Douro tinto, a hora dos magníficos

São grandes tintos do Douro, mas são sobretudo grandes vinhos em qualquer parte do mundo. Em poucas décadas, muitos dos vinhos não fortificados da região saíram de um quase anonimato para se tornarem nomes distinguidos pelos apreciadores de todo o mundo. A viticultura de montanha e a enorme diversidade da região fazem do Douro um […]

São grandes tintos do Douro, mas são sobretudo grandes vinhos em qualquer parte do mundo. Em poucas décadas, muitos dos vinhos não fortificados da região saíram de um quase anonimato para se tornarem nomes distinguidos pelos apreciadores de todo o mundo. A viticultura de montanha e a enorme diversidade da região fazem do Douro um cadinho onde se constrói a excelência.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A região do Douro parece ter um íman, algo que atrai de forma irresistível quem se aproxima. Não são só os visitantes turistas, são também os profissionais do sector, sejam eles jornalistas, sommeliers, importadores, distribuidores e todos os apreciadores de vinho. A paisagem e as qualidades naturais da região para originar um grande vinho são razões que bastam para que a tal atracção não tenha parado de crescer nos últimos anos. É verdade que há um “visitante de raspão” que passa sem verdadeiramente entrar na região, que vê a paisagem do seu barco de turismo e que não chega a entender nada de nada, mas, e ainda bem, há cada vez mais turistas que querem ver, falar, palmilhar caminhos e descobrir os vinhos do Douro. Para um turismo de qualidade requer-se uma oferta que lhe corresponda e o Douro tem conhecido um enorme desenvolvimento neste campo. Todos beneficiam com isso. O tema da atracção poderia estender-se a uma quantidade de produtos que se dão muito bem na região, desde o azeite aos produtos hortícolas, dos citrinos aos frutos secos. Terra abençoada dizem uns, terra difícil e muitas vezes ingrata dizem os que lá vivem.

A produção de vinho DOC Douro interessa cada vez a mais produtores que tradicionalmente já eram produtores de uvas para Porto. Não se estranha assim que surjam constantemente novas marcas que procuram entrar no mercado em patamares elevados de preço, o que não é fácil. Não é fácil vender, desde logo por falta de empresas de distribuição dispostas a agarrar mais uma marca; e o consumidor precisa de reconhecer uma qualidade continuada à marca para estar disponível para pagar caro por uma garrafa. Muitos desses vinhos são editados em quantidades muito limitadas que, por outro lado, não chegam a todo o país. O tema é de difícil resolução e a oferta de vinhos DOC Douro a preços elevados é muito, muito grande. A qualidade poderá amplamente justificar o que se paga, mas esse não é o único factor a ter em conta na formação do preço de uma garrafa de vinho.

A região continua a produzir mais Vinho do Porto do que DOC Douro, com o Cima Corgo a ser a principal sub-região, logo seguida pelo Baixo Corgo e, bem mais abaixo, o Douro Superior. No total falamos, dados relativos a 2018, de cerca de 38,5 milhões de litros, sensivelmente metade do que a região produz em Vinho do Porto. Já em termos de vinho comercializado, o Douro já suplantou o Porto em virtude da lei do terço que obriga os operadores do Vinho do Porto a apenas poderem comercializar 1/3 do stock. Os vinhos IG Duriense (que conhecemos pelo nome de Vinhos Regionais) têm aqui uma expressão muito pequena, principalmente se comparados com outras regiões do país. Do ponto de vista das variedade de uva utilizadas, as principais são as tradicionais (ver caixa) e as castas vindas de fora (da região ou do país) são raramente plantadas. Temos assim uma área de vinha de cerca de 40 000 hectares aptos à produção de vinhos Douro e um pouco mais de mil agentes (1.082), que vão dos pequenos produtores-engarrafadores aos armazenistas (engarrafadores não vinificadores) e grandes empresas produtoras.

Da produção ao comércio

Os vinhos DOC Douro não são dos mais consumidos entre nós (estão bem atrás do Alentejo e Vinho Verde, por exemplo) mas são dos que têm mais procura em alguns segmentos do mercado, nomeadamente na gama média/alta dos apreciadores. Jaime Vaz, da Garrafeira Nacional em Lisboa, tem cerca de 500 referências de vinhos do Douro. Neste número incluem-se, naturalmente, várias colheitas da mesma marca (Pintas, Quinta do Vale Meão, por exemplo) e se pensarmos apenas em marcas diferentes, diz-nos Jaime, serão cerca de 400. O negócio de uma garrafeira é bem diferente do de uma grande superfície e aqui vêm sobretudo consumidores que são conhecedores e estrangeiros que procuram os grandes nomes da região. Não se estranha assim que cerca de metade dos vinhos que estão disponíveis nas prateleiras se situem numa gama de preço acima dos €40. A procura tem crescido, têm sido acrescentadas novas marcas mas nada que “dê vazão” à quantidade enorme de produtores que aparecem na loja com a expectativa de ali poderem vender os seus vinhos. As mais recentes entradas na lista da Garrafeira Nacional contemplam a Quinta da Vacaria, Quinta da Zaralhôa, Quinta do Côtto e Quinta do Vale da Perdiz (marca Cistus). Conseguir vender é o enorme desafio dos pequenos produtores.

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O negócio dos vinhos na região tem matizes que se têm alterado, tal como as condições climáticas. Tradicionalmente a zona do Baixo Corgo – fértil e com grande pluviosidade – era sobretudo a região onde se faziam vinhos do Porto das entradas de gama, onde se colhiam uvas com baixa graduação e pouca estrutura. A situação está a alterar-se com as mudanças climáticas e, ironicamente, para melhor. Segundo Paulo Ruão, enólogo da empresa Lavradores de Feitoria, a diminuição da chuva no Baixo Corgo veio a beneficiar os vinhos e, onde antes se encontravam vinhos com 11% de álcool hoje vendem-se com 13% e, mais importante, “os vinhos têm mais estrutura também por via de uma melhor viticultura; na zona de Mesão Frio, que está a ser cada vez mais procurada, conseguem-se comprar hoje vinhos de uma qualidade muito superior à que estávamos habituados há apenas 5 anos”. Este fenómeno liga-se directamente às alterações climáticas e, ainda segundo Paulo Ruão, “o desafio do futuro próximo é muito mais a adaptação das melhores castas do que a introdução da rega”.

É também esta a opinião de Manuel Vieira, enólogo consultor, que não se mostra muito preocupado com o futuro uma vez que “há que tirar partido do património de castas que temos e escolher as que melhor possam responder; também a localização das vinhas passará a ter uma importância fundamental e as encostas viradas a norte e as vinhas em altitude que outrora eram consideradas zonas menores, terão no futuro um papel fundamental”. Neste novo quadro é possível que se tenha de tomar mais atenção aos porta-enxertos, escolhendo sobretudo os mais resistentes à seca (que eram os que tradicionalmente e usavam na região) e é provável que algumas castas tendam a perder importância, como a Tinta Barroca, Tinta Amarela e Tinta Roriz. Ainda sobre o tema das castas, quer Manuel Vieira quer Paulo Ruão concordam com a capacidade da Touriga Nacional para responder a estes desafios mas há menos certezas em relação a castas que têm sido muito faladas como a Sousão, que precisa de clima fresco, como nos Verdes (Ruão) e a Alicante Bouschet que produz bem mas ainda é cedo para se perceber se será casta com muito futuro. E castas que antes amadureciam mal (como a Tinta Francisca) estão agora a dar muito boa resposta.

Há aqui um enorme desafio que se coloca às empresa e produtores: pesquisar, estudar e compreender muitas das castas antigas que estiveram “em arquivo” e apenas presentes nas vinhas velhas e que poderão responder bem às mudanças do clima. A região tem, no entanto, uma enorme vantagem, como salienta Paulo Ruão: o solo xistoso que permite a passagem das raízes entre os fragmentos da rocha e a capacidade do xisto de conservar alguma frescura mesmo em ambiente de pouca pluviosidade, são grandes vantagens, é algo de muito original no Douro”.

O negócio dos vinhos na região tem matizes que se têm alterado, tal como as condições climáticas. Tradicionalmente a zona do Baixo Corgo – fértil e com grande pluviosidade – era sobretudo a região onde se faziam vinhos do Porto das entradas de gama, onde se colhiam uvas com baixa graduação e pouca estrutura. A situação está a alterar-se com as mudanças climáticas e, ironicamente, para melhor. Segundo Paulo Ruão, enólogo da empresa Lavradores de Feitoria, a diminuição da chuva no Baixo Corgo veio a beneficiar os vinhos e, onde antes se encontravam vinhos com 11% de álcool hoje vendem-se com 13% e, mais importante, “os vinhos têm mais estrutura também por via de uma melhor viticultura; na zona de Mesão Frio, que está a ser cada vez mais procurada, conseguem-se comprar hoje vinhos de uma qualidade muito superior à que estávamos habituados há apenas 5 anos”. Este fenómeno liga-se directamente às alterações climáticas e, ainda segundo Paulo Ruão, “o desafio do futuro próximo é muito mais a adaptação das melhores castas do que a introdução da rega”.

É também esta a opinião de Manuel Vieira, enólogo consultor, que não se mostra muito preocupado com o futuro uma vez que “há que tirar partido do património de castas que temos e escolher as que melhor possam responder; também a localização das vinhas passará a ter uma importância fundamental e as encostas viradas a norte e as vinhas em altitude que outrora eram consideradas zonas menores, terão no futuro um papel fundamental”. Neste novo quadro é possível que se tenha de tomar mais atenção aos porta-enxertos, escolhendo sobretudo os mais resistentes à seca (que eram os que tradicionalmente e usavam na região) e é provável que algumas castas tendam a perder importância, como a Tinta Barroca, Tinta Amarela e Tinta Roriz. Ainda sobre o tema das castas, quer Manuel Vieira quer Paulo Ruão concordam com a capacidade da Touriga Nacional para responder a estes desafios mas há menos certezas em relação a castas que têm sido muito faladas como a Sousão, que precisa de clima fresco, como nos Verdes (Ruão) e a Alicante Bouschet que produz bem mas ainda é cedo para se perceber se será casta com muito futuro. E castas que antes amadureciam mal (como a Tinta Francisca) estão agora a dar muito boa resposta.

Há aqui um enorme desafio que se coloca às empresa e produtores: pesquisar, estudar e compreender muitas das castas antigas que estiveram “em arquivo” e apenas presentes nas vinhas velhas e que poderão responder bem às mudanças do clima. A região tem, no entanto, uma enorme vantagem, como salienta Paulo Ruão: o solo xistoso que permite a passagem das raízes entre os fragmentos da rocha e a capacidade do xisto de conservar alguma frescura mesmo em ambiente de pouca pluviosidade, são grandes vantagens, é algo de muito original no Douro”.

