Casa Havaneza: Um lugar mítico com um produto mágico

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado […]

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado a vida do país e de várias gerações de portugueses até aos dias de hoje.

Henry Burnay surgiu pela primeira vez na história da Casa Havaneza em 1864, enquanto arrendatário da tabacaria. Em 27 de Maio de 1865 foi assinada nova escritura, permitindo-lhe continuar o seu negócio até 31 de Dezembro de 1874. No ano seguinte, quando nasceu a firma Henry Burnay & Cª, o banqueiro decidiu, porque os negócios estavam a correr bem, alargar o espaço da Casa Havaneza, alugando os números 124, 126 e 128 da R. Garrett. O estabelecimento passou, assim, a abranger toda a área entre a praça do Loreto e a continuação da rua do Chiado.

Foi em 1877 que os dois belgas fundadores, François Caen e Charles Vanderin, assinaram a escritura de “transacção amigável” com a firma Henry Burnay & Cª, passando a gestão da tabacaria a ser da inteira responsabilidade do banqueiro e dos seus dois sócios: Eugénio Larrouy e Ernesto Empis, cunhado de Burnay. Na altura, a passagem pela Casa Havaneza era quase uma oferta extra à do Banco Burnay, já que os clientes podiam entrar na instituição para pedir um empréstimo e, à saída, comprar um charuto cubano já que, desde a sua fundação, este estabelecimento esteve sempre ligado ao epicurismo, à comercialização de charutos cubanos premium e acessórios para fumadores. Mas também bebidas e os cristais e outros artigos usados para as servir, por exemplo.

Lugar de encontro
A localização da Casa Havaneza na baixa, no coração da vida intelectual de Lisboa na época, perto do Teatro S. Carlos e da Livraria Bertrand, entre outros, e às portas do Bairro Alto, contribuiu para que esta loja fosse um dos lugares de encontro desde a sua fundação. Alguns anos mais tarde, no início do século XX, era o único terminal de Lisboa para os telegramas da Havas, a primeira agência de notícias do mundo, o que tornava o local ainda mais apelativo para políticos, jornalistas, escritores e artistas, que ali iam procurar novas da Europa e do mundo e ostentavam, à sua porta, os seus charutos, enquanto conversavam sobre as últimas intrigas da velha Lisboa. Também aqui se localizou a primeira estação de chamadas telefónicas, para uso dos lisboetas. No livro “Os Maias”, Eça de Queiroz faz uma descrição deste lugar, num dia daquele tempo, escrevendo que “um lindo Sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.” Ou seja, naquele lugar da baixa lisboeta, em frente à Havaneza, muitos se reuniam para fumar e conversar, desde a gente anónima aos mais conhecidos e ilustres daquele tempo. Era o caso de “Rafael Bordalo Pinheiro, que se auto-retratou de charuto na mão, que também foi presença assídua e interveniente mordaz nas tertúlias da Casa Havaneza, tal como o foram outros grandes vultos da nossa cultura, entre eles, Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro”, conta Pedro Rocha, CEO da Empor, empresa proprietária da Casa Havaneza, salientando que esta “sempre foi, e será, um espaço dedicado ao epicurismo, por excelência, e um lugar cheio de história política, social e cultural”.

Loja com história
Identificada, hoje, como uma das “Lojas com História” da cidade de Lisboa e monumento de interesse público, o espaço foi passando por várias remodelações na sua fachada e no seu interior, mas manteve sempre a sua função e o ambiente tradicional. Uma das primeiras decorreu ainda no início do século 20, quando saiu uma lei que obrigava as áreas financeiras dos estabelecimentos comerciais a separar-se das suas zonas de retalho. “Antes disso, na Casa Havaneza também se trocava dinheiro por ouro e faziam-se empréstimos”, conta Pedro Rocha, salientando que ali passou a funcionar também uma dependência bancária, dos mesmos proprietários. A última obra decorreu sob a supervisão de Nuno Corte Real e Alexandre Carvalho, na década de 80 do século passado e a sua estética leva, ainda hoje, turistas nacionais e estrangeiros à loja só para a apreciarem.

A Casa Havaneza do Chiado mantém, hoje, a sua essência, vendendo principalmente charutos cubanos, bebidas e acessórios para fumadores e escanções. Mas já não tem os artigos de decoração, incluindo os cristais que vinham de França e Itália noutros tempos. Ou seja, “mudou um pouco o estilo com o passar dos anos, mas a sua essência e o serviço aos clientes mantiveram-se”, afirma Pedro Rocha. E é isso que tem garantido o sucesso do seu negócio durante tanto tempo.

