Real Companhia Velha: Real de inspiração asiática

Real Companhia Velha

A apresentação destes vinhos esteve a cargo de Pedro Silva Reis (filho) e do enólogo Jorge Moreira. A ideia era provar especialidades, algumas delas com castas estrangeiras. O tema, hoje mais pacífico do que já foi, foi abordado por Silva Reis, que relembrou alguns factos históricos. Até 1960, a Real Companhia Velha não tinha um […]

A apresentação destes vinhos esteve a cargo de Pedro Silva Reis (filho) e do enólogo Jorge Moreira. A ideia era provar especialidades, algumas delas com castas estrangeiras. O tema, hoje mais pacífico do que já foi, foi abordado por Silva Reis, que relembrou alguns factos históricos. Até 1960, a Real Companhia Velha não tinha um pé de vinha e as melhores uvas iram sempre para Vinho do Porto. Foi com a chegada de Jerry Luper, enólogo americano com quem Jorge Moreira começou a trabalhar, que se fizeram as primeiras plantações de castas francesas, sempre naquele balanço de dúvida entre porquê? e porque não? Luper defendia que também seria possível fazer grandes vinhos tranquilos, além do Vinho do Porto, e Silva Reis sente-se à vontade no assunto porque, recordou, “ninguém tem feito mais do que a Real Companhia Velha para a recuperação e valorização das antigas castas do Douro e ignorar estas castas de fora também poderia ser um absurdo”.

Com 30 anos de experiência no Douro, hoje já se sabe onde estão as melhores vinhas em função da exposição e altitude, onde cada casta dá melhores resultados, onde se podem fazer vinhos mais leves e que vão ao encontro das tendências da moda, e onde estão as melhores parcelas para Porto. Agora é não estragar e não inventar onde não é preciso.

Real Companhia Velha

Tensão e austeridade

Os espumantes apresentados incluíram uma estreia, o Blanc de Blancs de 2019, um vinho que teve três anos de estágio antes do dégorgement. O facto de ser Chardonnay, dizem-nos, permite fazer um vinho com oito gramas de acidez e um pH de 3.1, “algo muito difícil, se estivéssemos a falar de Gouveio”, referiu o enólogo. O Grande Reserva, sendo de 2014, incluiu, na cuvée, vinhos de reserva, de 2011 e 2012. A base são vinhas velhas e faz-se uma vindima precoce para espumante, conseguindo-se, assim, mostos de menor graduação e acidez mais elevada, mas com boa tensão e austeridade (de inspiração Krug, confessaram…), algo que a madeira também ajudou.

O Marquis branco é feito com Sauvignon Blanc, variedade plantada em 1993 que, segundo Jorge Moreira, requer solos azotados. Isso obriga a um mapeamento da vinha, linha a linha, e só as melhores são vindimadas para este vinho. Ano após ano têm sido sempre as mesmas as usadas. O vinho estagiou por oito meses em barricas usadas e teve anteriores edições em 2014 e 2018. O Cabernet Sauvignon que entra no tinto foi plantado pela primeira vez em 1993. Esta marca é a sucessora da Grantom, essa sim uma marca muito antiga na casa. Esta nova versão, em ligação com a Touriga Nacional, teve a primeira edição em 2001. Anteriormente existia um Marquis de Soveral tinto, que fazia parte do portefólio da Real Vinícola.

O Grandjó Late Harvest é um vinho branco cuja produção, apesar da boa vontade e investimento da empresa, está sempre totalmente dependente das condições climáticas, as que permitem que se forme uma podridão que não seja acética. Fala-se em investimento, porque se deixam cerca de 2 ha de vinhedos por vindimar à espera de que o tal “milagre” se opere. Como se pode ver pelas edições que teve, houve muitos anos em que os tais 2 ha produziram uvas para deitar fora. A nova era do Grandjó Late Harvest, nascido na quinta da Granja, iniciou-se com a colheita de 2002 e, de lá para cá, foi editado em 2004, 05, 06, 07, 08, 12, 13 e, agora, com a colheita de 2021. É feito a partir da casta Boal, por coincidência a mesma casta que em Sauternes (França) se chama Sémillon, e daí este poder ser um DOC Douro.

Real Companhia Velha

Balanço perfeito

À mesa pudemos provar Quinta do Cidrô Marquis branco 2014, a mostrar-se ainda em boa forma. Por curiosidade, provámos também um Marquis de Soveral (era então o nome que ostentava no rótulo) de 1964, que se revelou uma boa surpresa apesar de ter sido preciso abrir várias garrafas até encontrar algumas ainda com saúde. Nos tintos provámos ainda um Marquis de 2001, que se bateu muito bem com a carne Wagyu.

De salientar o excelente trabalho de sommelerie feito com estes vinhos em relação ao menu, com o perfeito balanço que foi encontrado entre texturas e aromas. Pode parecer fácil mas dá trabalho. Muito trabalho.

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)

 

Estive Lá: No Rossio Gastrobar

Rossio Gastrobar

Já não me lembro do número de vezes que calcorreei a Avenida da Liberdade acima e abaixo, 1,5 km de prédios antigos que foram sendo paulatinamente substituídos por edifícios modernos, de grande dimensão e, muitas vezes, de gosto duvidoso, onde ficam hoje algumas lojas das marcas mais mediáticas e caras de Portugal, essas geralmente de […]

Já não me lembro do número de vezes que calcorreei a Avenida da Liberdade acima e abaixo, 1,5 km de prédios antigos que foram sendo paulatinamente substituídos por edifícios modernos, de grande dimensão e, muitas vezes, de gosto duvidoso, onde ficam hoje algumas lojas das marcas mais mediáticas e caras de Portugal, essas geralmente de montras ornamentadas com melhor gosto que alguns prédios que as albergam. Nesse final, de uma sexta-feira recente, o destino foi o hotel Altis Avenida, que fica entre os Restauradores e o Rossio, para um cocktail e um repasto no restaurante/bar do seu topo.

O Rossio Gastrobar, que tem uma varanda com vista para a Baixa de Lisboa e o Castelo de S. Jorge, mais ao longe, é agradável. Nesse final de dia fresco ficámos no exterior, confortados pelas chamas dos aquecedores a gás a usufruir de um espaço que esteve sempre cheio de gente, sobretudo turistas que iam ali para estar um pouco numa das poucas esplanadas com vista sobre Lisboa e talvez também para saborear um dos cocktails de Flavi Andrade, chefe de Bar do hotel que alberga este espaço, que foi eleita a melhor barmaid do ano na edição de 2024 do Lisbon Bar Show. Foi também o que fizemos e valeu a pena.

Depois de uma pequena conversa com a autora, para perceber melhor o que a inspira a criar os seus cocktails, optei pelo seu Cacilheiro, já que estávamos tão perto do Tejo, e fiz bem. O repasto que se seguiu foi criado pelo chefe João Correia, com a entrada a ser composta por Mini tarteletes de cogumelos e pickle de limão, Crocantes de gamba da costa e maionese de coentros e Pastéis de massa tenra, vitelão e cebolinho, o primeiro e o último a fazerem muito boa companhia ao Caves S. João Pulo do Lobo Arinto de 2020. Para além de um Arroz Saboroso, regado com o suco da cabeça de camarão tigre,  e feito ao estilo da paelha valenciana, em parceria de um tinto Porta de Cavaleiros Reserva 2019, muito equilibrado e elegante, também saboreámos, para terminar, uma Tarte de Noz Pecan e gelado de aguardente. Tudo isto servido, de forma eficiente, por pessoas simpáticas e agradáveis. Soube bem.

 

Rossio Gastrobar

Rua 1º Dezembro, 118, Lisboa

Tel.: + 351 210 440 018

Email: rossio@altishotels.com

 

 

Chocolate: Um ingrediente sedutor e romântico

Chocolate

Vou na sexta década de existência, e aquilo que conheço como chocolate mudou várias vezes. A primeira configuração de que fui sempre fã foi, até que desapareceu, a de uma tablete chamada “Comacompão”, que vinha numa embalagem alaranjada com uma diagramação apetecível de sanduíche de chocolate. O modo de usar era, para mim, simples e […]

Vou na sexta década de existência, e aquilo que conheço como chocolate mudou várias vezes. A primeira configuração de que fui sempre fã foi, até que desapareceu, a de uma tablete chamada “Comacompão”, que vinha numa embalagem alaranjada com uma diagramação apetecível de sanduíche de chocolate. O modo de usar era, para mim, simples e cómodo, pois bastava abrir um papo-seco a meio e colocar dentro a tablete inteira. Não tinha muito açúcar – nunca gostei de coisas muito doces – e tinha minúsculas passas de uva que tornavam a exploração mais saborosa.
Entretanto, muita água passou por debaixo da ponte e o mundo do chocolate revelou-se descoberta empolgante. Apareceram marcas e estilos diferentes, em resultado sobretudo da abertura de Portugal ao mundo, com a consequente invasão de produtos importados.

O chocolate em pó tinha um sabor amargo pronunciado. Vim a saber que resultava da extrusão por pressão da parte escura da fava de cacau. Nunca, contudo, me habituei a colocá-lo no leite e o termo de comparação que tinha era o do fabuloso chocolate quente, que bebia nas vezes em que lanchava com as minhas tias na pastelaria Suíça ou na Mexicana. Curiosamente, ambas as casas continuam a existir e a servir chocolate quente e continua delicioso. Nada a ver, contudo, com a fabulosa combinação de chocolate com churros que, nas frequentes deslocações a Madrid, me era dado provar. Espessura quase de pudim, muito sabor e a ligação com os pequenos fritos frisados sempre me fascinou.