Desafios de futuro

Nos anos mais recentes a região conheceu um novo problema que em 2018 assumiu contornos de tragédia: a escassez de mão de obra na vindima. Os relatos que nos chegaram de produtores que queriam vindimar, tinham gente contratada e que no dia acordado tinham 5 pessoas quando tinham contratado 20 (este número é um mero exemplo) mostra bem o drama que se está a viver. O recurso a mão de obra estrangeira contratada apenas para a vindima não só é, dizem-nos, complicada do ponto de vista legal como tudo se agudiza por serem trabalhadores que vêm de países não produtores que de vinha nada percebem e de vinho não consomem. A solução, ainda com Paulo Ruão, tem duas direcções: pagar melhor a mão de obra e “já em 2019 notámos que por termos aumentado a jorna, tivemos menos dificuldade nos vindimadores e, nas zonas onde for possível, introduzir a máquina de vindimar”. As primeiras experiências no sentido da mecanização da vindima foram feitas pelo grupo Symington e os resultados são animadores. A Lavradores de Feitoria já usou este ano a vindima mecânica na zona vitícola do palácio de Mateus e os resultados, segundo Ruão, foram excelentes: “poder vindimar no dia e na hora que se quer, inclusivamente de noite, é um avanço tremendo; já estamos a rentabilizar a máquina alugando a produtores da zona.”

Charles e Rupert Symington estão a utilizar máquinas de vindimar em zonas difíceis com resultados animadores, sobretudo em patamares de um bardo. Não vai decorrer muito tempo para que se veja a replicação destas experiências.

Uma prova de excelência

Os vinhos que provámos são do melhor que se faz na região e em Portugal. Seria impossível estarem todos na nossa mesa de provas, mas percebe-se muito facilmente porque a região do Douro interessa a cada vez mais wine writers, winemakers, sommeliers e investidores estrangeiros. A originalidade do terroir do Douro é transmitida ao vinho e o que aqui tivemos é uma espécie de “passeio da fama” onde desfilam vinhos de enorme qualidade e carácter, vinhos que nos entusiasmam vivamente. O preço elevado a que muitos são vendidos é a certidão do reconhecimento nacional e internacional e reflecte a relação entre a oferta e a procura. São vinhos de excelência de uma região que, apesar dos desafios que enfrenta, atingiu já um elevadíssimo patamar. Sabendo que, com as condições de solo, clima, património varietal e sobretudo, dinamismo e talento dos seus viticólogos, enólogos e produtores, muito tem ainda para descobrir, crescer e oferecer aos apreciadores.

As tourigas e as outras

Tal como acontece com outras regiões, o Douro tem um universo muito extenso de variedades que podem entrar na composição dos lotes, quer de brancos quer de tintos. Nas vinhas velhas encontramos uma proliferação enorme de castas, algumas delas “esquecidas”, mas actualmente a conhecerem mais notoriedade, como a Alicante Bouschet, a Tinta Francisca, Tinta da Barca ou Tinta Carvalha, por exemplo. No entanto, apesar da escolha ser enorme, a verdade é que a história e a tradição foram impondo como mais importantes um conjunto relativamente restrito de castas. São estas que constituem a espinha dorsal dos tintos da região. Em primeiro lugar a Touriga Franca, desde sempre a casta mais plantada, a que mais adaptada está a um clima de intenso calor estival e de produtividade baixa; depois, a Touriga Nacional, com notável “boom” nos anos 90 e que veio a impor-se como casta diferenciadora, cada vez mais casada com a Touriga Franca. Muitos dos vinhos que avaliámos nesta prova resultam de lotes destas duas castas. A Tinta Roriz surge em seguida, já foi mais apreciada, mas continua a ser uma referência, fazendo parte do “núcleo duro” das castas durienses. Menos usada nos vinhos de topo, mas muito presente na região, a Tinta Amarela (Trincadeira). As castas “de tempero” estão a adquirir cada vez mais importância, como Sousão e Tinto Cão, agora acrescentadas das novas variedades renascidas, como a Donzelinho tinto, Bastardo, Casculho ou Malvasia Preta. A Tinta Barroca está tendencialmente a desaparecer dos vinhos DOC Douro sendo apenas usada para fazer Vinho do Porto. A produtividade, apesar de estar autorizada até aos 55hl/hectare, situa-se por norma nos 30 hectolitros, o que mostra a baixa produção que é característica da região.

Edição Nº31, Novembro 2019

Toda a diversidade do Tejo

Aventurarmo-nos pelo Tejo enoturístico arrisca-se sempre a ser uma experiência incompleta, se a ideia for abarcar numa só tirada toda a realidade de uma região tão vasta e diversificada. Desta vez, porém, fomos à procura de casos especiais. Porque o Tejo descobre-se um bocadinho de cada vez, devagar, ao ritmo das águas do maior rio […]

Aventurarmo-nos pelo Tejo enoturístico arrisca-se sempre a ser uma experiência incompleta, se a ideia for abarcar numa só tirada toda a realidade de uma região tão vasta e diversificada. Desta vez, porém, fomos à procura de casos especiais. Porque o Tejo descobre-se um bocadinho de cada vez, devagar, ao ritmo das águas do maior rio da Península Ibérica.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Gomez

Antes de mais, uma confissão. O título desta reportagem é manifestamente exagerado: ninguém consegue abarcar toda a diversidade da região vitivinícola do Tejo em dois dias. Na verdade, o que procurámos fazer foi ir à procura de locais que simbolizassem toda essa variedade de solos, microclimas, paisagens e realidades que dão origem a um mosaico de vinhos tão diverso. Nesse sentido, o que este título pretende salientar é essa riqueza, pegando em dois exemplos de como o Tejo tem sempre mais qualquer coisa para descobrir.

Antes de mais, a região é bastante grande: 17 mil hectares de vinha produzem cerca de 650 mil hectolitros de vinho, qualquer coisa à volta de dez por cento do total nacional. De Mação, a Leste, até Rio Maior, a Oeste. De Ferreira do Zêzere, a Norte, até Benavente e Coruche, a Sul. Sempre com o rio Tejo como espinha dorsal, a região abarca paisagens acidentadas e lezírias planas, zonas mais urbanas e outras de agricultura intensiva. E um dos pontos de união de todas estas peças do puzzle é o vinho.

No Tejo as vinhas fazem parte da paisagem e da vida das pessoas há milénios. Embora não haja evidências científicas absolutamente incontestadas, estima-se que se terá feito vinho em Portugal pela primeira vez por volta de 2000 a.C., pela mão dos Tartessos, a primeira grande civilização da Península Ibérica, varrida do mapa no século VI a.C. pelos Cartagineses e cuja capital se situaria no estuário do rio Guadalquivir. À boleia de contactos comerciais, a vinha terá começado a ser plantada nos vales do Tejo e do Sado há cerca de quatro mil anos.

Daí para cá, muita água passou por estes dois grandes rios da península, mas o vinho manteve-se sempre à tona. Na região do Tejo, no entanto, a longa história não chegou para manter o prestígio dos seus néctares, associados durante décadas à ideia de quantidade e não à qualidade. Produzia-se (e produz-se) muito no Tejo e muitos produtores, engarrafadores ou vendedores a granel de todo o país encontravam aí forma de compor os seus lotes. O vinho do Tejo estava em todo o lado, mas não tinha assinatura.

Os últimos anos trouxeram um movimento de recuperação do estatuto dos vinhos do Tejo, que procuram afirmar a sua qualidade e diversidade no panorama nacional. Para já, apenas cerca de 15 por cento (110 mil hectolitros) da produção é certificada, mas estes números estão em crescendo. E a qualidade vai-se afirmando.

 

O charme da fidalguia

A proximidade e a facilidade de acesso a partir de Lisboa (navegando o Tejo) levaram a que muitas famílias da aristocracia se virassem para esta região como zona de tempos livres. Nasceram as quintas e os palacetes, respirava-se o ar puro do campo em vez das pestilências da cidade, organizavam-se caçadas, criavam-se cavalos, realizavam-se touradas, comia-se, bebia-se e convivia-se em belas e românticas propriedades, algumas das quais conservaram todo o seu charme até aos dias de hoje.

E é aqui que o enoturismo entra, e em força. Um pouco por toda a região – a uma distância confortável de Lisboa e mais perto do Norte dada a sua posição central no país – produtores de vinho perceberam que os enoturistas hoje em dia são, essencialmente, turistas. Ou seja, não querem apenas conhecer adegas e provar vinhos. A experiência do vinho e da comida pode e deve estar associada a outros argumentos de sedução.

Um dos locais que visitámos nesta reportagem, a Quinta de Vale de Fornos, na Azambuja, é bem um exemplo disso mesmo: naqueles edifícios as forças francesas montaram quartel-general durante as invasões do século XIX e há quem defenda (numa versão ainda rodeada de alguns pontos de interrogação) que Cristóvão Colombo ali pernoitou – e talvez tenha mandado rezar missa – quando regressou das Américas e foi a Vale do Paraíso para se encontrar com D. João II.

Vale de Fornos tem ainda outra característica curiosa, esta directamente ligada ao universo vínico: nos seus 50 hectares de vinha, metade dos quais estão actualmente em remodelação, podemos encontrar os três terroirs típicos do Tejo: o Bairro, característico da margem direita do rio; o Campo, bordejando a linha de água; e a Charneca, na margem esquerda. Em si só, é um retrato da região, mas, curiosamente, podia nem ser, porque a sua localização coloca a propriedade mesmo na fronteira com a região vitivinícola de Lisboa. Foi dada aos proprietários a possibilidade de optar por uma delas e assim se decidiu que seria Tejo.

Um pouco mais a Norte, em Almeirim, também a Falua tem um contributo para dar à diversidade da região. Os solos do Tejo são maioritariamente constituídos por argilo-calcários na margem direita, mais acidentada; por aluviões, no leito do rio e seus afluentes; e por areias, na margem esquerda. Há também uma mancha de xistos perto de Tomar. E, depois, há a Vinha do Convento. Quatro metros de profundidade de pedra rolada, anacronicamente localizada numa colina, longe do curso do Tejo. Uma paisagem singular, talvez única em Portugal. Vamos até lá.

Fundada em 1994 por João Portugal Ramos, um dos nomes incontornáveis da história moderna do vinho português, a Falua passou entretanto a ser controlada maioritariamente pelo grupo agro-industrial francês Roullier, que aqui fez o seu primeiro grande investimento mundial no sector vitivinícola. Mas se a história é relativamente curta, essa contemporaneidade permite à empresa ter instalações modernas e muito funcionais, construídas de raiz aquando do lançamento do projecto. Adequar essa lógica de produção ao apelo enoturístico é agora um dos desafios deste grande (mais de seis milhões de garrafas/ano) produtor do Tejo.

