Os retratos da vindima

Vindima

Na CARMIM, em Reguengos, Tiago Garcia e Rui Veladas confiam na longevidade dos tintos de 2025 + Uvas extremamente sãs, com óptimo estado sanitário. Brancas vindimadas mais cedo, com bela acidez e equilíbrio, resultando em vinhos citrinos, frutados e delicados. Nas uvas tintas, destaque para as castas mais tradicionais, como Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet, […]

Na CARMIM, em Reguengos, Tiago Garcia e Rui Veladas confiam na longevidade dos tintos de 2025

+ Uvas extremamente sãs, com óptimo estado sanitário. Brancas vindimadas mais cedo, com bela acidez e equilíbrio, resultando em vinhos citrinos, frutados e delicados. Nas uvas tintas, destaque para as castas mais tradicionais, como Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet, com muito boa maturação fenólica, concentração e taninos de qualidade, condições ideais para potenciar o estágio dos vinhos nas barricas.

As elevadas temperaturas na primeira semana de Agosto e a elevada humidade noturna das semanas seguintes resultaram em maturações menos homogéneas para algumas castas, como a Touriga Nacional e a Touriga Franca, dando origem a alguns vinhos menos equilibrados.

 

Vindima
Tiago Garcia e Rui Veladas

Na Cooperativa Agrícola de Pegões, a experiência e conhecimento de Jaime Quendera são determinantes

+ Muita chuva entre Janeiro e Maio, deixando os solos bem nutridos e permitindo um ciclo vegetativo equilibrado, praticamente até às vindimas. Uvas de excelente qualidade em todos os aspectos enológicos: bom fruto significa bom vinho. Vindima em condições secas, possibilitando colheita faseada, sem stress e sem o risco de podridões ou outros problemas que habitualmente surgem com a chuva nesta fase.

Menos 25% de uvas face à média dos últimos cinco anos. As chuvas abundantes causaram a ocorrência de míldio nas vinhas menos cuidadas, originando alguma perda da matéria-prima. Este cenário foi agravado pela fraca nascença, inferior ao habitual, e ainda por episódios de escaldão no final de Julho e início de Agosto, coincidentes com a onda de calor que afectou Portugal durante mais de 20 dias.

Vindima
Jaime Quendera

 

Em Valle Pradinhos, um ícone de Trás-os-Montes, Rui Cunha faz vinhos desde 1997

+ Início da vindima, a 1 de Setembro, com a Tinta Roriz para rosé, antes da Gewürztraminer, algo inédito em 27 anos! Maior quantidade de uvas brancas que em 2024. Nas castas tintas, bagos mais pequenos (em média menos 10% do peso de 200 bagos quando comparado com 2024), o que originou vinhos tintos com muito boa cor e uma belíssima estrutura.

Menor produção nas castas tintas, com menos cerca 15% face a 2024. Maior percentagem de uvas-passas, o que obrigou a uma menor velocidade do tapete de escolha, para permitir uma selecção da uva em condições. Número elevado de mão de obra estrangeira, implicando menor velocidade no corte e necessidade de explicação diária sobre o que não vindimar (netas).

 

Vindima
Rui Cunha

 

Director de enologia do grupo Bacalhôa, Francisco Antunes seguiu a vindima em várias regiões

+ No Douro, a excelente maturação, a qualidade dos taninos, a intensidade aromática e estrutura da Touriga Nacional. Em Setúbal, as maturações faseadas, com bela acidez e concentração, e destaque para Chardonnay, Fernão Pires, Merlot e Cabernet. No Alentejo, brancos exuberantes e frescos, e tintos poderosos de Alicante Bouschet. Na Bairrada, óptimas bases de espumante a partir de 11 de Agosto e tempo seco, que permitiu esperar pela Baga até final de Setembro, para excelentes tintos de guarda.

Florações complicadas e menor produção no Douro e na Merlot da Bairrada. Vaga de calor, com alguma desidratação em certas castas tintas do Douro e Setúbal, e maturação precoce da Cabernet no Alentejo. Quebra de produção na Moscatel de Setúbal, devido ao escaldão. No Alentejo, forte chuvada com granizo, na primeira semana de Agosto, afectou alguns talhões virados a norte.

 

A casta Alicante Bouschet é estruturante na Reynolds Wine Growers e nos tintos criados por Nelson Martins

+ Boa maturação fenólica, com bela acidez e teores alcoólicos moderados, originando vinhos elegantes, frescos e de taninos maduros. Nos brancos, destaca-se a fresca exuberância citrina da Arinto. Nos tintos, a elegância da Trincadeira e a fruta e intensidade da Syrah. A chuva de 7 de Setembro e a descida das temperaturas proporcionaram à Alicante Bouschet uma das melhores maturações dos últimos anos, assegurando tintos de notável estrutura e longevidade.

A vinha registou uma baixa frutificação devido à recuperação da tempestade de granizo ocorrida em 2024. O final de Julho e o início de Agosto, com temperaturas máximas acima dos 40º C e médias acima dos 30º C, prejudicaram o bom enchimento do bago, resultando numa perda de 40% da produção esperada.

 

Vindima
David Guimaraens

 

David Guimaraens, da Fladgate Partnership, está contente com os vinhos, mas zangado com os responsáveis durienses

+ A qualidade geral dos vinhos do Porto tintos. Considerando as temperaturas altas do verão e a ausência total de chuva a partir de Maio, produziram-se, ainda assim, vinhos fortificados, com uma intensidade de cor tremenda, mas mantendo uma exuberância aromática frutada, que lhes confere bastante elegância e os torna muito atractivos.

A falência económica dos viticultores durienses de média dimensão, que se dedicam à produção e comercialização de uvas. A incompetência colectiva do sector, desde as associações de comerciantes e produtores aos órgãos governativos do Douro. A conivência, que beneficia alguns e permite que a mesma videira possa, enganosamente, manifestar duas Denominações de Origem na mesma colheita.

 

Na Quinta das Bágeiras, Frederico e Mário Sérgio Nuno estão seguros de que 2025 será ano memorável de tintos

+ Apesar de estar abaixo de um ano médio, a produção foi significativamente superior a 2024. Vindima sem chuva, com maturação plena, originando uvas sãs, equilibradas e de excelente qualidade. As condições climatéricas proporcionaram às uvas tintas, e em especial à Baga, um desempenho extraordinário. Tudo indica que será uma das melhores colheitas de tintos da última década.

Ano desafiante no controlo do míldio, devido às chuvas persistentes até final de Maio. Pouca chuva e temperaturas muito elevadas em Julho e Agosto, conduzindo a vindima precoce nas castas brancas. Algumas castas brancas com acidez menor do que o habitual na região, ainda que a consistência de outras castas tenha equilibrado os lotes.

Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva fizeram da Wine & Soul uma referência no Douro

+ Excelente maturação fenólica, após o arrefecimento das noites a partir da segunda semana de Setembro. Maturações suaves, vinhos extremamente frescos e com excelente equilíbrio. Vinhas velhas em perfeita harmonia, mostrando a sua resiliência e aptidão para superarem anos desafiantes. Vinhos muito surpreendentes, vibrantes, com frescura e elegância.

Primavera com elevada precipitação e grande pressão fúngica, o que levou a uma ligeira quebra de produção, principalmente associada ao míldio. Quebra de produção acentuada pelas três vagas de calor em Junho, Julho e Agosto. Em Agosto, tivemos 10 dias consecutivos acima dos 40º C, o que, no caso das vinhas mais novas, foi muito impactante em termos de produção.

 

As vinhas velhas da serra de São Mamede são um tesouro para Tiago Correia e Diogo Vieira, da Altas Quintas

+ Disponibilidade hídrica nos solos, com as chuvas da Primavera e início do Verão. Apesar do calor de Julho e Agosto, não houve escaldão acentuado. Início da vindima a meio de Agosto, com uvas brancas de excelente equilíbrio ácido. Alicante Bouschet mais precoce que o habitual, com excelente maturação fenólica e frescura impressionante. Castelão obteve maturação fenólica com teores de álcool perto dos 12%.

O Verão começou mais tarde, no entanto com temperaturas médias mais altas e amplitudes diárias menores. Algumas castas tintas tiveram dificuldade na maturação, apenas desbloqueada após as chuvas que ocorreram no início de Setembro.

Vindima
Tiago Correia e Diogo Vieira

 

A vindima sem chuva deu a Paulo Nunes as condições ideais para tomar decisões atempadas

+ 2025 foi um dos raros anos em que o clima de Setembro e Outubro permitiu a decisão de vindima não condicionada pelas chuvas típicas do equinócio, especialmente gravosas em regiões como a Bairrada e o Dão. O tempo seco em Setembro e Outubro possibilitou sanidade inequívoca da uva e vindima orientada pela qualidade polifenólica. Excelente equilíbrio entre acidez e açúcares, esperando-se grandes vinhos.

Chuvas intensas até Abril provocaram quebras de produção significativas, com problemas na floração que levaram a vingamento menos positivo. O calor intenso de Julho e Agosto provocou algum stress hídrico, especialmente em vinhas mais novas e de exposição solar mais intensa. Alguma atipicidade no ciclo natural de maturação, levando o local a ser mais importante do que a casta na decisão de vindima.

 

Vindima
Paulo Nunes

 

Na Quinta da Gaivosa, Domingos e Tiago Alves de Sousa fazem balanço muito positivo

+ Reservas de água acumuladas fizeram face ao calor estival, com o calendário vitícola a recuperar consideravelmente. Uma das vindimas mais serenas de sempre, sem qualquer condicionamento, aguardando o momento de cada vinha. DOC Douro equilibrados, frescos, sólidos, com imensa qualidade e longevidade. Breve pico de calor na segunda quinzena de Setembro, que trouxe a concentração e intensidade para os vinhos do Porto.

Nascença em contra-ciclo face à bem mais abundante colheita anterior, quebra acentuada por primavera extremamente chuvosa, com impacto na floração, elevada pressão fitossanitária e algum atraso nas etapas iniciais do ciclo vegetativo. A quantidade ressentiu-se, com produção 17% abaixo da média dos últimos 5 anos e 29% abaixo de 2024.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2025)

FITAPRETA: Cozinha do Paço

fitapreta

Integrado no monumental Paço do Morgado de Oliveira, cujas vetustas fundações remontam ao século XIV, estamos no coração do empreendimento Fita Preta, em Graça do Divor, no concelho de Évora, mesmo ao lado da moderna adega que António Maçanita construiu de raiz e onde vinifica os seus vinhos alentejanos. A bem dizer, não estamos perante […]

Integrado no monumental Paço do Morgado de Oliveira, cujas vetustas fundações remontam ao século XIV, estamos no coração do empreendimento Fita Preta, em Graça do Divor, no concelho de Évora, mesmo ao lado da moderna adega que António Maçanita construiu de raiz e onde vinifica os seus vinhos alentejanos.

A bem dizer, não estamos perante um restaurante alentejano no sentido convencional do termo, já que o lugar onde se servem as refeições se divide por cinco espaços muito diferentes entre si (nós ficámos na belíssima tribuna da Capela). A cozinha que nos é proposta pelo Chef Afonso Dantas tem do Alentejo a inspiração e alguns dos produtos que servem de base às composições, mas os processos e técnicas refinadas levam a refeição pelos caminhos inesperados de um ambicioso fine dining. É verdade que do princípio ao fim temos o vinho, sempre o vinho, como elemento condutor e agregador dos vários momentos que compõem o repasto. Aqui, são as criações do Chef que procuram responder aos nem sempre fáceis desafios que os vinhos lhe apresentam.

Guiados pela mão e explicações do competente sommelier Francisco Cunha, tivemos o primeiro snack, peixe do rio sobre uma base de bolacha de grão de bico com o espumante Fita Preta. Já a Tinta Carvalha 2020 serviu de sustento ao segundo snack, ovas de lúcio perca em que o peixe marinou em borras de Alicante Bouschet e a combinação se revelou ousada. O Fina Flor Arinto non millésimé, estranhíssimo, fermentado naturalmente, extra-seco, uma aproximação à Solera bateu-se com o torricado de aviado com pasta de cogumelos. Igualmente desafiante, o Vinho da Corda dos Profetas 2021, de Porto Santo, lidou com um coscorão de borrego, tomate e ovo, uma composição feliz e cheia de sabor. Muito interessante, até pelo aproveitamento de uma matéria prima pouco valorizada, o tártaro de lagostim do rio, cenoura fermentada, tudo envolvido por uma bisque do mesmo lagostim que, claramente, ganhou ao Fita Preta rosé que o acompanhou.

Deslumbrante na apresentação e não desmerecendo no sabor, a enguia fumada com creme de pinhão e escabeche de ervas, que mediu meças com o Arinto dos Açores Canada do Monte 2021 e constitui, na minha opinião, a melhor conjugação do dia. Quem esperaria tanto mar em pleno Alentejo? Outro peixe, um belo pregado, no caso, cozido no ponto perfeito, com funcho e óleo de folhas de figueira casou com o branco Morgado de Oliveira NM, de Arinto, que passou 15 meses em carvalho e me conquistou pela excelente acidez e final longo. Mais clássica, a combinação do tinto Chão dos Eremitas Os Profetas 2020, com a pequena troncha de lombinho e cachaço de porco ibérico com puré de tupinambo que revelou um excelente apuro da técnica do Chef. Uma pré-sobremesa com base em pera fermentada e uma sobremesa de sabores cítricos com creme de mel, laranja, toranja e açafrão completaram a refeição.