Cada casa, em Portugal ou Espanha, tinha o seu próprio chocolate mas, no fundo, existia o denominador comum de se tratar de chocolate de leite. Foi também em Espanha que provei pela primeira vez chocolate branco, aquilo que rodeia a semente da fava e se consegue separar facilmente. Em rigor, não se devia chamar chocolate. Mas, na prática, passava por tal por conter partes derivadas da dita fava, a que se acrescentava açúcar. Exactamente nos antípodas daquilo que me atraía no chocolate e, por isso, passei a desprezar. A maioria dos trabalhos de moldagem de chocolate são contudo conseguidos graças ao chocolate branco ou manteiga de cacau, depois tingidos a gosto. Os chips de cacau, obtidos a partir da camada intermédia da fava por manipulação com pressão ou calor, cobrem um espectro vasto de aplicações em proporções variadas. É a partir de produto dessa zona que se faz o que conhecemos como chocolate de leite. Normalmente parte-se de chocolate em pó e depois tempera-se até atingir a doçura e a consistência desejadas. Até 60% de cacau, considera-se chocolate de leite na maioria das aplicações e marcas. Acima disso, começamos a atingir o chamado chocolate negro, rico em antioxidantes. Acima de 70%, podemos considerar que estamos perante chocolate negro, a que muitos erradamente chamam chocolate amargo.

 

Chocolate

 

Os frutos do cacaueiro reconhecem-se facilmente, pois são pendentes coloridos com o formato oblongo de bolas de râguebi. O interior contém um material esbranquiçado e sementes, das quais se obtém o cacau.

 

Vinho e chocolate

A bondade da ligação de vinho com chocolate tem origem nas muitas pontes de sabor que facilmente se estabelecem entre ambos. No vinho temos álcool, acidez, polifenóis e açúcar como base de degustação e diferenciação. No chocolate temos açúcar, acidez e amargos. Nas inúmeras provas que tive o privilégio de orientar, criei uma espécie de regra de três simples, estritamente extraída da experiência. Com chocolate branco, moscatel de Setúbal; com chocolate de leite, vinho Madeira Malvasia; com chocolate negro, vinho do Porto ruby. Nos tempos idos do evento Chocolate em Lisboa, assisti a autênticas epifanias no lado do consumidor, quando as pessoas passaram a ter o comando sobre o racional da prova. Perceberam sobretudo que os flavonóides do chocolate têm correspondência directa com os taninos do vinho. Uns e outros correspondem aos elementos antioxidantes, e podem ser, além disso e a propósito, os elementos saudáveis de que precisamos para uma alimentação equilibrada. Como em tudo, os excessos são de evitar. Mas se soubermos seleccionar o que nos faz bem, as nossas vidas correm melhor.

 

Um pouco de história

A chamada árvore de cacau existe sobretudo na América Central e o fruto reconhece-se facilmente, pois trata-se de pendentes coloridos que têm o formato oblongo de bolas de râguebi. O interior contém um material abundante e esbranquiçado e sementes, das quais se obtém o cacau. As ditas sementes só se obtêm nos territórios de que falamos, numa história notável que nos faz recuar até dois mil anos antes de Cristo. As civilizações maia e asteca criaram um filão que encantou o descobridor espanhol Hernan Cortés no séc. XVI, a ponto de chegar a ver nele uma riqueza infindável.

Do que nos foi até hoje revelado, o chocolate era essencialmente consumido na forma líquida. As quantidades diárias ingeridas eram estratosféricas e apenas sacerdotes e governantes tinham acesso à bebida, talvez por isso mesmo. O célebre líder asteca Montezuma II consumia, segundo relatos do próprio Cortés, 50 chávenas de chocolate quente por dia. Terá sido por isso que a bebida foi rapidamente levada para Espanha, passando a ter honras até então reservadas ao chá e ao café. A Europa do final do séc. XVII, início do séc. XVIII. estava totalmente rendida ao grande novo valor do chocolate. As pessoas lotavam todas as salas disponíveis para beber uma chávena de chocolate quente. No final do séc. XVIII, o chocolate não podia estar mais na moda e a tablete ou barra impuseram-se enquanto forma individualizada de o consumir.

A grande revolução acontecia a olhos vistos, e o truque, da autoria do suíço Rodolphe Lindt, foi adicionar manteiga de cacau ao chocolate líquido. O procedimento industrial foi baptizado de conchagem (conching) e, no dealbar do séc. XIX, estabelecia-se toda uma nova ordem, coroando de glória a grande invenção. Nascia o chocolate da era moderna. Além de mais sólido, era também mais durável. Podia conservar-se facilmente num armário doméstico ou na despensa. O fascínio, esse, permanece vivo na mente e no coração dos actuais criadores. A marca Lindt é a que ainda hoje conhecemos e deve-se ao grande inventor e chocolateiro suíço. Muitos outros se lhe seguiram, diluindo bastante o seu protagonismo.

Chocolate

O célebre líder asteca Montezuma II consumia, segundo relatos do próprio Cortés, 50 chávenas de chocolate quente por dia.

 

Compliquemos um pouco

O assunto chocolate cobre bastante mais do que a simples enumeração de ingredientes e técnicas de produção. O estado actual das coisas aponta para a proveniência da fava como factor determinante para conseguir chegar ao pináculo do conhecimento. Percorremos o catálogo da Michel Cluizel, um dos melhores fabricantes de chocolate do mundo, e abismamos perante o triunfo da diversidade que este grande produtor oferece. Vahlrona, Callebaut – provavelmente a maior de todas as marcas -, Neuhaus e muitas outras marcas povoam densamente o universo superior da arte do chocolate. Todas têm o seu manifesto próprio quanto a origens das suas plantas de cacau e, por isso mesmo, todas também fazem marcação cerrada à concorrência. Por cá temos grandes intérpretes do chocolate, chefs que se distinguiram pela originalidade das suas criações. Rui Costa, da pastelaria Marbela, em Esposende, é um grande exemplo. Francisco Siopa, do Hotel Penha Longa, em Sintra, apresenta sistematicamente novas criações que nos fazem vibrar e enternecer. Francisco Melgão e seu irmão Serafim desenvolveram marca própria e dominam todas as técnicas industriais. No seu reduto, em Montemor-o-Novo, vão-nos brindando com as suas inovações. Pode visitar-se e comprar no local, ou encomendar e receber em casa. Cito apenas três, dos vários que poderia citar, com um critério de elencagem estritamente geográfico. Portugal está cheio de talentos por descobrir, que fazem trabalho notável. Eventos aqui e ali vão-nos dando pistas para novas descobertas, mas o país tem massa crítica para ir mais longe na ambição. Fica o modesto repto.

 

Fama com (muito) proveito

Todo o português leva ao peito os produtos da sua preferência mas, na doçaria, somos ainda tímidos. O bolo de chocolate cobre o planeta inteiro e cabe-nos a nós epicuristas provar e aprovar alguns. Aquele que me prendeu mais a alma até hoje provei-o na Suécia e é muito popular por lá. É baseado em chocolate negro, parco no açúcar e muito denso. É desafiante do ponto de vista da harmonização, mas resulta bem com um Pinot Noir novo e sem madeira. É fantástica a torta caprese, que me ficou na memória quando, em 1993, visitei a ilha italiana de Capri. Não leva qualquer tipo de farinha mas leva amêndoa, que lhe dá uma tonalidade com algum corpo, mas pede leveza no vinho. Um Porto branco com mais de vinte anos faz-lhe bem as honras.

O truque mais famoso do mundo pasteleiro é cozer pouco o bolo de chocolate e quando isso é feito intencionalmente o impacte é sempre grande. Os americanos chamam-lhe lava cake, pelo efeito do chocolate a escorrer, evocativo da lava de um vulcão em erupção. Nós chamamos-lhe coração de chocolate quente, ou fondant de chocolate. Um vinhão sem madeira da região dos vinhos verdes, desde que servido a temperatura inferior a 16ºC faz-lhe bem as loas. Pode parecer demasiado arriscado mas o sucesso é garantido, até pelo contraste de temperaturas.

Só fui duas vezes a Viena, e a primeira incursão tinha de ser coroada com a visita ao célebre café Sacher. Mas confesso desde já a minha desilusão. Foi criada na primeira metade do séc. XIX por Franz Sacher, que na altura tinha apenas 16 anos, para o então príncipe chanceler da Áustria. Leva doce de alperce e tem uma espessa camada de chocolate. Até hoje ainda não consegui acertar na maridagem certa. A que funcionou melhor foi com licor de tangerina. A Sacher-Tarte foi, desde aquele dia de 2002, um projecto aberto que vou tentando fechar em beleza. Para contrabalançar a experiência menos feliz, entrego-me facilmente e sem hesitações a um bolo brigadeiro. É um autêntico festival de chocolate e a sua estrutura húmida ajuda a gula a cumprir o seu desígnio. Apesar da estrutura baseada em chocolate negro, a minha opção vínica vai invariavelmente para Porto Tawny 40 anos. A cremosidade é preservada e o vinho sustenta com frescura e eficácia o brigadeiro gigante.

Chocolate

 

O bolo de chocolate cobre o planeta inteiro e cabe-nos a nós epicuristas provar e aprovar alguns.

 

As pequenas coisas

O gengibre revestido com chocolate é grande amigo do vinho, especialmente se for servido em pequenas tiras, ou fingers. Nesta harmonização, contudo, o ingrediente mais importante é o gengibre e não o chocolate que o reveste. A melhor experiência nesta abordagem aconteceu, sem surpresa, com um Arinto de Lisboa com mais de dez anos. Se o revestimento exterior for feito com chocolate de leite, opte por um aragonês alentejano novo e sem madeira. A reacção da casta ao gengibre é inesquecível. O celebrado bombom After Eight cabe nesta categoria e pede assessoria vínica certeira, e irá bem com um Alicante Bouschet de talha, também de terroir alentejano. Estamos no domínio da guloseima e o caso da laranja e chocolate é namoro antigo. Faz crescer água na boca a lasca de casca de laranja passada por chocolate negro. Se for acompanhada de um Gewurztraminer, é o céu. Aconselho esta mesma configuração, com pimento vermelho passado por chocolate negro. A explosão de sensações é fantástica, neste caso.

