AXA MILLÉSIMES: Pichon Baron e Suduiraut, esplendor bordalês

Quando se fala da AXA Millésimes em Portugal, a memória recai quase inevitavelmente sobre a reputada Quinta do Noval, um nome de peso no Douro. Alguns lembrar-se-ão também da Quinta do Passadouro. Porém, esta divisão da seguradora francesa está na origem de um portefólio internacional de propriedades vitivinícolas históricas, adquiridas numa altura menos favorável, revitalizadas […]
Quando se fala da AXA Millésimes em Portugal, a memória recai quase inevitavelmente sobre a reputada Quinta do Noval, um nome de peso no Douro. Alguns lembrar-se-ão também da Quinta do Passadouro. Porém, esta divisão da seguradora francesa está na origem de um portefólio internacional de propriedades vitivinícolas históricas, adquiridas numa altura menos favorável, revitalizadas e elevadas novamente à excelência.
Nesse conjunto cintilam dois nomes maiores de Bordéus: Château Pichon Baron e Château Suduiraut, ambos presentes na famosa Classificação de 1855. Aos vinhos destas duas propriedades foi dedicada a masterclasse organizada pela Vinitrust e conduzida por Ana Carvalho, embaixadora global da AXA Millésimes.
Pichon Baron, a majestade de Pauillac
Quem percorre a Estrada D2, ao longo do Médoc, conhecida como “Route des Châteaux”, dificilmente passa sem reparar no Château Pichon Baron. Trata-se de um castelo de arquitectura renascentista francesa do século XIX, com duas torres e pináculos simétricos. A sua silhueta, digna de um conto de fadas e reflectida num lago artificial em frente, faz dele um dos postais mais reconhecíveis e fotografados da região.
Fundado no final do século XVII por Jacques de Pichon, barão de Longueville, o château permaneceu nas mãos da família por mais de duzentos anos. Em 1850, uma partilha familiar deu origem ao Château Pichon Baron tal como o conhecemos hoje, erguido por Raoul de Pichon, herdeiro da casa. À sua frente, do outro lado da estrada, fica o Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande que outrora pertencia à mesma família.
O século XX trouxe as inevitáveis oscilações da fortuna. Foi em 1987 que a história ganhou novo impulso: a aquisição pela AXA Millésimes marcou o renascimento da propriedade. O Director Técnico Jean-René Matignon, que entrou praticamente na mesma altura, conduziu a transição com sabedoria até 2022, ano em que passou o testemunho a Pierre Montégut, também responsável pela enologia no Château Suduiraut.
Os 75 hectares de vinha, que é uma dimensão média para a região, representam o encepamento clássico de Pauillac com 66% de Cabernet Sauvignon, 27% de Merlot, 5% de Cabernet Franc e 1% de Petit Verdot, sendo que as últimas duas variedades nunca entram no Grand Vin. No passado utilizavam Petit Verdot e Cabernet Franc, mas hoje não, pois “o Cabernet Franc tem manias e o Petit Verdot confere rusticidade ao vinho”. Ainda têm cerca de 1% Semillon, o resultado da selecção massal “importada” do Château Suduiraut, do qual fazem um vinho branco seco. A idade média das videiras ronda os 35 anos, fruto de uma política de replantação anual de cerca de 1% de encepamento.
A vindima é feita manualmente e de forma muito selectiva, ao contrário de um período menos feliz da propriedade, quando a uva era colhida à máquina. A fermentação ocorre separadamente, por parcelas e castas, para isso contam com depósitos de variadíssimas dimensões.
Nos anos 1990, o Grand Vin superava as 300 mil garrafas. Hoje, em busca quase obsessiva pela qualidade, esse número foi reduzido para metade através dos critérios da selecção mais exigentes. Les Griffons de Pichon Baron, criado em 2012, junta-se ao já conhecido Les Tourelles de Longueville, como segundo vinho, mas com perfis distintos. O primeiro espelha a seriedade tânica do Grand Vin; o segundo, mais dominado pelo Merlot, revela-se pronto mais cedo. O uso de barrica nova no Grand Vin corresponde a 80% e é mais moderada nos restantes.
Château Suduiraut, a doçura repensada
A história de Château Suduiraut começou em 1580, por meio do casamento entre Nicole d’Allard e Léonard de Suduiraut. Os jardins do château, desenhados por André Le Nôtre, o mesmo de Versailles, ainda hoje testemunham grande ambição estética. Ao longo dos séculos, o Château Suduiraut foi passando de mão em mão, até mudou de nome durante algum tempo. A propriedade encontrou novo fôlego, quando foi adquirida, em 1992, pela AXA Millésimes.
Sob a direção técnica de Pierre Montégut, a casa soube adaptar-se à nova realidade: o Sauternes doce, outrora símbolo de luxo e longevidade, nas últimas décadas ia perdendo o terreno na mente do consumidor. O caminho foi claro — manter o grande vinho em doce, mas abrir espaço para a frescura dos brancos secos, também mais económicos em termos de produção e menos dependentes das condições climatéricas. Estes, não podendo levar o nome de Sauternes por imposição legal, surgem sob o rótulo genérico de Bordeaux Blanc Sec. Uma injustiça, talvez, mas uma realidade, por enquanto.
O primeiro branco seco, S de Suduiraut, foi lançado em 2004. Rebaptizado como Lions de Suduiraut, em 2021, assumiu outra ambição. É um blend de Sémillon, Sauvignon Blanc e Sauvignon Gris (casta que Pierre Montégut aprecia bastante por ser menos aromática do que o Sauvignon Blanc e conferir mais corpo), feito com maceração pelicular e fermentação parcial em barrica. A produção ronda as 70 mil garrafas.
Num patamar acima surge o Château Suduiraut Vieilles Vignes, com primeira colheita em 2020, feito a partir das vinhas mais velhas (45 anos) de Sémillon e Sauvignon Blanc. Sujeito a uma prensagem longa, extraindo alguns polifenóis, com fermentação e estágio em barrica (12% nova) de 9 meses.
No capítulo doce, o Château Suduiraut 2010 que provámos tinha 90% Sémillon e 10% Sauvignon Blanc. Em anos recentes, optaram por fazer o vinho exclusivamente com Sémillon, numa afirmação de identidade. A colheita, em várias passagens entre setembro e novembro, antecede um estágio de 20 meses, com 50% de barrica nova.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)
Canastra do Fidalgo: Entre a ria e o mar

Os antigos “palheiros” de madeira construídos pelos pescadores, posteriormente transformados em casas de veraneio, pintadas às riscas, são o mais conhecido cartão de visita da Costa Nova do Prado, atraindo muitos milhares de visitantes. Na época balnear, as praias, de extensos areais, juntam uma multidão. A partir de setembro, a fauna muda, deixando mais espaço […]
Os antigos “palheiros” de madeira construídos pelos pescadores, posteriormente transformados em casas de veraneio, pintadas às riscas, são o mais conhecido cartão de visita da Costa Nova do Prado, atraindo muitos milhares de visitantes. Na época balnear, as praias, de extensos areais, juntam uma multidão. A partir de setembro, a fauna muda, deixando mais espaço aos surfistas e àqueles que buscam as delícias que a ria e o mar têm para oferecer.
Bons restaurantes não faltam na Costa Nova (curiosamente, na Barra, mesmo ali ao lado, ainda não houve um que conseguisse ganhar notoriedade). O mais antigo, a Marisqueira da Costa Nova, fundada em 1940, pode considerar-se a mãe (ou pai) de todos os outros. Dali, saíram profissionais de cozinha e de sala que depois impulsionaram restaurantes, como o Praia do Tubarão ou o Dóri, nomes seguros na lista de “imperdíveis” da Costa, lista essa que, nos últimos anos, tem vindo a ser liderada pela Canastra do Fidalgo, sobretudo desde a aquisição do espaço, em 2018, pelo casal Leandro Mota e Joana Martins.
De uma geração diferente dos outros empresários locais, que aprenderam fazendo, Leandro e Joana conheceram-se na escola de hotelaria, onde ele concluiu a formação em Cozinha e ela em Gestão Hoteleira. O percurso académico influenciou a forma cuidada como a cozinha e o serviço são trabalhados na Canastra do Fidalgo, apoiando-se numa equipa jovem que conta, ainda, com Leonardo Costa (nos fogões) e João Candeias (na sala), e que fez deste espaço um verdadeiro hino à arte de bem comer e bem servir.
A ementa assenta na matéria prima local, entre enguias, ostras, ameijoas e berbigão, da ria, os robalos, pregados, rodovalhos, bacalhau, etc., tudo do mar, transformados em pratos – ensopados, massadas, grelhados, frituras… – que honram o receituário regional, aqui moldada com um toque contemporâneo. A carta de vinhos, vasta e coerente, busca igualmente a proximidade, com destaque para a Bairrada. E o ambiente, entre sala e a esplanada, protegida do vento norte e aquecida no inverno, alia-se à comida saborosa e genuína e ao serviço de excelência. Tudo isto torna a Canastra do Fidalgo um restaurante de visita tão obrigatória quanto as casinhas às riscas.
Canastra do Fidalgo
Av. José Estevão, 240 – Costa Nova do Prado
Fecha às segundas e domingo ao jantar.
Tel: 234394859 – geral@canastradofidalgo.pt
Palhete ou Clarete? 7 Sugestões para acompanhar castanhas