Não faltam arrojo, criatividade e apuro técnico a esta Cozinha do Paço. Se são estas as propostas que o viajante espera encontrar e valoriza quando mergulha numa experiência de enoturismo no Alentejo, o tempo o dirá.

fitapreta

Cozinha do Paço

FitaPreta Vinhos, Nossa Senhora da Graça do Divor, 7000-016 Évora

Almoço e jantar, de terça-feira a sábado das 12h00 às 14h00 e às 19h00

Tel.: 915880095; adega@fitapreta.com

Menus de degustação de 135€ (5 vinhos, 6 momentos) a 255€ (9 momentos, 7 vinhos)

SITEVI, uma montra de inovação e tecnologia

SITEVI

A edição de 2025 do SITEVI,  salão internacional dedicado aos sectores da vitivinicultura, enologia, fruticultura e olivicultura registou 51.000 entradas de profissionais provenientes de 62 países, maioritariamente de Espanha, Itália, Suíça, Portugal e Alemanha. Dada a afluência, revelou-se o ponto de encontro internacional favorável ao sector, nomeadamente em relação ao reforço do conhecimento sobre as […]

A edição de 2025 do SITEVI,  salão internacional dedicado aos sectores da vitivinicultura, enologia, fruticultura e olivicultura registou 51.000 entradas de profissionais provenientes de 62 países, maioritariamente de Espanha, Itália, Suíça, Portugal e Alemanha. Dada a afluência, revelou-se o ponto de encontro internacional favorável ao sector, nomeadamente em relação ao reforço do conhecimento sobre as tendências do mercado, à partilha boas práticas e ao encontro de soluções necessárias para enfrentar os desafios económicos, sociais e ambientais.

Sobre os Prémios de Inovação SITEVI, houve o registo de 70 candidaturas, das quais foram galardoados 17 produtos e serviços. De acordo com o comunicado, os “premiados espelham a diversidade da oferta apresentada no certame e ilustram as principais tendências: melhoria da qualidade dos produtos e adaptação às necessidades do mercado, resiliência das explorações face aos fenómenos climáticos e a qualidade dos produtos, conveniência e facilidade para o utilizador”.

Destaque ainda para o espaço LAB TECH, que reuniu cerca de uma dezena de empresas e startups percursoras na área da transformação digital e tecnológica do abrangente sector agrícola.

Grosso modo, o certame organizou um programa com mais de 60 conferências e workshops, com mais 2.500 participantes e mais de 200 oradores, enquanto o fórum de masterclasses e provas de vinhos atraiu aproximadamente 1.000 visitantes. No âmbito das Business Meetings, o SITEVI registou 1.400 encontros, que permitiram reuniões directas com expositores.

SITEVI

Editorial: My precious

Editorial

Editorial da edição nrº 104 (Dezembro de 2025) Serão as festividades o momento certo para abrir grandes vinhos? Chega a época festiva e instala-se o habitual desfile: produtores com “sugestões imperdíveis”, supermercados e garrafeiras com caixas de “oportunidades únicas” e revistas a apresentarem os vinhos mais pontuados. E lá vamos nós revistar a garrafeira, à […]

Editorial da edição nrº 104 (Dezembro de 2025)

Serão as festividades o momento certo para abrir grandes vinhos?

Chega a época festiva e instala-se o habitual desfile: produtores com “sugestões imperdíveis”, supermercados e garrafeiras com caixas de “oportunidades únicas” e revistas a apresentarem os vinhos mais pontuados. E lá vamos nós revistar a garrafeira, à procura daquele tesouro esquecido que, supostamente, só deve ser aberto quando os astros se alinham. É grande a tentação de provar, finalmente, aquela garrafa rara, guardada cuidadosamente durante anos à espera do momento perfeito.

Ora o que pode acontecer. Entre confirmar se há guardanapos suficientes e se a carne está no ponto, resolver as últimas tarefas e responder às dúvidas existenciais das crianças sobre o Pai Natal, é difícil controlar a temperatura a que o vinho é servido e, sobretudo, a que é realmente consumido. A conversa anima-se, soltam-se as gargalhadas e o vinho vai aquecenddo no copo, a não ser que festeje o Natal num convento medieval, onde a temperatura ambiente não ultrapassa 12-14ºC.

A azáfama de uma festa raramente permite prestar a atenção desejada ao que está no copo. Um vinho mítico pode acabar por perder todo o protagonismo e, quando damos por ele, resta apenas um gole no fundo do copo e nem nos lembramos bem de como era. Eu própria caí nesse erro há muitos anos, num almoço em minha casa: tinha amigos de Moscovo a visitar-me e, por coincidência, os meus pais estavam de férias em Portugal. Os amigos apareceram com uma garrafa de Quinta do Ribeirinho, de Luís Pato (compraram o vinho mais caro que havia numa loja) e eu coloquei-a na mesa. No turbilhão do almoço, mal tive oportunidade de parar e desfrutar o vinho. Acabei por ter de marcar um novo encontro com este grande Baga para o conhecer como merecia. Valeu muito a pena, mas isto dará uma outra história.

Desde então, estou convencida que um vinho excepcional deve ter um momento próprio, só para ele, fora de qualquer outro contexto.

Este ano, vi, na Netflix, uma minissérie norueguesa chamada La Palma. Retrata um desastre natural na ilha com o mesmo nome, no arquipélago das Canárias: um sismo que desencadeia um tsunami e uma erupção vulcânica. Há um momento particularmente marcante, pouco antes de um tsunami devastar o arquipélago, em que Álvaro Pérez, o chefe do observatório sísmico (interpretado por Jorge de Juan), partilha com um colega uma garrafa de Pingus 2013, que lhe foi oferecido no aniversário e ficou guardado. “As pessoas acham que precisam de uma ocasião especial para abrir um grande vinho. Estão enganadas. O vinho é a ocasião”, diz ele e eu subscrevo por completo. Na iminência de morrer na catástrofe, os dois saboreiam o vinho, o último prazer genuíno no meio do dramatismo. E, numa das cenas finais, os sismólogos, em fatos à prova de fogo, aproximam-se da cratera em erupção. Um deles leva a garrafa para acabar o vinho e ambos desaparecem na lava, a desfrutar o derradeiro gole de Pingus.