Passando ao domínio dos frutos secos, o simples revestimento de um pistáchio torrado com chocolate branco é toda uma emoção. E se lhe acrescentar piripiri ainda melhor. Maridagem mais delicada, mas proveitosa, é a que se consegue com um moscatel de Setúbal com mais de vinte anos. Um fruto seco que há que expor ao chocolate é a noz. Faça a experiência com chocolate de leite e depois harmonize com um bom malvasia da Madeira. Também gosto muito de maridar tâmaras passadas por chocolate negro e com vinho do Porto branco seco, sem madeira. Se tem experiência e confiança para entrar nos bombons, não deixe de experimentar foie gras ligado com chocolate negro. Abra um bom Porto Vintage e regozije com a experiência. Faça vários, porque vai ter muita audiência na família ou no grupo de amigos. Boas provas!

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)

Tintos de 2015: Notável demonstração de classe

Tintos 2015

Numa prova em que todos os vinhos são de uma só colheita, no caso de 2015, é fundamental começar por recordar como foi esse ano. Ora, como tantas vezes sucede, o ano meteorológico esteve em linha com o ano vitivinícola, ainda que não inteiramente coincidentes, como veremos. Ou seja, enquanto os registos revelam que o […]

Numa prova em que todos os vinhos são de uma só colheita, no caso de 2015, é fundamental começar por recordar como foi esse ano. Ora, como tantas vezes sucede, o ano meteorológico esteve em linha com o ano vitivinícola, ainda que não inteiramente coincidentes, como veremos. Ou seja, enquanto os registos revelam que o ano 2015 em Portugal Continental foi extremamente seco e muito quente, sendo, até então, o sétimo ano mais quente desde 1931, e o segundo desde 2000, já os relatórios de vindima e os vinhos provados revelam esse ano cálido, mas ainda assim com muito equilíbrio nas maturações e menos stress hídrico do que outros anos.

Chuva nos momentos certos

Comecemos, então, pelo calor… Em 2015, o valor médio da temperatura máxima do ar foi o mais alto dos 18 anos anteriores, sendo que em cada mês o registo foi sempre superior ao normal, exceto nos meses de janeiro, fevereiro e setembro. Olhando para estes números, imaginar-se-ia que o ano vitivinícola seria de pouca produção, com ciclo vegetativo curto, e/ou marcado por uvas num perfil de grande maturação. Mas não foi bem assim… A grande pluviosidade sentida de setembro a novembro em 2014, e chuvas ocasionais nos ‘momentos certos’ de 2015 ajudaram, desde o início, ao favorável desenvolvimento da videira e ao bom vingamento do fruto.

Por outro lado, o tempo seco ao longo do ciclo evitou o desenvolvimento de doenças, mesmo nas áreas costeiras e chuvosas com maior pressão, e permitiu que os trabalhos de viticultura decorressem adequadamente em todas as regiões, contribuindo para que as uvas terminassem o seu ciclo vegetativo em muito boas condições. Houve, é certo, alguns picos de calor, mas a sorte esteve com os produtores, pois nas épocas mais determinantes para a colheita o calor não foi extremo e existiam reservas de água no solo decorrentes das chuvas de setembro e outubro do ano anterior. No Alentejo, por exemplo, as temperaturas veraneantes foram altas como é habitual, mas longe de terem sido extremas. A circunstância da vindima ter sido feita num período seco e temperado também ajudou e muito. Não espanta assim que, de norte a sul do país, a produção tenha aumentado e qualidade foi evidente.

 

Foi unânime, entre os provadores, que esta prova dos tintos de 2015 foi a melhor das já realizadas com este objetivo de provar topos de gama com 10 anos de evolução.

 

Muita qualidade e equilíbrio

Sim, foi um ano quente, com vinhos de grande expressão de fruta, mas, ao lado de outros anos, revelam-se muito equilibrados, o que se comprova pelos níveis de álcool que, na nossa prova, não excederam os 14,5%. 2015, mais quente que 2014 ou 2010, revelar-se-ia menos intenso que 2016 e 2017 que lhe sucederam, no que a vinhos tintos diz respeito. No que a Porto Vintage concerne, sempre, um bom indicador para anos quentes, os vinhos de 2015 revelaram-se excelentes desde o início, e logo com boa evolução, com alguns produtores a pretenderem mesmo que fosse declarado ano clássico. Porém, já com a certeza de que os vinhos de 2016 (e 2017) eram mais maduros e tensos, a declaração não vingou. Nos Vinhos Verdes, 2015 foi uma das melhores colheitas até à altura, muito boa também na Bairrada e Dão, e as regiões a sul beneficiaram de um verão menos escaldante que o habitual.

A expetativa era, assim, enorme. E a prova não defraudou, pelo contrário. Com efeito, fazemos esta prova de topos de gama tintos com 10 anos há muito tempo, e temos os registos, pelo menos, desde a colheita de 2003. Pois bem, foi unânime entre os provadores que esta prova dos tintos de 2015 foi a melhor das já realizadas com este objetivo de provar topos de gama com 10 anos de evolução. Naturalmente, para tal não contribuiu apenas o ano vitícola quase perfeito, mas também a experiência e o acerto das equipas de viticultura e enologia. Contatámos enólogos que trabalharam nesse ano em várias regiões do país e todos recordaram uma colheita com poucos problemas (para tintos, mas também para brancos), boa produção geral, e um perfil de fruta limpo e definido.

Trabalho feito, tudo na prova correu muito bem, com os vinhos a darem excelente prestação, muito limpos e com fruta definida, acidezes ainda presentes, e quase todos num perfil jovem e com muitos anos pela frente. Mais, todos vinhos mostraram-se com ótima integração de barrica, revelando, também neste campo, uma evolução significativa face a provas de outros anos. Olhando para o grau alcoólico, houve também surpresa positiva, com vários vinhos a declararem 13,5%, e um com 12,5%, valores muito sensatos num ano quente, comprovando que é possível combinar, com harmonia, maturação com comedimento no grau. Registou-se, por fim, um único caso de TCA e só por três vezes houve necessidade de provar nova garrafa para confirmar algum aspeto mais discutido entre os provadores. Nos primeiros lugares, com as classificações de 19 e 18,5, tivemos vinhos de praticamente todas as regiões em prova o que é bem demonstrativo da qualidade geral da colheita de 2015 pelo país inteiro. Que venham mais colheitas assim, é o nosso desejo!

 

Todos vinhos mostraram-se com ótima integração de barrica, revelando, também neste campo, uma evolução significativa face a provas de outros anos.

19  M.O.B. Gauvé

Dão tinto 2015

Moreira, Olazabal & Borges

Cor e aroma denotando juventude. Fruto puro, negro e azul, leve grafite, bosque, percepção de vibração e tensão, presumindo-se terroir frio. Mais fino em boca do que o aroma faria prever, cremoso e saboroso, tanino fino mas acutilante, especiado, e focado em frescura com notas de floresta. Fabuloso. (14%)

19 Quinta da Manoella VV

Douro tinto 2015

Wine & Soul

Aroma espantoso, com muito fruto, quase exuberante, azul e negro, perfil fino e elegante, notas a chocolate e pêssego, leves apontamentos da barrica. Amplo e saboroso em boca, médio-encorpado, cremoso, novamente fruto azul, agora com apontamentos de pimenta, acidez média, taninos perfeitos e final longo. (14%)

19 Quinta de Foz Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria

Reg. Beira Atlântico tinto 2015

Conde Foz de Arouce Vinhos

Baga. Aroma muito jovem, com a casta a sentir-se numa versão mais madura, mas envolta em frescura. Fruto negro, mentol, chocolate, evidente perfil bordalês. Prova de boca encorpada, ágil e saboroso, nota a café, fruto negro, muito especiado, belíssima textura polida, termina fresco e longo. (14%)

19 Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa

Douro tinto 2015

Quinta do Crasto

Aroma típico da referência, que entrega fruto azul e preto em camadas, muita especiaria, fruta cristalizada, cachimbo, tudo rico e num perfil barroco. Taninos polidos em boca, muito sabor, fruto encarnada e perfil mais fresco que no aroma faria prever, termina amplo, macio e longo, pontuado por doçura frutada. (14,5%)

18,5 Júlio B. Bastos

Alentejo Alicante Bouschet Grande Reserva tinto 2015

Júlio Bastos

Aroma jovem que abre para um perfil marcadamente vegetal, alcaçuz, louro fresco, nota de eucalipto e perfil balsâmico, tudo com sensação frescura. Meio corpo em boca, novamente jovem com taninos sérios, fruto negro não macerado, com a madeira mais descoberta do que no aroma. Termina com leve secura gastronómica. (13,5%)

18,5 (1500ml) Marquês de Borba

Alentejo Reserva tinto 2015

J.Portugal Ramos

Aroma complexo a revelar óptima evolução, com fruto encarnado maduro, notas a café, grafite, musgo, especiados da barrica, floral fresco no fundo, leve pimento, tudo com ótima intensidade e muito limpo. Muito bem também em boca, tenso e frutado, tanino presente sem ferir, saboroso e longo. (14,5%)

18,5 Mouchão

Alentejo tinto 2015

Vinhos da Cavaca Dourada

Cor muito concentrada e o aroma a revelar boa evolução. Nota a terra molhada, chão de tijoleira, fruto encarnado, flores maduras, rosa e figo, especiaria fina. Mais jovem na prova de boca, com muito tanino, maduro e sério, boa acidez geral, revela grande equilíbrio entre maturação e uma percepção surpreendente de frescura. (14,5%)

 18,5 O.Leucura

Douro tinto 2015

Duorum Vinhos

Muito jovem na cor e no aroma. Fechado, pede arejamento e abre com notas latentes de fruto negro e azul, caruma, fruto seco, chocolate negro, tudo muito bonito num perfil clássico do Douro Superior. Concentrado na boca, mas muito polido, saboroso, ervas secas e fruto azul, tanino sério e maduro, mais fresco do que o aroma dá a entender e grande qualidade geral. (14%)