Já ouviu falar dos vinhos Palhete e Clarete? Há cada vez mais produtores a produzirem estas referências porque os consumidores também começam a procurar por este tipo de vinhos mais leves. O vinho Palhete é feito com maioria de uvas tintas, mas com alguma uva branca misturada no máximo até 15%, fermenta com as películas, […]
Já ouviu falar dos vinhos Palhete e Clarete? Há cada vez mais produtores a produzirem estas referências porque os consumidores também começam a procurar por este tipo de vinhos mais leves.
O vinho Palhete é feito com maioria de uvas tintas, mas com alguma uva branca misturada no máximo até 15%, fermenta com as películas, mas por pouco tempo e tem uma cor rosada mais carregada, às vezes quase tinto muito leve.
O vinho Clarete é um tinto com pouca maceração, feito apenas de uvas tintas. Tem um tom claro, mas mais escuro que um rosé e fermenta como um tinto (com películas).
Para acompanhar castanhas sugerimos estes dois tipos de vinho porque são simples, saborosos e descomplicados, tal como as castanhas! Podemos considerar que são a versão moderna da água pé!
GRANDE PROVA: PORTO LBV, o futuro aqui tão perto

Era uma vez um bar de vinhos em Lisboa que nasceu no ano da Expo 98. Ali, à revelia do que a legislação autorizava na época, decidiu-se servir vinho a copo; não uma zurrapa que resultava dos restos acumulados das garrafas deixadas nas mesas, mas sim, vinho de marca, de boa marca, servido em bons […]
Era uma vez um bar de vinhos em Lisboa que nasceu no ano da Expo 98. Ali, à revelia do que a legislação autorizava na época, decidiu-se servir vinho a copo; não uma zurrapa que resultava dos restos acumulados das garrafas deixadas nas mesas, mas sim, vinho de marca, de boa marca, servido em bons copos e à temperatura correcta. Ali havia dois Menus de Prova, nome aportuguesado de menu dégustation, constituído por quatro momentos (para usar a terminologia actual). Num dos menus, a sobremesa era servida com Porto LBV e, no chamado Menu Especial, o tal Porto passava a ser Vintage. Tudo raro na época, dos copos Riedel ao menu de prova e com a ousadia do Porto. Menu fixo e, logo, quem o encomendasse, tinha o Porto para beber. Ah e tal “não gosto muito de Porto”, mas, como estava “à mão” e incluído no preço, vamos beber. As surpresas foram mais que muitas. O que mais se ouvia, perante o LBV, eram frases do género: “mas isto é vinho do Porto? Mas eu nunca bebi nada assim! Isto é maravilhoso!” E assim foram muitas as garrafas que ali se consumiram e muitos os consumidores que foram conquistados.
Vamos ver a história de outro ângulo: num dos mais conhecidos restaurantes de Lisboa, daqueles que vendem centenas de garrafas por dia, reparo que, na cave, há muitas garrafas de Porto. Indago: porquê tantas garrafas, se não servem Porto à mesa? Resposta desconcertante de quem manda na casa: “o problema é que se os clientes começam a beber Porto e nunca mais se vão embora e o que eu quero é rodar as mesas!” Não é preciso dizer mais. Se a restauração não aposta no Porto e se as empresas não apostam na restauração ou, para ser mais justo, na promoção em geral, e se o IVDP faz menos do que deveria pela promoção do Porto no mercado nacional, não há grande futuro pela frente. Mesmo que fosse servido como “oferta da casa” ou “mimo do Chef” ou outra designação pomposa, uma garrafa de Porto LBV faria felizes 10 a 15 clientes. Dizer que seria uma boa maneira de os convidar a voltar é tão óbvio que nos abstemos de o comentar.
Verdadeiramente especial
O LBV integra as Categorias Especiais de Vinho do Porto, dentro da família Ruby, os Porto de tonalidade vermelha e vocacionados para a evolução em garrafa, como o Vintage. Na outra família encontramos os Tawnies, os vinhos do casco, onde vamos encontrar as referências com indicação de idade, e os Colheita, todos longamente estagiados em madeira.
Tal como aconteceu com outras categorias de Porto, o LBV nasceu sem nome identificativo; era um Porto que não era Vintage, que tinha ficado para trás e que algumas casas engarrafavam com alguns anos, na expectativa de poderem vender com outra marca. Algumas, como a Ramos Pinto, tinham mesmo vinhos da década de 20 do século passado correspondentes a essa categoria. Assim, quando finalmente a legislação saiu em 1973, e entrou em vigor em Janeiro de 1974, algumas casas – com base nas contas correntes que tinham no IVDP – resolveram colocar no mercado vinhos com a designação LBV, engarrafados entre o 4º e o 6º ano após a vindima, de boa concentração de cor e mais acessíveis, para serem consumidos novos.
Ao operador eram deixadas várias opções: fazer um LBV previamente filtrado ou, em alternativa, engarrafar vinho sem filtração, com essa indicação (facultativa) no rótulo; esta categoria permitia ainda que um vinho fosse guardado na empresa muito mais tempo do que o previsto na lei, podendo então ser usada a designação Bottled Aged.
Nesta Grande Prova vamos encontrar LBV dos três tipos. Algumas empresas têm crescido muito nesta categoria, como a Taylor’s, que faz do LBV a sua principal referência, com cerca de 1.500.000 garrafas/ano. Trata-se de um vinho filtrado e que, por via disso, tem todas as características para ser um “Porto de restaurante”, uma vez que não requer decantação nem manuseamento especial e, sem problema, pode viver com qualidade até um mês depois de aberto. Tudo boas razões que, infelizmente, a nossa restauração não parece querer aproveitar. Ainda no grupo Quinta and Vineyard Bottlers (a que pertence a Taylor’s), a Fonseca faz “somente” 66.000 garrafas. Cremos que pelo facto da sua marca emblemática não ser um LBV, mas sim o Ruby Reserva Bin 27, um Porto que se situa a meio caminho entre o Ruby e o LBV. A Croft, mais comedida, faz cerca de 26. 500 garrafas.
Em Portugal e no mundo
Mesmo o consumidor mais avisado tende, por vezes, a olhar para o LBV como um Porto de consumo enquanto jovem. Tal não deve ser encarado como regra: apesar de ser bebível logo que é colocado à venda, o LBV mantém boas condições de prova durante décadas. Recordo-me de um LBV não comercializado, de um ano menos bom (1969) e que Peter Symington, então enólogo da empresa, resolveu engarrafar para comemorar o nascimento do filho. Passados 50 anos o vinho continua a dar boa prova.
O grupo Symington Family Estates é também muito forte nesta categoria: a marca Graham’s faz 740.000 garrafas, muito acima das restantes marcas do grupo; mais recentemente, também levou a cabo uma edição especial do LBV Graham’s Malvedos 2018, feito unicamente com uvas desta quinta, num total de 36.000 garrafas.
Os principais grupos do sector apostam forte nesta categoria, diversificando muito os mercados de destino. O grupo Kopke (antiga Sogevinus) faz 600.000 garrafas de LBV distribuídas pelas várias marcas; a Granvinhos vende 225.000 garrafas; a Sogrape, engarrafou 120.000 unidades em 2024, com maior foco nas marcas Ferreira e Sandeman, significativamente mais do que engarrafou em 2025. Para a Sogrape, o mercado interno representa 54% das vendas.
Este tipo de Porto presta-se muito para o engarrafamento de BOB, ou seja, vinhos com a marca do comprador (seja um distribuidor ou grande superfície) e isso é válido, quer para o mercado interno, quer para a exportação. A Granvinhos, tradicionalmente muito forte no mercado francês, faz cerca de 150.000 garrafas com a marca do comprador e qualquer visita que possamos fazer a uma loja de vinhos ou supermercado no centro/norte da Europa, vamos encontrar, com certeza, Porto LBV com marcas que não conhecemos.
Quando a categoria nasceu, o mercado inglês terá sido o destino inicial (muito por força das empresas inglesas do sector) mas, hoje, o mercado europeu, os EUA e o Canadá absorvem a maioria da produção, com o Brasil a mostrar igualmente algum interesse. E, claro, o mercado interno, beneficiando da exposição em termos de locais de enoturismo e onde é possível provar e comprar estes vinhos, quer no Porto (e Gaia), quer no Douro.
Vamos lá com calma ou a correr?
Por norma, os LBV são engarrafados logo que a lei autoriza, ou seja, ao 4º ano após a vindima. Quer isto dizer que poderíamos estar a provar agora o 2021 mas, dessa colheita, nesta prova, só tivemos um vinho, do Vallado; a esmagadora maioria dos vinhos avaliados nasceram na colheita de 2020 e, aqui e ali, algum mais antigo, como a Quinta do Grifo. Quanto a antiguidade, já se sabe, por experiência anterior, o LBV da Warre é sempre o vinho mais antigo destas provas. Longamente estagiado em cave, este, agora provado, tem a bonita idade de 15 anos, mas, como se percebe, apresenta uma saúde de ferro. Trata-se de um modelo de LBV que não teve seguidores noutras casas, mas que fazemos força para que continue. Com uma relação preço/prazer absolutamente esmagadora, é sempre dos vinhos que mais gostamos de provar. Depois de quatro dezenas de vinhos provados, fica-nos a eterna dúvida: devemos beber o LBV novo ou esperar por ele e deixá-lo dormir em cave? As respostas seguem dentro de momentos…
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)
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Kopke
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Graham’s
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Fonseca Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Ferreira
Fortificado/ Licoroso - 2021 -