Casa Havaneza

Mudança inevitável
A mudança foi inevitável com a chegada da era dos grandes centros comerciais a Portugal, que passaram a ser um atractivo irresistível para os clientes nacionais. A tendência não deixou os gestores da Casa Havaneza indiferentes, que iniciaram a expansão da marca, na procura de se manterem perto dos seus clientes mais tradicionais. A Casa Havaneza do Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa, abriu as suas portas ao público em Setembro de 1985. A loja do Colombo desde 1998 e “finalmente, concretizou-se, em 2012 um sonho antigo, a abertura de uma Casa Havaneza no Porto, que fica perto da zona do Bessa”, conta Pedro Rocha, explicando que as lojas são frequentadas pelo mesmo tipo de clientes de sempre. Afinal, quem procura as lojas da Casa Havaneza são “os aficionados e as pessoas que querem entrar neste mundo do epicurismo e aprender mais um pouco, ou seja, aqueles que sabem que ali encontram o que querem, pessoas entre os 30 e os 90 anos, sobretudo das classes média e média/alta”, revela, acrescentando que, nas suas lojas, também encontram quem os possa aconselhar, “para os ajudar a encontrar aquilo que se adapta melhor ao seu gosto pessoal”. O principal produto da casa, ainda hoje, são os charutos cubanos, o que não é de estranhar, já que esta é uma marca do Grupo Habanos, empresa que faz a distribuição dos charutos da ilha para todo o mundo. Mas também podem ser encontradas marcas da República Dominicana, Nicarágua e Honduras, onde a empresa também os fabrica.

 

Casa Havaneza Quem é Pedro Rocha?

Nasceu em Ponta Delgada, na ilha açoriana de S. Miguel, porque o pai, oficial do exército, estava lá destacado em missão. Mas não viveu na lá e sim em Castelo Branco, na Beira Baixa, a região de origem do pai, e também nas Caldas da Rainha, a cidade de origem da mãe.

Frequentou os Pupilos do Exército, onde tirou Contabilidade e Administração, e a Universidade Moderna, onde se licenciou Organização e Gestão de Empresas. Trabalhou depois na Caixa Geral de Depósitos, muitos anos na Microsoft e depois na PT, onde lançou o Office 365. E foi numa ida ao Festival del Habano, evento que se realiza uma vez por ano, em Cuba, como aficionado, numa altura em que já conhecia o distribuidor da Habanos em Portugal, entre charutos, harmonizações e outras coisas, que lhe foi feito o convite para vir para mudar de ramo de negócio.

Fumador de charutos desde os 17 anos, que diz serem a sua maior paixão, não resistiu à tentação e mudou-se para a Empor, empresa do Grupo Habanos que é proprietária da Casa Havaneza, em 2011. Esteve três anos como director comercial, antes de passar a director geral da empresa, e conta que o seu primeiro desafio foi perceber como é que se trabalhava e como funcionava um sector tão distinto daquele onde tinha trabalhado até àquela altura. “Foi essencial para perceber o que podia, ou não, mudar, e definir quais os investimentos a fazer para isso acontecer”, explica, acrescentando que a mudança teve o sucesso esperado com a ajuda de toda a equipa, o que contribuiu para a empresa se manter, até hoje como líder no seu ramo de actividade.

O que é um bom charuto?

Para Pedro Rocha, o CEO da Empor, é aquele que é feito com as melhores qualidades de folhas, produzidas nos melhores terroirs, obedecendo a todos os processos de cura, fermentação, envelhecimento. Se isto estiver tudo bem feito, um bom charuto é aquele que nos proporciona o melhor prazer possível.

A Havaneza e a literatura

Foram vários os escritores portugueses que citaram a Havaneza nos seus livros, já que este foi, principalmente entre os séculos XIX e XX, um lugar de encontro especial na Baixa Lisboeta. Eis alguns exemplos:

“Nos fins de Março de 1871 havia grande alvoroço na Casa Havanesa, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam, rompiam pelos grupos que atulhavam a porta… Mas ninguém se mostrava mais exaltado que um guarda-livros do hotel, que do alto do degrau da Casa Havanesa brandia a bengala, aconselhando à França a restauração dos Bourbons.” – Eça de Queirós, em “O Crime do Padre Amaro”.

“Chiado, um cenário, um ritual de charuto a fumegar, à porta da Havaneza, Ramalho Ortigão assistiu à passagem por aqui du tout Lisbonne do seu tempo”  – José Cardoso Pires, em “Lisboa, Livro de Bordo”

Vamo-nos encostar à porta da Havaneza/E veja-se passar, essa burguesa,/Que vai de risco ao meio e vai de fato preto/ Ao sport de uma hora – à igreja do Loreto” – Guerra Junqueiro, em “No Chiado”