O edifício cinzento-metalizado situado na zona industrial de Almeirim não é, manifestamente, um château… Mas há muito para descobrir lá dentro. Da sala da recepção passamos à nave das barricas, separada da zona social por uma parede em vidro e com acesso à adega do outro lado. O pé alto generoso, a ausência de luz exterior directa e uma climatização exemplar cumprem a dupla função de proporcionar excelentes condições de estágio para os vinhos e criar uma atmosfera especial.

Passeamos pelo meio das barricas e desembocamos na adega, primeiro na zona dos balseiros em madeira, depois através das alamedas de depósitos em inox. A higiene é aqui levada muito a sério, por opção da casa e por imposição das especificações internacionais que estão associadas à exportação para o Reino Unido. O resultado é impecável: não se vê nada fora do sítio, o chão está sempre a brilhar e toda a gente cumpre escrupulosamente as regras de limpeza – o que implica, por exemplo, que haja balneários com chuveiro para os funcionários.

Subimos ao andar de cima, para a sala de provas e refeições, também ela ligada visualmente à nave de barricas por uma parede de vidro. Duas grandes mesas em madeira dominam o espaço, onde também pontifica um ecrã para passar vídeos promocionais. Do lado oposto às barricas, uma varanda abre-se sobre a fachada do edifício. Num terreno lateral, a Falua plantou uma vinha pedagógica, com todas as castas cultivadas pela casa. E são bastantes, em 68 hectares de vinha própria, mais 250 sob gestão, em colaboração com os proprietários.

Mas é no campo que está a impressão mais forte. Ali a dois ou três quilómetros, visitamos a Vinha do Convento, uma extensão de 40 hectares agora cortada pela A13 que desafia a imaginação. Estamos a uns três quilómetros do curso actual do Tejo, mas percebe-se que o rio, em tempos, teve outros planos. A vinha cresce numa colina cujo solo é formado por pedra rolada, típica dos leitos de água corrente, e foi plantada de origem – e à mão – num terreno vazio quando a Falua foi fundada. Uma loucura que deu à região do Tejo um terroir único.

FALUA
Zona Industrial, Lote 56, Almeirim
Tel: 243 594 280
Mail: falua@falua.net
Web: www.falua.net

As instalações da empresa estão abertas das 9h30 às 12h30 e entre as 14h e as 17h30. As visitas são agendadas mediante marcação prévia e custam 10 euros por pessoa (visita ao centro de vinificação e sala de barricas, mais prova de três vinhos (gamas Conde de Vimioso e/ou Falua); ou 15 euros por pessoa (inclui ainda visita à Vinha do Convento e prova de cinco vinhos das gamas já mencionadas). No menu há também um Curso de Iniciação à Prova de Vinhos (8 vinhos das gamas Conde Vimioso e Falua), que custa 25 euros por pessoa.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 1,5

AVALIAÇÃO GLOBAL: 16,5

Ali a pouco mais de duas dezenas de quilómetros, na outra margem do rio, a paisagem não podia ser mais diferente. Da modernidade para a tradição, do cascalho rolado para uma variedade de terrenos, dos horizontes abertos para uma paisagem ondulada. Uma alameda arborizada com vinha de ambos os lados conduz-nos a um complexo de edifícios de cor ocre. Um enorme cão dormita lá ao fundo, à nossa frente um portão fechado deixa entrever um terreiro com árvores delimitado por construções térreas e um bloco de maiores dimensões ao fundo.

Há uma porta aberta e por ela entramos no Douro. Perdão, na adega. Mas é tão forte a sensação de estarmos mais a Norte, perante a visão de lagares em granito (escavados à mão no local a partir de ciclópicos blocos únicos) e da organização do espaço, que é quase sem surpresa que ficamos a saber que tudo isto é obra dirigida pela mão certeira de D. Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, que ofereceu a Quinta de Vale de Fornos à filha como prenda de casamento. Num dos cantos desta adega velha, ligando com um varandim que permite vista desafogada sobre os gigantescos balseiros (que em breve serão inspecionados, para se saber se podem ser usados), está uma porta que leva directamente à entrada principal da casa. Aqui, o vinho era parte do dia-a-dia.

Descemos as escadas e percebemos pormenores como a existência de um poço e de uma lareira, truques de antanho para climatizar o espaço. As grandes traves em madeira do tecto voltam a trazer-nos o Douro à memória. E saímos para os jardins do palacete, onde, nem de propósito, um faisão se pavoneia nos relvados. O jardim, plantado em socalcos, sobe na direcção da casa principal e estende-se, lateralmente, para a zona de eventos, um grande pavilhão e o pequeno edifício da loja encavalitando-se na encosta sobranceira ao tapete de relva.

Antes passámos por uma velha destilaria, onde varandins em madeira, alambiques antigos, caldeiras e depósitos de água convivem num equilíbrio instável. Espreitamos as vinhas que se estendem, ora em encosta, ora em vales mais férteis. E pressentimos o Tejo lá ao fundo, para lá do vale da entrada da propriedade e por onde sopram constantes as brisas mais frescas que ajudam a temperar o clima mais quente no Verão.

A casa produz quatro tintos e dois brancos – e os vinhos estão agora sob gestão da empresa Encostas de Alqueva, que aqui descobriu um enorme potencial para néctares estruturados e complexos, lotes em que se conjugam castas portuguesas e estrangeiras, mais um varietal de Syrah. Sentemo-nos, portanto, à sombra destas construções seculares, apreciando o silêncio e recordando a história e as histórias do local. De copo na mão, como convém.

QUINTA VALE DE FORNOS
Rua da Olaria, nº48, Azambuja
Tel: 263 402 105 / 919 544 548
Mail: eventos@quintavalefornos.com
Web: www.quintavalefornos.com

A quinta está aberta todos os dias (9h-12h30 e 14h-17h30 aos dias de semana; 10h-17h aos sábados e domingos), excepto nos principais feriados. Exige-se marcação prévia. O leque de opções abre com a prova de vinhos (três vinhos – 7,5 euros por pessoa) e a prova de vinhos com queijos (três vinhos – 15 euros), passando a 20 euros com visita à adega ou vinhas. Almoços e jantares por 30 euros (mínimo 20 pessoas). Almoço com prova de vinhos e visita à adega: 40 euros (mínimo 15 participantes). É possível fazer passeios a cavalo pela quinta (80 euros meio dia, 125 dia completo) e outras actividades mediante solicitação.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

ESTAÇÃO DE SERVIÇO

No Verão os dias são mais longos e convém não descurar o abastecimento sólido, por mais que o calor peça líquidos – o ideal é mesmo conjugar os dois. Nesta volta pelo Tejo, e porque o panorama gastronómico da região tem evoluído de forma sensível, não haverá dificuldade em encontrar boas mesas, mas em jeito de ajudinha aqui ficam três sugestões. Em Santarém, a conjugação dos sabores tradicionais com uma apresentação moderna torna o Ho!Vargas um local altamente recomendável. Em Almeirim, será pecado não “atacar” uma sopa da pedra e o local para o fazer é o Tertúlia da Quinta. Se procura algo mais leve, em Aveiras tem o AveiraMariscos, que não se fica apenas pelos frutos do mar… Bom apetite.

Edição nº29, Setembro 2019

Lista de Compras: Gourmet da Vila – Orgulho em ser português

Chama-se Gourmet da Vila e é uma loja gourmet/vinhos que apenas tem produtos nacionais. Deverá ser inédito, mas é um facto que não só existe, como está a singrar no mercado nacional e… mundial. TEXTO António Falcão FOTOS Ricardo Gomez Daniel Rocha não tinha nada a ver com vinhos nem com produtos gourmet. Pelo menos […]

Chama-se Gourmet da Vila e é uma loja gourmet/vinhos que apenas tem produtos nacionais. Deverá ser inédito, mas é um facto que não só existe, como está a singrar no mercado nacional e… mundial.

TEXTO António Falcão
FOTOS Ricardo Gomez

Daniel Rocha não tinha nada a ver com vinhos nem com produtos gourmet. Pelo menos não como profissional. Durante a juventude, nem sequer se podia ‘esticar’ na comida e bebida, porque era atleta profissional. Natural de Vila Boim, vila do concelho de Elvas, Daniel foi guarda-redes da equipa de futebol do Campo Maiorense. Já aposentado da profissão, decidiu mudar de vida, veio para a capital e tornou-se personal trainer num ginásio. De fácil relacionamento, Daniel passou a oferecer produtos da sua terra aos clientes, cimentando relações e expandindo os seus contactos na capital. Rapidamente começaram os pedidos de azeite, queijos, enchidos, etc.
Seria caso para dizer que Daniel ajudava os clientes a emagrecer, por outro, mas por outro enchia-os de coisas boas e que às vezes engordam (risos). Seja como for, esta aparente sinergia deu bons resultados. Pelo meio, Daniel decidiu ainda dedicar-se aos estudos. Cursou assim Gestão de Empresas, mas nunca perdeu a ligação à terra natal. Quando chegou a altura de escolher um tema para o trabalho de uma das cadeiras, a decisão foi por isso relativamente fácil: criar de raiz uma empresa que se dedicasse ao comércio de produtos gourmet. De projecto de curso até à realidade, a empresa acabou depois por surgir em 2013 e continuou a crescer pouco a pouco. “Afinal já tinha produtos de alta qualidade, de pequenas regiões e clientes com interesse na aquisição e poder de compra. Ora, são produtos de pequenos produtores, difíceis de arranjar (só indo lá); eu iria servir de ‘elo de ligação’”, diz-nos Daniel. Como vários clientes tinham empresas, surgiram os cabazes de Natal, área onde a empresa fez um grande trabalho de personalização e criatividade. “Não temos tantos produtos, temos menos, mas de alta qualidade, e conseguimos fazer diferente todos os anos”, refere o proprietário. Ainda hoje é uma das forças da empresa e tem um catálogo próprio, com uma imagem muito caprichada.
A coisa correu tão bem que há cerca de dois anos Daniel teve de arranjar mesmo uma loja física de boas dimensões. Encontrou este espaço, ao pé do Sintra Retail Park, à beira da conhecida IC19, a frenética estrada que liga Lisboa a Sintra.

