AZORES WINE COMPANY: Entre mar e vulcão

Azores Wine Company

Como dizem os nossos vizinhos espanhóis, “primero, lo primero”, ou seja, importa começar pelo início, ainda que a história já tenha sido narrada algumas vezes. Em pleno século XV, e como era habitual um pouco por todos os territórios descobertos, também os primeiros povoadores dos Açores começaram a plantar vinha, sobretudo no Pico, nas brechas […]

Como dizem os nossos vizinhos espanhóis, “primero, lo primero”, ou seja, importa começar pelo início, ainda que a história já tenha sido narrada algumas vezes. Em pleno século XV, e como era habitual um pouco por todos os territórios descobertos, também os primeiros povoadores dos Açores começaram a plantar vinha, sobretudo no Pico, nas brechas entre rocha lávica (tecnicamente quase não há solo), muitas vezes com alguma terra trazida da ilha do Faial. A vinha era, depois, protegida dos ventos salinos do oceano por pequenos muros formando currais.
A ilha do Pico, que se imagina ter chegado a quase 15 000 hectares de vinha, sofreu intensamente com a filoxera e depois com outras doenças e ataques, de tal forma que a produção ficou limitada a pouco mais de uma centena de hectares e, à excepção da Adega Cooperativa local, a um estatuto quase familiar, com algumas castas (caso do Terrantez) à beira da extinção.

Em 2007, António Maçanita, jovem enólogo e produtor vindo do continente, mas com mais do que uma costela açoriana, conhece o economista Filipe Rocha numa formação de comida e vinhos na Escola de Formação Turística e Hoteleira, sita em Ponta Delgada, onde este último era docente e dirigente. Pouco depois, António aceita o encargo de um estudo sobre a casta Terrantez do Pico, como acima referido, à beira da extinção, associando-se aos Serviços de Desenvolvimento Agrário de S. Miguel. Por volta da mesma altura, António conhece Paulo Machado, um dos maiores pilares da vitivinicultura açoriana, produtor da marca Insula Vinus, prestando ainda assistência técnica a outros projectos insulares. Depois de muitas conversas (e, estamos certos, ainda mais tertúlias vínicas nas famosas “adegas” existentes nas várias ilhas dos Açores), os três – António, Filipe e Paulo – fundam, em 2014, a Azores Wine Company (AWC), não sem que António tenha sido, no ano anterior, convidado por Paulo para produzir um Arinto dos Açores, precisamente no Pico.

Azores Wine Company

Para António Maçanita e Filipe Rocha, fundadores e proprietários da AWC, o esforço e o investimento são sempre maiores do que o projectado no Pico, mas os vinhos também são sempre melhores.

António, que já tinha tentado plantar uma vinha anos antes nos Açores, e ensaiado algumas vinificações, ficou impressionado com o resultado obtido! E assim começou a aventura…. Ora, se podemos afirmar que os três protagonistas mencionados tinham formação sólida nas respetivas áreas, dúvidas também não existem que o enredo e o contexto contribuíram para a realização e sucesso da obra.
Em primeiro lugar, dez anos antes, a classificação da paisagem da cultura da vinha do Pico como Património Mundial tinha colocado a ilha-montanha nas bocas do mundo, tendo-se duplicado, numa década, a sua área de vinha para uns ainda pouco significativos 250 hectares. Depois, a nível internacional começou a desenvolver-se um interesse por vinhos de ilhas e mesmo até por vinhos de ilhas vulcânicas, da Sicília a Santorini, passando pelas Canárias ou pela Ilha Norte da Nova Zelândia. Os vinhos dos Açores, e do Pico em especial, tinham encontrado o seu momento de nova ascensão, séculos depois de terem agraciado fama pela Europa e EUA. Os dados estavam lançados…

De São Mateus à Criação Velha
As melhores expectativas seriam, contudo, superadas. Ainda antes de se sonhar com a adega-hotel que actualmente é um polo criativo de enologia no Pico, a AWC lança-se em busca do essencial: vinhas e uvas. Enquanto adquiriam uvas a produtores locais no Pico, ficaram responsáveis por 30 hectares em São Mateus, no sul da ilha. Ora 30 hectares no Pico não são 30 hectares de planície pronta a plantar. O trabalho de desbaste do mato cerrado e reconstrução dos currais foi tarefa hercúlea, envolvendo mais de 30 homens durante meses. Volvida uma década, António e Filipe (Paulo Machado saiu, entretanto, da sociedade) ainda têm bem presente essa aventura, apelidada ao tempo pela generalidade dos picarotos como impossível (chamavam-lhe “a vinha dos malucos”). A verdade é que o esforço foi maior do que o inicialmente projectado, mas essa, dizem ambos, é a regra no Pico. “O esforço e o investimento é sempre maior do que o projectado, mas os vinhos também são sempre melhores do que pensámos que seriam”, confessam.