Churchill’s
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Warre’s Bottle Aged
Fortificado/ Licoroso - 2011 -

Ramos Pinto
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Quinta da Gaivosa
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Burmester
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Andresen Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2020
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Vasques de Carvalho
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Van Zellers & Co Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Rozès Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Quinta do Noval Single Vineyard Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Quinta de la Rosa
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Quinta das Carvalhas
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Quinta da Romaneira Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Poças
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Pacheca Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2018 -

Menin
Fortificado/ Licoroso - 2019
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DR
Fortificado/ Licoroso - 2016 -

Dow’s
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Dalva
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Cruz
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Croft
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Cockburn’s
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Borges
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Barros
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Vista Alegre Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Vieira de Sousa Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019
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Velhotes
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Messias Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Cálem
Fortificado/ Licoroso - 2019 -

Vallado
Fortificado/ Licoroso - 2021 -

Taylor’s
Fortificado/ Licoroso - 2020 -

Sandeman
Fortificado/ Licoroso - 2021 -

Quinta do Grifo
Fortificado/ Licoroso - 2015 -

Quinta do Crasto Unfiltered
Fortificado/ Licoroso - 2017 -

Quinta de Ventozelo
Fortificado/ Licoroso - 2021 -

Offley
Fortificado/ Licoroso - 2021
ENOTURISMO: QUANTA TERRA no planalto de Alijó, um Douro quase infinito