 

A ‘warehouse wine shop’ de Daniel
Chegar lá é relativamente fácil (viva o GPS) e parar o carro ainda mais: a loja fica encostada a uma espécie de parque de estacionamento com lugares de sobra, quase em frente à entrada. Neste aspecto existem poucas lojas em Portugal com esta facilidade. O local não é imediatamente perceptível e poucos certamente param lá de passagem. Ao lado da porta, uma série de sofás rústicos e uma mesa, tudo ao ar livre: “é para os nossos clientes poderem estar aqui a relaxar um pouco”, informa-nos Vera, companheira de Daniel e a pessoa responsável pelo cada vez mais importante marketing digital da empresa, incluindo o blog.
Entramos e quase trememos de frio. Daniel não deixa os vinhos apanhar calor e faz bem.
Olhamos em volta e detectamos que a loja não tem luxos e tudo foi feito de forma económica, prática, mas com gosto. E depois o espaço é folgado e arejado, de formato rectangular. Pela simplicidade, Daniel chama-lhe “warehouse wine shop”. Centenas de garrafas de vinho estão organizadas num móvel central, que divide a loja ao meio, e pelas prateleiras encostadas às paredes. A selecção é grande, separada por regiões e não faltam os grandes ícones vínicos nacionais.
Ao fundo, em dois espaços, os produtos alimentícios: de um lado as conservas várias, do outro, queijos e enchidos das mais diversas proveniências, arrumadas numa cave climatizada. O portefólio não é gigante, mas há de tudo um pouco, e só não há mais porque Daniel já não tem tempo disponível para viajar à procura de outros produtos por esse Portugal fora. A situação está prestes a mudar porque o proprietário está a em processo de recrutamento, para mais duas pessoas. “Quero viajar mais e levar clientes comigo, para conhecerem pequenos produtores”, diz Daniel, sempre à procura de novas ideias.

 

Eventos e jogos
Uma das ideias é, por exemplo, ter novidades na loja todas as sextas e sábados. Daniel acredita que isso estimula os clientes. Mas faz muito mais por isso: ele está sempre a ter ideias e encontrou uma bem engraçada a que chamou de Jogo do Vinho. Consiste numa caixa com três garrafas tapadas com um papel opaco e já sem cápsula, para manter ainda mais o anonimato. Na caixa vão seis folhas duplas com uma espécie de formulário e dicas de prova para preencher ou orientar os provadores (em português e inglês). O objectivo é, através da prova cega, tentar identificar da região até ao produtor e respectivo vinho. Acertar em tudo será quase impossível, mas o objectivo é que os jogadores se divirtam e aprendam ao mesmo tempo. Se um grupo de seis se juntar, diz Daniel, “o jogo sai a cerca de 10 euros por cabeça”. O kit tem tudo, incluindo toalhas de prova, um saca-rolhas. Não falta mesmo um envelope fechado com as respostas correctas dadas por um especialista. Só falta mesmo é o copo… O jogo do vinho está ligado ao clube do vinho, acabado de lançar. Pode consultar todas as condições no site. Mas fique ciente que Daniel já tem feito eventos na loja com este jogo e dispõe para isso de cinco mesas altas na loja.
Outros eventos com clientes na loja usam as caixas de aromas para ajudar na prova de vinhos com a presença do produtor ou enólogo.

 

A força do digital
A maior força de vendas na casa está, contudo, no digital. A maioria da facturação é feita on-line e, dentro desta, cerca de 70 a 80%, pasme-se, vai para o estrangeiro. O site é bilingue (português-inglês) e Daniel não tem problemas em expedir para quase todo o mundo. Na loja virtual estão cerca de 6.000 produtos, mas a grande maioria das facturas está no vinho. Diz Daniel que “não é fácil estar online, que exige um investimento constante. Não procuramos a perfeição, mas a melhoria constante, porque sentimos que o online é o futuro”.

“Um dos melhores vinhos brancos do país, elogiado por críticos e consumidores avançados”. €48,24

“Uso muito para, por exemplo, juntar a entradas ou para massas, risotto, pizzas e quiches”. €5,60

“Lote de Cordovil, Cobrançosa e Galega. É um azeite de azeitonas verdes frutado médio, complexo, muito fresco e equilibrado. Recomendo”. €10,49

“Para muitos a melhor marmelada do país, ganhando todos os anos esse reconhecimento com vários prémios; a qualidade da matéria prima faz toda a diferença.” €7,82

“Um mel de alta qualidade, mas diferente porque tem flor do sal. Pode ser usado em assados de carnes ou peixes ou confeccionar salteados de verduras. Ou finaliza saladas.” €13,52

“Projecto iniciado por um italiano. Este queijo é único e completamente diferente na forma como é feito, com textura cremosa e sabor intenso. Adoro este queijo.” €6,60

 

 

GOURMET DA VILA
Rua Retiro dos Pacatos, 10, 2635-047 Sintra
Tel. 963 488 957
www.gourmetdavila.pt
Horário: 10 às 13 e das 14 às 20, de segunda a sábado

 

 

Edição Nº30, Outubro 2019

 

A minha vinha é mais velha do que a tua

Luís Lopes

Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas. TEXTO Luís Lopes […]

Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas.

TEXTO Luís Lopes

O Douro é hoje, inquestionavelmente, a região de eleição dos consumidores portugueses nos segmentos superiores de preço. Um sucesso inteiramente merecido e que assenta, sobretudo, na qualidade dos seus vinhos, produzidos num território especialmente vocacionado para a excelência vínica. Mas também no elevado nível de profissionalismo, dedicação, foco, por parte da maioria dos seus produtores, que fazem um trabalho de formiguinha incansável junto das lojas de vinho e dos líderes de opinião (em Portugal e no mundo) batendo às portas certas e tocando a melodia perfeita. Do lado da estratégia comunicacional, a chave que abre mais portas chama-se “vinhas velhas”.

Dos 58 vinhos durienses de topo que apreciámos no nosso painel de prova, mais de metade apresenta-se no rótulo, no contra-rótulo ou na ficha técnica, como sendo oriundos de vinhas velhas. Se olharmos para estes números, podemos ser levados a acreditar que, ou no Douro a maioria das vinhas são velhas, ou a vinha velha é determinante para fazer um grande vinho nesta região. Conclusões absolutamente erradas que partem de uma premissa errada. É que ninguém sabe definir, em concreto, o que é isso de uma vinha velha.

O problema não se manifesta apenas no Douro, longe disso. “Vinhas Velhas” tornou-se um designativo que, por falta de enquadramento legal, é usado indiscriminadamente como bandeira de qualidade um pouco por todo o país. Noutras regiões, já visitei “vinhas velhas” com 20 anos. E porque não, se é a vinha mais velha do produtor? Para ele, faz todo o sentido. Mas sentido, significado, valor, é precisamente o que vamos perder se continuarmos a banalizar a expressão “vinhas velhas” ao sabor da vontade de cada um. Numa pesquisa rápida pelos sites das cadeias de retalho, encontro tintos intitulados “vinhas velhas” a €4,50. Acho que isto resume tudo.

Vinha velha não significa necessariamente qualidade, todos os produtores o sabem, mas a expressão tem sido vendida ao consumidor como um sinónimo de excelência e personalidade. O Douro, sendo a região de Portugal onde se preservaram mais vinhas antigas e, consequentemente, aquela que mais utiliza o conceito para promover os seus vinhos, tem aqui responsabilidade acrescida. Deverá por isso ser o Douro, no seu próprio interesse, a liderar o processo de definição e regulamentação da designação vinhas velhas. Uma associação de viticultores, a Prodouro, que congrega 72 agentes económicos regionais, já deu o primeiro passo propondo, para definir uma vinha velha duriense, resumidamente, algo como isto: “vinha plantada até ao ano 1965 segundo o modelo comum ‘socalco pós-filoxera’, embora, por razões de topografia do terreno, possa não ter obrigado à construção de socalcos suportados por muros de pedra posta.  Contudo a vinha velha em socalco pós-filoxera constituirá um subgrupo de eleição a que sugerimos chamar ‘vinha velha histórica’.”

É um ponto de partida, para ser apreciado e discutido no Douro. Como é evidente, este modelo, idade e descritivo não serve a todas as regiões de Portugal. Por isso, cada uma deverá encontrar critérios e regras adequadas ao seu passado e presente vitícola. Mas acredito que, se o Douro der o exemplo, as outras regiões o seguirão. E se o fizerem, conseguiremos duas coisas: primeiro, deixar de iludir/confundir os consumidores; e depois, trazer verdade e valor ao conceito de vinhas velhas e aos vinhos que originam, contribuindo assim para preservar esse tão importante património genético, histórico e cultural do Portugal do vinho.

Edição n.º31, Novembro 2019

Uma discreta elaboração de acasos

Mexemos, remexemos e buscamos no baú das memórias e dos canhanhos e vamos que todas as criações culinárias são acidentais. Confirma-se tanto nos clássicos franceses como por cá. A globalização do talento nunca aceitou barreiras. TEXTO OPINIÃO Fernando Melo Quando olhamos para o molho Béchamel, supostamente criado por Louis de Béchamel, marquês de Nointel e […]

Mexemos, remexemos e buscamos no baú das memórias e dos canhanhos e vamos que todas as criações culinárias são acidentais. Confirma-se tanto nos clássicos franceses como por cá. A globalização do talento nunca aceitou barreiras.