Hoje é com notório orgulho que ambos olham para esta vinha como um marcador do tempo: o primeiro grande desafio superado no Pico! Sucede que António e Filipe não são apologistas de “esperar para ver” e a história, os estudos e as (muitas) provas dos vinhos que iam fazendo apontaram rapidamente para um lugar especial a partir do qual pudessem fazer mais vinho. Esse lugar foi – e é – a Criação Velha, precisamente a paisagem que contribuiu para a classificação da Unesco. Fica na parte oeste da ilha e não muito distante da Madalena. É aqui onde as vinhas mais velhas, centenárias mesmo, se podem ainda encontrar, estendidas até a meros metros ao mar (do outro lado do canal está a ilha do Faial) e com maior exposição solar, uma vez que são os terrenos que mais distam da montanha que atrai, diariamente, as nuvens. Primeiro, com vinhas na zona da Canada do Monte e, depois, mais perto do mar, a AWC compreendeu a importância do Lajido da Criação Velha e seria daqui que os seus melhores vinhos seriam, e ainda são, produzidos. Mas lá iremos… Para a história fica o registo que, logo em 2014, a AWC produziu cerca de 10 000 garrafas. Alguns anos volvidos, e com mais de 125 hectares totalmente recuperados, esse valor subiu para uma média de 50.000-60.000 garrafas por ano.

Os vinhos
António Maçanita chegou as Açores com vários anos de rodagem do Alentejo (o seu projecto com maior dimensão é a Fita Preta, próximo de Évora), para não falar dos estágios em França e EUA, e dos vinhos que produz noutras regiões nacionais. E chegou com dois propósitos bens claros e que ficam evidentes perante o extenso portefólio da AWC: por um lado, conhecer e recuperar castas antigas (lá está o estudo inicial sobre a Terrantez do Pico) e, por outro lado, fazer o melhor vinho possível naquele terroir tão particular, que, segundo António, é um dos mais vocacionados para produzir os melhores brancos do país. O caminho para o primeiro desígnio passou pelo estudo e investigação das origens das castas, algo a que Maçanita se dedica continuamente e do qual fala com grande entusiasmo. Já para o segundo propósito, o percurso seria outro.

Como não existe uma história engarrafada dos vinhos tranquilos do Pico – os vinhos do Pico eram tendencialmente licorosos –, António começou a fazer o que mais gosta: testes e experiências, na forma de vinificações, por vezes mini-vinificações. Uma vez que a AWC foi engarrafando todas essas experiências, e colocando no mercado várias delas, podemos mesmo dizer que os consumidores ficaram com o privilégio de ir conhecendo, vindima a vindima, o percurso vitícola e enológico seguido. A eleição desta ou aquela vinha para vinificar em separado, colher mais tarde ou mais cedo, recorrer, ou não, a leveduras indígenas, efectuar estágio em borras ou sem borras, utilizar primeiras ou segundas prensas e espumantizar alguns vinhos bases, sem esquecer os licorosos que deram fama à ilha… enfim, tudo isso, e mais, foi testado ao longo dos anos e deu lugar a marcas distintas de vinhos, quase todos já esgotados.

Os vinhos e as marcas foram-se sucedendo, sempre privilegiando as castas Arinto, Verdelho e Terrantez em múltiplas declinações: foi o Arinto dos Açores, em versão sur lies ou em versão solera, vinhos de mais do que uma ilha e de mais do que uma colheita, mas também os vinhos de zonas e vinhas, caso do Canada do Monte, depois a Vinha Centenária, mais recentemente o Vinha dos Utras e a novidade última com o excelente Vinha dos Aards. Insistimos na tese: o portefólio extenso da AWC reflete essa busca pelo vinho perfeito, da viticultura à enologia, e esse é dos maiores legados que a empresa nos deixa. Para o futuro, fruto da experiência acumulada, é expectável que a gama se reduza e consolide.

Azores Wine Company

 

Parte do sucesso do enoturismo desta casa deve-se ao emprenho da sua responsável, Judith Martin

 

 

A adega e as novas vinhas
A parte final de toda essa experiência já foi possível numa nova adega, que começou a ser idealizada e construída em 2018 e inaugurada no primeiro semestre de 2021. Adega não… Falamos de um edifício que dispõe de alguns quartos cuidadosamente decorados e de um restaurante panorâmico que elevou o nível gastronómico da ilha (o sucesso do enoturismo deve-se muito também à sua responsável, Judith Martin), cuja adega propriamente dita é utilizada por outros produtores locais. Dizer, assim, que esse edifício é apenas uma adega é, como vimos, redutor. É, isso sim, um dínamo para a região, atraindo turistas da natureza, gourmets arreigados, e amantes do vinho, produtores e consumidores. A adega tem as melhores condições da região e uma capacidade para 250 mil litros. Por ora, e como acima já se referiu, a média anual de vinificação para as marcas da AWC cinge-se a valores entre 1/4 a 1/5 dessa capacidade. Já houve anos, como 2018 e 2019, em que a produção foi muito superior, mas, ainda assim, muito abaixo da produção média do continente. Com efeito, a experiência demonstra que os volumes anuais de uva nos Açores raramente são constantes, tanto em quantidade como no próprio estado sanitário, existindo anos mais molhados que outros. Mas não se pense que isso é mau, pois acarreta diversidade nos perfis. Enquanto os anos mais secos dão origem a mostos mais limpos, com fruta mais viva e directa, os anos mais molhados – anos clássicos nos Açores – contribuem com mostos com mais cor e aromas mais complexos de oxidação.

À volta da adega existem 50 hectares de vinha, às quais se soma a de São Mateus de que já falámos e onde tudo começou, e ainda várias parcelas no Lajido da Criação Velha. Mas, uma vez mais, António e Filipe não ficaram parados e procuraram um novo local para desbastar. Encontraram-no numa fajã criada pela erupção de 1562 na Baía de Canas, entre a vila de S. Roque e a Prainha, na zona norte da ilha. O que agora é uma vinha com três anos, era tudo mato, num total de 40 hectares, onde se plantou sobretudo vinhas tintas, caso do Bastardo, Rufete, Castelão e Saborinho, todas castas com alguma ligação a outras castas presentes nos Açores. António e Filipe dizem que, neste local, a vinha está plantada num chão sem matéria orgânica, pelo que o desafio é enorme, mais a mais tendo em consideração que a associação de tintos à ilha do Pico é menor do que a de brancos.