No coração do Douro, Alijó ergue-se no território do Cima Corgo, a sub-região que se estende entre a suavidade do Baixo Corgo e a vastidão agreste do Douro Superior. É uma paisagem de contrastes intensos, com vales que se afundam em profundidade vertiginosa, encostas que desafiam o olhar e o corpo, solos duros que obrigam […]
No coração do Douro, Alijó ergue-se no território do Cima Corgo, a sub-região que se estende entre a suavidade do Baixo Corgo e a vastidão agreste do Douro Superior. É uma paisagem de contrastes intensos, com vales que se afundam em profundidade vertiginosa, encostas que desafiam o olhar e o corpo, solos duros que obrigam a videira a conquistar centímetro a centímetro o direito de existir. Aqui, entre vilas de memória antiga, como Sabrosa e Alijó, o relevo exige persistência. Mas é dessa exigência que nasce o caráter singular dos vinhos, moldados pela paciência das gentes que aprenderam, ao longo dos séculos, a transformar a rudeza da terra em poesia líquida.
O planalto de Alijó distingue-se pela sua morfologia singular. Os solos, dominados por xisto, mas com presenças graníticas e manchas argilosas, em altitude, são austeros, pobres à primeira vista, mas é dessa contenção mineral que a videira extrai caráter e resistência. O clima, de verões quentes e secos, e invernos frios, molda a vinha num exercício de resiliência. A pluviosidade, irregular e muitas vezes escassa, obriga a planta a mergulhar fundo, em busca da água escondida nas fraturas da rocha.
Os homens e as mulheres de Alijó também são o verdadeiro património do planalto. Ao longo de gerações, aprenderam a ler a paisagem como quem lê um livro antigo. Conhecem os ventos, distinguem o cheiro da terra húmida, sabem o tempo certo de podar e o instante em que a uva pede colheita. A tradição vitivinícola é uma herança coletiva, feita de gestos que não se cristalizaram no passado. Ao lado das práticas ancestrais, surgem as adegas, equipadas com tecnologia adequada, numa convivência que não nega a tradição, mas a renova, projetando-a para o futuro. Coexistem lagares de pedra e cubas de inox, fermentações conduzidas por pés descalços e máquinas silenciosas. A tecnologia entra, mas não apaga os gestos herdados, como se o futuro fosse uma extensão natural da memória.
Os costumes locais – as festas, as romarias, a partilha à mesa – continuam a marcar o calendário. O pão partilhado, sobretudo o de Favaios, os cânticos das vindimas, tudo ressoa como parte de uma mesma sinfonia rural. O vinho não é apenas produto económico, é elemento social, cultural, espiritual. Aparece nas celebrações religiosas, nos encontros familiares, nos brindes que selam acordos e nos cânticos que ecoam nas vindimas.
Trata-se de um Douro que raramente se mostra nos roteiros turísticos e nas fotografias de postal. É um Douro escondido, feito de silêncios e memórias, onde o tempo parece correr mais devagar e as histórias se guardam como vinho em tonéis antigos, esperando o momento certo para serem reveladas. Este território esconde-se nas lendas de ribeiras encantadas, onde se dizia que à meia-noite surgiam figuras de brumas, guardiãs da vinha.
Escolhi perder-me neste Douro discreto, não apenas para percorrer-lhe os caminhos, mas para escutar a sua alma e provar os vinhos que aqui nascem e neste quadro, quase bucólico, fui visitar a Quanta Terra, espaço de enoturismo localizado na freguesia de Favaios, no concelho de Alijó.
As destilarias de aguardente
No vasto xadrez desta região, onde cada peça tem uma função na construção do vinho do Porto, as destilarias de aguardente surgiram no início do século XX, como um capítulo absolutamente determinante. Estávamos em plena fase de reorganização e controlo do setor vinícola, e tinham como principal objetivo assegurar a produção estável e de qualidade da aguardente vínica necessária à fortificação dos vinhos. Afinal, sem aguardente, o Vinho do Porto não poderia existir na forma que o mundo conhece.
Foram erguidas, ao longo do vale do Douro, sete destilarias, numeradas de forma simples, da nº 1 à nº 7. A missão consistia em transformar vinhos de menor expressão num destilado límpido e vigoroso, o chamado “espírito vínico” que, mais tarde, seria transportado para as caves de Vila Nova de Gaia, para ser integrado no processo de vinificação do Vinho do Porto. A centralização desta tarefa nas mãos de destilarias oficiais garantia que a aguardente usada fosse homogénea, controlada e compatível com a exigência do comércio internacional, de modo a evitar adulterações e práticas irregulares.
A criação destas unidades inscreve-se na linha de ação das instituições que moldaram a vida do Douro, desde a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, no século XVIII, até à Casa do Douro e ao Instituto do Vinho do Porto, já no século XX. Eram estruturas industriais, que representavam a autoridade reguladora sobre a mais íntima das matérias-primas, o álcool que preserva e eleva o vinho.
Com a passagem do tempo, o avanço tecnológico, a liberalização dos mercados e a crescente capacidade das casas exportadoras em gerir os próprios recursos tornaram estas destilarias menos centrais. Muitas foram encerrando ou reconvertendo funções.
Jorge Alves e Celso Pereira
A número sete
No mapa secreto do Douro, a Destilaria nº 7 ocupa um lugar singular no início do século XX. Erguida em 1934, fruto da doação da família do capitão Teodorico Teixeira Pimentel dos terrenos onde foi construída, esta destilaria carrega quase mais de 90 anos de história enquanto centro de atividade fabril. Em 1936, já armazenava quase um quarto de milhão de litros de vinho para destilação. Ao longo dos anos, as instalações foram ampliadas, modernizadas e adaptadas: da lenha ao petróleo, das 360 às mais de mil pipas, do trabalho manual à destilação contínua. A destilaria era, à época, motor económico e símbolo de progresso local. Até que, em 1983, o fogo dos alambiques se apagou e o silêncio tomou conta das paredes.
Abandonada nos anos 1990, a Destilaria nº 7 parecia condenada ao esquecimento. Mas, em 2016, dois enólogos visionários, Celso Pereira e Jorge Alves, reconheceram o potencial deste espaço, para a elaboração, estágio e promoção do vinho do Douro, e palco de experiências inesquecíveis, um lugar onde a memória industrial se transformaria em gesto cultural. Durante as obras de recuperação, houve um achado inesperado que mudou tudo. Ao abrirem as cubas originais de 1951, ambos descobriram os padrões marmóreos do revestimento ainda intactos, património raro, que determinou a interrupção da reconstrução, para garantir a sua preservação.
A destilaria deixou de ser apenas um edifício recuperado. É um lugar onde se pode ver, tocar e imaginar o trabalho que sustentou o Douro durante décadas, projetado pelo arquiteto Carlos Santelmo e que rapidamente se reposiciona, para se tornar um espaço de vinhos com arte. Nascem, assim, a Quanta Terra.
Mostrar mundo
A empresa Quanta Terra nasceu em 1999 pelas mãos do enólogo Celso Pereira, que convida Jorge Alves para fazer parte desta “empreitada”. Ambos se conheceram na Caves Transmontanas, produtora do reputado espumante Vértice, onde enólogo e enólogo estagiário, respetivamente, depressa perceberam que o amor pelo Douro e pelos vinhos os unia de forma profunda.
Naquela época, Celso Pereira liderava um processo de investigação, com o objetivo de desenvolver o referido espumante. Foi necessário realizar estudos sobre a região, em colaboração com a empresa norte-americana Schramsberg, a primeira produtora de espumantes de Napa Valley, na Califórnia. Estes ensaios eram efetuados com base na análise das variações de temperatura e pluviosidade, bem como das características dos solos e castas mais propícias para a produção de vinhos base para espumante. Era essencial encontrar acidez e frescura, o que levou Celso Pereira a concentrar-se no planalto de Alijó, zona situada entre os 500 e os 700 metros de altitude, a qual se enaltece pela humidade relativa mais elevada, temperaturas moderadas e solos graníticos, condições já conhecidas pela excelência dos vinhos brancos produzidos na região.
Aproveitando todo esse saber, Celso Pereira e Jorge Alves decidiram criar a Quanta Terra, nome inspirado no mapa do Barão de Forrester – Joseph James Forrester – sobre o rio Douro e os afluentes deste curso natural de água. O estudo do potencial dos vinhos tranquilos de altitude, realizado através de microvinificações de castas e exposições várias, teve como objeto cinco quintas da região durante dois anos, no sentido de perceberem que castas se adequavam melhor aos vinhos que viriam a ser produzidos pela Quanta Terra. Os primeiros anos foram dedicados aos vinhos tintos, recorrendo à produção proveniente da Quinta do Tralhão, no Vale do Tua.
Memória, risco e revelação
Os vinhos produzidos a partir das castas Touriga Nacional, Roriz, Barroca e Touriga Franca da Quinta do Tralhão, no Vale do Tua, eram vinhos robustos e serenos, com a gravidade que só os solos profundos e o tempo podem conceder. Mais do que expressão imediata, eram promessa. Representavam o Douro clássico, mas vistos pela lente da altitude, com uma contenção filosófica que já anunciava outro caminho.
Em 2007, chegaram os brancos feitos a partir de uvas vindimadas no planalto de Alijó. A frescura tornou-se protagonista, a acidez ganhou voz, a verticalidade mostrou que o Douro podia ser também claridade e leveza, como se a altitude tivesse dado ao Douro um novo fôlego.
O percurso ganhou uma nova dimensão em 2018, com o lançamento do Phenomena, um rosé 100% Pinot Noir. No coração de uma região dominada por castas tradicionais, a escolha revelou-se desafiadora, demonstrando que a tradição pode conviver com a ousadia. Phenomena não foi apenas um vinho, mas um manifesto, prova de que o Douro não é um território fechado sobre si mesmo, mas uma terra aberta à reinvenção.
Cada vinho resulta de uma visão sobre o território, um Douro que, apesar de antigo, não está esgotado, bem como de uma nova abordagem enológica, em que cada garrafa não é apenas o que se bebe, mas também o que se pensa. Assim se desenha a identidade da Quanta Terra: nos tintos, a gravidade; nos brancos, a claridade; no Phenomena, a audácia.
Já no terreno, a Quanta Terra recolhe uvas de vários lavradores que, em altitude, fornecem as brancas, vindimadas em solos graníticos e a baixa altitude, com cerca de 400 metros, e as uvas tintas colhidas em solos xistosos.
Os mentores e os seus percursos
No Douro, o nome de Celso Pereira ergue-se como arquiteto de vinhos e intérprete de terroirs. Formado em Engenharia Agronómica e com vasta experiência de Bordéus à Califórnia, passando pela Austrália, trouxe, ao Douro, uma atitude cosmopolita e um rigor técnico que transformaram o impossível em realidade: provar que a região também podia gerar espumantes de classe mundial. Ao comando do projeto Vértice, desde 1989, tornou-se referência maior dos espumantes portugueses.
O amigo e sócio Jorge Alves, enólogo transmontano nascido em Mirandela, revela a ligação à terra, mas foi através da ciência que começou a decifrar a linguagem das vinhas. Formou-se em Engenharia Agronómica pelo Instituto Politécnico de Bragança e prosseguiu estudos em Enologia, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), num tempo em que o Douro se reinventava, procurando afirmar-se para além dos generosos vinhos do Porto. A primeira grande experiência profissional deu-se nas Caves Transmontanas, no início dos anos 1990, onde trabalhou lado a lado com Celso Pereira. Foi aí que consolidou a prática técnica e a disciplina, descobrindo ainda a dimensão criativa da enologia, arte de equilibrar ciência e sensibilidade.