TEXTO OPINIÃO Fernando Melo

Quando olhamos para o molho Béchamel, supostamente criado por Louis de Béchamel, marquês de Nointel e maître d’hotel de do rei-sol Luís XIV, custa-nos crer na autoria, tal o uso comum que lhe foi sempre dado. É um molho branco feito com leite, farinha e manteiga e na verdade trata-se de uma apropriação ilícita do trabalho do célebre cozinheiro francês La Varenne. Como em tantos casos, não foi o seu nome que vingou pela história fora. A plêiade de gratinados, pastéis e pratos a que deu origem é interminável e ainda hoje o desafio de cozer bem a farinha continua na esmagadora maioria dos casos por cumprir. Justa Nobre faz desde sempre um gratinado de legumes que é referencial e padrão, irrepreensível na cozedura. Nos bons tempos do Nobre na Ajuda, era servido à colher no prato de cada um aconchegava o estômago e a alma. Quando não é o caso, o efeito é exactamente o contrário. A brandada de bacalhau deve ter surgido no final do Séc. XVIII, das mãos de autor francês anónimo, ao aquecer por acidente o bacalhau que vinha da Terra Nova, depois emulsionado com azeite; a origem será sempre difícil de rastrear, mas a certo ponto a emoção da emulsão protagonizada pelo bacalhau toca-nos bem a nós também, curiosamente sem nunca termos vulgarizado o pil-pil, quando em Espanha se faz muito, a partir do colagénio contido na própria estrutura e pele do peixe. Por cá, está por toda a parte mesmo sem darmos por isso, a começar no pastel de bacalhau – bolinho no Norte – e a terminar na complexa receita fixada por João Ribeiro no glorioso Hotel Aviz, e que dá pelo nome de bacalhau à Conde da Guarda. Temos em Vítor Sobral o guardião dessas transformações inefáveis do peixe que ainda gostamos de processar seco, com que ele intima frequente e avidamente. Já que temos a âncora no final do Séc. XVIII é também nessa altura que começa a imparável epopeia da batata, pela mão de Parmentier. No longo período de cativeiro não só elevou a planta meramente decorativa a alimento, como a elevou a iguaria e medicamento sem rival. Parmentier é o nome do assado de batata, leite e às vezes queijo, a que o mundo inteiro continua a render homenagem. O conduto já destronou em Portugal a castanha, passou ainda pouco tempo para a transição plena, mas já vive bem nos nossos empadões, alegria e sustento das famílias além, de prato festivo, com múltipla declinações. Em 1888, pegando em tomilho, alho, manteiga e ovos de forma inédita, Annette Poulard sacraliza a sua omelete souflée na pensão Poulard, no Monte Saint Michel. Foi para lá com o patrão, arquitecto encarregue da restauro do forte que era prisão e passou a templo turístico. Graças a um trabalho excepcional separando as claras das gemas, respeitando as cozeduras diferentes, a Mere Poulard superou em popularidade o próprio monumento. Não houve celebridade que não provasse a especialidade, cenário interior e exterior formidáveis, o prato sempre feito na sala à vista de toda a gente e a encantar. Grande omelete servia o Café Guarany, na Avenida dos Aliados, Porto, logo desde que abriu, em 1933, talvez inspirado nesse enorme sucesso de Annette na Normandia, nunca saberemos. Certo é que a omelete de gambas que ali se serve ainda configura tentação. Mas, tal como aconteceu com o peixe cozido, as pessoas deixaram de pedir omeletes. Pior, deixaram de as fazer também. Entre ambas as venturas, acontece a glória do pato do Tour d’Argent, em Paris. Criação de Frédéric Delair em 1890. Comporta um trabalho de sala fascinante, a extracção muito rápida dos peitos do pequenino pato, o corte das coxas e depois a extracção do sangue por prensagem, também na sala, e que vai dar origem ao molho do primeiro serviço. Um outro molho é depois produzido para acompanhar o segundo serviço, das coxas desossadas e servidas em pedaços. Delair vendeu cedo o restaurante ao mítico André Terrail, e ao longo de mais de cinquenta anos teve três estrelas Michelin. Na mente poderosa de Jorge Valle, fundador da Casa da Comida, o pato teve sempre preponderância e uma receita, actualmente disponível apenas por encomenda, continua sem par. É o pato com azeitonas, fabuloso e copioso prato. O malogrado Bernard Loiseau foi um dos mais geniais criadores da nova cozinha francesa e deixou um legado grande de pratos e pistas de desenvolvimento de muitos outros. Inesquecíveis as coxas de rã com puré de alho e jus de salsa. Mas o que dizer das coxas de rã em tomatada de António Nobre, ainda disponíveis nos hoteis M’Ar de Ar, em Évora? Rusticidade e alta cozinha de mãos dadas, converte mesmo o maior detractor das coxas de rã. Todo um tratado, que Loiseau prova agora no Olimpo e certamente aprova. O mítico e maravilhoso Paul Bocuse, o chef dos chefs, teve no início dos anos setenta duas iluminações próximas uma da outra. A primeira aconteceu durante um jantar em casa do seu apanhador de trufas, em que as ditas eram laminadas para a sopa de legumes que estava a ser servida; a segunda foi no restaurante de um seu contemporâneo, Paul Haeberlin, onde lhe foi servida uma tigela com foie gras e um pedaço de trufa, tudo coberto com massa folhada. Combinou as duas numa e criou a sopa de trufas Valérie Giscard d’Estaing, para comemorar a atribuição da legião de honra que lhe foi feita pelo então presidente francês em 1975. Pedro Mendes, do Alentejo Marmóris em Vila Viçosa levou-me às lágrimas com os seus pézinhos de porco de coentrada, criados em homenagem a Paul Bocuse e servidos migados, numa cebola vazada. O batimento existe, cabe-nos a nós ir acompanhando o pulsar imanente dos territórios. Só não podemos ficar quietos no lugar, partir em descoberta é a grande premissa.

O vintage 2017 e o fim das tradições

Finalmente foram quebradas as antigas regras não escritas que determinavam que “Porto Vintage, só três vezes em cada década”. Espera-se que acabem de vez e que não tenha sido apenas um fogacho. TEXTO OPINIÃO João Paulo Martins As declarações de um ano como Vintage sempre foram acontecimentos importantes para o sector do Vinho do Porto. […]

Finalmente foram quebradas as antigas regras não escritas que determinavam que “Porto Vintage, só três vezes em cada década”. Espera-se que acabem de vez e que não tenha sido apenas um fogacho.

TEXTO OPINIÃO João Paulo Martins

As declarações de um ano como Vintage sempre foram acontecimentos importantes para o sector do Vinho do Porto. O Vintage é o vinho mais prestigiado mas também, entre os “grandes”, aquele que tem menos custos de produção, sobretudo se comparado com os tawnies com indicação de idade. Fazer um bom tawny é uma dor de cabeça que se prolonga por vários anos , qual criança que tem de ser apoiada e educada para vir a ser um adulto à séria. O Vintage, quase inexplicavelmente, já nasce adulto e feito e por isso trata-se é não estragar o que a natureza deu e colocar essa qualidade rapidamente dentro da garrafa para que depois o tempo faça o seu papel, mas já em interferência do produtor. O primeiro deveria ser bem mais caro que o segundo mas a verdade é de sentido inverso: para se vender um tawny ao preço que actualmente se vendem os vintages das empresas mais prestigiadas, temos de apontar para um 30 ou 40 anos de idade. Só de pensar as voltas que tal vinho deu, o que se perdeu para os bebedolas lá de cima (há quem lhes chame anjos…) ficamos com os cabelos em pé. Mas é assim que o sistema funciona, vamos em frente. A tradição, criada sabe-se lá por quem, de apenas declarar como clássico um vintage duas ou três vezes por década não tem dado grandes frutos. Os ingleses, muito ligados a essa tradição, fizeram questão de a cumprir por mais de um século e por isso deixaram algumas potenciais declarações fora do “classicismo” como 1995, 2005 e 2015.
A tese é deles, mas casas como Ramos Pinto, Poças, Sogrape, Porto Cruz, Noval ou Niepoort não querem nem ouvir falar de termos como “clássico” e “não clássico”. Para estes produtores, a declaração acontece quando o ano é bom, independentemente da frequência. Mas o que ninguém nega, mesmo os outsiders, é que em ano “clássico” as vendas são rápidas e os preços bem convenientes. Vantagens para todos à boleia da tradição inglesa.
Foi preciso chegar à segunda década deste século para ver ruir a tradição. Diz-se nos mentideros que não se declarou o 2015 porque se percebeu que o 2016 era de grande qualidade e foi esse o escolhido para ser clássico. Só que, ironia do destino, o 2017 logo à nascença deu mostras de ser um grande Vintage, o que se veio a confirmar. Estavam lançados os dados para se furar a tradição e declarar um Vintage “clássico” dois anos seguidos. Toda a gente declarou e muitos já venderam tudo. Só que…o 2018 está em cave à espera e ninguém é por agora capaz de afiançar se vai declarar ou não. Falta tempo mas não tanto assim, uma vez que a partir de Janeiro se podem começar a enviar amostras para aprovação. Vamos ter um tri-clássico? É cedo mas, como sabemos, depois de pecar a primeira vez os pecados seguintes soam apenas a pecadilhos. E o Porto bem precisa de promoção e que se fale dele por esse mundo fora. Os consumidores portugueses, dizem-nos no comércio, andam um pouco arredados do Vintage e as vendas estão muito longe de serem o que eram há uma ou duas décadas. Mas os actuais vintages têm a enorme vantagem de darem cartas na elegância mesmo em novos, coisa que os antigos não davam. E lá se vai assim, de uma penada, mais uma tradição pelo cano: à ideia antiga de que o vintage ou se bebia muito novo ou tinha de se esperar 15 a 20 anos sucedeu a geração actual, assente em melhor viticultura e em aguardente de qualidade incomparavelmente superior à que se usava antigamente, Dessa forma, permite-se que o vinho seja apreciado novo e mesmo na década a seguir à colocação no mercado. Confesso que continuo a gostar mais dele com 15 ou 20 anos mas tiro o chapéu aos novos vinhos, muito mais assentes na fruta e na elegância e que dão boa prova em qualquer momento. É verdade que as quantidades actualmente declaradas são cautelosas (3 a 5 000 caixas de 12) e a Taylor’s faz figura de “exagerada” por ter declarado, no 2017, 11 500 caixas mas, voltando ao exemplo clássico, em 1927 a Cockburn’s e a Croft terão declarado entre 20 e 30 000 caixas. Isso sim, eram declarações à grande!
Ficamos assim na expectativa sobre o que vai acontecer com o 2018 e quem sabe, dados os bons prenúncios desta vindima, com o 2019… Isto está a complicar-se, disso não tenhamos dúvidas, mas é destas complicações que nós gostamos.

 

Edição Nº30, Outubro 2019

Bairrada, a excelência em tons de branco

A Bairrada é uma pequena região de grandes vinhos. E a sua dimensão qualitativa vai muito além da notoriedade dos sólidos tintos de Baga e dos frescos espumantes. Na verdade, a Bairrada é uma das melhores regiões do país para produção de belíssimos vinhos brancos, com uma longevidade invejável. TEXTO Valéria Zeferino FOTOS Ricardo Gomez […]

A Bairrada é uma pequena região de grandes vinhos. E a sua dimensão qualitativa vai muito além da notoriedade dos sólidos tintos de Baga e dos frescos espumantes. Na verdade, a Bairrada é uma das melhores regiões do país para produção de belíssimos vinhos brancos, com uma longevidade invejável.