18,5 Poeira

Douro tinto 2015

Jorge M. Nobre Moreira

36 barricas. Aroma fino e latente, a pedir arejamento, abre para notas de fruto azul, ervas do monte, leve violeta, e chá. Muito bem em boca, com bom volume, todo proporcionado, bela textura, envolvente e saboroso nos taninos, revela-se num perfil de finesse com final longo. (14%)

 18,5 Quinta do Vale Meão

Douro tinto 2015

F. Olazabal & Filhos

Muito aromático desde o início, muito fruto à frente, toque mineral, matizes da barrica perfeita, chocolate, num conjunto que denota classe. Especiado em boca, ervas do monte, alcaçuz, textura cremosa e com alguma potência, termina com muito sabor. Conjunto impressionante. (14%)

 18,5 Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo Referência

Douro Grande Reserva tinto 2015

Quinta Nova de Nossa Sr.ª do Carmo

Tinta Roriz e vinha velha em field blend. Muito jovem no aroma, abre com barrica de qualidade, seguida de fruto negro puro e de grande intensidade, amora, pimenta, leve balsâmico. Prova de boca mais vegetal, intenso e saboroso, novamente chocolate, bastante mais fresco na boca do que o aroma faria prever. Excelente! (14%)

 18,5 Villa Oliveira

Dão Serra da Estrela Touriga Nacional tinto 2015

O Abrigo da Passarela

Aroma cativante com notas complexas de fruto encarnado e azul, amparadas por presença significativa de barrica, num perfil complexo e sedutor, com a casta a não se evidenciar. Jovem em boca, complexo e de nuances várias, boa acidez, envolvente e saboroso, termina amplo mantendo um registo de elegância. Belíssimo! (14%)

 18,5 Luis Pato Vinha Barrosa

Bairrada tinto 2015

Luis Pato

Um pouco aberto na cor, de cor encarnada escura e muito brilho. No aroma abre com notas a eucalipto, fruto encarnado aberto, bagas frescas, vegetal seco, denotando frescura. Mantém o registo em boca, leve e ginasticado, com óptima acidez, fruto vermelho, floral fresco também, termina vibrante e gastronómico. Para durar! (12,5%)

18 Chryseia

Douro tinto 2015

Prats & Symignton

Tourigas Nacional e Franca. Aroma muito polido, com nota de fruto negro e encarnado (cereja), especiados da barrica, chocolate, tudo num perfil limado e apurado. Meio corpo em boca, tanino granulado e maduro, muito sabor e alguma frescura, mantém o perfil de grande equilíbrio e sedução. (14%)

 18 Esporão

Alentejo Alicante Bouschet tinto 2015

Esporão

Aroma exuberante com notas balsâmicas, vegetais, casca de árvore e azeitona, fruto maduro, leve couro também. Mantém o perfil em boca, mas com maior frescura e nitidez, saboroso, novamente vegetal seco, boa acidez, com boa saúde para viver mais anos em garrafa. (14,5%)

 18 Dolium by Paulo Laureano

Alentejo Vidigueira tinto 2015

PL Wines

Field Blend. Aroma exuberante e jovem, com notas sedutoras de ameixa, pimentas, terra húmida, groselha preta, orégãos e manjericão. Na boca revela-se lácteo e arredondado, com tanino firme e saboroso, acidez média, nota a especiaria doce e muito fruto negro. Óptima evolução! (14,%)

18 J de José de Sousa

Reg. Alentejo tinto 2015

José Maria da Fonseca Vinhos

Grand Noir, Tourigas Francesa e Nacional. Aromaticamente segue o perfil desta referência com notas vegetais atractivas, louro, azeitona, leve couro, cacau preto. Esta silhueta mais rústica continua em boca com terra húmida, pimentas, fruto maduro e notas terciárias. Está muito bem no perfil que proporciona imenso prazer, sobretudo à mesa. (13,5%)

18 Kompassus Private Collection

Bairrada Baga tinto 2015

Kompassus Vinhos

Vinhas velhas, 18 meses de barrica. Aroma austero, com notas de barro molhado, terra húmida, tomilho, barrica muito discreta, e boa percepção de frescura. A prova de boca confirma um perfil sólido e firme, meio corpo, óptima acidez, fruto encarnado maduro, leve fruto seco, termina austero. (14%)

18 Quinta da Leda

Douro tinto 2015

Sogrape Vinhos

Aroma com muito fruto, encarnado e azul, nota floral evidente também, café, bagas silvestres, e barrica ao fundo. Mantém o perfil em boca, ágil e com meio corpo, fruto encarnado, resina de esteva, chocolate e cacau, tanino saboroso de média intensidade e final elegante. (13,5%)

18 Quinta das Bágeiras

Bairrada Garrafeira tinto 2015

Mário Sérgio Nuno

Revela bem o perfil da marca, com fruto encarnado, aroma a tonel avinhado, tijoleira, vegetal seco, verniz. Tanino firme em boca, fruto mais maduro do que o nariz faria prever, muito saboroso e jovem, meio corpo, tenso e com óptima acidez num final longo e bem apimentado. (13,5%)

 18 Quinta do Monte d’ Oiro Parcela ‘24

Reg. Lisboa tinto 2015

José Bento dos Santos

Syrah. Aroma muito sedutor e complexo, com fruta encarnado e negro, bagas silvestres, muita especiaria (cominhos), nota a carne e chocolate. Mais ligeiro e ginasticado no corpo, muito fruto novamente, chocolate, acidez média, belíssimos taninos, termina longo com leve secura final. Cheio de classe! (14%)

18 Quinta dos Roques

Dão Reserva tinto 2015

Quinta dos Roques

Jovem no perfil, com fruto encarnado, floral evidente, alguma nota a barrica no fundo. Muito sabor em boca, envolvente, taninos finos, mas com boa estrutura geral, fruto negro e ervas do campo, acidez no ponto, leve doçura frutada que surpreende mas fica bem. Notável harmonia de conjunto. (13,5%)

 18 Scala Coeli

Reg. Alentejano Touriga Nacional tinto 2015

FEA

Aroma exuberante e jovem, abre com notas de grafite, fruto negro, muitas nuances da barrica, cereja e violetas também, canela ao fundo, com a casta pouco evidente. Na boca revela-se encorpado e intenso, saboroso na vertente frutada, chocolate, café, bom equilibro apesar de muita intensidade, termina com amargos finais. (14,5%)

 18 Terrenus

Alentejo-Portalegre Reserva tinto 2015

Rui Reguinga

Aroma bonito e elegante, com ataque a fruta madura, ameixa, ervas do monte, pimentas, percepção de barrica de qualidade e muita sedução. Saboroso em boca, meio corpo com boa frescura, leve couro, tanino fino mas vivo, perfil seco e gastronómico apesar da vertente frutada em evidência. (14,5%)

18 Tributo

Reg. Tejo tinto 2015

Rui Reguinga

Syrah, Grenache e um pouco de Viognier. Aroma com notas a pimenta preta, fruto maduro bonito e sedutor, nota a carne, leve grafite. Perfil mais barroco em boca, com notas de barrica e muito fruto, largo e amplo, saboroso e cremoso, revela muita especiaria doce e fruto confitado no largo final. (14%)

 18 Quinta dos Carvalhais Único

Dão tinto 2015

Quinta dos Carvalhais

Aroma jovem e de perfil floral, bergamota, chá earl grey, musgo e mentol, pinheiro, aroma muito limpo e directo, com a barrica bem integrada. Prova de boca com sabor, leve, mas com intensidade, fruta cristalizada, fruto negro, boa acidez geral, termina longo com doçura frutada. (14,5%)

 18 Vallado Vinha da Granja

Douro tinto 2015

Quinta do Vallado

Muito aromático, fruto encarnado complexo, perfil de fruta fresca, muitas ervas, especiado também e com barrica no ponto. Em boca revela tanino vivo e firme, granulado com meio corpo, boa acidez geral, também vegetal bonito e muito especiado, com final longo marcado por fruta encarnada. (14,5%)

 17,5 Falcoaria

Reg. Tejo Grande Reserva tinto 2015

Casal Branco

Jovem no aroma, fechado, abre com nota terrosa e levemente química, fruto negro de qualidade e barrica impecável, chocolate e after-eight. Mais vegetal em boca do que o aroma fazia prever, mantém-se, todavia, austero, com tanino muito firme, fruto negro e frescura balsâmica. (14%)

 17,5 Quinta da Bacalhôa

Reg. Península de Setúbal Cabernet Sauvignon tinto 2015

Bacalhôa Vinhos de Portugal

Aroma a revelar boa evolução, tudo de pendor vegetal, pimentão doce, casca de árvore, fruto maduro também com nota a ameixa desidratada. Meio corpo em boca, boa leveza de conjunto ágil, tanino fino e maduro, acidez bem presente, termina com leve doçura frutada envolvente. (14%)

 17,5 Teixuga

Dão tinto 2015

Caminhos Cruzados

Touriga Nacional. Abre exuberante com nota a fruta encarnada, bergamota, chá earl-grey, cítrico (toranja), barrica muito bem integrada, violeta e café. Fruto maduro em boca, sedutor, denso e cremoso, muita concentração, canela e chocolate, termina amplo e capitoso. (14%)

17,5 Xisto

Douro tinto 2015

Roquete & Cazes

Tourigas Nacional e Franca e Tinta Roriz. Aroma exuberante, nota a violeta, chocolate, mentol, caixa de charutos, marcado ainda por uma nota a verniz. Mais vegetal em boca, envolvente e com óptima barrica, meio corpo, acidez no ponto, termina amplo e com bom comprimento, novamente marcado pelo perfil químico. (14,5%)

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(A Grandes Escolhas agradece o apoio da Churrasqueira Dom Pedro, casa onde foram realizadas as fotos.)