A partir dos anos 2000, Jorge Alves passou a colaborar com casas de referência no Douro, como a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo e a Quinta do Tedo, deixando a sua marca em vinhos hoje reconhecidos pela autenticidade. Em 2008, iniciou a ligação à Quinta da Gaivosa, da família Alves de Sousa, onde contribuiu para a afinação de tintos de enorme longevidade, e passou pela Quinta do Vale Meão.
Entretanto, em 1999, Celso Pereira e Jorge Alves fundaram a Quanta Terra, uma casa que assenta na ideia de que o vinho nasce do território, mas a qualidade depende do homem. Tintos longevos, brancos de altitude, espumantes de assinatura e edições especiais confirmaram essa filosofia. O primeiro vinho, lançado nesse mesmo ano, foi já o anúncio de uma filosofia partilhada: o Douro poderia ser interpretado no plural.
A interpretação do vinho como gesto de mediação entre solo e copo, entre tradição e risco determinou a criação do enoturismo Quanta Terra, em 2022, instalado na antiga destilaria nº 7.
Aqui, o vinho não se esgota na garrafa, prolonga-se em experiência, cultura e partilha. E até já tem quem lhe garanta a continuidade deste projeto, com a entrada de cena nova geração. Tiago Areias, filho de Celso Pereira, e Pedro Alves, filho de Jorge Alves, estão na linha da frente, para prosseguirem com o legado dos pais. Tiago Areias, licenciado em Gestão, assume a comunicação e a ligação da marca ao universo artístico; e Pedro Alves, formado em Enologia, tem contribuído para repensar perfis e roupagens dos vinhos, imprimindo uma clarividência fresca e atual. Embora as grandes decisões continuem a ser tomadas pelos fundadores, os filhos têm voz ativa no processo, num modelo de gestão familiar, que valoriza a partilha de responsabilidades e a definição clara de funções.
Vinho, arte e turismo
Traçado pelo arquiteto Carlos Santelmo para funcionar, inicialmente, como adega de vinificação, o projeto Quanta Terra acabou por ganhar uma dimensão inesperada. No mesmo período, os responsáveis da casa conheceram, através do curador André Quiroga, a artista Joana Vasconcelos. Numa visita ao espaço, a artista plástica deixou-se conquistar e propôs de imediato uma exposição com várias das suas obras de referência. O encontro transformou-se num ponto de viragem, em que a adega se tornou um espaço de encontro entre cultura, arte e vinho.
Ou seja, o edifício que acolhe a Quanta Terra, adquirido em 2020, abriu portas em março de 2022, com a primeira exposição. Este foi o marco de uma parceria estratégica com a artista Joana Vasconcelos, a qual deu origem à criação e comercialização de três produtos exclusivos: um Espumante JVC, um vinho tinto JVC e uma serigrafia assinada pela artista plástica.
Desde então, o espaço Quanta Terra tem vindo a afirmar-se como palco de sinergias entre vinho e arte contemporânea. As exposições são regulares e resultam de parcerias com galerias, trazendo obras de criadores, como Hélio Bray, Paulo Neves, Vhils, entre outros nomes de referência do mundo das artes.
Foi neste cenário que me imbui de espírito aventureiro, como que a desbravar terreno, cheguei a Favaios numa manhã que parecia suspensa no ar. A estrada que me trouxe até aqui serpenteava como uma fita solta, ladeada de vinhas distribuídas por socalcos. Ao fundo, a antiga destilaria nº 7 surgia discreta. Este edifício, outrora guardião de aromas de aguardentes e trabalho árduo, foi recuperado com respeito e ousadia, transformando-se num espaço onde o vinho se torna experiência plural.
Na visita, encontramos Diana Felizardo, responsável pelo enoturismo da Quanta Terra. O visitante que chega encontra um serviço organizado e o testemunho raro de profissionalismo aliado a uma alegria contagiante, como se cada explicação, cada detalhe da história do vinho, fosse partilhado com a mesma intensidade de quem narra a própria vida.
Licenciada em enologia, Diana Felizardo conhece os vinhos da Quanta Terra com a intimidade de quem os estudou e provou, mas também com a humildade de quem sabe que cada garrafa guarda uma verdade renovada. Dedica-se com afinco a transmitir esse saber, transmitido com uma clareza que desarma, sem nunca perder a leveza do sorriso que a acompanha.
A visita à Quanta Terra é, por conseguinte, um exercício de memória e de identidade, onde o Douro se revela não através da paisagem imediata, mas pelo fio narrativo de quem o conhece e o vive. No primeiro andar, conta-se a história da Destilaria 7, espaço que pulsava com a produção de aguardente vínica, peça essencial no equilíbrio dos vinhos generosos. Entre fotografias antigas e detalhes preservados, a narrativa ganha corpo e aproxima o visitante de uma memória coletiva. Descendo ao segundo andar, abre-se uma janela para o Douro. Aqui, a região é apresentada através dos seus contrastes de geografia, clima e castas, traduzindo a complexidade de um território que é, ao mesmo tempo, dureza e beleza, suor e celebração. O visitante percebe que não se fala apenas de vinhos, mas de uma cultura que moldou homens e mulheres, de um rio que foi via e metáfora, de uma paisagem que se tornou património da humanidade.
É então que se desce ao espaço térreo, onde as cubas originais de 1951, guardiãs silenciosas de um passado, permanecem intactas. O revestimento, com os padrões marmóreos originais, surpreende pelo contraste entre austeridade e elegância. Em cada um dos quatro espaços guarda um vinho especial da casa Quanta Terra. Nesta fase, os visitantes são convidados a deterem-se nesse detalhe, enquanto o espaço, impregnado de autenticidade, parece suspender o tempo, devolvendo ao presente a densidade do que foi no passado.
A visita culmina na prova de vinhos, momento em que a teoria se torna experiência. Nos copos alinhados, cada vinho é apresentado como uma extensão do discurso que o antecedeu, síntese da história, da geografia e da memória do lugar. A prova é conduzida com leveza e paixão, transformando cada comentário técnico numa ponte para a emoção. A loja estende a experiência em casa, a qual se completa com a visita à exposição de arte patente na casa Quanta Terra.
No fim, o visitante compreende que fez uma travessia pela história, pelo território e pela cultura do Douro, onde a contemporaneidade da arte e a intemporalidade do vinho se afirma na tradição e, ao mesmo tempo, num território vivo, capaz de reinventar-se sem trair a essência. Tal como o vinho precisa de tempo para amadurecer, também o visitante, aqui, precisa de tempo para sentir. E é nesse ritmo mais lento, mais humano, que o enoturismo se revela na sua plenitude, sem esquecer a arte de hospitalidade, enquanto poesia feita de vinhos e encontros. Uma experiência a ter, para ver, ouvir e sentir.
COMODIDADES E SERVIÇOS
– Línguas faladas: português, inglês, francês
– Loja de vinhos
– Serviço de refeições: apenas através de um programa de experiências com o chef Óscar Geadas
– Lugares de prova sentados: 12
– Sala de eventos (sob consulta)
– Sala de Reuniões (sob consulta)
– Diferentes atividades e refeições (sob consulta)
– Parque para automóveis ligeiros
– Parque para autocarros: é possível estacionar nas imediações
– Provas comentadas (ver programas)
– Wifi gratuito disponível
– Sem visita às vinhas e à adega
EVENTOS
Eventos corporativos: sob consulta
PROGRAMAS
Prova de 1 Vinho
Ideal para apreciadores de arte, que desejam explorar a exposição e para quem procura uma introdução ao universo do vinho ou uma experiência mais breve. Inclui:
Visita guiada
Prova de um vinho à escolha, mediante disponibilidade
Duração: 30-45 minutos
Capacidade: 1 – 12 pessoas
Preço: 20€
Prova de Icónicos
Direcionada para quem tem algum conhecimento sobre vinhos ou deseja explorar mais a fundo o universo dos grandes vinhos do Douro. Inclui:
Visita guiada
Prova de quatro vinhos
– Terra a Terra Reserva (branco e tinto)
– Quanta Terra Grande Reserva (branco e tinto)
Duração: 1h15
Capacidade: 1 – 12 pessoas
Preço: 40€
Prova do Planalto
Trata-se de uma experiência exclusiva, destinada a quem tem conhecimento intermédio sobre vinhos durienses e que deseja explorar um Douro distinto, o Douro do Planalto de Alijó. Todos os vinhos em prova são elaborados a partir de uvas cultivadas em solos graníticos, localizados acima dos 600 metros de altitude. Inclui:
Visita guiada
Prova de quatro vinhos:
– Quanta Terra Golden Edition (branco)
– Quanta Terra Phenomena Pinot Noir (rosé)
– Quanta Terra Wild (rosé)
– Quanta Terra Cota 600 (tinto)
Duração: 1h15
Capacidade: 1 – 12 pessoas
Preço: 55€
Prova de Assinatura
Experiência desenhada para verdadeiros conhecedores de vinho, que queiram explorar a amplitude do que a Região Demarcada do Douro pode oferecer, desde vinhos clássicos a criações ousadas e inovadoras. Inclui:
Visita guiada
Prova de cinco vinhos:
– Quanta Terra Branco Golden Edition (branco)
– Quanta Terra Phenomena Pinot Noir (rosé)
– Quanta Terra Wild (rosé)
– Quanta Terra Manifesto (tinto)
– Quanta Terra Inteiro (tinto)
Duração: 1h45
Capacidade: 1 – 12 pessoas
Preço: 75€
Prova com o enólogo
Experiência exclusiva, concebida para conhecedores exigentes que desejam conhecer o universo dos vinhos Quanta Terra através de uma prova guiada pelos próprios fundadores, Celso Pereira ou Jorge Alves. Inclui:
Visita guiada
Prova de sete vinhos:
– Quanta Terra Grande Reserva (branco e tinto)
– Quanta Terra Golden Edition (branco)
– Quanta Terra Phenomena Pinot Noir (rosé)
– Quanta Terra Wild (rosé)
– Quanta Terra Manifesto (tinto)
– Quanta Terra Inteiro (tinto)
Duração: 1h45
Capacidade: 1 – 12 pessoas
Preço: 200€
Prova com o enólogo Série Arte & Vinho: Joana Vasconcelos
Uma oportunidade única para conhecer o conceito e a visão existente por detrás do cruzamento entre arte e vinho, feita através de uma prova guiada por Celso Pereira ou Jorge Alves, os fundadores da Quanta Terra x Joana Vasconcelos. Inclui:
Visita Guiada
Prova de dois vinhos
– Joana Vasconcelos by Quanta Terra Espumante Pinot Noir 2018
– Joana Vasconcelos by Quanta Terra tinto 2017
Duração: 1h15
Capacidade: 6 pessoas
Preço: 800€ (por grupo)
Quanta Terra – Geadas Michelin Experience
Momento gastronómico que cruza a excelência da Quanta Terra com o talento do chef Óscar Geadas e o escanção António Geadas, proprietários do restaurante G, que, desde 2018, tem vindo a conquistar uma Estrela Michelin. Com a génese culinária no restaurante da família, em Bragança, os irmãos Geadas são, hoje, uma referência da alta cozinha. Esta parceria exclusiva proporciona, desde 2024, momentos inesquecíveis, em que o vinho e a gastronomia se unem em perfeita harmonia. Inclui:
Visita Guiada
Welcome Drink
Almoço com harmonização de vinhos
Preço: sob consulta
Experiências personalizadas
A Quanta Terra oferece a possibilidade de personalizar provas e eventos particulares ou corporativos, serviço que lhe permite definir cada detalhe da experiência, desde a seleção dos vinhos em prova ao serviço de catering, com a possibilidade de reservar o espaço para eventos privados, garantindo um ambiente único e memorável.
Preço: sob consulta
Notas
Preços com IVA incluído à taxa em vigor
Preços por pessoa, salvo indicação em contrário
Grupos Superiores a 12 pessoas – preço sob consulta
Visitas em dias de fecho apenas mediante reserva
Horário de funcionamento
De outubro a março
De terça-feira a sábado, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00
De abril a setembro
De quarta-feira a domingo, das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00
Reservas
+ 351 935 907 557
Quanta Terra
Rua Casa do Douro
Lugar do Olho Marinho
5070-262 Favaios
Tel.: +351 259 046 359
OUTROS PRAZERES: OSTRAS E VINHO