TEXTO Valéria Zeferino
FOTOS Ricardo Gomez

Há até quem considere que a Bairrada é mais região de brancos do que de tintos e é fácil de perceber porquê. A casta predominante na Bairrada é a Baga, que amadurece tarde, muitas vezes ultrapassando as chuvas de equinócio e, quanto a chuva se prolonga, nem sempre consegue a melhor performance. As castas brancas, amadurecendo mais cedo, têm mais condições para uma maturação perfeita e consistente de ano para ano.
Esta prova evidenciou que os vinhos brancos da Bairrada são de altíssima qualidade e que melhoram substancialmente com o tempo em garrafa.
Em termos quantitativos, os vinhos brancos certificados (sem contar com os vinhos base para espumantes) são em minoria e correspondem a cerca de 20% da produção na Bairrada (de 400 a 450 mil garrafas). Isto deve-se a uma menor popularidade de brancos entre os consumidores e, tirando os Vinhos Verdes, a verdade é que o tinto predomina em todas as regiões do país.Condições edafo-climáticas
A Bairrada está situada no centro litoral do país, orientada no sentido Norte-Sul entre as cidades Águeda e Coimbra e os rios Vouga e Mondego. A leste fica naturalmente demarcada pelas serras do Caramulo e do Buçaco e a oeste estende-se até à orla marítima que exerce forte influência atlântica na região. O clima é temperado, com verões não demasiado quentes, invernos brandos e moderada amplitude térmica anual. As temperaturas médias anuais situam-se entre os 12,5˚C e os 15˚C (em comparação, no Alentejo varia de 15˚C a 17,5˚C). A maioria das zonas da Região da Bairrada usufrui de cerca de 2.500 horas de sol por ano. A precipitação vai de 800 a 1600 mm/ano (este último valor está ao nível da região dos Vinhos Verdes), aumentando de Oeste para Este e concentrando-se nos meses de Outono e Inverno.
Trata-se uma região bastante plana com colinas pouco acentuadas. As vinhas encontram-se plantadas entre os 40 e 120 m de altitude, o que faz sentir a influência Atlântica em toda a região. Geologicamente é muito heterogénea e os solos variam em composição de argila e calcário, com algumas zonas arenosas. Os solos mais argilosos precisam de ser bem drenados e dificultam a sua mobilização e os com mais calcário apresentam cor esbranquiçada e uma maior pedregosidade. Actualmente, conta com cerca de 6000 hectares de vinha.Marcos históricos
A cultura da vinha na região remonta à época da Reconquista cristã aos Mouros que teve início no século VIII. Demonstrou um grande crescimento nos séculos X – XII graças a ordens monásticas.
A produção de vinho estagnou após a demarcação da região do Douro em 1756, quando o Marquês de Pombal decretou o arranque das vinhas nas margens e campinas dos rios Mondego e Vouga. Para além de proteger a origem dos Vinhos do Porto, queria substituir o cultivo da vinha na região, que era abundante, pelo cultivo dos cereais, pois o pão escasseava.
No início do sêculo XIX, lentamente, a vitivinicultura bairradina começou a recuperar, mas mal o vinho voltou a ser valorizado, muitos produtores gananciosos cederam à tentação de plantar vinha em terrenos impróprios. Isto levou à primeira tentativa da demarcação na Bairrada que foi feita pelo político e cientista António Augusto Aguiar em 1867, baseada na relação entre constituição geológica dos terrenos e tipos de vinho.
O vinho de melhor qualidade chamava-se “Vinho de Embarque” e era destinado à exportação, e o vinho de qualidade mais fraca – “Vinho de Consumo” para o mercado interno. Os vinhos brancos de embarque eram produzidos na margem esquerda do rio Cértima até Óis do Bairro, São Lourenço do Bairro e Mogofores. No século passado, a partir dos anos 20, na Bairrada começaram a proliferar as Caves (Irmãos Unidos/Caves São João, Caves do Barrocão, Cave Central da Bairrada, Caves Messias, Caves Aliança, Caves Valdarcos, Caves Borlido, Caves Neto Costa, Caves do Solar de S. Domingos entre outras) que não tendo vinha própria, compravam vinho feito e estagiavam-no nas suas instalações. E não eram vinhos provenientes só da Bairrada, loteavam-se com os vinhos de outras regiões, nomeadamente Ribatejo, Beiras, Douro e Trás-os-Montes. A maior parte do vinho vendia-se a granel, algum em garrafões e muito pouco em garrafas. Os principais mercados de venda, para além do interno, eram as antigas colónias.
Os anos 50 foram marcados pela criação de adegas cooperativas – Adega de Cantanhede, de Mealhada, de Souselas, de Mogofores e Vilarinho do bairro. Até aos dias de hoje sobreviveu apenas a primeira.
Em meados da década de 70 com a independência das colónias, os produtores tinham que procurar mercados alternativos. O vinho foi canalizado para o mercado da saudade nos países europeus (França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça e Alemanha) e nas Américas (Estados Unidos, Canadá, Brasil e Venezuela). Mas só este mercado também não era sustentável a longo prazo, à medida que os emigrantes da primeira geração regressavam à Patria e os seus filhos tinham hábitos diferentes. Os novos destinos de exportação trouxeram maiores exigências em termos de qualidade e assim a pouco e pouco começou-se a investir na modernização: higiene, novos equipamentos, cubas de inox, controlo de temperatura, clarificação dos mostos. Esta revolução tecnológica, que se deu um pouco por todo o país, contribuiu para a qualidade crescente dos vinhos – com aromas mais limpos, vinhos menos oxidativos e com óptimo equilibrio.
Em 1979 a Bairrada foi reconhecida como Denominação de Origem e procedeu-se à sua demarcação oficial que recentemente festejou os 40 anos. Nas decadas 70 e 80 surgem os primeiros produtores engarrafadores, que produzem vinho da sua vinha e com a sua marca. A demarcação, embora tenha colidido com o negócio de volume, encorajou os pequenos e médios produtores a avançarem com os seus projectos próprios.
Luís Pato, Quinta das Bágeiras, Casa de Saima, Campolargo, Sidónio de Sousa, entre outros, deram credibilidade e potenciaram a nova imagem da Bairrada a partir do início do século XXI.A polémica Maria Gomes
De acordo com os dados da Comissão Vitivinícola da Bairrada, 70% a 75% uvas produzidas na região são tintas, deixando os restantes 25 a 30% para castas brancas. A mais expressiva em termos de plantação é a Maria Gomes, conhecida noutras regiões como Fernão Pires, seguida de Bical e Arinto. Nos últimos anos registou-se um incremento de Cercial e Sauvignon Blanc. O Chardonnay é bastante valorizado para a produção de espumantes.
O trio principal para um lote bairradino consiste em Maria Gomes, Bical e Cercial, onde cada variedade tem o seu papel. A Maria Gomes, sendo a mais aromática das três, é responsável pelos aromas, sobretudo nos primeiros anos. O Bical dá corpo e untuosidade ao vinho e o Cercial contribui com a estrutura acídica.
A casta Maria Gomes, conhecida também como Fernão Pires no resto do país e que é a casta branca mais cultivada a nível nacional. A sua origem é desconhecida, mas foi mencionada em 1788 relativamente às regiões Tejo, Beiras e Douro. Alguns produtores constatam que nos encepamentos antigos esta casta na Bairrada apresenta uma morfologia ligeiramente diferente e tem bagos mais pequenos, que, provavelmente, poderão ser alguns dos clones diferentes de outras regiões.Maria Gomes amadurece cedo e tem uma curta janela de vindima, pois acumula muito açúcar e perde rapidamente a acidez. Muitas vezes é mal-amada pelos enólogos. As “culpas” são exuberância aromática e falta de acidez. João Soares, o enólogo da Messias aponta as mesmas razões “baixa acidez e normalmente com potencial de guarda reduzido, é muito terpénica, não deixa reflectir o solo”.
O produtor Nuno do Ó também confessa que não morre de amores por esta casta, mas se trabalhar com ela, prefere apanhá-la mais cedo “com carácter mais mineral e menos exuberante”.
Já Mário Sérgio da Quinta das Bágeiras defende a casta que, embora tenha menos acidez, tem aromas interessantes de geleia e floral. E a sua experiência diz-lhe que a qualidade depende da quantidade de uva na videira. A casta naturalmente é muito produtiva e este aspecto tem que ser controlado. Frequentemente colhe Maria Gomes em óptimo estado de maturação, com 14% de álcool, e perfeito equilíbrio ácido, com 7,5 g/l de acidez total e 3 pH.
O experiente Luís Pato, exemplo para muitos produtores de dentro e fora da região, planta a Maria Gomes em solo arenoso para manter acidez (no barro dá vinhos mais gordos), mas com rega, porque a casta é muito sensível ao stress hídrico, “os bagos mirram ainda antes de amadurecerem”. É uma casta muito importante para vinhos de entrada de gama, fornecendo-lhes aromas imediatos e apelativos, mas também ser a base de vinhos de topo.A elegante Bical
Bical, também apelidada como Borrado das Moscas devido às pequenas manchas castanhas que apresentam os bagos maduros. É uma casta autóctone, situada maioritariamente nas regiões das Beiras. Por não ter o porte erecto, dificulta a vida dos viticultores. É muito sensível aos ataques de oídio na floração e a sua produção varia bastante de ano para ano. Comporta-se melhor em solos medianamente férteis, com boa drenagem e não muito alcalinos.
Amadurece mais tarde do que a Maria Gomes, em meados de Setembro e é resistente à podridão graças aos seus cachos com bagos soltos.
É mais neutra em termos aromáticos, confere estrutura e corpo ao vinho. Atinge menos grau alcoólico do que a Maria Gomes e tem menos acidez do que a Cercial. Também tem que ser colhida no momento certo, porque “facilmente perde acidez numa semana”, refere Luís Pato.
O enólogo da Casa de Saima, Paulo Nunes, que também trabalha muito no Dão, confessa que nunca plantaria Bical no Dão, mas que na Bairrada com o clima Atlântico e neblinas matinais frequentes preserva muito melhor a acidez.
Já João Soares é um fã da Bical. Para ele, é a casta que melhor mostra a região, com notas de barro, iodo, maresia, se for apanhada atempadamente. Quando sobremadura desenvolve notas tropicais e de goiabas. Com idade, os vinhos de Bical evoluem para resinas e cera de abelha, fazendo lembrar o cheiro de pranchas de surf. Acha que não tem grande aptidão para ir à barrica e apresenta grande capacidade de envelhecimento em garrafa que considera o mérito da região.
Nuno do Ó também gosta de Bical pela sua austeridade e potencial de guarda. Aguenta vinificação oxidativa (o mosto fica acastanhado por uns tempos, mas depois já não oxida). Utiliza prensa aberta, onde os chachos vão com engaço. Prefere barricas usadas, porque a casta já tem aromas de especiaria e o excesso de barrica não lhe fica bem. Com 2-3 anos de guarda os vinhos cheiram a barro molhado.A nova estrela: Cercial
Deve ser uma das castas cujo nome provoca mais confusão, não só no meio de consumidores, mas também na sua classificação e caracterização histórica. Cercial da Bairrada não é a mesma casta que Cerceal Branco utilizado no Dão e Douro, e também não tem nada a ver com Sercial da Madeira (que no continente é chamado Esgana Cão). Apenas a acidez natural elevada é comum a estas três castas, de resto são bem diferentes.
Amadurece relativamente tarde e é suceptível à podridão dos cachos devido à sua película bastante fina. Tem aroma discreto e enorme capacidade de envelhecimento.
Na opinião de João Soares, a Cercial, tal como Bical, é bastante neutra aromaticamente (fruta branca delicada com um toque de bechamel) , “transparecem atlanticidade”, mas a Cercial é mais vertical, mais tensa.
Mário Sérgio não tem dúvidas que Cercial é uma casta fabulosa. É capaz de, com 14% de álcool provável apresentar 8 g/l de acidez e 2,98 de pH. O problema é que apodrece com facilidade. Porta-se melhor em talhão estreme do que misturada com outras nas vinhas velhas (matura mais sedo e apodrece) e tem maior potencial. Ao envelhecer desenvolve os aromas de favos de mel. Produz relativamente pouco, 5 a 6 mil litros por hectare.
Segundo Luís Pato, a casta tem acidez vibrante, demonstra elegância e tem óptima aptidão para estágio em madeira.
Entre as outras uvas presentes nas vinhas bairradinas, releva a Arinto, que é uma casta nobre plantada em quase todo o país, conferindo acidez aos lotes em que entra. Na Bairrada amadurece mais tarde, nos finais de Setembro, é normalmente a última a ser vindimada, explica Nuno do Ó. Mostra o seu lado “mais salino, mais calcário, com frescura nervosa, o vinho é mais vertical e austero, menos gordo do que em Bucelas”.
Há ainda outras castas com menos expressão, como o Rabo de Ovelha que produz muito e tem cachos grandes, de maturação tardia e conhecida pela acidez alta. Sercialinho, que é muito aromática e com óptima acidez. E as castas internacionais, como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Blanc e Viognier também são permitidas na legislação regional de DOC (com excepção da categoria Bairrada Clássico), sendo muitas vezes utilizadas em lote com as variedades tradicionais, mais raramente engarrafadas a solo.
Independentemente da casta, o terroir bairradino imprime o seu carácter nos vinhos ali produzidos, e os brancos da região, amplos, vibrantes, longevos, merecem toda a atenção do apreciador exigente.

