdeira

Quando o assunto é a doçaria de Natal pode aplicar-se com propriedade a máxima do “cada cabeça sua sentença”. Cada pessoa carrega nas suas memórias olfactivas e gustativas um conjunto de referências que, não raramente, assumem o protagonismo natalício. Cada um tem o seu Natal, as memórias de infância e das famílias do campo (que quase todos temos), os cheiros das lareiras e fornos a lenha, da terra molhada, da canela e do açúcar acabam por nos marcar para toda a vida.

O Natal é assim a época em que revivemos tempos passados e cheiros antigos, no ambiente típico da época: crianças aos gritos a correr de um lado para o outro, cães e gatos à mistura, travessas a circular, vinhos (no caso de gente que não sabe que a Grandes Escolhas existe…) em frente à lareira para ficarem “à temperatura ambiente”, peru seco e desenxabido que todos dizem que está óptimo “sobretudo o recheio…”, querendo assim afirmar que o dito peru é uma tragédia mas nesta época não estamos aqui armados em críticos gastronómicos…

Foi a pensar nos doces da época que procurámos ajuda à Chef Justa Nobre que, com total simpatia e disponibilidade, recebeu a Grandes Escolhas no restaurante Nobre, ao Campo Pequeno. Não tínhamos propriamente plano de trabalho nem queríamos este ou aquele doce em particular. Antes dissemos à Chef Justa que fizesse o que mais gostasse. Assim fez e brindou-nos com um conjunto de doces que, embora baseados em receituário tradicional, levaram aqui uma volta com novidades criadas pela Chef.

Tradição transmontana

Justa não se cansa de nos lembrar que é transmontana, que é lá que encontra as suas raízes culinárias, ali bem perto de Macedo de Cavaleiros. A tradição local nunca foi baseada numa doçaria muito rica, nomeadamente em ovos, “por lá usavam-se muitos ovos mas era na Páscoa; no Natal muito menos”, alguns ingredientes são-lhe especialmente queridos, como a aletria mas também havia os milhos doces “uma sobremesa de pobre”, o bolo de água (da família do pão de ló) que se chama assim porque leva uma colher de sopa de água por cada gema enquanto se está a bater e “fica muito fofo, é óptimo”. Lembra-se ainda dos económicos, que eram uns bolos secos tipo broa de erva doce.

Hoje preparou uma sobremesa com aletria que, no sul, “não tem assim tantos adeptos, é um doce nortenho; na minha zona fazemos com ovos mas também se faz aletria sem ovos. O doce é então um travesseiro de aletria com frutos secos, canela, maçã e banana, tudo envolto em massa folhada. Como tem algum volume e, se cortada às fatias, fica também com um aspecto de torta”. Justa chama-lhe um falso Strudel – a célebre receita que teve origem no século XVIII – desde sempre muito popular quer na Alemanha quer na Áustria e hoje vulgarizada por muitos outros países. Caso seja servido morno, o travesseiro fica muito bem com uma bola de gelado, de nata ou baunilha. Para este doce escolhemos dois vinhos de Colheita Tardia; diferentes, mas ambos a terem a doçura certa (não exagerada) para este tipo de doce que é delicado e leve de sabores. Caso se opte por um gelado de frutos vermelhos poderá então escolher o Licoroso da Ravasqueira.

A rabanada é dos mais conhecidos e tradicionais doces de Natal. A Chef Justa preparou uma rabanada com um twist, ou seja, uma rabanada com nos surge dobrada (tipo almofada) e no meio tem um recheio feito com doce de castanha, “é um fruto da época e achei que ligaria bem, foi criação minha, não tem tradição na minha terra”. Açúcar e canela envolvem então a rabanada que pode ser servida fria. Para a rabanada escolhi um Porto 30 anos, neste caso da Quinta do Vallado.

Também porque estamos na época dele, Justa fez um doce que incluiu marmelo. Por norma “come-se em marmelada ou assado no forno, mas optei por fazer uma mousse de marmelo que é aligeirada com natas batidas e servido depois com pequeninos cubos da marmelada que todos nós conhecemos”. Como se trata de um doce que tem leveza e de sabores suaves, optei pelo Moscatel de Setúbal que se mostrou perfeitamente à altura.

No Natal não podem faltar os doces de abóbora, sendo os mais conhecidos as filhós ou sonhos. A opção aqui foi fazer um fondant de abóbora, “tipo petit gateau e funciona muito bem porque também leva nozes que é também um fruto seco desta época; ganha assim alguma crocância, o que hoje em dia também é muito apreciado nos doces. Para esta sobremesa encontrámos a ligação perfeita com o Kopke tawny 10 anos, também ele rico e marcado pelas notas dos frutos secos.