 

 

 

 

Provas e mais provas
Um dia com António Maçanita é sinónimo de provar dezenas de vinhos, e outras tantas amostras retiradas diretamente de barricas e cubas (aqui quase todas horizontais). Tivemos o privilégio de provar todas as colheitas de quase todas as referências da AWC, um verdadeiro festim de vinhos brancos, frescos, ácidos e maravilhosamente salinos! Mais um outro tinto (muito bom o raro Saborinho, sobretudo na colheita de 2015), aberto na cor e elegante na prova, e alguns licorosos de grande nível. Fizemos o percurso que acima identificámos como aquele que António atravessou até chegar aos seus melhores vinhos. Provar o Vinha dos Aards e o Vinha dos Utras, os dois topos de gama, é sentir que houve um caminho anterior, que continua com os vinhos Canada do Monte e o Vinha Centenária, igualmente soberbos. São todos belíssimos, com carácter açoriano, com os primeiros a serem quase sublimes. Muitas provas depois, ficámos com a certeza de que do Pico, e da AWC, saem alguns dos melhores brancos de Portugal.

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2024)

Entre Profetas e Villões

profetas villões

Talvez não fosse fácil imaginar que, em território português, ainda existisse terroir vitivinícola para explorar como se quase da primeira vez se tratasse. Mas aconteceu. Na ilha do Porto Santo (imagine-se), onde juntamente com Nuno Faria, produziu 3 brancos surpreendentes e de grande qualidade. Quem? António Maçanita, “who else”? Texto: Nuno de Oliveira Garcia Notas […]

Talvez não fosse fácil imaginar que, em território português, ainda existisse terroir vitivinícola para explorar como se quase da primeira vez se tratasse. Mas aconteceu. Na ilha do Porto Santo (imagine-se), onde juntamente com Nuno Faria, produziu 3 brancos surpreendentes e de grande qualidade. Quem? António Maçanita, “who else”?

Texto: Nuno de Oliveira Garcia
Notas de prova: João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia
Fotos: Fita Preta Vinhos

 A hora e o local estavam marcados, ainda que sem muita antecedência pois António Maçanita parece gozar de uma inquietação e entusiasmo permanentes que conduzem ao improviso feliz. Chegados ao restaurante, esperava-nos o próprio e Nuno Faria, parceiro no recém-criado projecto Profetas e Villões, propositadamente constituído e desenhado para albergar a produção de vinho na mais antiga ilha dos arquipélagos portugueses. O nome é uma referência expressa às alcunhas entre as gentes do arquipélago da Madeira: Profetas é como os madeirenses chamam aos porto santenses e Villões (lê-se Vilhões) o que os habitantes de Porto Santo chamam aos madeirenses. António e Nuno começam por nos lembrar que são amigos há mais de década e meia, que iniciaram a sua colaboração na criação de cartas de vinhos com chef Fausto Airoldi (no saudoso restaurante Pragma), entendimento que se seguiu nos restaurantes 100 Maneiras de Ljubomir Stanisic onde Nuno é sócio já há vários anos.

Os acontecimentos por detrás da génese do projecto que se apresentou são curiosos e António comunica-os com a habilidade de quem não o faz pela primeira vez. Assim começa: o seu amigo madeirense Nuno Faria habituou-se, desde pequeno, a passar férias no Porto Santo e, por isso, não hesitou em “refugiar-se” na ilha durante a pior fase do confinamento. Esse período levou-o a conhecer melhor a cultura de vinho de Porto Santo, e é o próprio Nuno a confirmar como ficou maravilhado com as vinhas velhas de estóica vivência praticamente sem água. Um dia, ao ligar a António a relatar o seu dia-a-dia na ilha (que incluía provas regulares de alguns vinhos locais…), o enólogo disparou: “vamos fazer aí um vinho!” Talvez António tenha proclamado a afirmação sem se recordar que a cultura de vinho em Porto Santo é deveras particular, sem proximidades com o arquipélago dos Açores (onde António é sócio da Azores Wine Company) e quase nada em comum com o Continente. Mas agora é o próprio a explicar-nos que se trata de um clima sem chuva, com bastante vento, e castas incomuns – Caracol e Listrão (Palomino, conhecida pela produção de Xerez). As vinhas estão assentes em solos calcários básicos (arenitos calcários decorrentes de acumulação de areia e moluscos) protegidas por pequenos muros de canas. Ao olhar para as imagens que nos são projectadas numa tela de computador só conseguimos identificar referências às Canárias (até por proximidade geográfica), a alguns dos solos de areia pobre de Santorini, mas sobretudo às vinhas velhas de Colares, também elas rasteiras e ladeadas por canas. Mas mais que tudo, a verdade é que pouco ou nada se sabe da viticultura no Porto Santo. As linhas de água que permitem as vinhas sobreviver, os antecedentes das castas, o arquétipo de vinho aí produzido durante séculos, tudo isso é desconhecido.  Mas o que poderia ser um inconveniente foi antes o desafio para a dupla produtora. Nuno e António provaram todos os vinhos locais, mais os produzidos por produtores madeirenses ao estilo Madeira com uvas do Porto Santo, e procuraram estudar as poucas referências históricas. A experiência do enólogo na “recuperação” de castas antigas fez o resto. Porém, do ímpeto de António até produzir ali um vinho muita coisa aconteceu. Foi necessário convencer produtores locais a avançar nesta aventura (as uvas provêm de vinhas de 80 anos de um produtor: o Sr. Cardina), depois combinar a data da vindima (sem qualquer referência histórica e mais cedo do que os restantes produtores locais, que são todos artesanais). Por fim, transportar as uvas por barco até à ilha da Madeira para aí iniciar a fermentação numa adega, sempre sem hesitar, mesmo quando as primeiras análises indicavam Ph entre 8,5-10…