Edição Nº30, Outubro 2019

Curral Atlantis: vinhos com sabor a mar

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O envolvimento da família Faria com o enólogo Paulo Laureano ao longo de duas décadas tem resultado num portefólio de vinhos de inquestionável qualidade e forte identidade, vinhos que expressam da melhor forma o inimitável terroir da ilha do Pico.

TEXTO Luís Lopes

Há 20 anos, ninguém no Pico sonhava que um dia os brancos da ilha seriam louvados por jornalistas e consumidores exigentes e apresentados como exemplo de singularidade e distinção. Naquela época, o objectivo dos picarotos mais envolvidos com a vinha e o vinho não passava por fazer grandes vinhos brancos e exportá-los para o mundo. A ambição era outra, bem mais simples e prosaica: substituir progressivamente o chamado “vinho de cheiro”, elaborado a partir de videiras não viníferas e autorizado unicamente para consumo local, por vinhos tintos de castas “europeias”, capazes (acreditavam) de relançar a indústria vitivinícola da ilha.
Foi com esse objectivo que o mais experiente viveirista do continente, o alemão Jorge Bohm, fundador da Plansel, começou a visitar o Pico no sentido de ali inserir as suas plantas, enxertadas com as variedades clássicas europeias e com os híbridos desenvolvidos no centro de investigação de Geisenheim. Havia que encontrar uma casta tinta de ciclo curto que, nas condições extremas do clima local, originasse vinhos com taninos maduros e suaves. O seu principal cliente no Pico era Manuel Faria, proprietário de uma empresa de venda de produtos e alfaias agrícolas. Da relação comercial e de amizade entre os dois surgiu a ideia de criar uma empresa produtora de uva e vinho e assim nasceu a Curral Atlantis em 1995.
A dupla adquiriu terrenos e, com o apoio da Universidade de Évora, plantou 3 hectares de uma vinha experimental, com 24 castas, entre elas Viosinho, Chardonnay, Gouveio, Pinot Grigio, Merlot, Syrah, Cabernet Sauvignon e diversos híbridos, videiras que foram conduzidas de forma “moderna”, em espaldeira, ao invés dos currais tradicionais. Em 1997 chegou o enólogo Paulo Laureano para, a partir daí e ao longo dos anos seguintes, vinificar os frutos desta vinha e retirar conclusões técnicas e científicas que alicerçassem o projecto. Não levou muito a perceber que daquela amálgama de castas apenas a Viosinho e as variedades clássicas da ilha, nomeadamente Arinto, Verdelho e Terrantez (tudo castas brancas…) ofereciam as garantias de qualidade pretendida.

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A vinha é desafio permanente
O projecto Curral Atlantis inverteu assim o sentido original e, a partir de 2010, a aposta seria total na vinha e castas tradicionais. Adquiriram-se terrenos, limparam-se matos e reconstruiram-se os currais. Actualmente, a empresa dispõe de 42 hectares de vinha, dos quais 8 hectares em zona plana (outrora em espaldeira, agora transformados em condução baixa, sem arames) e os restantes espalhados pelos inconfundíveis currais de pedra vulcânica. Para além desta matéria prima, o produtor conta com mais 20 hectares alugados a viticultores da região.
Entretanto, a Curral Atlantis tornou-se numa sociedade totalmente familiar, com Manuel Faria a adquirir a parte de Jorge Böhm e a integrar os seus filhos Marco e Rui no dia a dia da empresa. Com o actual “buzz” em torno dos vinhos do Pico e as vendas a crescerem no País e em diversos mercados internacionais, impõe-se agora a construção de uma nova adega, que estará pronta em 2020, primeiro a área de vinificação, mais tarde o enoturismo. Em velocidade de cruzeiro, o projecto conta produzir 250 mil garrafas/ano. A nova adega vai fornecer outras ferramentas a Paulo Laureano para afinar o perfil dos vinhos. O enólogo quer dar consistência ao que existe mas também fazer coisas diferentes (“precisamos saber até onde podemos ir no Arinto e no Verdelho”, diz) e dar outras condições de estágio aos licorosos (que, em rigor, o não são, pois o Curral Atlantis “licoroso” é um branco doce natural, sem adição de aguardente, como é tradição de alguns produtores do Pico).

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Mas também na vinha há muito por fazer. “Os desafios vitivinícolas no Pico são diferentes dos de há 20 anos”, refere. “Temos um terroir extraordinário, mas com enorme dificuldade de maneio e, paralelamente, muita falta de mão de obra. Precisamos controlar de forma mais adequada os infestantes, melhorar a resiliência das plantas e optimizar a produção – que não passa de 1,5 ou 2 kg por cepa”, enumera Paulo Laureano.
Fazer vinha e produzir vinho no Pico não é para qualquer um, é bem evidente. A Natureza impõe-se aqui de forma esmagadora, nada é oferecido, tudo é alcançado com muito labor e cuidados. Mais uma razão para que os produtores da ilha aprendam, cada vez mais, a trabalhar em conjunto em torno de objectivos comuns.

[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”30″][image_with_animation image_url=”40754″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

“Há que saber comunicar e vender a forte identidade vínica do local”, diz Paulo Laureano. “Para o conseguirmos, salvaguardando o modelo de negócio e o estilo de cada um, deveremos todos caminhar no mesmo sentido, valorizando o Pico e os seus vinhos”. Nada mais certo.

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Edição Nº30, Outubro 2019

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Casa Cadaval: A nobreza num copo de vinho

Ocupando uma parte da povoação a norte de Muge, a Casa Cadaval é um dos mais antigos e prestigiados produtores de vinho da região do Tejo. Tem nobres pergaminhos na sua história, nacionais e internacionais, e os vinhos seguem o mesmo caminho, com carácter, qualidade e polimento de mãos dadas. TEXTO António Falcão NOTAS DE […]

Ocupando uma parte da povoação a norte de Muge, a Casa Cadaval é um dos mais antigos e prestigiados produtores de vinho da região do Tejo. Tem nobres pergaminhos na sua história, nacionais e internacionais, e os vinhos seguem o mesmo caminho, com carácter, qualidade e polimento de mãos dadas.

TEXTO António Falcão
NOTAS DE PROVA Mariana Lopes
FOTOGRAFIAS Ricardo Gomez

Teresa Schönborn é descendente de nobreza nacional, mas ostenta ainda o título de Condessa de Schönborn e Wiesentheid, um título germânico com centenas de anos de história. Teresa teve uma educação esmerada e fala sete línguas diferentes, mas a sua maneira de ser dificilmente poderia transmitir mais simpatia e simplicidade. Como administradora da Casa Cadaval, esta executiva passa parte do seu dia no meio de tractores, estradas poeirentas, gado e cavalos, vinhas e adega. E aqui sente-se feliz, conseguindo ainda ser pessoa muito respeitada na zona, até porque muito tem ajudado a freguesia de Muge, do concelho de Salvaterra de Magos, em pleno Ribatejo.
Esta é uma casa com centenas de anos de história ilustre. Pertenceu a D. Nuno Álvares Pereira de Melo, personagem de grande relevo na história de Portugal e nomeado 1º Duque do Cadaval, em 1648 (não confundir com o general que derrotou Castela em Aljubarrota).
Teresa Schönborn é descendente desta família e o nome alemão vem do casamento de sua mãe, Graziela Álvares Pereira de Melo, com Friedrich Karl Anton, conde de Schönborn-Wiesentheid. A família possui vinhas na Alemanha, na Francónia (bem no coração do país) e no Reno, mais para o lado da França. “Já se faz lá vinho há 800 anos!”, graceja Teresa.
Por cá o terreno é muito maior. De facto, a Casa Cadaval é uma das maiores explorações agrícolas nacionais, com quase 5.000 hectares de terra. Sem contar com o pessoal adstrito à já famosa coudelaria de cavalos lusitanos (que data de pelo menos 1648!), aqui trabalham em permanência 37 pessoas, geridas por António Saldanha, o braço direito de Teresa. Para lá dos tractoristas da casa, que são muitos, a maior parte dos tratamentos e amanhos da vinha são realizados por pessoal de fora.
A herdade abrange muitas culturas – arroz e outros cereais, leguminosas, como tomate, gado de carne, uma enorme floresta de montado e, claro, vinha. Possui cerca de mil hectares de terra extremamente fértil e com abundância de água, dois factores que marcam fortemente a riqueza de uma exploração agrícola e o respectivo valor dessas terras. É por isso que o negócio do vinho nem sequer é o mais importante da Casa Cadaval. “A vinha (e o vinho) dá dinheiro, mas também muito trabalho”, diz-nos Teresa. No entanto, a maioria dos solos da Herdade de Muge é relativamente pobre e é exactamente aí que reside o enorme montado… e a vinha.