Artigo publicado na edição de Março de 2025

 

Herdade do Freixo: Elegância e longevidade

Herdade do Freixo

A Herdade do Freixo nasceu da paixão dos irmãos Pedro e José Luís Vasconcelos e Sousa, de desenvolver um projecto de vinhos diferente na região. Hoje já não estão ligados à empresa, mas foi isso que comunicaram, num jantar de amigos, alguns deles potenciais investidores, proposta que originou o interesse dos comensais. “Acreditava-se que existia, […]

A Herdade do Freixo nasceu da paixão dos irmãos Pedro e José Luís Vasconcelos e Sousa, de desenvolver um projecto de vinhos diferente na região. Hoje já não estão ligados à empresa, mas foi isso que comunicaram, num jantar de amigos, alguns deles potenciais investidores, proposta que originou o interesse dos comensais. “Acreditava-se que existia, ali, um terroir diferenciador”, conta Carolina Tomé, 50 anos, directora de Marketing e Comercial da Herdade do Freixo.

Um toque inovador

O posicionamento da herdade em relação à Serra de Ossa, a localização do vale onde hoje se desenvolvem as vinhas das castas brancas e fica a adega, o monte que fica em frente, com os seus 450 metros de altitude no topo, onde estão plantadas castas tintas “com exposições diferentes que permitem equilibrar a frescura com a concentração, são alguns dos contributos para a existência deste terroir distinto. O mesmo acontece com o seu microclima, que contribui para a ocorrência de maturações mais lentas e vinhos mais frescos, e os seus solos de origem xistosa e granítica. Na sua plantação foram selecionadas, para além de castas tradicionais da região, outras que podiam contribuir, com a tecnologia certa usada na adega, para originar vinhos mais frescos e elegantes, com maior capacidade de evolução positiva em garrafa com o tempo. No fundo, o melhor de dois mundos: a concentração e a alma típica do Alentejo com mais frescura, elegância, longevidade em garrafa e maior apetência gastronómica, algo que o enólogo consultor desta casa, Diogo Lopes, procura fazer reflectir nos vinhos de cada colheita.

Depois de ter sido estudado o local, as vinhas começaram a ser plantadas, a partir de 2010, com esse objectivo, e também com o potencial de dar um toque inovador aos vinhos produzidos pela herdade, alguma diferença em relação ao habitual do Alentejo. Foi, por isso, que foi introduzido o Alvarinho, “que se dá muito bem no Freixo”, mas também Sauvignon Blanc, Chardonnay, Riesling, “que só foi lançado há dois anos”. A casta branca Arinto foi plantada para potenciar longevidade nos brancos. Nas tintas, a base é a Touriga Nacional. Mas também há Cabernet Sauvignon de clones seleccionados para o tipo de solos da propriedade, Alicante Bouschet e Petit Verdot, “para trazer frescura e capacidade evolutiva aos vinhos” e Petite Syrah, da qual foi lançado o primeiro vinho há pouco tempo. “Também plantámos Syrah, que está a ser conduzida no modo biológico, a pensar no lançamento de um futuro vinho biológico da herdade”, diz Carolina, revelando, depois, que toda a vinha está a ser conduzida no modo de protecção integrada. “É evidente que o modo de produção biológico pode ser interessante, mas é essencial garantir a produção de vinhos com um perfil de frescura, concentração e longevidade, estrutura e elegância”, defende. Todos os anos há uvas, e é preciso produzir e vender vinhos que sejam apreciados pelo mercado, ou seja, nenhum negócio persiste sem sustentabilidade económica. Para garantir a sua qualidade e consistência ao longo dos anos, “a vindima é feita no ponto óptimo de maturação”, de forma manual, quando há mão de obra disponível, ou à máquina, quando não há.

Herdade do Freixo
Carolina Tomé, directora de Marketing e Comercial da Herdade do Freixo.

Paisagem intocada

A propriedade tem 300 hectares, que estavam intocados, sem terem sido sujeitos a agricultura intensiva, na altura em que o projecto começou a ser desenvolvido “Era e é um eden paisagístico, onde passam e poisam aves migratórias e se podem ver lebres ou raposas, cuja natureza era preciso preservar”, conta Carolina Tomé. Por isso, a adega integra-se quase na perfeição nesta paisagem. Para além de ter condições para potenciar a produção de vinhos com longevidade em garrafa, mais frescos e elegantes, é conceptualmente interessante de visitar, o que incentiva a procura do seu enoturismo e ajuda a promover o seu vinho. “O objetivo é que as pessoas percorram as vinhas, sintam a paisagem e entrem na adega, numa outra realidade que seja uma novidade para os sentidos, para conhecer um pouco do processo de produção, se quiserem, e terminarem a experiência com a prova de vinhos coerentes com as sensações tidas durante a visita”, explica a gestora.

Para a sua construção foi feito um concurso, ganho pelo atelier do arquitecto Frederico Valsassina com a proposta de uma adega totalmente enterrada, qua alberga escritórios, zona de fermentação, estágio em barricas e em inox, armazenamento e laboratórios. Todo o seu interior, que é iluminado com luz natural, pode ser visitado 365 dias por ano sem haver interferências entre os visitantes e a produção.

A adega demorou dois anos e meio a ser construída e o projecto terminou em Outubro de 2015. Assim nasceu um edifício que foi premiado pela publicação especializada ArqDaily, de Nova Iorque, em 2018, um par de anos após ter aberto. Em Maio/Junho foram lançados os primeiros vinhos.
Além de preservar a paisagem rural e permitir o contacto dos visitantes com o vinho, numa experiência sensorial completa, a adega da Herdade do Freixo possibilita o controlo do efeito das amplitudes térmicas do interior do Alentejo, sobretudo as extremas do verão, quando as máximas podem chegar aos 50 ºC, e as mínimas aos 20 ºC. Isso é essencial durante o processo de produção, estágio em barrica ou inox, engarrafamento e repouso das garrafas até irem para os clientes, para a manutenção da frescura e evitar a evolução antecipada dos vinhos.

O desafio do mercado

Desde o início que a Herdade do Freixo privilegia as vendas para a restauração e lojas da especialidade, “porque os nossos produtos têm de se ser apresentados, explicados, e beneficiam quando são provados com comida”, diz Carolina Tomé. Conta também que foi um desafio lançar, no início do trajecto da empresa, vinhos distintos, de nicho, com origem no Alentejo, região conhecida, na altura em que começou a trabalhar, pelas suas marcas de volume. Foi necessário abrir muitas garrafas, fazer a formação das equipas de vendas, muitas masterclasses e muitas conversas pessoais com os clientes para mudar a perspectiva do mercado em relação à sua casa. “Nas primeiras apresentações ouvíamos dizer que os vinhos eram interessantes, frescos, mas não pareciam do Alentejo”, conta, salientando que hoje isso já não acontece, não só porque os vinhos do Freixo já são conhecidos em Portugal e nos mercados para onde a casa exporta, mas também porque surgiram mais produtores com vinhos semelhantes aos seus, mais frescos, longevos e elegantes, com origem no Alentejo. Hoje a Herdade do Freixo exporta 20% dos seus vinhos para a Suíça, “mas também um pouco para a Holanda, Bélgica e Suécia, e Brasil, China e Angola, mais recentemente”, revela ainda a responsável. Em Portugal, para além dos restaurantes e lojas da especialidade, estão disponíveis nos supermercados Apolónia e no El Corte Inglés.

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)

Editorial Abril: Brancos de tintas

Editorial

Editorial da edição nrº 96 (Abril de 2025) Vinhos brancos de uvas tintas não é coisa nova. Os franceses fazem-no há séculos para espumantes e, nomeadamente, para os Champanhe, onde a designação blanc de noirs é sinónimo de espumante branco feito exclusivamente de Pinot Noir e Pinor Meunier. Também em Portugal os espumantes brancos elaborados […]

Editorial da edição nrº 96 (Abril de 2025)

Vinhos brancos de uvas tintas não é coisa nova. Os franceses fazem-no há séculos para espumantes e, nomeadamente, para os Champanhe, onde a designação blanc de noirs é sinónimo de espumante branco feito exclusivamente de Pinot Noir e Pinor Meunier. Também em Portugal os espumantes brancos elaborados a partir de uvas tintas obtiveram assinalável sucesso, desde logo com a casta Pinot Noir a demonstrar uma capacidade surpreendente para, num clima quente como o nosso, originar grandes bases de espumante (já quando aqui vinificada em tinto, o resultado é muitas vezes inconsistente ou decepcionante). Mas também em casas como Murganheira ou Vértice, variedades nacionais como Touriga Nacional, Tinta Roriz ou Touriga Franca, a solo ou em blend com uvas brancas, são desde há muito usadas para elaborar excelentes espumantes.

O maior sucesso nesta área será certamente o da variedade Baga, que na Bairrada começou a ser ensaiada como base de espumante ainda nos anos 90 e a partir de 2015 deu origem a uma categoria regulamentada e certificada – Baga@Bairrada – que conquistou o mercado. Hoje são cerca de 31 as empresas da região a produzir Baga@Bairrada e mais se juntam a cada ano que passa. A Baga vinificada em branco constituiu uma espécie de 5 em 1: criou um negócio que não existia anteriormente, contribuindo para o crescimento do espumante Bairrada; lançou uma marca institucional que associou uma casta a uma região; aumentou a rentabilidade do produtor – uma vinha de Baga para espumante pode produzir o dobro sem afectar a qualidade; desviou da vinificação em tinto as uvas Baga menos capazes, elevando a qualidade média dos tintos Bairrada; e veio suprir a carência de uvas brancas, permitindo que estas fossem melhor aproveitadas e valorizadas.

O trajecto dos brancos de tintas em vinhos tranquilos é bem mais recente. Entre nós, o caso de estudo (diria que a nível mundial) é o Invisível, um branco de Aragonez produzido no Alentejo pela Ervideira. O vinho imaginado pelo produtor Duarte Leal da Costa foi criado na colheita de 2009, tendo-se enchido 9 mil garrafas. Da colheita de 2024, agora lançada, fizeram-se 135 mil garrafas, vendidas ao preço médio de €14. A próxima colheita será de 150 mil garrafas. O sucesso do Invisível deve-se, sobretudo, a dois aspectos: a consistência qualitativa e o factor diferenciador, sendo distinto na cor, aroma e sabor de qualquer vinho branco. Na senda do Invisível, ainda que em volumes muito inferiores, temos hoje quase duas dezenas de brancos de tintas tranquilos oriundos de todo o país. Confesso que não sou grande fã de brancos de tintas, sinto sempre que lhes falta a componente citrina que aprecio nas uvas brancas, mas reconheço a qualidade e, até, como já comprovei no Invisível, a versatilidade à mesa e longevidade.