Na apresentação, António e Nuno trouxeram uma garrafa do produtor local artesanal de que mais gostam para afinar o nosso palato e introduzirem-nos no universo dos vinhos do Porto Santo, e deram-nos ainda a provar um tinto cuja cuba se perdeu num acidente. No fim do almoço, voltam a fazê-lo, mas agora em despedida, com um velho e interessante Listrão Branco do produtor madeirense Artur de Barros e Sousa e um magnífico Listrão de 1977 da Blandy’s que está em comercialização. Mas foram, e são, aqueles três vinhos brancos apresentados – Caracol dos Profetas, Listrão dos Profetas, e Listrão dos Profetas Vinho da Corda – que mais nos ficaram na cabeça nos dias a seguir à prova. Pela originalidade e singularidade, mas sobretudo pela excelência da qualidade logo em ano de estreia num terroir quase desconhecido. Demos a volta à nossa memória para ver quando tinha sido a última vez que isso nos tinha acontecido. Ainda hoje não temos a resposta.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2022)

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Azores Wine Company: O cantar do caranguejo

Azores Wine Company

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Texto: Mariana Lopes
Fotos: Azores Wine Company e Mariana Lopes

Azores Wine Company 

Dizem os antigos que as melhores vinhas dos Açores são aquelas “onde se ouve o cantar do caranguejo”, ou seja, as que estão na bordadura das ilhas, mais próximas do mar. Mas também da nova adega da Azores Wine Company quase se ouve esse cantar, situada em Bandeiras, concelho da Madalena. Esta adega era um sonho da empresa, praticamente desde a sua fundação em 2014, mas já lá vamos… A sementinha que fez nascer o projecto foi plantada quatro anos antes disso. Em 2010, António Maçanita (filho de açoriano e há muito interessado nos vinhos dos Açores) ingressou num projecto de recuperação das castas locais — Arinto dos Açores, Verdelho, mas sobretudo da Terrantez do Pico, em São Miguel — apoiado pelo Governo Regional, que só aumentou ainda mais o seu entusiasmo pela região e pelos seus vinhos.

Em 2013, António teve a iniciativa de dar consultoria aos outros produtores do Pico, que nessa altura eram cerca de seis. Mas esse projecto de consultoria incluía um workshop que, embora gratuito, teve adesão apenas de um dos produtores e, à data, presidente da Comissão Vitivinícola Regional dos Açores, Paulo Machado, dos vinhos Insula. Assim, sem intenção inicial, Paulo foi o “chosen one” de António Maçanita, que acabou por lhe lançar o desafio: “Esquece o workshop, e se fizéssemos um vinho juntos?”. O produtor acabaria por ser a pessoa ideal para formar um projecto vínico com Maçanita, por ser agrónomo, vir de uma família dedicada à viticultura do Pico há varias gerações, e denotar muito conhecimento sobre a vinha e os vinhos da ilha. Desse repto, e ainda em 2013, nasceu um Arinto dos Açores que foi o pontapé de saída para tudo o estava por vir. Pouco tempo depois, juntou-se também Filipe Rocha, formador em hotelaria e turismo, em Ponta Delgada, para assumir a gestão financeira e comercial daquele projecto embrionário.

Estava formado o trio fundador da Azores Wine Company em 2014, e, como hoje é de aceitação generalizada, os vinhos do Pico estavam prestes a passar por uma revolução como nunca antes: voltaram a estar no mapa, a nível nacional e internacional, o que hoje resulta num price point das uvas e dos vinhos muito superior ao que se praticava na altura, e numa bastante maior área de vinha em produção. A qualidade esteve sempre lá, mas afinal o que lhes faltava, era alguém que a alavancasse, e que soubesse comunicar os vinhos com paixão e destreza.

Azores Wine Company
As pedras vulcânicas que compõem os muros dos currais.