Não é preciso esperar pelo fim do mundo para abrir uma tal garrafa, mas também não vale a pena desperdiçá-la numa festa agitada. Para uma celebração em casa, costumo abrir vinhos que conheço bem e que garantidamente me darão prazer, mesmo quando a atenção está dividida, deixando os mais raros e especiais que não conheço para momentos em que realmente posso apreciá-los. Porque estes não precisam de um motivo especial, eles próprios o são.

Valéria Zeferino

Cork Supply com certificação B Corp

Cork Supply

A norte-americana Cork Supply, fundada em 1981 e com sede de Investigação & Desenvolvimento implementada em Portugal, obteve a certificação B Corp. Atribuída pela organização sem fins lucrativos B Lab, esta declaração formal destaca o reconhecimento desta empresa no âmbito da responsabilidade corporativa. Assim, para além das boas práticas nas antigas florestas ibéricas de sobreiros, […]

A norte-americana Cork Supply, fundada em 1981 e com sede de Investigação & Desenvolvimento implementada em Portugal, obteve a certificação B Corp. Atribuída pela organização sem fins lucrativos B Lab, esta declaração formal destaca o reconhecimento desta empresa no âmbito da responsabilidade corporativa. Assim, para além das boas práticas nas antigas florestas ibéricas de sobreiros, ganha destaque pela ética, graças ao trabalho efetuado com artesãos especializados nas unidades de produção.

Paralelamente, é dado destaque às parcerias de longa duração com proprietários florestais, trabalho que deu azo ao desenvolvimento de programas de gestão e reabilitação florestal, por forma a promover a qualidade da cortiça e, ao mesmo tempo, apoiar as economias locais.

“O nosso propósito sempre foi mais do que apenas negócio. Vemos a sustentabilidade como um dever para com as nossas equipas, comunidades e para com o planeta, criando valor a longo prazo para todos. Esta certificação é um reconhecimento dos valores que moldaram o nosso grupo desde a sua origem”, afirma o fundador e Presidente da Cork Supply, Jochen Michalski.

Por esse motivo, a mesma dedicação que resultou na obtenção da certificação B Corp é extensível ao Harv 81 Group – grupo centrado na especialização em cápsulas de madeira, bartops para espirituosos, barris e alternativas de carvalho, e cujo nome é inspirado no ano em que Michalski fundou a Cork Supply e se tornou importador de rolhas no norte da Califórnia –, que alcançou 89,3 pontos, número superior ao exigido para a certificação B Corp.

Já na área de investigação & desenvolvimento, o objectivo consiste em “produzir as rolhas mais consistentes, preservando, simultaneamente, recursos essenciais como a cortiça e a água”, de acordo com o comunicado. Este investimento permitiu desenvolver uma acção circular, em que os subprodutos da produção de rolhas naturais são destinados ao fabrico de rolhas técnicas, enquanto o pó de cortiça é recolhido nas unidades industriais, para alimentar as caldeiras. Mas sem descurar a parte da sustentabilidade, seja ambiental, seja social, por forma a promover a economia local.

 

Nova temporada no Esporão

esporão

José Luís Moreira da Silva, que está há 10 anos no Esporão, é o novo CEO da empresa, cargo a ocupar a partir de 1 de Janeiro de 2026. Esta nomeação assinala a nova era, que, de acordo com o comunicado, vai dar “continuidade dos valores, da cultura e da visão que têm guiado o […]

José Luís Moreira da Silva, que está há 10 anos no Esporão, é o novo CEO da empresa, cargo a ocupar a partir de 1 de Janeiro de 2026. Esta nomeação assinala a nova era, que, de acordo com o comunicado, vai dar “continuidade dos valores, da cultura e da visão que têm guiado o Esporão ao longo das últimas cinco décadas”.

“A nomeação do José Luís marca um momento importante para o futuro do Esporão. A sua competência, visão e profundo entendimento da nossa cultura dão-nos total confiança na liderança que irá exercer neste novo ciclo. Estou certo de que continuará a criar valor e a inspirar toda a equipa”, declara João Roquette, Presidente do Conselho de Administração do Esporão. Por sua vez, José Luís Moreira da Silva afirma o seguinte: “é um enorme privilégio e uma grande responsabilidade liderar o Esporão, dando continuidade ao trabalho desenvolvido pelo João.”

Recordamos que José Luís Moreira da Silva iniciou funções em 2015 como gestor de enologia da Quinta dos Murças. O empenho determinou a nomeação para o cargo de COO, integrando, desde 2022, o Conselho de Administração do Esporão. João Roquette continuará como Presidente do Conselho de Administração não executivo.

RIBEIRO SANTO: Um quarto de século para celebrar

Ribeiro Santo

Carlos Lucas, natural de Coimbra, enólogo e produtor vitivinícola, tem motivos para comemorar. A Ribeiro Santo completa 25 anos e o filho, Diogo Lucas, com a mesma idade, integra, desde este ano, a equipa desta casa pertencente à região vitivinícola do Dão. Mas o nosso anfitrião volta um pouco atrás no tempo, para explicar a […]

Carlos Lucas, natural de Coimbra, enólogo e produtor vitivinícola, tem motivos para comemorar. A Ribeiro Santo completa 25 anos e o filho, Diogo Lucas, com a mesma idade, integra, desde este ano, a equipa desta casa pertencente à região vitivinícola do Dão. Mas o nosso anfitrião volta um pouco atrás no tempo, para explicar a origem da designação que abrange as sub-marcas da empresa, mais concretamente a 1995, ano da compra da propriedade da casa da família, a Quinta do Ribeiro Santo, situada em Oliveira do Conde, no concelho de Carregal do Sal. De acordo com as palavras do proprietário, o nome advém do copioso ribeiro, que nunca seca.

Esta quinta mantém o núcleo vinhateiro de Carlos Lucas, enquanto produtor de vinho, que, além da vinha ali existente, preparou a terra para, em 1997, plantar mais videiras, com base no rigor apreendido na juventude, em França. “A primeira colheita foi, portanto, em 2000”, da qual o enólogo detém uma dezena de garrafas de vinho feito a partir da casta Encruzado. A vinha totaliza, atualmente, dez hectares.

Ribeiro Santo

No próximo ano vão passar a ter 70 hectares de vinha. Graças à compra de 10 Hectares, em Tábua, onde vão plantar apenas a casta Encruzado.