O que me leva à grande questão: o que buscamos quando fazemos um branco de tintas? Se a ideia é marcar pela originalidade, então deverá ser o mais diferente possível de um branco “normal”. Mas existe um outro caminho, que pode e deve funcionar em paralelo com este, e que é imposto pela necessidade. Hoje, em regiões como Alentejo, Douro ou Dão, temos uvas tintas a mais e brancas a menos, um desequilíbrio que as tendências de consumo vão continuar a acentuar. Não deveríamos, sobretudo para os brancos mais simples, procurar que as uvas tintas, misturadas ou não com brancas, viessem suprir essa carência, como algumas casas já estão a fazer, discretamente, no Dão? Isso implica uma abordagem totalmente distinta: tentar fazer de um branco de tintas um vinho em tudo semelhante a um branco de brancas. Um enorme desafio, sem dúvida, para quem orienta a vinha e a adega. L.L.

 

Enoturismo: Casa Ermelinda Freitas

Casa Ermelinda Freitas

Na costa ocidental da Península Ibérica, envolta pela serenidade do Atlântico e pelos braços tranquilos do Rio Sado e do Tejo, encontra-se a fascinante Região Vitivinícola de Setúbal. Este local, onde a natureza se encontra em estado bruto com a engenharia humana das vinhas, conta uma história que transcende gerações e possui uma profundidade filosófica […]

Na costa ocidental da Península Ibérica, envolta pela serenidade do Atlântico e pelos braços tranquilos do Rio Sado e do Tejo, encontra-se a fascinante Região Vitivinícola de Setúbal. Este local, onde a natureza se encontra em estado bruto com a engenharia humana das vinhas, conta uma história que transcende gerações e possui uma profundidade filosófica inigualável.

Dominando a paisagem, a Serra da Arrábida ergue-se imponente com seus relevos calcários, formando um microclima que protege as vinhas dos ventos atlânticos. As encostas ensolaradas da serra oferecem drenagem natural, enquanto os solos pedregosos, ricos em calcário, conferem “mineralidade” às uvas. Essa é a morada de vinhos com estrutura e frescor, marcados pela influência direta do mar.

Ao sul e a leste, as planícies arenosas da Península de Setúbal estendem-se como um manto dourado. Esses solos pobres em nutrientes, mas com excelente capacidade de retenção térmica, favorecem a casta Moscatel, que encontra nesse terroir o segredo de sua doçura e intensidade aromática. Nas áreas mais baixas, solos argilosos e aluviais, enriquecidos pelos rios Sado e Tejo, sustentam vinhas robustas, com produção equilibrada.

A Região Vitivinícola de Setúbal, com sua paisagem única e clima privilegiado, é um verdadeiro santuário para os amantes do vinho, mas também para os que procuram compreender a relação intrínseca entre a terra e o produto que dela surge. O terroir da Península de Setúbal, influenciado pelas brisas frescas do oceano Atlântico e pelas condições climáticas amenas da região, é um espelho da complexidade do seu caráter. Aqui, a terra não é apenas um suporte para as vinhas, é um elemento ativo, capaz de se comunicar com a tradição e a inovação através da viticultura.

Persistência e paixão

Na sua essência, a paisagem de Setúbal é uma ode à persistência e à paixão. As videiras, com raízes que se estendem profundamente na terra rica e fértil, representam a ligação visceral entre o homem e a natureza. Aqui, o ato de vinificação é elevado a uma forma de arte, em que cada cacho de uvas é tratado com um respeito quase reverencial. O trabalho exaustivo dos viticultores, muitas vezes ao ritmo das estações, encapsula uma filosofia de vida onde o tempo é medido não por segundos, mas por colheitas.

A produção de vinhos na região é também um diálogo constante entre a tradição e a inovação. As vinhas antigas, que carregam o peso de séculos de saber acumulado, coexistem harmoniosamente com novas práticas e técnicas que aperfeiçoam e realçam a qualidade dos vinhos. Este equilíbrio delicado reflete a busca humana pelo progresso, enquanto se mantém firme nas suas raízes culturais e históricas.

A região é muito conhecida pelo famoso Moscatel de Setúbal, vinho generoso e doce que é uma prova tangível desta união. Cada gole deste néctar traz consigo, não só os sabores complexos das uvas, mas também as histórias dos que, ao longo de gerações, dedicaram suas vidas à perfeição desta arte. A sua complexidade e profundidade convidam-nos a refletir sobre a própria natureza da criação humana e sobre a forma de extrair a beleza e a harmonia dos elementos mais simples e fundamentais da vida.

O viticultor não apenas extrai da terra, mas também se torna parte de um ciclo contínuo, onde o respeito pela natureza e a preservação da tradição tornam-se princípios fundamentais. Ao mesmo tempo, as inovações nas técnicas de vinificação, a adaptação às mudanças climáticas e a introdução de novas variedades de uvas são desafios constantes que os produtores locais enfrentam, com um diálogo com o tempo que é construído sem perder a alma do que se cultivou nas colinas e encostas ao longo de tantos anos.

Mas a magia da Região Vitivinícola de Setúbal não se limita aos seus vinhos. A região é um microcosmo da diversidade biológica e da beleza natural. A planície, as colinas ondulantes, os vales verdejantes e a proximidade com o mar criam um ecossistema único que se reflete na singularidade dos seus vinhos. Cada elemento da paisagem contribui para a sinfonia de aromas e sabores que os vinhos de Setúbal proporcionam, transformando, cada garrafa, numa expressão pura e autêntica do terroir. É mais do que apenas um local de produção de vinhos. É um espaço de contemplação e conexão. Convida-nos a desacelerar, a apreciar o ritmo natural da vida e a encontrar significado nas tradições e nas práticas que definem a nossa humanidade.

Neste canto especial de Portugal, a vinha e o vinho não são apenas uma indústria, mas uma manifestação filosófica do tempo, do trabalho e da beleza inerente à interação entre o homem e a terra. Desta forma, ao degustarmos um vinho da Região Vitivinícola de Setúbal, participamos numa jornada que transcende a mera experiência sensorial. Tocamos na própria essência do que significa ser Humano: criar, preservar e encontrar significado nas pequenas maravilhas do mundo ao nosso redor.

Sabores sentidos

Entre o azul profundo do Atlântico e as colinas da Arrábida, a Península de Setúbal guarda segredos que se revelam à mesa. Aqui, a gastronomia é mais do que alimento: é memória, é identidade, é poesia em forma de sabor.

O mar conta a sua história em tons prateados: chocos, robalos, e o célebre salmonete, de carne delicada e sabor inconfundível. Mas é o choco frito que conquista corações — simples, dourado, e envolto num aroma que mistura tradição e mar bravio. A cada dentada, sente-se o sal das ondas e o calor das cozinhas que atravessam gerações.

Ao longe, as vinhas que se vislumbram por toda a região estendem-se como um tapete verde banhado pelo sol generoso. Nos campos soalheiros de Palmela e Azeitão, as vinhas tecem lendas. O Moscatel de Setúbal, com sua doçura envolvente e notas de mel e laranja, é um poema à paciência do tempo. Ao lado, os tintos robustos, com aromas de frutos vermelhos e um toque de especiarias, contam histórias de solos generosos e mãos dedicadas. Já os vinhos brancos, frescos e vibrantes, surpreendem com notas cítricas, florais e um leve toque mineral, ecoando a brisa do Atlântico e a pureza das manhãs luminosas da serra.

Nesta região não se vive apenas de pratos e vinhos, vive-se também de encontros. Nas tascas escondidas ou nos restaurantes à beira-mar, o convívio é o verdadeiro ingrediente secreto. É ali, entre risos e partilhas, que o sabor se torna experiência e a comida filosofia, uma celebração do presente com o respeito pelo passado.

E há a serra, cúmplice e silenciosa, que oferece queijos aveludados, mel dourado e ervas aromáticas que perfumam ensopados e caldeiradas. Sabores rústicos, simples, e, por isso mesmo, profundamente humanos.

A harmonia entre a comida e o vinho é filosofia vivida – um convite à contemplação. O queijo de Azeitão, cremoso e intenso, encontra no Moscatel um par perfeito, numa dança de contrastes que se completam. E, sob o céu dourado do entardecer, cada brinde é uma prece ao prazer de existir.

A gastronomia da Península de Setúbal é, assim, um convite à contemplação. Não se resume ao que se come, mas ao que se sente. É prova de que o verdadeiro prazer mora na fusão do paladar com a alma. Pois, como disse o poeta, “comer é uma necessidade, mas saborear… ah, saborear é uma arte!”, cada prato é uma história e cada gole uma promessa. O que se prova à mesa permanece para sempre no coração.

Como sou um eterno apaixonado, a visita à Península de Setúbal enquadra-se na perfeição no périplo que tenho vindo a fazer para encontrar a minha felicidade vínica e gastronómica e partilhar com os nossos leitores… A minha decisão foi obvia e rápida, pois sempre desejei conhecer a Casa Ermelinda de Freitas e a sua história.

À frente do seu tempo

A Casa Ermelinda Freitas fica na aldeia de Fernando Pó, concelho de Palmela, a 25 quilómetros a leste de Setúbal, e é bem visível à distância, pela presença imponente da nova adega, que se ergue no mar de vinhas da planície em seu redor.