Um pulo às vinhas
Vinha e adega estão a cargo de Raquel Santos, a enóloga residente, e do consultor Mário Andrade, conhecido enólogo com um grande pendor na viticultura. Raquel entrou há cerca de um ano, vinda do Alentejo, mas a sua origem é do Dão e tem avô e pai viticultores. Ou seja, dois enólogos que adoram estar nos 45 hectares de vinha, espalhadas por três manchas: Adua, Serradinha e Amoreira. A primeira é a maior, a que tem a vinha mais velha e é onde estão, diz Raquel, “as castas com maior importância para nós”. Ou seja, é da Adua que saem os monocastas da casa, o topo de gama Marquesa de Cadaval, e por aí fora. As melhores partes e as uvas brancas são vindimadas à mão, juntamente com as vinhas muito jovens; o resto fica para uma máquina, alugada.
A vinha mais velha é de Trincadeira e data ainda de tempos antigos, quando a Casa Cadaval chegou a possuir 416 hectares de vinha, numa zona de areias. Na altura da plantação as coisas foram feitas a preceito, com a consultoria de técnicos franceses. A uva ia para vinho a granel e foi só por acção do pai de Teresa (e da avó) que a situação mudou, apostando-se antes em vinho com outras exigências de qualidade. Friedrich Karl Anton era, aliás, um “estudioso da vinha”, diz a filha. A área de vinha foi assim sofrendo reduções sucessivas. Com a nova vinha, e uma parcela de velha, o produtor começou a enviar vinho para a Alemanha, para a adega do pai de Teresa, onde era engarrafado com o rótulo Casa Cadaval. Isto por volta de 1975/1976. Por isso é que a marca tardou alguns anos a ser conhecida por cá, coisa que terá acontecido só por volta do início dos anos 80, altura em que existiam ainda muito poucas marcas no mercado português.
A era moderna da produção de vinho começou com o pai de Teresa, Friedrich, que, à semelhança do que acontecia na Alemanha, achava que as vinha tinha que ser plantada por castas e também que seriam feitos vinhos monovarietais. Hoje é corriqueiro, mas na altura era quase revolucionário. A Casa Cadaval foi assim das primeiras a lançar vinhos de uma só casta. E nas castas tintas apareceu Trincadeira, Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Merlot, e, nas brancas, a casta bem típica do Ribatejo, o Fernão Pires. Só bem mais tarde aparecem, por exemplo, outras castas brancas, como Riesling, Viognier e Verdelho.

Os solos de areia
Nos solos predominam as areias, algumas partes com argila no subsolo. Sondas colocadas o ano passado mostram bem os teores de humidade a um metro de fundo e têm ajudado muito os técnicos a planear a rega: “evitamos estar a regar demais ou de menos”, declara Mário. Aqui não há problema de falta de água. A enorme barragem, ao pé da sede agrícola da casa, os canais interiores e a proximidade ao Tejo asseguram que, mesmo nos Verões mais secos, exista sempre água em abundância. E o subsolo é também rico.
Ainda assim, a maioria da vinha está em solos com pouca fertilidade: “em média não conseguimos mais de 5 a 6 toneladas por hectare”, diz-nos Raquel. A técnica sabe que é pouco e que será bom para vinhos de qualidade, mas gostava de ter mais, mantendo o equilíbrio das uvas produzidas. Mário Andrade está de acordo e acrescenta: “aqui, com clima quente e solo pobre, até convém ter os bagos um pouco maiores, porque resistem melhor à seca e aos golpes de calor. Os antigos já o sabiam”.
Apesar de nenhuma vinha estar em terras de aluvião, Mário acredita que estes solos muito férteis são “excepcionais” para vinhos brancos, dando vinhos mais aromáticos e com menos taninos”. Para tintos, é melhor a charneca, a zona de solos mais pobres, que “dá vinhos mais estruturados e com mais taninos”.

À procura daquele solo especial
Mário e Raquel enfrentam, entretanto, num novo desafio, que é o de encontrar o espaço certo para plantar uma nova vinha. Já fizeram vários ensaios, em locais diferentes, mas até agora nenhum conseguiu reunir as condições certas para os requisitos dos técnicos. Os técnicos procuram, em termos muito simples, uma boa parcela, com solos de estrutura e perfil diferentes (para melhor) das existentes. Existe ainda muita terra para explorar e os ensaios vão continuar, porque esta não vai ser apenas mais uma vinha: “tem que ser boa e identitária”, diz Mário Andrade.
Com tanta mexida no campo, Raquel diz-nos que, no último ano, passou mais tempo na vinha que na adega. E vai conseguindo bons sucessos: as podas feitas este ano, por exemplo, foram de correcção. E o resultado foi muito bom, deixando Raquel muito contente: “Via-se que as plantas estavam mais felizes”, gracejou a técnica, enquanto nos dirigíamos para a adega.

Uma adega em remodelação
A adega foi em tempos concebida para vinificar milhares de toneladas de uva, por isso espaço é coisa que não falta. Chegaram-se a vinificar aqui 4 milhões de litros por ano e tudo estava em cimento, como era tradição, em quatro grandes alas. Muita coisa já mudou, entretanto, e outras vão mudar ainda nos próximos tempos. A traça original e vários depósitos vão-se manter, mas o laboratório desce do primeiro andar para o rés-do-chão e as seis prensas Titan – da Casa Hipólito, com 50 anos de idade – vão ser recuperadas. “São óptimas para tintos”, diz Mário.
Descemos ao piso subterrâneo, onde existem tegões de recepção, depósitos e muita maquinaria antiga, que vão sofrer remodelações e restaurações. É aqui que vão passar a ficar as barricas, até porque é o sítio mais fresco. Mário Andrade já espiolhou tudo e fica espantado com o planeamento da adega na altura e com algumas soluções engenhosas. Parece que, de facto, toda a adega foi planeada de raiz por enólogos franceses, há muitas décadas atrás. O enólogo acha que a adega é uma pequena jóia da arqueologia industrial.
De resto, Mário e Raquel são adeptos de vinificações minimalistas e das leveduras indígenas, sempre que possível. “É tudo o mais simples possível”, garante Mário Andrade, que fez centenas de testes ao longo dos anos e os vinhos feitos com métodos mais naturais (os testemunhas) estavam sempre entre os melhores. Por isso a receita é ter “uvas sãs, higiene e deixar correr o processo natural; dá menos trabalho, é mais barato e dá melhores resultados”.

Enoturismo a toda a força
Quem trata de toda a estratégia comercial e de marketing é Cátia Casadinho, com muita experiência nacional e internacional. Cátia organiza ainda o enoturismo da casa, com uma bela loja de vinhos, de generosas dimensões. A loja tem cada vez mais visitas, o resultado, diz Cátia, da crescente notoriedade turística de Portugal (e do seu vinho). As próprias agências pedem visitas, até porque a distância para a capital não é muita (75 km).
Na altura da nossa visita, um grupo de franceses tinha acabado de entrar, atraídos pelo sinal da loja de vinhos. É frequente fazerem aqui vários programas à volta do vinho (ver em www.casacadaval.pt), várias vezes com actividades complementares, como o baptismo de montar um cavalo lusitano, ou conhecer o montado de sobro. “Criamos aqui uma sinergia que acaba por gerar muita curiosidade nas visitas e é para nós uma mais-valia”, diz-nos Cátia. Outros atractivo é, por exemplo, a arqueologia. Prova disso são as vitrines na recepção com toda a espécie de artefactos de várias idades – do neolítico à época romana – encontrados um pouco por toda a herdade. Quase a querer dizer que, de facto, esta casa tem bem mais do que os 400 anos de história…

Edição Nº30, Outubro 2019

Factor X

Luís Lopes

Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano. TEXTO Luís Lopes O […]

Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano.

TEXTO Luís Lopes

O vinho é um produto da civilização. Ao contrário de outros bens que a natureza nos oferece, o vinho não pode existir sem a intervenção humana. Essa intervenção começa na própria videira, a vitis vinifera, resultado da domesticação da videira selvagem, e prolonga-se em todos os trabalhos de campo, sem os quais a videira não frutificaria. Diferentemente do que acontece com uma ameixeira ou macieira, por exemplo, uma vinha abandonada, passados alguns anos, deixa de dar frutos.

A progressiva banalização da palavra terroir pode levar-nos a pensar que a natureza tudo determina, e que o perfil de um determinado vinho é quase exclusivamente definido pelas características do local. Mas não é verdade.

A natureza é importantíssima na definição de um vinho, todos o sabemos. A mesma casta, trabalhada na adega da mesma forma, origina vinhos diferentes consoante o local onde nasceu, ou as condicionantes climáticas do ano vitícola. Mas a quantidade de variáveis introduzidas pela intervenção humana acaba sempre por sobrepor-se aos desígnios da natureza, com um impacto determinante no resultado final. Um exemplo, muito simples: perante um dado talhão de vinha, posso vindimar agora com 11% de álcool provável ou optar por colher as uvas mais tarde, com 14%. A decisão é minha, e desse exercício de livre arbítrio nascem vinhos completamente distintos. Multipliquemos isto por todo o tipo de variáveis aplicáveis na vinha e na adega decorrentes da intervenção humana e facilmente percebemos que cada decisão (mesmo a de não intervir) condiciona sempre o resultado final.

Nesta edição da Grandes Escolhas temos vários exemplos do poder do factor X na definição do perfil de um vinho. Desde logo, a grande prova de vinhos brancos de Monção e Melgaço. Em pouco mais de 30 vinhos provados, a diversidade de estilos patenteada é enorme. Estamos a falar da mesma casta (Alvarinho) e da mesma região, ainda que com diferenças de produtor para produtor ao nível de tipologia de solos, exposição solar ou altitude, que introduzem nuances distintas no aroma e sabor. Mas quando avaliamos dois vinhos produzidos em vinhas contíguas e nos deparamos com um deles exuberante, intenso e tropical, e outro, austero, citrino, mineral, percebemos então facilmente o efeito do factor humano no perfil de um vinho.

Veja-se, também nesta edição o caso de Cortes de Cima. Um produtor da Vidigueira resolve plantar vinha à beira mar, em Vila Nova de Milfontes. Podia ter dado mau resultado, pois não havia histórico vitivinícola no local. Dez anos depois, com muito trabalho para superar os exigentes desafios que a humidade atlântica traz, o novo terroir é uma aposta ganha. O mesmo se pode dizer de José Afonso, um médico que gosta (literalmente) de deitar as mãos à terra, em Souropires, Pinhel. Ali, a quase 700 metros de altitude, trabalha as vinhas antigas com as castas tradicionais, mas também faz belos vinhos das “imigrantes” Verdelho ou Chardonnay. Esses vinhos são, tal como os outros, produto daquele terroir. Um terroir do qual o Homem faz obrigatoriamente parte.

O factor X tem obviamente limites. Não é possível fazer um grande vinho num terroir que não está vocacionado para isso. Do mesmo modo, o ser humano é capaz, e demonstra-o com frequência, de desperdiçar um terroir de excelência fazendo vinhos vulgares. Ainda bem que assim é. É preferível tomar decisões, agir e aprender com os erros, até alcançar o máximo que um terroir pode dar, do que deixar um produto criado pelo Homem ao cuidado dos insondáveis desígnios da natureza. A natureza não faz vinho. Mas pode fazer um bom vinagre….

Edição n.º29, Setembro 2019