(Re)Descobrir o Pico

 A Azores Wine Company começou apenas com as vinhas de Paulo Machado, que na altura totalizavam doze hectares mas, naturalmente, isso não bastava. Assim, o “trio maravilha” lançou-se na recuperação e plantação de vinhas, adquirindo terreno, arrendando parcelas e comprando uvas a outros viticultores. Hoje, têm já 56 hectares de vinha própria — 55 na zona da adega, em Bandeiras, e um na Criação Velha — e arrendam 33 em São Mateus e 38 em Baía de Canas. As castas plantadas, são sobretudo  as brancas Arinto dos Açores, Verdelho (o mesmo que há na Madeira), Terrantez do Pico, Boal de Alicante e Malvasia (chamam-lhe Boal dos Açores) e as tintas Saborinho (Tinta Negra), Bastardo, Rufete e Malvarisco. Falamos de vinhas muito especiais, únicas, diferentes de tudo o que existe no resto do Mundo. Nesta ilha, que é a mais nova do arquipélago dos Açores, com idade entre os 300 e os 400 mil anos (a mais velha é Santa Maria, nos 8.12 milhões de anos), a paisagem vitícola, sempre com o vulcão em plano de fundo, é composta por quadrículas feitas com amontoados de pedras vulcânicas, os chamados currais, que albergam as videiras e as protegem do impacto directo dos ventos salgados, que de outra forma as queimariam. Se pensarmos que já houve um cenário, antes da grande praga de oídio em 1853 e de filoxera algumas décadas mais tarde, em que o Pico teve cerca de 15 mil hectares deste tipo de vinha, é, de facto, impressionante. Em 2003, existiam apenas 120 hectares, que com muito sacrifício e paixão dos viticultores da ilha passaram para 340, em 2014. Mas mais surpreendente ainda, é o facto de, após sete anos de Azores Wine Company, esse número ter passado para o milhar. É o poder do exemplo…

Uma das prioridades da empresa foi, logo desde o início, fazer uma pesquisa genética e histórica sobre as castas, os solos, o clima (moderado a frio) e todo o Pico vitivinícola. As primeiras vinhas foram plantadas no final do século XV. Em 1580, esta já era uma ilha de vinho, com as vinhas distribuídas por toda a orla costeira, o mais próximo do mar possível (as tais vinhas do “cantar do caranguejo”). E isto tinha e tem uma razão de ser: posto de uma forma mais simples, quanto mais próximos estamos da montanha, mais chove.

No centro da ilha, caem mais de 5 mil mililitros de água por ano e, as extremidades, menos de mil. Depois, como demonstrou António Maçanita, há o efeito Foehn, no qual o vento que vem de Norte, húmido e frio, bate na montanha, sobe e depois desce, já quente. Já os solos têm características tão rústicas que só servem praticamente para viticultura, não havendo assim concorrência de culturas. São solos litólicos, extra resistentes que, em certas zonas, são compostos por terra em cima da rocha-mãe. Reduzem-se a dois tipos: o “chão de lagido”, mais duro e opaco, quase exclusivamente usado para vinha, em que as videiras estão plantadas nas fissuras das rochas, indo mais fundo à procura do que precisam; e o “chão de biscoito”, com uma textura mais de calhau (daí o “biscoito”) à superfície, o qual pode ser arável depois de retirados os componentes mais grosseiros. Depois de sabermos isto, de estarmos lá no terreno a olhar com cara de espantados para o que se estende à nossa frente, e de tentarmos transitar pelo meio dos ditos currais, percebemos porque é que a ilha do Pico tem uma das viticulturas mais caras do planeta, com uma produção média de apenas 1200kg por hectare. O trabalho nestas vinhas é todo  manual, muito exigente e minucioso, e Paulo Machado explicou-nos que, hoje, investem em operações que podem fazer diferença, mais tarde, na qualidade das uvas, como as intervenções em verde, para aumentar a exposição dos cachos ao sol e ao arejamento, promovendo a sua suspensão. A tratar das vinhas em permanência, têm 25 pessoas.

Para juntar “à festa”, a Azores está com dois hectares em processo de certificação bio, sendo os primeiros a fazê-lo. Num desses hectares, na Criação Velha, as uvas custam uns impressionantes 18 euros por quilograma. O preço-médio das uvas da ilha é de cerca de 5 euros por quilo, mas Paulo garante que já chegaram “a comprar Terrantez por 7,90, em 2019”. Não é difícil perceber que, para tudo isto ser rentável, o posicionamento de preço dos vinhos tem de ser alto.

Azores Wine CompanyAdega de sonho

 A nova adega ficou pronta este ano, e era a peça do puzzle que faltava para a Azores Wine Company fechar o ciclo. Recuando um pouco, foi em 2015 que António, Filipe e Paulo começaram a pensar no projecto adega. Sempre quiseram que ela fosse construída no meio da vinha porque, como diz Filipe, “a vinha é ela própria um museu”. Em 2018, iniciou-se a obra, que acabou por durar três anos. “Foi um projecto bem caro”, confessou António Maçanita, “só o betão é cerca de 30 a 40% mais caro aqui do que em São Miguel”. A julgar pela quantidade de “betão à vista”, não é difícil acreditar, mas foram três milhões e meio de euros que valeram muito a pena… O edifício — desenhado a quatro mãos, por duas duplas de arquitectos, os portugueses SAMI e os ingleses DRDH — perfaz um quadrado perfeitamente inserido no terreno, e foi revestido, na parte exterior, a rocha vulcânica. A vista a partir dele é idílica, sobre o mar e as ilhas São Jorge e Faial. Mas esta não é apenas uma adega, em stricto sensu.

Com sala de provas, um espaço para eventos e restaurante, cinco quartos com vista mar e um apartamento T2, além das três salas de barricas e da zona mais industrial, com todo o equipamento de recepção de uvas e vinificação, este é um autêntico centro enoturístico de luxo, como nunca antes visto no Pico. Além disto, o edifício foi construído com uma determinada inclinação, para recolher água, especificamente 1500 m3 de água por ano (as vinhas no Pico não retêm água). Bem no centro, está um logradouro com um mini-jardim, onde há tanques com água e Dragoeiras, uma árvore mítica, da Macronésia, muito típica dos Açores, que se diz ter nascido da luta entre um dragão e um leão. É também muito utilizada como tintureira, e a sua seiva vermelha é vulgarmente apelidada de “sangue do dragão”. Os quartos estão mesmo em frente, e foram uma das prioridades do projecto. “Queríamos ter quartos na adega porque, tradicionalmente, no Pico as pessoas não recebem os convidados em casa, mas sim nas adegas”, contou Filipe Rocha. A arquitecta de interiores Ana Trancoso deu-lhes um feeling industrial e minimalista, mas os apontamentos mais calorosos são da curadoria de Judith Martin, responsável de enoturismo e, como ela própria diz, “de tudo um pouco”.