A harmonização entre ostras e vinhos é uma das mais antigas e, talvez, uma das mais bem conseguidas à mesa. Praticada em todo o mundo, dá origem a momentos inequívocos de prazer, sobretudo para quem tiver, como eu, amigos com casa de praia virada para um dos lugares para onde gosto de olhar, a ria […]
A harmonização entre ostras e vinhos é uma das mais antigas e, talvez, uma das mais bem conseguidas à mesa. Praticada em todo o mundo, dá origem a momentos inequívocos de prazer, sobretudo para quem tiver, como eu, amigos com casa de praia virada para um dos lugares para onde gosto de olhar, a ria Formosa. Afinal, é daqui que saem algumas das melhores ostras que se produzem em Portugal. Acabadinhas de abrir por alguém que o saiba para fazer, na companhia do vinho certo e de amigos de longa data, que partilhem o apreço por estes moluscos, que gosto de usufruir com todo o tempo do mundo.
Mas nem todos os vinhos servem para acompanhar ostras na mesa. A escolha natural vai, como parece óbvio, para os brancos. A parceria com tintos iria proporcionar, aos aventureiros que a quisessem fazer, uma sensação de gosto a ferrugem, devida ao elevado teor de iodo contido nestes moluscos, em conjugação com os taninos do vinho, algo que, para mim, não é nada agradável e seria um desperdício de tempo. Por motivo semelhante, evitam-se os brancos estagiados em madeira de carvalho.
Estimular o sonho
Os aromas discretos das ostras impedem a sua associação com brancos pujantes, excessivamente aromáticos e muito estruturados na boca. Elas querem-nos leves, com aromas delicados, boa acidez e equilíbrio, para complementar os seus sabores e a salinidade.
Já sentiu o prazer de estar numa esplanada de beira praia, a saborear umas ostras abertas ao natural, com um pingo de limão, na companhia de um vinho Alvarinho? É uma sensação inolvidável e digna de muitas repetições. Vinhos como o Deu la Deu, Soalheiro ou Dona Paterna, de personalidades distintas, são três exemplos de boas companhias para as ostras, no final de tarde a olhar o mar. Pelo menos para mim. O vigor suave do aroma floral da casta Alvarinho, marcado também pelo odor leve a frutos frescos, o equilíbrio na boca e o prolongar da sensação de frescura complementam e completam os sabores a mar deste produto, para proporcionar momentos de prazer.
Há muitos bons exemplos de relações entre brancos e ostras, mas não há nada que pareça melhor que um copo de champagne ou espumante com uma ostra aberta no momento. Esta imagem elegante estimula, ilumina o espírito e provoca o sonho.
É provável que, há centenas de anos, ostras e champagnes sejam apreciados em conjunto, pois as primeiras grandes casas produtoras da região francesa que se desenvolvem em redor de Reims datam dos primórdios do século XVIII.
Inicialmente, a conjugação não seria, de certo, acessível a todos. Porém, agora, com a produção de espumantes de qualidade em Portugal, como os portugueses Côto de Mamoelas, dos Vinhos Verdes, Montanha Cá, da Bairrada, ou Quinta do Rol Blanc, de Blancs, de Lisboa (uma pequena amostra só para demonstrar que já há opções em quase todas as regiões), a união tornou-se mais acessível um pouco por todo o lado.
Os aromas discretos das ostras impedem a sua associação a brancos pujantes, excessivamente aromáticos e muito estruturados na boca
Ostras e champagne constituem um dos melhores exemplos de harmonizações entre comida e vinhos
Conjugação incoerente
No entanto, esta harmonização parece incoerente. As sensações predominantes de uma ostra fresca na boca são a suculência, salinidade intensa, falta de untuosidade, amargor, gosto a iodo e aroma medianamente intenso.
Por um lado, champagnes e espumantes são frescos e ácidos, porque são feitos com uvas colhidas pouco maduras e à presença de gás carbónico natural, que faz salientar o sabor e a sensação de acidez e atenua a macieza. Por isso, quando se aprecia ostras com champagne ou espumante há um conflito, na cavidade bucal, pelo realce da suculência e da dureza causada pela salinidade do molusco. O sabor forte das ostras é potenciado pelo impacto ácido do espumante e incrementado pelo picar do dióxido de carbono.
Por outro lado, não há macieza a opor-se, proporcionada por gorduras sólidas e alguma doçura. Parece não haver equilíbrio, o que é um contra-senso. Portanto, ostras e champagne constituem um dos melhores exemplos de harmonizações entre comida e vinhos. O seu sucesso é um facto demonstrado e irá certamente durar muitos mais anos.
O segredo da harmonização
De acordo com um estudo recente realizado na Universidade de Copenhaga (UCPH), na Dinamarca, o segredo que explica o prazer proporcionado pela combinação de espumante com ostras pode estar no sabor umami existente em certos tipos deste molusco e alguns espumantes. “Muitas pessoas associam umami ao sabor da carne, mas descobrimos que também é encontrado em ostras e champanhe”, esclarece o professor Ole G. Mouritsen, do Departamento de Ciência dos Alimentos da UCPH. “A resposta pode ser encontrada no chamado sabor umami que, junto com o doce e salgado, é um dos cinco sabores básicos detectáveis pelas papilas gustativas humanas”, acrescenta.
Os níveis no champanhe podem não ser perceptíveis por si só. Todavia, quando consumidos com ostras, desenvolve-se uma “sinergia umami”, que torna o emparelhamento particularmente atraente, revela o estudo publicado nos “Scientific Reports da Nature”. As células de levedura mortas, as borras, contribuem com o sabor umami no champanhe via glutamato, enquanto o carácter umami pode ser encontrado nos músculos das ostras, via nucleotídeos, de acordo com os investigadores.
Muitas pessoas associam umami ao sabor da carne, mas também é encontrado em ostras e champanhe
As ostras portuguesas
Há quem diga que são de cá, contudo parece que as ostras portuguesas, conhecidas em França como Les Portugaises, são originárias da Índia ou do Japão. Descendem da ostra japonesa e viajaram até Portugal no fim do século XVI, nas quilhas dos barcos e como alimento rico em proteínas para as tripulações. Lançadas nos estuários do Tejo e do Sado, desenvolveram-se e evoluíram devido às boas condições daqueles que seriam mais tarde considerados os maiores bancos naturais de ostras da Europa. A apanha das ostras chegava a empregar mais de quatro mil pessoas na zona de Setúbal, mas a instalação de indústrias pesadas e de estaleiros no estuário do Sado causou o quase desaparecimento deste molusco.
Hoje, já há várias empresas a produzir ostras. “O Tejo tem um estuário muito amplo, com acesso a muita água fresca todos os dias e tem águas límpidas, ao contrário do que as pessoas pensam, por haver muitas cidades em volta, com zonas muito boas para captação de ostras”, expõe Hugo Castillo, 51 anos, proprietário da Bluetaste – Mariscos Sazonais, empresa que comercializa, para além de ostras, outros bivalves e perceves. Segundo este responsável, que produz ostras na ria Formosa e as comercializa em Portugal, França e na Holanda, a produção destes moluscos é sustentável a 100%. “Aquilo que fazemos é colocá-las dentro de sacos, que ficam sujeitos ao sabor do efeito das marés, que trazem o fitoplâncton essencial à sua alimentação, com o objectivo de produzir ostras de qualidade, calibradas e muito gordas quando são colocadas na mesa, sempre com foco na segurança alimentar”, informa.
As ostras são adquiridas em maternidades francesas, a vários fornecedores da região de La Rochelle. “Compramos aquilo que chamamos semente, no nosso caso com seis milímetros, que são colocadas num berçário até terem as condições certas, para serem colocadas em sacos com uma malha específica, que impede que as ostras se escapem enquanto crescem”. À medida que isso acontece, são colocadas em sacos com malha maior e em número reduzido de unidades por saco, como é evidente. Isso permite que entre mais água e comida, para se poderem alimentar. No final, as ostras têm de ser afinadas, processo “que as habitua a estarem mais tempo fora de água e ajuda-as a enrijecer, e a desenvolver o músculo”, conta Hugo Castilho. O empresário afirma, ainda, que a costa portuguesa tem condições muito especiais para a produção de ostras, bem como de outros bivalves e crustáceos, não só devido à existência copiosa de alimento nas águas, mas também à temperatura. “Isso permite que se produza uma ostra comercial, com qualidade, ao fim de 14 meses, em Portugal, enquanto, em França, o processo demora 36”, elucida Hugo Castilho.
A arte de bem saborear
Escolha
Na compra de ostras, há que verificar a origem e reparar se reagem à pressão dos dedos. Estão vivas se fechadas com firmeza. A carne interior deve ser consistente, não apresentando aspecto leitoso, fino ou demasiado aguado, e deve cheirar a maresia.
Abertura
Devem ser abertas com uma faca própria, inserida entre as duas conchas, no lado plano. Deve começar-se na zona mais estreita, cortando, primeiro, o músculo e, só depois, ir para a mais larga. O vértice delas deve estar virado para o manuseador e a parte côncava para baixo. Tem de se ter algum cuidado no seu manuseamento, devido às arestas cortantes das conchas.
Degustação
Para os apreciadores, a ostra consome-se crua ou, no máximo dos máximos, com uma gota de limão. Mas há também quem goste delas com molho vinagrento. Quando cozinhadas ao vapor, como é tradição no Algarve, devem ser colocadas num tacho de fundo largo, com um dedo travesso de água e a parte côncava para baixo. São levadas a lume forte até a fervura chegar à tampa, que se levanta e coloca novamente. Na segunda fervura, estão prontas para serem apreciadas quentes.
Por vezes, são cozinhadas na chapa. O resto das versões depende da imaginação dos cozinheiros, mas perderão quase sempre o aroma e gosto a mar, principal motivo da sua capacidade de sedução. Os que gostam de encontros inolvidáveis, podem apreciar as ostras cruas com Alvarinho de Melgaço, espumante ou champagne, de preferência com algum tempo de estágio.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)
BACALHÔA: O Bical de que se fala