É uma adega familiar com uma história que remonta a 1920. Fundada por Leonilde Freitas, continuada pela sua neta, Germana Freitas, e mais tarde pela sua bisneta, Ermelinda Freitas, a quem a Casa Ermelinda Freitas deve o seu nome. Com a morte prematura do seu marido, Manuel João Freitas, Ermelinda Freitas continuou a gerir a empresa com a sua filha, Leonor Freitas, que assumiu o seu comando e consolidou a liderança da casa no feminino, característica da marca. Destacando-se pela dedicação à produção de vinhos de qualidade, a Casa Ermelinda Freitas tornou-se uma referência na região de Palmela, com inúmeras distinções nacionais e internacionais. Sob a liderança de Leonor Freitas, desde 1997, a adega manteve a tradição familiar, investindo em inovação e expandindo a sua presença em mercados globais, sempre com o compromisso de preservar o legado iniciado por Leonilde Freitas. A empresa, que tem sido gerida por mulheres ao longo de quatro gerações, tem o futuro assegurado pela 5ª geração, Joana Freitas.

Sob a direção de Leonor Freitas, a Casa Ermelinda Freitas passou por uma transformação significativa, modernizando as técnicas de viticultura e enologia e expandindo a área de vinha para os atuais 550 hectares. A adega é reconhecida pela produção de vinhos de alta qualidade, tendo recebido inúmeros prémios nacionais e internacionais.

A filosofia da Casa Ermelinda Freitas assenta na combinação da tradição com a inovação. A empresa valoriza as castas autóctones da região, como a Castelão e a Fernão Pires, enquanto incorpora práticas sustentáveis e tecnologia avançada na produção de vinhos. Este equilíbrio entre o respeito pelo legado e a adaptação às exigências contemporâneas reflete uma abordagem consciente e responsável perante a cultura vitivinícola.

A dedicação à qualidade e à autenticidade dos seus vinhos é evidente na diversidade do portefólio da Casa Ermelinda Freitas, que abrange desde vinhos tintos encorpados a brancos frescos e aromáticos, passando por rosés elegantes e espumantes distintos. Esta variedade permite, aos apreciadores de vinho, uma experiência rica e multifacetada, evidenciando o potencial e a versatilidade da região de Palmela.

Hoje, a Casa Ermelinda Freitas é um vasto poema esculpido na terra, com 550 hectares de vinhas que contam histórias em cada casta. Ali, 60% da “alma” brota do Castelão, enquanto 20% dança nas nuances de tintas como Touriga Nacional, Trincadeira, Syrah, Aragonês, Alicante Bouschet, Touriga Franca, Merlot, Petit Verdot, Pinot Noir, Petite Sirah e Carmenère, castas que tingem o tempo com profundidade e mistério.

Nos outros 20%, brilha o reflexo da luz em uvas brancas: Fernão Pires, Chardonnay, Arinto, Verdelho, Sauvignon Blanc, Moscatel de Setúbal, Viosinho, Encruzado, Alvarinho, Pinot Grigio, Viognier, Vermentino e Gewürztraminer. Trinta castas, trinta vozes que entoam, em coro, a essência viva da Casa Ermelinda Freitas, onde a tradição se entrelaça com o sopro eterno da terra, superiormente orquestradas pelo enólogo Jaime Quendera.

A Casa Ermelinda Freitas exemplifica como uma empresa familiar pode prosperar através da harmonização entre tradição e inovação, mantendo um compromisso inabalável com a qualidade e a sustentabilidade. A sua trajetória ilustra a importância de uma liderança visionária e da valorização das raízes culturais na construção de uma marca reconhecida e respeitada no panorama vinícola global.

A Senhora…

Leonor Freitas, proprietária da prestigiada Casa Ermelinda Freitas, é mais do que apenas uma empresária de sucesso. É uma visionária cuja paixão transcende o mundo do vinho que a rodeia, cuja honestidade intelectual e humanidade se refletem em cada garrafa de vinho produzida pela sua adega. Com uma dedicação inabalável à sua terra e às suas gentes, Leonor personifica o espírito da Península de Setúbal, uma região rica em tradição e cultura.

Desde muito jovem, Leonor demonstrou um profundo respeito pelo legado da sua família, com raízes vitivinícolas que remontam a várias gerações. Ao assumir as rédeas da adega, não apenas continuou o trabalho iniciado pelos seus antecessores, mas também trouxe uma nova perspetiva e inovação ao setor. A sua visão era clara: elevar a qualidade dos vinhos portugueses e colocá-los num patamar de reconhecimento global, alicerçada nos seus próprios néctares.

O compromisso de Leonor com o rigor profissional é evidente nas suas práticas de negócio e na forma como gere a sua equipa. Ela acredita que um vinho de excelência nasce do respeito pela terra e pelas pessoas que nela trabalham. Esta filosofia tem sido um pilar fundamental na sua trajetória, garantindo que cada vinho produzido na Casa Ermelinda Freitas reflete a autenticidade e a pureza do terroir. Mas o que realmente distingue Leonor Freitas é o seu caráter humanista. Num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia e pela produção em massa, Leonor mantém-se firme nos seus princípios de sustentabilidade e responsabilidade social, investindo na comunidade local, promovendo iniciativas que vão desde a educação até ao apoio a pequenos agricultores, assegurando que todos beneficiem do sucesso da adega.

A paixão de Leonor pela sua terra é palpável. Ela acredita que o vinho não é apenas uma bebida, mas uma expressão da cultura e da história do “seu” povo. Cada garrafa de vinho da Casa Ermelinda Freitas conta uma história – uma história de dedicação, amor e respeito pela natureza. Leonor Freitas é, sem dúvida, uma guardiã do legado vitivinícola português, mas mais do que isso, é uma inspiração para todos os que acreditam que o sucesso deve ser construído com integridade, visão e uma profunda ligação às suas raízes. A sua forma de ser, o seu inconformismo, a sua tenacidade e resiliência só tem reflexo grandioso nos atos de desbravar e defender as suas convicções ao estilo da “Maria da Fonte”. Guerreira e Mulher de família preocupa-se com o desenvolvimento da Terra que a viu nascer criando bases para que a Casa Ermelinda Freitas cumprisse o dever de construir um futuro melhor para as suas “gentes”.

Leonor Freitas, é uma verdadeira embaixadora dos valores humanos e culturais que definem o espírito português. Com cada passo que dá, molda um futuro onde a tradição e a inovação caminham lado a lado, sempre com o coração na sua terra e nas suas gentes. As minhas palavras sentidas em formato de homenagem, com um copo de vinho erguido brindando a uma das Mulheres cuja história e forma de ser e estar mais me impressionou. E se o caro leitor tiver a sorte de a encontrar na sua visita não perca a oportunidade de lhe falar.

O enoturismo… memórias e afetos

É neste quadro de cultura vínica e de história de uma família que nasce o Enoturismo da Casa Ermelinda Freitas. A visita começa na vinha pedagógica, onde a história passada se entrelaça com o presente. Ali, somos confrontados, de forma agradável, com as memórias da casa e da família com realce para as cinco gerações de mulheres que sustentam uma tradição centenária, e cultivaram não apenas uvas, mas uma paixão atemporal pelo vinho. A região vitivinícola revela-se pela voz profissional de quem nos recebe, criando imagens imaginárias das vinhas, com as suas castas autênticas, cada uma delas guardiã de um terroir único. É nesse solo fértil que a Casa Ermelinda Freitas construiu a sua herança, espalhando-se por hectares de pura dedicação à arte do vinho.

Seguimos então para o centro de vinificação, espaço onde a tradição se funde com a inovação. A primeira paragem é na Sala de Ouro, onde os prémios conquistados ao longo dos anos reluzem como testemunhos de excelência. Passamos pelo espaço de vinificação, um templo de transformação onde o néctar das uvas se transforma em poesia líquida, através de um processo meticuloso e cheio de sabedoria ancestral. A caminhada segue até o engarrafamento, momento de selar o trabalho árduo, e passamos pela Cave Secundária, onde o silêncio das barricas parece ecoar os segredos do vinho.

A visita aprofunda-se ainda mais no Espaço de Memórias e Afetos, onde cada imagem, cada texto, nos imerge num mundo de jardins proibidos que a família, graciosa e simpaticamente partilha com quem tem o privilégio de visitar a Ermelinda Freitas. Em cada rótulo, cada vinho, carrega consigo uma história única. Chegados à cave principal confirmamos a grandiosidade deste produtor. Aí dormem os vinhos que perpetuam o sabor, e as barricas que guardam o envelhecimento dos melhores néctares. O processo, com suas quantidades e precisões, é explicado com paixão e orgulho de pertença. A visita termina com uma vontade enorme de impregnar o nosso corpo e a nossa alma com uma prova comentada de vinhos, onde cada gole é uma viagem sensorial, uma imersão nas memórias, nos afetos e nas raízes que tornam aquele vinho um verdadeiro legado.

Visitar a Casa Ermelinda Freitas é mergulhar num oceano de aromas e sabores, onde cada taça conta a história de vinhas banhadas pelo sol, abraçadas pelo tempo. É sentir o calor da tradição em cada canto, ouvir o sussurro das videiras ao vento e brindar à vida com o néctar que dança entre o passado e o presente. É um passeio pela alma de quem transforma uvas em poesia, e momentos em memórias imortais. É caminhar por entre barris que guardam segredos líquidos, enquanto cada gole revela uma ode à terra, ao amor e à arte de bem viver. Portugal no seu melhor.

Caderno de visita

COMODIDADES

– Línguas faladas: inglês, francês, espanhol

– Loja de vinhos

– Varanda para 20 pessoas

– Sala de eventos para 350 pessoas

– Sala de Reuniões

– Diferentes atividades e refeições (sob consulta)

– Sopa “caramela” (sob consulta)

– Parque para automóveis ligeiros e para três autocarros

– Posto de carregamento de carros elétricos

– Provas comentadas (ver programas);

– Wifi gratuito disponível

– Visita às vinhas

– Visita à adega

EVENTOS

Eventos corporativos (sob consulta)

Atividades de team building (sob consulta)

PROGRAMAS

Visita com prova standard

Prova de cinco vinhos acompanhada por apontamento de produtos regionais.