Uma das maiores surpresas, foi o restaurante, que está agora a dar os seus primeiros passos. A equipa deste espaço gastronómico é bem jovem, composta pelo chef José Diogo Costa (curiosamente, Madeirense), a sub-chef Angelina Pedra e a chefe de sala Inês Vasconcelos. O que vem para a mesa, é reflexo de todo o conhecimento que José Diogo acumulou, ao lado de Inês, nas suas viagens e nas dezenas de restaurantes em que trabalharam, pelo Mundo fora: uma cozinha moderna, elegante, culta, com muito foco nas matérias-primas locais e onde todos os sabores se conjugam em harmonia.

Vinhos muito especiais

 Além das novas colheitas de vinhos que já faziam parte do portefólio da Azores Wine Company — como os Rosé e Branco Vulcânico, o Arinto dos Açores, Terrantez do Pico (já provado anteriormente na GE) ou o Vinha Centenária — foram apresentadas quatro novidades absolutas: Arinto dos Açores São Mateus, Arinto dos Açores Bandeiras, Canada do Monte e Vinha dos Utras 1os Jeirões. Estes últimos dois, juntamente com o Vinha Centenária, provêm de vinhas velhas da zona da Criação Velha, o último núcleo de vinhas velhas do Pico. Mas se, até agora, o Vinha Centenária estava no topo da hierarquia de vinhos da empresa, acabou de ser destronado pelo Vinha dos Utras 1os Jeirões 2019 e pelo Canada do Monte 2018. Este branco, com 95% de Arinto dos Açores e o resto de castas misturadas na vinha (como Verdelho, Malvasia Fina e Boal de Alicante), vem de uma parcela adquirida em 2018 pela Azores, com 60 a 80 anos de idade, quase encostada ao mar em “chão de lagido”, que recebe mais horas de sol, o que resulta “numa maior concentração e forte marca marítima”. É uma das que está em processo de conversão para biológico. O sítio é muito especial e, acreditem, tudo isto se reflecte na garrafa. Na adega, as uvas são prensadas directamente, com as primeiras prensagens (70%) a ser vinificadas em inox — em cuba deitada “para que as borras finas se estendam no fundo e fiquem em contacto com o máximo de área de vinho, protegendo-o”, como explicou Maçanita — e as segundas em barricas de carvalho francês de 3º uso, sem bâtonnage, durante 12 meses. O Canada do Monte, por sua vez, tem origem numa bolsa de vinhas com o mesmo nome, que resistiu à extinção pela filoxera. A vinificação é em tudo semelhante à do Vinha dos Utras.

Azores Wine Company
A Viticultura na Ilha do Pico é extremamente dura.

A Azores Wine Company produz hoje mais de 100 mil garrafas por ano, o que não é assim tão pouco quando consideradas as condições difíceis de viticultura e a baixa produtividade das vinhas. Acima de tudo, este foi o projecto que veio fazer a real diferença na ilha do Pico (e nos Açores) enquanto região vitivinícola e denominação de origem. E no futuro, depois deste completar de ciclo para a Azores… talvez um licoroso?

(Artigo publicado na edição de Julho 2021)

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vinho da casa #9 – Maçanita Touriga Nacional Letra A tinto 2017

António Maçanita e Fita Preta: Casa com passado, vinhos de futuro

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Quando começou o seu percurso de enólogo e produtor, António Maçanita nunca pensou vir a restaurar um paço do século XIV. Indomável, construiu-se quando ninguém estava a ver, e agora é um dos players que mais agitam as águas.

TEXTO Mariana Lopes
NOTAS DE PROVA Luís Lopes e Mariana Lopes
FOTOS Mário Cerdeira

De uma das estradas que vai de Évora para Nossa Senhora da Graça do Divor (uma freguesia que, entre menires cromeleques e antas, tem cerca de 500 habitantes), vê-se um edifício que não deixa ninguém indiferente. Pelo seu traçado, percebe-se que é coisa de outro tempo e quase parece, também, de outro lugar. António Maçanita, que na mochila trazia a Fita Preta, empresa que que fundou em 2004 com David Booth e que hoje partilha com a enóloga Sandra Sárria (sócia minoritária), passava naquela estrada inúmeras vezes e a pergunta era sempre a mesma: “O que é aquilo?”. Até que, em Maio 2015, no dia a seguir a um casamento e apesar do cansaço, as palavras “Não passa de hoje” ressoaram na sua cabeça. Foi aqui que deu início ao processo que fez com que a Fita Preta ganhasse casa própria (até aqui estava em adega alugada e não possuía vinha), adquirindo 87% da propriedade em 2016, com usufruto exclusivo e responsabilidade de recuperação. E que bela casa ganhou: um paço medieval fundado em 1306 em regime de morgadio por D. Martim Pires de Oliveira, arcebispo de Braga entre 1295 e 1313 e dono, entre outras, da vila da Vidigueira, um homem muito influente. Este entregou logo a gestão da coisa ao irmão Mem Pires, para garantir a transferência da mesma em linha direita sucessória, e porque a lei da altura era restritiva em relação à posse de bens por parte do clero.