Sobre a identidade da Ribeiro Santo, já naquela época, matéria sensível aos olhos do produtor, revela que foi criada pela empresa inglesa Amphora Design. “O primeiro rótulo da primeira colheita foi feito por esta empresa de design, hoje famosíssima no mundo”, enfatiza. Quanto ao lançamento da referência vínica, feita a partir da casta-rainha do Dão, Carlos Lucas optou por fazê-lo na The Wine Society, espaço de venda de vinhos a retalho mais antigo do Reino Unido. “Ainda hoje é nosso cliente”, acrescenta.

As colheitas sucederam-se e contribuíram para o crescimento do portefólio da Ribeiro Santo. Numa primeira fase, os tintos registam maior número de garrafas, sobre os quais Carlos Lucas destaca as colheitas de 2003 e 2005. “Mas também temos brancos e, nessa altura, só tinha Encruzado”, avança.

Novo capítulo

O ano de 2011 simbolizou o começo de uma nova era da Ribeiro Santo, com a fundação da Magnum Wines. Para além da revitalização do nome Ribeiro Santo, Carlos Lucas reforçou a aposta no portefólio da casa e materializou, em 2014, a construção de uma adega na Quinta do Ribeiro Santo. Em 2018, comprou a Quinta de Santa Maria. A propriedade, de dez hectares, situada em Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, próximo do rio Dão, mantém a vinha plantada, em finais dos anos 90 do século XX, pelo próprio, a qual ocupa cinco hectares.
“Em 2020, 2021, a Ribeiro Santo passou a ser uma das mais importantes da região vitivinícola e de seis hectares crescemos para 60 hectares de vinha.” De dois funcionários passou para 40 e a pequena empresa tornou-se uma média empresa. “É assim que a queremos manter, porque eu não quero ser o maior produtor de vinhos do Dão”, enfatiza o empresário, que se define como “profissional desta área a tempo inteiro”, trabalhando de corpo e alma para a Ribeiro Santo, desde 2019. “No próximo ano, passaremos a ter 70 hectares de vinha, porque compramos dez hectares, em Tábua, só para plantar Encruzado”, informa.

Entretanto, Carlos Lucas adquiriu uma propriedade com 40 hectares de vinha, em Oliveirinha, concelho de Carregal do Sal, próximo do rio Mondego, na confluência entre a IC 12 com a EN 234, a dois passos do caminho de ferro da Beira Alta e a cerca de 300 metros do apeadeiro, uma mais-valia para os clientes do futuro restaurante instalado na casa original. Segundo o empresário, o foco estará na cozinha tradicional, com o bacalhau e o cabrito a receberem o devido protagonismo.

 

Além deste espaço de restauração, este imóvel irá acolher a sede da empresa, uma loja de vinhos e tapas, com esplanada na varanda, e terá um túnel subterrâneo de acesso à nova unidade de vinificação do projeto Ribeiro Santo. De arquitetura contemporânea e desenhada em prol da eficiência energética, foi construída de raiz este ano e acaba de ser estreada nesta vindima. A referida passagem subterrânea vai facilitar a visita à sala de barricas e a dinamização da sala de provas da adega dividida, ainda, por um extenso espaço reservado às cubas e ao armazém, cuja capacidade dará resposta à produção anual de vinho da empresa. Sem esquecer os vinhos de nicho. “São muitas referências e todas elas com muito tempo de guarda”, revela Carlos Lucas.

É nesta fase que entra Diogo Lucas. Embora faça parte da equipa, o empresário esclarece que a empresa não é de cariz familiar. “Estes 25 anos traduzem a minha filosofia de vida e de trabalho, que é fazer bem feito. Desde o dia em que nasceu, o objetivo da Ribeiro Santo é ser distinta, não se massificar e não se banalizar.” Neste contexto, enaltece a importância da parte social da empresa, dando como exemplo o almoço confecionado diariamente para todos, sem descurar a qualidade de vida em Carregal do Sal.

Tudo pela região

A carreira profissional de Carlos Lucas está intrinsecamente ligada à região do Dão. Começou como enólogo na Adega Cooperativa de Nelas, em 1991. “Fazia oito milhões de litros” e foi “o primeiro enólogo a tempo inteiro numa adega cooperativa do Dão”, declara. No ano seguinte, implementou uma reforma marcante nesta instituição constituída por associados: decidiu disponibilizar um dos tegões só para a Touriga Nacional, no sentido de valorizar a casta, um tegão só para brancos e um outro para as restantes castas tintas, “onde entrava 80% das uvas”.

Encetou a visita aos produtores, que evidenciou a valorização das castas tintas em detrimento das brancas. “Ainda tenho garrafas de tintos da Adega Cooperativa [de Nelas], vinhos com trinta e pouco anos e que fazem as delícias de quem os bebe. O Dão é o que me corre nas veias”, sublinha o empresário, que faz uma leitura mais positiva a respeito deste território vitivinícola, outrora “muito massificado”, mas que, “agora, voltou a encontrar-se”, graças a “muito bons produtores, porque “uma região não se faz com um produtor. Uma região faz-se com um conjunto de produtores que regula uma qualidade média-alta. Neste momento, o Dão tem muita regularidade na qualidade do seu vinho”.

A mesma opinião é partilhada por Diogo Lucas, que assume a gestão da Magnum Wines, bem como a responsabilidade dos departamentos comercial e de comunicação dentro da empresa, sendo o elo entre a equipa de produção e os mercados: “O Dão é único em Portugal e até fora do contexto português. Muitas vezes, tendemos a classificar os territórios pela distância do Atlântico, em que os vinhos das zonas costeiras são mais frescos, com menos álcool e mais acidez, e os mais distantes são de clima continental, mais intensos. Mas, se pensarmos no Dão, o Dão é uma região que foge à norma nesse aspeto, porque tem a proteção das serras”, como a da Estrela, do Açor, Caramulo, Buçaco, de Leomil, da Lapa, de Montemuro… Para o mais recente elemento desta casa, formam uma proteção, que “acaba por mitigar o efeito do Atlântico e o efeito continental vindo de Espanha”.

Por exemplo, em Cabanas de Viriato, a Quinta de Santa Maria, inserida num planalto, com uma altitude média a rondar os 500 metros, beneficia de boa exposição solar e ventilação constante, fatores determinantes para um ciclo vegetativo positivo. “Os solos são graníticos, brancos, rochosos e pouco férteis, com presença frequente de afloramentos de quartzo, resultantes de filões quartzíticos que cruzam a zona”. A textura é rígida e “a drenagem é excelente”. Tudo junto, favorece “a produção de uvas com alta concentração fenólica e boa acidez, ainda que com baixos rendimentos”, continua. Face a este cenário, Diogo Lucas adianta que as castas tintas são as mais indicadas nesta zona. “A exposição solar e o ciclo de maturação permitem boa evolução fenólica, sem comprometer a frescura nem o equilíbrio dos vinhos.”