Quanto ao momento certo de servir estes doces no seu restaurante, Justa não tem dúvidas: “quanto mais nos aproximamos do Natal menos vezes posso servir doces destes. É que depois as pessoas ficam em preparação para as festas e deixam de pedir estas doçuras quando nos visitam”.

Este é o conselho que também vamos (tentar) cumprir mas…com tantos almoços e jantares de Natal ainda antes das festas propriamente ditas, a coisa não se mostra fácil.

Vinhos (mais ou menos) doces

A ligação da doçaria de Natal com vinho tem tradições e hábitos arreigados. Na nossa escolha optámos por algum conservadorismo até para equilibrar alguma ousadia na criação doceira com a que a Chef Justa nos brindou.
Seguimos assim a lógica e resolvemos privilegiar o Vinho do Porto – no caso um tawny 10 anos e outro 30 anos – alargando depois para o moscatel de Setúbal, vinhos Colheita Tardia e um licoroso alentejano. Com a introdução deste tipo – não esqueçamos que os licorosos são feitos com a mesma metodologia do Vinho do Porto – pretendemos chamar a atenção para a qualidade que actualmente se encontra nestes vinhos. Eles existem um pouco por todo o país e a qualidade tem vindo a mostrar-se muito elevada. São por isso boas escolhas. Só no Alentejo são já em número significativo, mas mesmo em regiões menos habituais, como a Bairrada, também existem. São vinhos a ter em atenção.
Os vinhos de moscatel (onde se deve também incluir os do Douro) são especialmente vocacionados para sobremesas que incluam laranja, em doce ou calda. Mas em tortas simples com ovos ou mesmo torta de cenoura poderão ser perfeita companhia. Não use os mais velhos, esse devem ser consumidos a solo.
Tínhamos inicialmente previsto a inclusão de um Madeira Bual que acabou por não ser provado, mas é sempre uma boa opção porque a doçura contida que apresenta pode ligar bem. Quanto a inovações existe uma tese (que partilhamos) da ligação de tintos velhos com doces de ovos, evitando-se assim o excesso de doce. É surpreendente e vale a pena tentar. Finalmente há também, sobretudo em zonas produtoras, a tradição de ligar alguns destes doces com espumante. É sempre uma boa escolha mas, cremos, será de evitar os que forem do tipo Brut Nature; sirva os que tiverem leve dose de açúcar residual, até 8/10 gramas.

Os vinhos que os doces pediram

€75
Vallado
Porto tawny 30 anos
Quinta do Vallado
Deverá ser servido ligeiramente refrescado. É um tawny muito elegante, já muito polido pelo tempo e que se liga muito bem com a rabanada. À falta de copos próprios para este serviço, use copos de vinho branco, nunca copos de licor.

€25
José Maria da Fonseca Colecção Privada DSF
Moscatel de Setúbal 1998
José Maria da Fonseca
Elegância pura e qualidade muito elevada da casta moscatel estão aqui reunidas e o resultado é brilhante. O vinho tem uma enorme delicadeza e pede por isso doces não muito fortes de sabor ou textura. Neste caso a temperatura de serviço é absolutamente determinante. Frigorífico obrigatório antes de servir.

€17,50
Casal de Santa Maria
Reg. Lisboa Colheita Tardia branco 2015
Adraga
Mostra-se muito atractivo, com uma cor algo carregada, mas com uma doçura contida que irá ligar muito bem com os doces. Beber mais frio do que os brancos normais é a regra a seguir.

€16,50
Graça
Douro Viosinho Colheita Tardia branco 2016
Vinilourenço
A casta contribui aqui para um aroma muito delicado, com uma fruta doce mas muito subtil. Se não é apreciador dos brancos muito doces este pode ser uma boa opção e, tal como o anterior, com uma temperatura baixa ao servir.

€21
Kopke
Porto tawny 10 anos
Sogevinus
O tawny 10 anos é um Porto muito versátil podendo por isso ter várias ligações gastronómicas. Por um lado, ainda tem muita energia e estrutura que vem da fruta madura e por outro já nos mostra o lado dos frutos secos que se ligam muito bem com estes doces. É sempre uma boa escolha.

€60
Ravasqueira
Vinho Licoroso Alentejano
Soc. Agr. Dom Diniz
Feito com três castas do Douro que também entram nos vinhos do Porto, este licoroso é mesmo uma grande surpresa para quem não conhece: concentrado, muita textura de fruta madura e compotas, tudo aquilo que um certo tipo de vintage novo às vezes também traz. Pode assim ser bom parceiro para sobremesas que incluam frutos vermelhos.

 

Edição n.º32, Dezembro 2019

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