No entanto, à data em que António Maçanita finalizou a compra, o proprietário do Paço do Morgado de Oliveira era D. João Saldanha, e há 700 anos que já estava na sua família. Por ali passaram reis, como D. João II, por exemplo, em Setembro de 1490, acompanhado do seu filho, o Príncipe D. Afonso. Por Garcia de Resende, em “Crónica de D. João II”, sabe-se que o monarca ali justou, no pátio do Paço da Oliveira. Um sítio místico, portanto, onde a Fita Preta colocou cinco historiadores a investigar e que se descobriu ter sido alvo de alterações ao longo do tempo, principalmente no século XIX, altura em que a família Saldanha tomou conta do edifício. Sem ambições museológicas e apenas pela preservação histórica e para fins funcionais, António Maçanita começou a recuperá-lo e, “escavando” as camadas de massa até à pedra, descobriu cinco portas de arco em ogiva, uma fresta e três pares de janelas em ogiva no primeiro piso (que não comunica com o térreo), resgatando o esqueleto original medieval do edifício. “Há aqui salas ‘abonitadas’ no século XVI”, esclareceu Maçanita. Também um lagar de azeite soterrado viu agora luz, que se confirmou sê-lo por um escrito de 1776 onde se lê “armazém de azeite com sua loiça”, e por outro de 1865 que refere a necessidade de obras no lagar.

Toda esta empreitada, sem qualquer financiamento externo, foi iniciada em 2017, bem como a do edifício novo, todo revestido a cortiça e perfeitamente integrado no ambiente e com a parte antiga. Assim, estes dois edifícios formam uma adega de duas naves, a de brancos no antigo e a de tintos no novo, com comunicação por tubos subterrâneos. Para a primeira, as cubas verticais de inox foram feitas com uma medida especial, para que coubessem entre as colunas de pedra originais. Estas coabitam com as barricas de madeira e com cubas horizontais, modelo de fermentação que António trouxe dos Açores, onde por ligação familiar (o pai é açoriano) também produz vinho, sob a umbrela Azores Wine Company. “O meu objectivo, nos brancos, é fazer o máximo de fermentações possíveis, trabalhando com leveduras que não geram novos perfis aromáticos, utilizando zero sulfitos até ao final da fermentação e apenas fazendo bâtonnage como ferramenta de protecção”, explicou o enólogo, apontando para as barricas, cada uma com um tipo de levedura diferente. A capela interior, datada de 1567, é também guardiã de barricas de estágio, cuidadosamente dispostas ao longo das suas paredes e a formar um corredor que leva ao altar original. No edifício novo, além da adega de tintos, espaçosa e muito prática, com as cubas, a prensa e a mesa de escolha, encontra-se a sala de provas, o laboratório, escritórios, loja e espaço para eventos.

A expansão do território

Apesar de, à sua chegada, António Maçanita ter tido um feeling de que ali se fazia vinho, à partida nada o mostrava, o terreno não continha vinha. Em 2017, começou por plantar quatro hectares, em 2019 foram mais dezasseis e em 2020 serão mais treze. Naquele solo, maioritariamente saibro e granito (a 60 metros de profundidade), a relação entre a superfície e o lençol freático é muito próxima. “Quase toda a zona de vinha é tocada pela água”, disse Maçanita. Na verdade, ali encontra-se o ribeiro do Louredo, de onde nasce o rio Xarrama (ou Enxarrama). Na parte com mais água, junto ao Paço, foi plantado Arinto, por exemplo. O historiador Francisco Bilou, autor do estudo “A Quintã da Oliveira, no termo de Évora: território, património e identidade histórica” refere precisamente a abundância de água como justificação para a configuração visual pouco comum da propriedade: “(…) a estrutura residencial não se localiza na parte mais alta da propriedade onde o domínio visual sobre o território envolvente é maior, sobretudo para o quadrante norte, mas antes a meia encosta, sendo apenas visível de sul e nascente. O que reforça a ideia de uma localização de acordo com as particularidades fisiográficas do «lugar», como são a abundância de água e a qualidade dos solos (…)”. Aliás, presume-se que da visita de D. João II, supramencionada, “tenha resultado a decisão de restaurar o velho aqueduto romano fazendo com que a água das fontes da Prata e Oliveira corresse na praça principal da cidade”, como escreveu Francisco Bilou.

Neste momento, o mapa vitícola da Fita Preta conta, além da área própria do Paço do Morgado de Oliveira e de vinte hectares recentemente adquiridos em Aldeia da Serra (no Redondo), com a exploração integral de seis hectares (bio, solos argilo-calcários) em Nora; seis em Craveira, no Redondo (granito); nove de vinha velha em Azaruja (granito); e dezasseis em Bencatel, em solos de xisto. António Maçanita descortinou: “Eu sou um fã de xisto, tínhamos de ter” e explicou que “do ponto de vista mineral é um solo mais complexo, dá textura e potência de boca aos vinhos. Além disso, o xisto faz um melhor doseamento de água para a planta ao longo do tempo. Granito dá elegância, mas é mais simples”. Em todos os locais, a preferência é por vindima manual e nocturna.