Nas localidades de Oliveira do Conde e Oliveirinha, onde as altitudes oscilam entre os 500 e os 650 metros, as vinhas estão plantadas, muitas vezes, em zonas “com exposições a norte, que ajudam a moderar a intensidade solar”. A amplitude térmica é mais reduzida quando comparada a Cabanas de Viriato, “a pluviosidade ronda os 700 milímetros anuais e a humidade relativa é elevada nos meses frios, embora com boa circulação de ar, o que evita excesso de pressão de doenças”, condições que contribuem para o equilíbrio entre acidez e maturação. Já os solos “são graníticos de textura franco-arenosa, com alguma profundidade e presença moderada de matéria orgânica (…). Apresentam boa drenagem, mas também alguma capacidade de retenção de água, uma mais-valia em anos mais secos. A composição revela baixos níveis de potássio disponível, o que ajuda a manter a acidez das uvas brancas”. Como tal, é, de acordo com Diogo Lucas, uma “zona especialmente indicada para castas brancas, como o Encruzado, que aqui expressa frescura, mineralidade e boa estrutura”.

Em suma, estão reunidas as condições para o enrelvamento natural e a supressão de herbicidas em qualquer uma das vinhas de Carlos Lucas.

 

A plenitude da casta-rainha

Dos vários anos dedicados ao Dão, Carlos Lucas dedicou-se a fazer um trabalho de seleção das castas, no sentido de conferir mais-valias na produção vínica do território. A variedade de uva Encruzado é representativa da identidade do Dão e eleita como protagonista no universo da Ribeiro Santo. “O meu pai também teve um trabalho importante nesta seleção, com a seleção e a divulgação da Encruzado em vinho extreme”, realça Diogo Lucas.

“Parte da minha vida enológica e da minha equipa tem sido dedicada a fazer cada vez melhores vinhos brancos, em que o Dão nunca apostou muito, porque os outros produtores dedicaram-se sempre muito aos tintos”, revela o empresário à Grandes Escolhas. A crescente aposta neste tipo de vinho reflete-se no aumento de área destinada à casta-rainha deste território vitivinícola por parte do nosso anfitrião, ou seja, Carlos Lucas reúne 17 hectares de vinha reservados à Encruzado, a qual vai passar para 27 hectares em 2026. Aliás, “metade das nossas referências são vinhos brancos”, reforça.

“Gostamos mesmo muito de vinhos brancos e de Encruzado. Vou ao restaurante e 90% dos vinhos que bebo são brancos. Para mim, a Encruzado podia ser um Premier Cru. Faço pelo Encruzado, pelo que a casta me dá. Aprendi a gostar de brancos, assim como aprendi a gostar de tintos”, expõe Carlos Lucas. Para Diogo Lucas, esta variedade de uva branca é de extrema importância no Dão. A afirmação é feita com base numa prova cega de vinhos feitos a partir de “castas históricas do Dão”. Esta missão foi realizada, há pouco tempo, no Centro de Estudos de Nelas. “Facilmente, toda a gente concordou que o vinho com maior equilíbrio, o mais prazenteiro, era, sem sombra de dúvidas, o Encruzado. É a única casta do Dão que, consistentemente, apresenta resultados de vinhos de qualidade superior. Depois também tem a ver com o lado vitícola, pois é uma casta muito resistente ao calor.”

Embora não considerem que seja ainda um problema no âmbito da Ribeiro Santo, as alterações climáticas vão ser um desafio, daí que o caminho seja apostar nas castas mais resistentes ao calor, “e o Encruzado tem essa particularidade”, remata.

 

Ribeiro Santo
Carlos Lucas com o enólogo Bernardo Santos

Quem é Diogo Lucas

Confessa que, desde cedo, iniciou as tarefas associadas ao trabalho vitivinícola e à produção de vinho. Tendo em conta a época em que a Ribeiro Santo se consolidou ainda mais no mundo do vinho, Diogo Lucas revela que desde jovem procurou ajudar, conjugando a escola com o tempo livre, para se dedicar ao negócio do pai. No currículo, a experiência vitivinícola é muito ampla, vai do engarrafamento à rotulagem, passando pela poda e pela vindima, pela carta de trator e manuseio da empilhadora, e pelo trabalho dedicado às barricas. “As novas tinham uma risca vermelha e o meu filho lixava-as, para ficarem bonitinhas. Comprei duas ou três lixadeiras, mas tu estragaste tudo [risos]”, conta Carlos Lucas, com orgulho.

Sem descurar a importância da vinha, o gestor da empresa denota preferência pela adega, como o momento de decisão mais interessante deste universo, desde a receção da uva, “que cria expectativa” à feitura do vinho. Mas, “tentei ‘fugir’, porque não tinha a certeza se seria esta a minha vocação”. Galgou a fronteira de Portugal, para estudar uma área que nada tinha a ver com enologia, mas “não estar, em setembro, nas vindimas, fez-me uma confusão enorme”. Paralelamente, incrementou o gosto pelas provas de vinhos. “Em casa bebemos vinho de várias regiões do mundo e cultivamos muito a vontade de conhecer coisas novas.”

Nos tempos da pandemia, trabalhou, em Londres, com Lance Foyster, Master of Wine, que importa vinhos. “Foi quando percebi que queria trabalhar na área dos vinhos, enquanto produtor e, neste momento, aliado ao meu pai. Regressei de Londres com outra visão. Investi mais nos estudos.” Fez o mestrado em Gestão, na Nova SBE, em Lisboa, e, agora, dedica-se à gestão da empresa. “Gerir uma empresa é fundamental, principalmente hoje em dia, com o mercado incerto e muito dinâmico”, justifica, dizendo que está de volta a 100% à Ribeiro Santo. “Está a ser uma oportunidade de muita aprendizagem – o meu pai é o meu grande mentor – e há um investimento muito grande na futura geração. Aliás, também estou a ajudar a empresa a viver uma nova etapa”, remata.

Equipa jovem

“Faço parte de uma geração que ajudou a mudar o setor do vinho em Portugal, a qual começou um pouco antes, com João Portugal Ramos, no Alentejo. Depois, apareceram o Anselmo Mendes e o Paulo Laureano, bem como o Jorge Moreira…”, assevera Carlos Lucas, que expressa felicidade de cada vez que prova colheitas com 30 anos. “Dediquei-me, de alma e coração, ao sector do vinho. Sempre fui enólogo, nunca fiz outra coisa na vida.” Afinal, esta não era de todo uma área que estava associada à atividade da família e o melhor retorno que tem é ouvir os comentários positivos da parte dos filhos. “Na altura, não sabia se era assim tão bom, porque não havia bitola, não tive um mestre. Fui responsável por milhões de garrafas desta região e por muitas outras de outras regiões do país”, conta. E do mundo, com Montpellier, no sul de França, Piemonte, no norte de Itália, ou Priorat, na Catalunha.