Duração: 1h30

Preço: 10€ por pessoa

Visita com prova de três regiões

Prova de quatro vinhos das três regiões onde a casa produz, Minho, Douro e Península de Setúbal, e de azeite extra-virgem do Douro, acompanhada por produtos regionais.

Duração: 1h30

Preço: 10 € por pessoa

Visita com prova de monovarietais

Prova comentada de cinco vinhos monovarietais, acompanhada de produtos regionais.

Duração: 1h30

Preço: 15 € por pessoa

Visita com prova premium

Prova de brancos tintos e moscatéis topo de gama da casa acompanhada de produtos regionais e de azeite extra-virgem.

Mínimo de quatro pessoas.

Duração: 1h30

Preço: 25 € por pessoa

CONTACTOS

Casa Ermelinda de Freitas

Rua Manuel João de Freitas, Fernando Pó

2965-595 Águas de Moura

Site: www.ermelindafreitas.pt

Email reservas: enoturismo@ermelindafreitas.pt

Email geral: geral@ermelindafreitas.pt

Tel.:  (+351) 915 290 729 / 265 988 000

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

QUINTA DOS CASTELARES: O sonho concretizado de Manuel Caldeira

Quinta dos Castelares

Freixo de Espada à Cinta fica no distrito de Bragança. Mas em termos do mapa vínico nacional, pertence à sub-região do Douro Superior. Possui uma área aproximada de 245 km2, sendo limitada, a Norte, pelo concelho de Mogadouro, a Sul pelo concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, a Oeste pelo concelho de Torre de Moncorvo […]

Freixo de Espada à Cinta fica no distrito de Bragança. Mas em termos do mapa vínico nacional, pertence à sub-região do Douro Superior. Possui uma área aproximada de 245 km2, sendo limitada, a Norte, pelo concelho de Mogadouro, a Sul pelo concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, a Oeste pelo concelho de Torre de Moncorvo e a Este pela vizinha Espanha (Província de Salamanca). O rio Douro passa a cerca de 4 km da vila, demarcando, neste concelho, a fronteira entre Portugal e Espanha.
Há diversas explicações para o curioso nome desta vila. Uns dizem que teve origem no nome de um fidalgo godo “Espadacinta”, outros no brasão de um fidalgo leonês que tinha um freixo e uma espada ou, ainda, na lenda que diz que D. Dinis, rei de Portugal, quando fundou a localidade no séc. XIV, amarrou a sua espada a um freixo, antes de se encostar à árvore a descansar. Essa árvore, de grande porte, está há mais 500 anos no largo principal da vila e merece observação atenta.

Para além das amendoeiras em flor que levam muitos visitantes à vila, sobretudo na Primavera, para assistir a tal beleza da terra, há que explorar os diversos miradouros que atestam uma paisagem natural avassaladora. Freixo é também uma vila Manuelina, pintada de monumentos e casas com traços arquitetónicos desse tempo. Na vila pode ainda visitar a Casa Natal de Guerra Junqueiro, onde nasceu o poeta, político e jornalista português, situada na Rua das Flores e onde está a coleção de livros e as pautas da sua Marcha do Ódio. Pode ainda ser visitada a casa da sua família, onde está uma mostra de objetos agrícolas, roupa, utensílios de cozinha, de modo a exemplificar como vivia uma família abastada no século XIX.

O patriarca Manuel Caldeira

É neste contexto histórico, envolvido no Douro Superior, que se materializa o sonho de Manuel Caldeira. Homem da terra, nascido e criado em Freixo, desde muito cedo iniciou a sua vida na agricultura, tendo mais tarde enveredado pela construção civil. Em 2010 lança o desafio ao seu genro, Pedro Martins, de criar uma marca de vinhos própria.

“O Sr. Caldeira começou na agricultura com o pai, que era feitor de algumas quintas aqui. Criou a empresa dele, a sua atividade principal, mantendo sempre o foco na agricultura, e foi adquirindo mais terras, plantando vinhas e diversificando. Em 2010, nós tínhamos cerca de 600 ovelhas, éramos o maior produtor de leite da região e somos dos maiores produtores de amêndoa e azeitona de Freixo de Espada-à-Cinta. Ao todo, neste momento as propriedades com floresta e tudo, rondarão os 600 hectares de terra”, salienta, com entusiasmo, Pedro. Aceite o desafio feito pelo sogro, começa a desenhar as bases de um projeto que avança hoje para os 15 anos de idade, com crescimento sustentado e qualidade reconhecida no mercado. Assim nascia o projeto Quinta dos Castelares.

“Freixo de Espada à Cinta é conhecida pela arquitetura manuelina e tem uma igreja com uma porta fabulosa, que foi a inspiração do rótulo da Quinta dos Castelares. O rio Douro, na região demarcada, começa em Freixo, pelo que também tem destaque no rótulo, bem como a faixa castanha de terra como alusão a Espanha. Esfera Armilar porquê? Não somos família brasonada, mas ela é um símbolo dos Descobrimentos, em que nós portugueses conquistámos o mundo e eu usei esse símbolo, porque também quero conquistar o mundo através dos vinhos”, explica Pedro.

Quinta dos Castelares

Atualmente, este projeto familiar explora cerca de 145 hectares de vinha, distribuídos por três quintas

 Um projeto familiar

Atualmente, este projeto familiar explora cerca de 145 hectares de vinha, distribuídos por três quintas: A dos Castelares, com cerca de 100 hectares; a da Congida, que fica junto à praia do rio fluvial, na parte de cima da barragem de Saucelle, com 10 hectares; enquanto que na parte de baixo da barragem se situa a Quinta da Fronteira, com cerca de 42 hectares, que estava na posse da Companhia das Quintas e foi adquirida em 2017. Lá são produzidos tintos e Vinho do Porto.

“Com a estratégia que implementamos quando, em 2011, começámos com cerca de 70 hectares, números redondos, fomos crescendo ao ponto que chegámos, hoje, aos cerca de 145 ha, porque havia solicitações de mercado para mais vinho e mais segmentos”, conta Pedro Martins. “Em vez de entrarmos na aquisição de uvas, que não sabemos a qualidade que têm, decidimos optar por expandir e ter a certeza de controlar a qualidade da matéria-prima”, explica. E com a aquisição em particular da Quinta da Fronteira foi possível a empresa crescer na produção de vinho do Porto. Hoje tem cerca de 300 pipas de benefício, das quais vende parte a granel.

Se Manuel Caldeira é o eterno visionário, Pedro Martins é o homem que atualmente dirige todas as fases da empresa, incluindo a enologia. A admiração do primeiro pelo genro é inegável e a sua paixão pela terra, pelas vinhas e pelos vinhos que ajudou a construir e o projeto que viu crescer sob a sua alçada, transparece no brilho dos seus olhos e deve ser justamente destacada.

São cerca de 500 mil garrafas produzidas anualmente a partir de vinhas que se situam entre os 700 metros de altitude, na Quinta dos Castelares, e os 450 metros de altitude, na Quinta da Fronteira, permitindo assim criar vinhos de perfis distintos. O mercado nacional representa cerca de 60% das vendas, sendo os restantes 40% para exportação. A adega é moderna, ampla e contempla barricas de carvalho francês, húngaro e americano, utilizadas no loteamento dos vinhos. Toda a produção é certificada em modo biológico, o que também diferencia este projeto. Em termos de encepamentos, destacam-se, nas castas tintas, a Touriga Nacional (30% do total plantado), Tinta Roriz, Bastardo, Tinta Francisca, Touriga Franca, Alicante Bouschet e Pinot Noir, enquanto nas castas brancas podemos encontrar Códega de Larinho, Gouveio, Viosinho, Alvarinho, Rabigato, Moscatel e Chardonnay.

Quinta dos Castelares

O caráter do Douro Superior

O portfolio é bastante alargado, com diversas referências distribuídas pelas marcas Quinta dos Castelares e Fronteira, havendo também espaço para vinhos especiais como o espumante 100% de Códega de Larinho (provavelmente o único no mercado desta casta) e outras referências que são já icónicas como o Quinta dos Castelares Sublime, expressão muito particular de um 100% Touriga Nacional, ou o Bicho da Seda, o topo de gama da casa, que apenas sai em anos excecionais e resulta do melhor das vinhas velhas da propriedade.

“A diversidade de barricas permite-nos engarrafar uma nova referência se identificarmos algo especial, mas o segredo está na vinha e nas uvas que possuímos”, diz Pedro Martins. O vinho Bicho da Seda, por exemplo, provém da Vinha do Almirante, um field blend com mais de 60 anos, localizado em altitude.
O objetivo é manter a qualidade e continuar o legado de Manuel Caldeira. É inegável a sua importância e presença mesmo quando está longe, bem como o carinho que todos nutrem por ele, em particular Pedro. “Em 2017 decidi fazer um grande branco ao estilo Borgonha em sua homenagem, um branco gordo mas muito prazeroso”, conta. Mais tarde fez o tinto, que teve origem nas uvas que Manuel Caldeira considera as melhores dos talhões. “Sem ele saber, peguei nessas uvas e criei o Manuel Caldeira tinto”, revela o genro. Ambos, que foram um sucesso comercial, representam muito para a marca e perpetuam para sempre a memória do sogro.

Após a visita às vinhas, às quintas e à adega foi tempo de provar várias referências do extenso portfolio da casa, das quais daremos respetiva nota de prova. A sala de provas é lindíssima, com uma vista fabulosa para as vinhas da Quinta dos Castelares protegidas pela Serra de Poiares. Para fim de festa, fomos testar alguns dos topos da casa à mesa no restaurante Cinta D’Ouro. São vinhos concentrados, eminentemente gastronómicos, expressão do Douro Superior, que brilharam à mesa com o menu preparado pelo Chef Diego Ledesma, com destaque para a salada de perdiz, o bacalhau e uma maravilhosa e suculenta costeleta de carne maturada de comer e chorar por mais. De visita obrigatória!

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Março de 2025)