A Caves Aliança, fundada em 1927 e localizada em Sangalhos, no território vitivinícola da Bairrada, iniciou, na segunda metade da década de 1990, a linha de monovarietais Galeria. Naquela época, Francisco Antunes, diretor de enologia da casa desde 1993, elegeu as castas Chardonnay e Bical, para fazer os respetivos monovarietais, “mas, na realidade, a Bical […]
A Caves Aliança, fundada em 1927 e localizada em Sangalhos, no território vitivinícola da Bairrada, iniciou, na segunda metade da década de 1990, a linha de monovarietais Galeria. Naquela época, Francisco Antunes, diretor de enologia da casa desde 1993, elegeu as castas Chardonnay e Bical, para fazer os respetivos monovarietais, “mas, na realidade, a Bical nunca me satisfez muito”, revela, e a referência Galeria acabou por desaparecer.
À semelhança das demais histórias de produtores de vinho, a ainda Caves Aliança continuou a reforçar o aumento da área de vinha, com o foco no enaltecimento da viticultura e da enologia. Em 2003, procedeu à aquisição da Quinta da Rigodeira. Nesta propriedade situada entre a Fogueira e Ancas, no concelho da Anadia, há uma parcela de vinha registada em 1931, ano associado a um extenso cadastro feito nesta e noutras regiões portuguesas, razão pela qual poderá haver fortes probabilidades de remontar a muito antes no tempo. As cinco mil plantas, exclusivamente de castas brancas, plantadas em 4,5 hectares, com solos predominantemente arenosos, têm matéria-prima para produzir “bons vinhos brancos”, de acordo com o histórico deixado por antigos proprietários.
Com a passagem do tempo e, por conseguinte, já na era da Aliança Vinhos de Portugal – pertencente à Bacalhôa Vinhos de Portugal desde 2007 –, este registo determinou Francisco Antunes, agora diretor de enologia do Grupo Bacalhôa, e a sua equipa a proceder ao levantamento e à classificação das castas ali plantadas. A cada uma foi atribuída uma cor. No alinhamento dos trabalhos, as cepas foram reerguidas, no sentido de otimizar a saúde das plantas e facilitar a apanha da uva. “Tem uma variedade interessante de castas: Bical, Maria Gomes, Sercialinho, Cercial, Arinto, Rabo de Ovelha, Alicante e Chardonnay”, afirma Francisco Antunes, que decidiu arriscar novamente na produção de um vinho a partir da variedade de uva Bical. Feitas as contas, “era a casta mais plantada, a única que poderia dar à volta de 4000, 5000 litros, sem problema”, justifica.
Um Vinhas Velhas “marcante”
Desta vontade de enaltecer a casta típica da Região Demarcada da Bairrada resultou a estreia do Bacalhôa Bical 1931 Vinhas Velhas na colheita de 2021. “É uma vindima sui generis, porque metemos um rancho de mais de 20 pessoas a apanhar só a Bical”, devido à dispersão das cepas desta variedade de uva na parcela plantada há quase 95 anos, na Quinta da Rigodeira. Ao final de cada dia de vindima, e face à inexistência de câmara frigorífica, “as uvas eram espremidas e o mosto guardado no frio”.
Terminada a colheita da uva, que decorreu durante uma semana, juntaram os mostos, decantaram e fermentaram 40% em seis barricas novas e usadas e 60% em inox. Ali ficaram por cerca de um ano. Em setembro de 2022, chegou a vez de avançar para o lote e o vinho foi engarrafado. O lançamento para o mercado aconteceu em novembro do ano seguinte, ou seja, ao fim de aproximadamente 13 meses de estágio em garrafa. E foi logo um enorme sucesso, junto do mercado e da crítica especializada.
Além da “qualidade intrínseca”, o diretor de enologia considera este Bairrada Clássico um vinho muito especial. “Ao fim de 30 e poucos anos de carreira na Aliança, faltava-me ter um vinho marcante”, confessa Francisco Antunes, referindo-se igualmente ao novo Bacalhôa Bical 1931 Vinhas Velhas branco 2022, “mais fresco e com uma acidez mais equilibrada, quando comparado com a colheita de 2021”, segundo o enólogo. Sobre o processo de vinificação, fica o registo de que 50% fermentou e estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês, novas e usadas, e 50% em inox. “Para nós, as barricas novas são importantes, até porque usamos barricas que não marcam muito o vinho. Na Aliança, somos muito cuidadosos, no sentido de nunca haver excesso de madeira e há uma parte do mosto que fermenta em inox. Sempre! Preferimos ter mais opções de lote, para podermos construir o vinho no final”, garante Francisco Antunes, secundado pela enóloga residente da Aliança, Magda Costa. O tempo destinado ao descanso do vinho em barricas é passado numa pequena sala especialmente preparada para “o nosso 1931”. Depois, passa ainda mais um ano em garrafa antes de chegar ao mercado.
Em relação a esta referência, o diretor de enologia explica que todos os vinhos monovarietais estão sob a umbrella Bacalhôa e, desta parcela de vinha de 1931, localizada na Quinta da Rigodeira, a Bical é, para já, a única casta a dar corpo a um vinho do grupo. Pode ser que, no futuro, a variedade de uva branca Sercialinho também venha a “dar frutos” em garrafa… e no copo. Entretanto, confirma que vai haver Bacalhôa Bical 1931 Vinhas Velhas branco de 2023 e 2024. “O de 2024 está nas barricas e também promete muito!”, assegura Francisco Antunes.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)
Califórnia: Stag’s Leap, um ‘First Growth’ de Napa Valley