Sobre o percurso profissional, que soma 34 vindimas, Carlos Lucas revela o gosto de trabalhar em equipa. “Ao contrário de muitos enólogos, que não se lhes conhece gente à volta, nunca quis trabalhar sozinho. Formei muitos jovens. Um deles é o Tiago Macena”, enólogo candidato a Master of Wine. “Esse legado, essa riqueza eu procuro passar para os jovens”, frisa Carlos Lucas, que também se assume como criativo e “essa parte criativa é o que eu quero e estou a transmitir a esta juventude”, diz, referindo-se não apenas a Diogo Lucas, mas também ao enólogo Bernardo Santos, natural de Leiria e que, desde há sete anos, trabalha com Carlos Lucas, e a Natacha Barreto, engenheira química nascida em Aveiro, responsável pela vertente da investigação relacionada com os vinhos e que, no âmbito do protocolo estabelecido entre a empresa e a instituição de ensino, faz a ponte com a Universidade de Aveiro. Sem esquecer o enólogo bairradino Carlos Rodrigues, um dos grandes alicerces da casa, e “que trabalha comigo desde sempre”. Porém, todo o trabalho na adega é assegurado pelos mais novos. “Não poderia ter escolhido melhor professor”, remata Diogo Lucas.

A prova de uma vida

Uma viagem pela história da marca Ribeiro Santo contada em vinhos. Foi isso que foi proposto a Carlos Lucas, um desafio que o produtor abraçou com entusiasmo, quase como a prova de uma vida. As garrafas vieram da sua coleção e foram abertas no momento, com todos os riscos inerentes, pois a grande maioria destes vinhos não era provada há muitos anos, ninguém sabia em que estado se encontravam. Misturámos brancos e tintos, conceitos, perfis e segmentos de preço, indo dos entrada de gama aos mais raros e ambiciosos. A viagem teve o seu início, como deve ser, pelo princípio, com um vinho de 2000, Encruzado, por sinal. E terminou com alguns vinhos já engarrafados e que só irão para o mercado daqui a alguns anos.

Enquanto as garrafas desfilavam, percebemos os vários estádios do projecto Ribeiro Santo: a busca da afirmação inicial, com vinhos vigorosos e concentrados, a barrica bem presente; a procura de novos caminhos, com referências como E.T. e Envelope; e a busca da perfeição, do rigor, com alterações de perfil nas referências mais clássicas. São 25 anos de vinhos que nos mostram muito de um projecto, de uma marca, de uma pessoa. Vamos lá, então.

Ribeiro Santo Encruzado branco 2000. Era um vinho de gama média, sem madeira (“não havia dinheiro…”), dourado na cor, amendoado no nariz, seco e austero, com perfeita acidez a segurá-lo; muito citrino e limonado. Ainda um belo vinho, com bastante alma, a entregar muito prazer (18 pontos). Ribeiro Santo Escolha branco 2007. A marca viria a dar origem, mais tarde, ao Vinha da Neve. Encruzado, com 5% de Cerceal, agora já com barrica. Sente-se a madeira fumada, num registo, muito avelanado, expressando o estilo da época. Excelente acidez, firme, salino, largo, vibrante (18). Ribeiro Santo Escolha branco 2009. A barrica está bem mais moderada do que no 2007 (já não eram novas…), num registo perfumado, floral, muito elegante, fino. Tem excelente textura e cremosidade, de final citrino, vibrante, seco, longo (18,5). Ribeiro Santo branco 2010. É o entrada de gama dos brancos, custava então 2,50 euros. Mais evoluído que os anteriores, com notas de folha de chá, mas ainda vivo, graças à boa acidez; muito interessante como branco com idade (17).

Ribeiro Santo Vinha da Neve 2014. Já da era moderna da casa, com uma nova adega. Os topos passaram a barricas de 500 litros. Jovem ainda na cor e no aroma, com fruto delicado, especiaria, barrica perfeitamente integrada. Textura cremosa, num perfil bem encorpado, mas com acidez fina e incisiva, de final citrino, vibrante, longo (18,5). Envelope branco 2016. Um branco definidor, em vários sentidos. A nova marca, posicionada acima do Vinha da Neve, pressupunha classe e singularidade, através de vinificações diferentes, nomeadamente o trabalho com borras de decantação guardadas do ano anterior. A cor é incrível, parece ter três anos e não nove. Fantástico nariz, austero, com imensa pederneira, casca de laranja e limão, erva do campo, flores silvestres. Boca finíssima (a barrica não se sente) fresca, elegante, cremosa; um branco fantástico (19).

Ribeiro Santo Grande Escolha branco 2019. A diferença para o Vinha da Neve é que este pretende ser um “Garrafeira do Dão”, com muito tempo de barrica (incluindo carvalho americano, ao estilo Rioja) e garrafa. Encruzado, com 5% de Cerceal, tem imensa especiaria proveniente da barrica, mas esta não se sobrepõe, deixando surgir a fruta citrina, num vinho profundo e rico, com notas de manteiga cortadas por toque salino (18,5). Ribeiro Santo Encruzado Dourado branco 2020. O primeiro desta referência, um Encruzado com curtimenta completa. Tem menos cor do que seria de esperar de um curtimenta, imenso brilho no aroma, pederneira, casca de uva, citrinos de limão e toranja. Seco, sério, com amargos de casca e algum tanino, enorme garra, um branco incisivo, tremendo, com muito para crescer na garrafa (19).

Ribeiro Santo Grande Escolha branco 2023. Muito menos barrica (e menos textura…) do que o 2019, reflectindo o ar do tempo, e sem carvalho americano. Elegante, muito citrino, sério e afinado, um belo vinho branco, com alma do Dão, mas muito jovem ainda (está em estágio), precisa de tempo para crescer (18). Ribeiro Santo Encruzado branco 2024. O Encruzado “de entrada” (são 85 mil garrafas!) é um vinho muito bonito, com uma certa austeridade típica da casta, citrino, boa fruta de laranja e lima, um toque fumado de madeira quanto baste, tudo no sítio, uma verdadeira referência nesta categoria (17).