A vinha velha de Aldeia da Serra é impressionante. Tem 49 anos, solos graníticos, e está num local antes apelidado de Chão dos Eremitas, e por isso também nome de uma colecção de vinhos da Fita Preta que inclui três monocasta: Tinta Carvalha, Alicante Branco (antigo Boal de Alicante) e Trincadeira-das-Pratas (conhecida no Alentejo por Tamarez). As linhas montanhosas da Serra d’Ossa pintam-se em plano de fundo e dois riachos cortam as parcelas, onde nascem castas como, além das citadas, Fernão Pires, Roupeiro, Castelão, Trincadeira, Alfrocheiro, Moreto ou Grand Noir. É um cenário bastante aberto e solarengo, em planície, que com as imponentes videiras velhas e a presença dos riachos e de oliveiras circundantes, forma uma espécie de oásis, onde o nível freático está apenas entre os três e os cinco metros de profundidade. Aqui, os Pauperes Eremiitas (latim para Pobres Eremitas) de São Paulo faziam as suas vinhas, habitando onde é hoje o Convento de São Paulo. A importância deste local era tal, que a Bula Papal de 1397 isenta os Pauperes Eremiitas de tributos nestas vinhas, como contou Maçanita.

Um portefólio de peso

O portefólio Fita Preta é uma loucura, e não estamos a contar com vinhos de outras regiões que não o Alentejo. Tendo começado em 2004 com o tinto Preta e com o primeiro Sexy Tinto, tem crescido exponencialmente desde então. Vários outros Sexy foram adicionados, os Fita Preta, Branco de Talha, Baga ao Sol, Palpite, A Touriga Vai Nua, entre muitos outros, agora com novidades como os Chão dos Ermitas e o Laranja Mecânica, um vinho feito com dez castas e maceração de uma semana depois da primeira prensagem, fermentação espontânea em inox após segunda prensagem,

e doze meses de estágio sobre borras primárias. Tudo isto surge de uma hiperactividade mental de António Maçanita, que não se cansa de concretizar ideias, por mais mirabolantes que pareçam. Felizmente, tem os enólogos Sandra Sárria e Andrés Herrera ao seu lado que, com o mesmo espírito, alinham em todas as aventuras.
A produção actual da Fita Preta no Alentejo é de 280.000 garrafas anuais e “a vontade é de estabilizar este número”, afirmou António, admitindo que “o foco agora é aumentar o preço médio e lançar os vinhos mais tarde para o mercado”. Daquele número, 60% vai para fora do país, sobretudo para Suíça, Estados Unidos, Canadá, Bélgica, Alemanha, Holanda, França, Finlândia e Noruega. O envio de pequenas quantidades é já hábito da marca, pois “quem quer vender os nossos produtos não trabalha com grandes quantidades, nem começa com o portefólio todo, mas antes por entender o vinho. Assim, conseguimos construir um mercado exigente e de continuidade”, revela. Cheio de energia, António Maçanita não dá a entender que vá parar por aqui. Mas depois da recuperação de um Paço Medieval, só esperando para ver.

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Edição nº 33, Janeiro 2020

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António Maçanita cria loja online e reverte metade dos lucros para Cruz Vermelha

Já está online o site onde é possível comprar mais de 50 vinhos assinados pelo enólogo e produtor António Maçanita (entrega gratuita acima de quaisquer 6 garrafas) e, ainda, ajudar a Cruz Vermelha na batalha contra a COVID-19. Metade dos lucros vai para a campanha #euajudoquemajuda. “Perante esta situação difícil que vivemos, os meus esforços […]

Já está online o site onde é possível comprar mais de 50 vinhos assinados pelo enólogo e produtor António Maçanita (entrega gratuita acima de quaisquer 6 garrafas) e, ainda, ajudar a Cruz Vermelha na batalha contra a COVID-19. Metade dos lucros vai para a campanha #euajudoquemajuda.

“Perante esta situação difícil que vivemos, os meus esforços vão para, não só manter a minha empresa em funcionamento e a minha equipa saudável e protegida, como fazê-lo ajudando onde é mais preciso durante esta crise de saúde pública. Assim, criámos um site de venda dos nossos vinhos, com referências que até agora o cliente final só podia aceder através da restauração ou do pequeno retalho. No entanto, não faz sentido para mim, nem para a minha equipa, sermos ajudados sem ajudar os outros. Como tal, queremos participar nesta rede em cadeia doando metade dos lucros que faremos online à campanha #euajudoquemajuda, da Cruz Vermelha.” declarações do enólogo António Maçanita sobre as motivações que levaram a esta iniciativa.

Entre os vários vinhos disponíveis, estão novidades lançadas este mês de Março, como a gama Chão dos Eremitas, da Fita Preta, ou o Fita Preta Branco Ancestral. Além das novidades, também raridades e edições especiais, até agora pouco acessíveis, estarão disponíveis para venda ao público. É o caso do Fina Flor, um vinho que faz lembrar um xerez seco; Da Pedra se fez Espumante, um espumante dos Açores; ou Laranja Mecânica, o primeiro vinho laranja do enólogo.

As entregas demoram entre 24 e 48 horas para território nacional e entre 48 e 72 horas para o resto da Europa, mas para quem tem pressa de provar estes vinhos, pode fazê-lo na Grande Lisboa através da aplicação No Menu que tem, a partir de hoje, 31 vinhos das várias regiões onde o enólogo produz, disponíveis para entrega imediata. Esta parceria com a No Menu – que terá exclusivamente em armazém estes vinhos para venda – procura facilitar quem quer comprar menos quantidade de vinhos, mais rapidamente.