Tudo tem um princípio. Podíamos afirmar, com algum critério, que o princípio da história de Stag´s Leap Wine Cellars foi em 1970, com a aquisição da Stag’s Leap Vineyard, mas, na minha opinião, o verdadeiro princípio desta narrativa, assim como para a região de Napa Valley foi, provavelmente, o julgamento de Paris de 1976. O […]
Tudo tem um princípio. Podíamos afirmar, com algum critério, que o princípio da história de Stag´s Leap Wine Cellars foi em 1970, com a aquisição da Stag’s Leap Vineyard, mas, na minha opinião, o verdadeiro princípio desta narrativa, assim como para a região de Napa Valley foi, provavelmente, o julgamento de Paris de 1976.
O julgamento de Paris de 1976 foi uma prova cega de elite, com um júri composto pelos organizadores do evento, os wine merchants Steven Spurrier e Patricia Gallagher, e membros da aristocracia vínica francesa, alguns Chateaux, sommeliers e jornalistas especializados, colocando, lado a lado, Cabernet Sauvignons da Califórnia e First Growth de Bordéus, Chardonnay da Califórnia e Premier e Grand Cru Chardonnay da Borgonha. Tudo às cegas. E o resultado chocou o mundo naquela época!
O The Wall Street Journal escreveu “The 1976 Judgment of Paris had a revolutionary effect, like a vinous shot heard round the world.” E não foi caso para menos. O 1973 Chateau Montelena Chardonnay, de Napa Valley, recebeu a maior honra entre os brancos, enquanto que, nos tintos, o resultado foi o seguinte:
- Stag’s Leap Wine Cellars 1973, Napa Valley
- Château Mouton-Rothschild 1970
- Château Haut-Brion 1970
- Château Montrose 1970
- Ridge Cabernet Sauvignon ’Mountain Range’ 1971 Montebello
- Château Leoville-Las-Cases 1971
- Mayacamas 1971, Napa Valley
- Clos Du Val 1972, Napa Valley
- Heitz Cellars ’Martha’s Vineyard’ 1970, Napa Valley
- Freemark Abbey 1969, Napa Valley
Palavras para quê? Impressionante, certo?
E ainda mais impressionante se torna se tivermos em mente que o vinho vencedor saiu de uma vinha, a S.L.V. Vineyard, plantada em 1970, com apenas três anos, portanto, ao passo que a classificação de Bordéus, e os First Growth, foram estabelecidos em 1855.
Foi, pois, com elevadas expectativas, que fomos ao mais recente espaço de provas da cidade de Lisboa, ainda em soft opening, o 1933 by Garrafeira Nacional, localizado no Hotel Tivoli Avenida, onde provamos cinco vinhos de Stag’s Leap Wine Cellars, importados para o nosso país pela Garrafeira Nacional.
O 1933 by Garrafeira Nacional denota requinte e bom gosto. Além de sala de prova, também funciona como uma pequena loja de vinhos nacionais e internacionais, com uma curadoria altamente especializada, e tem o propósito de se tornar uma referência como espaço dedicado a provas de pequena dimensão, em ambiente exclusivo, para produtores de vinho, bem como para pequenos eventos de iniciativa particular relacionados com vinho. É dada ainda a possibilidade aos clientes do Seen by Olivier, na porta ao lado, de adquirirem a garrafa de vinho da sua preferência e consumirem-na no decurso da refeição no restaurante, mediante o pagamento de uma taxa de rolha. Mas vamos ao que interessa.
Os solos são um misto de sedimentos de xisto, areia, barro, gravilha, rocha e material vulcânico. Quanto ao clima, as encostas rochosas de Palisades reflectem o calor que se faz sentir durante o dia
Dias quentes, noites frescas
Napa Valley é uma AVA (American Viticultural Area), em si mesmo, e tem-no sido desde que recebeu a designação em 1981. Foi a primeira AVA reconhecida na Califórnia e a segunda nos Estados Unidos. Dentro da Napa Valley AVA existem dezasseis outras AVAs aninhadas, mais pequenas, uma espécie de sub-regiões. São elas: Atlas Peak, Calistoga, Chiles Valley, Coombsville, Diamond Mountain District, Howell Mountain, Los Carneros, Mt. Veeder, Oak Knoll District of Napa Valley, Oakville, Rutherford, St. Helena, Spring Mountain District, Stags Leap District, Yountville e Wild Horse Valley.
Os vinhos de Stags Leap District são conhecidos por serem “um punho de ferro, dento de uma luva de veludo”, em virtude da combinação entre a composição dos solos e o clima.
Os solos são um misto de sedimentos de xisto, areia, barro, gravilha, rocha e material vulcânico. Quanto ao clima, as encostas rochosas de Palisades reflectem o calor que se faz sentir durante o dia, aquecendo a vinha, mais do que em outros locais de Napa Valley, beneficiando, no entanto, das frescas brisas marítimas provenientes da Baía de San Pablo, que, juntamente com o vento característico da zona, arrefecem as plantas durante a noite, contribuindo para o equilíbrio dos níveis de açúcar e acidez. Dias quentes e noites frescas ajudam a prolongar o período de vindima sendo estas as condições ideais para variedades de maturação tardia, como a Cabernet Sauvignon.
O objectivo que Warren Winiarski anteviu e definiu como possível consistiu em produzir um vinho no estilo clássico de Bordéus, mas com um sentido de terroir e de identidade 100% Napa Valley
O salto para o mundo
“Stag” significa veado, e “Leap” significa salto. A origem do nome Stag’s Leap não está bem documentada, mas reza a lenda do povo nativo-americano Wappo, que o nome do local se ficou a dever a um veado que, em tempos, perseguido e acossado por caçadores, no limite de um penhasco, preferiu dar o seu “Leap of Faith” (literalmente, salto de fé), em direcção à morte certa, do que ser morto por eles; outra lenda conta a história de um veado que conseguiu iludir toda uma geração de caçadores, desaparecendo sempre, no último instante, através do tal Leap of Faith.
Foi exactamente ao lado da Stag’s Leap Vineyard (S.L.V.) que Nathan Fay plantou a Fay Vineyard, com Cabernet Sauvignon, em 1961. Quando, em 1970, Warren Winiarski teve o seu momento eureka ao provar um dos Cabernets daí provenientes, de imediato comprou a S.L.V.
e fundou a Stag’s Leap Wine Cellars. O objectivo que Warren Winiarski anteviu e definiu como possível consistiu em produzir um vinho no estilo clássico de Bordéus, mas com um sentido de terroir e de identidade 100% Napa Valley. O Cabernet de Nathan Fay conseguia isso, e, como tal, a vinha ao lado também haveria de tornar isso possível. Anos mais tarde, em 1986, Nathan Fay vendeu a Fay Vineyard a Warren Winiarski.
Existem vinhos no mundo, cuja reputação está tão bem estabelecida, que praticamente vivem no reino do icónico. Stag’s Leap, é um desses vinhos.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)
















