Ribeiro Santo tinto 2003. O vinho mais simples da marca. Mais de duas décadas depois, mostra o passar do tempo, com evolução notória no aroma, mas ainda com alma na boca, com taninos suaves, acidez equilibrada, mato e caruma (16). Ribeiro Santo Escolha 2005. Na época ainda não tinha madeira, o que terá, talvez, contribuído para a excelente cor que mostra, ainda com fruta no aroma e tanino bem presente na boca. Muito curioso, num perfil pouco comum para aqueles anos, com bastante garra, bela acidez, vibrante, sólido, longo; grande surpresa (18). Ribeiro Santo Grande Escolha 2008. Mais ambicioso, mas bem mais cansado do que o 2005, com evolução notória, toque amargo na boca, muito seco de taninos, em queda. Outra garrafa poderá estar diferente (15,5).

Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2009. O primeiro Vinha da Neve. Grande nariz, exótico, flores silvestres, fruto negro, menta. Muita estrutura e densidade, bastante extração, representando bem a época; um tinto que se mastiga (18). Ribeiro Santo Grande Escolha tinto 2011. Um ano marcante para Carlos Lucas, com a criação da Magnum Wines. Um tinto “ao estilo de Rioja clássico”, com muita barrica e garrafa. Escuro ainda na cor, imenso no nariz, profundo e rico, fumados e especiaria. Notável textura de boca, num perfil carnudo, mas com bastante frescura, fantástica acidez a equilibrar tudo. Tremendamente jovem, para crescer em garrafa. Claramente, um vinho de afirmação pessoal (19,5). Ribeiro Santo tinto 2012. Na altura, custava 2,50 euros, mas vê-se que era bem mais ambicioso do que isso (a marca precisava de ganhar notoriedade). Muito limpo, ainda com fruto, amora, groselha, muito boa textura, sumarento, com nota de cacau amargo, grande surpresa (17).

Ribeiro Santo E.T. tinto 2013. O primeiro E.T., feito de Touriga e Encruzado, foi um vinho disruptivo, a marcar o início dos produtos diferenciadores na casa. Algo aberto de cor, está contido de aroma, muito elegante, muito delicado, num registo sofisticado, polido, ainda cheio de fruto, com imensa frescura e persistência (18,5). Ribeiro Santo Carlos Lucas/Carlos Rodrigues tinto 2015. Um vinho de reconhecimento ao trabalho “na sombra” de Carlos Rodrigues, está cheio de cor, com aromas complexos de fruto maduro, terra, húmus, cogumelos. Muita textura, muito corpo e densidade, mas muita frescura também, sólido, profundo, vibrante, sério, imensa garra e tensão. Muito jovem ainda, grande vinho (19).

Ribeiro Santo Touriga Nacional tinto 2017. Muito boa cor, madeira em primeiro plano, a fruta madura mais escondida, um curioso lado mentolado. Na boca, sente-se mais o lado de fruta madura, num perfil extraído e concentrado, mas com boa acidez a dar equilíbrio. Firme e seguro, um “Tourigão” (17,5). Ribeiro Santo Envelope tinto 2018. Os tintos Envelope começam a fermentar com engaço e, a meio da fermentação, saem das massas, acabando em barrica. Algo aberto de cor, muito elegante e frutado, framboesa e bagos silvestres, alguns fumados e especiarias. Tem volume e cremosidade, associada a tanino muito fino e discreto. Notável frescura de boca, sofisticado, longo, distinto. Imenso sabor, mas com leveza. (19).

Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2019. Ainda se pode encontrar em algumas lojas. Bem escuro na cor, como é típico da marca, barrica e fruta de grande qualidade no aroma, imensa garra na boca, potente sem ser bruto, texturado e concentrado, mas ao mesmo tempo muito elegante, preciso, com um lado quase citrino que lhe confere imensa frescura e persistência. Um grande vinho, jovem ainda, a pedir tempo (19).

Ribeiro Santo Grande Escolha tinto 2020. Barrica, tosta, fumo, especiaria, muita riqueza de aroma e sabor, intenso, profundo, sempre com a acidez a equilibrar tudo. Largo, denso, opulento, rico, para durar (18). Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2021. Menos barrica do que o 2019, mais evidência de fruta, groselha e framboesa, bagas vermelhas, um leve floral, mais elegante e menos potente do que o habitual. Apimentado, muito harmonioso, com tudo no sítio, muita especiaria, precisa de esperar uns anos (18,5). Ribeiro Santo Reserva tinto 2022. Custa entre sete e oito euros e mostra-se bem sumarento, com tostados de madeira bem integrados, taninos polidos, bastante equilibrado, saboroso, largo, muito bem feito (16,5).

Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2023. Ainda em estágio, há ano e meio em garrafa. Mais Touriga do que o habitual, consuma a viragem iniciada com o 2019, para um estilo mais elegante, mais fino, mais fruta e menos barrica. Excelente fruta silvestre, imensa precisão, notável textura, discreta barrica, mas de superior categoria, mato e caruma, perfeita definição. Um tinto belíssimo que o tempo dirá onde vai chegar (19).

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)

Grupo Abegoaria com nova Directora de Marketing

Abegoaria

Márcia Farinha assume o cargo de Diretora de Marketing do Grupo Abegoaria, com a missão de assumir o desafio de reforçar a estratégia de crescimento e o posicionamento das marcas de vinhos da empresa. O objectivo deste compromisso estende-se à aposta reforçada a respeito da comunicação e do marketing, no sentido de expandir o nome […]

Márcia Farinha assume o cargo de Diretora de Marketing do Grupo Abegoaria, com a missão de assumir o desafio de reforçar a estratégia de crescimento e o posicionamento das marcas de vinhos da empresa. O objectivo deste compromisso estende-se à aposta reforçada a respeito da comunicação e do marketing, no sentido de expandir o nome do produtor no mercado nacional como internacional.

Sobre esta boa nova, Márcia Farinha afirma: “é a oportunidade de contribuir de forma decisiva para o crescimento de um dos players mais relevantes do setor, que valoriza a qualidade, a inovação e o compromisso com as pessoas. Encaro este desafio com entusiasmo, motivação e um forte sentido de missão: reforçar a presença das nossas marcas e potenciar o crescimento sustentável de um grupo que é referência no panorama vitivinícola português.”

O percurso de Márcia Farinha inclui a Quinta da Alorna, na região do Tejo, a Quinta de Pancas, no território dos Vinhos de Lisboa, bem como a Herdade das Servas e da Adega de Borba, ambas no Alentejo.

Sobre o Grupo Abegoaria, é de destacar que se trata de um dos cinco maiores produtores em Portugal, com vinhos nas regiões de Vinhos Verdes, Douro, Dão, Tejo, Lisboa, Beira Interior, Alentejo, Algarve e Açores.