Quinta do Piloto inaugura alojamento

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A Quinta do Piloto, em Palmela, acaba de alargar a sua oferta enoturística com a inauguração de um alojamento local na casa da propriedade. Com capacidade para acomodar até cinco pessoas, a habitação está inserida numa antiga adega, com vista panorâmica sobre o Parque Natural da Arrábida, de um lado, e Lisboa e Vale do […]

A Quinta do Piloto, em Palmela, acaba de alargar a sua oferta enoturística com a inauguração de um alojamento local na casa da propriedade. Com capacidade para acomodar até cinco pessoas, a habitação está inserida numa antiga adega, com vista panorâmica sobre o Parque Natural da Arrábida, de um lado, e Lisboa e Vale do Tejo, do outro.
O espaço sugere o reencontro com a tradição vinícola, ideal para encontros com a família ou amigos. Com valores entre os 190 e os 200 euros, a casa acomoda até 5 hospedes distribuídos por três quartos (dois com cama de casal e um com cama individual). Inaugurado em 2015, o enoturismo da Quinta do Piloto oferece um vasto conjunto de programas, que incluem diversas provas de vinhos, visitas guiadas à quinta e uma série de actividades e eventos que decorrem ao longo do ano.

Red Frog, em Lisboa, é um dos 100 melhores bares do mundo

Red Frog bar, Lisboa

Pela primeira vez na história da lista “The World’s 50 Best Bars” há um bar português entre os melhores do mundo: o Red Frog, junto à Avenida da Liberdade, em Lisboa, aparece na 92ª posição na segunda metade da tabela, que divulga os classificados entre os lugares 51 e 100. Os melhores 50 serão anunciados […]

Pela primeira vez na história da lista “The World’s 50 Best Bars” há um bar português entre os melhores do mundo: o Red Frog, junto à Avenida da Liberdade, em Lisboa, aparece na 92ª posição na segunda metade da tabela, que divulga os classificados entre os lugares 51 e 100. Os melhores 50 serão anunciados no dia 5 de Outubro.
Para Emanuel Minez e Paulo Gomes, os proprietários do Red Frog, esta boa notícia não significa missão cumprida: “Abrimos o Red Frog com o objectivo de fazer o melhor bar em Portugal. Viajamos regularmente pelo mundo inteiro para percebermos todo o tipo de conceitos e tendências que existem lá fora, de modo a realizarmos um trabalho único a nível nacional. Estamos muito satisfeitos por entrar nesta lista, sendo que estamos a trabalhar diariamente para melhorar a nossa posição no ranking.”
O Red Frog é um bar fiel ao conceito “speakeasy”, nome dado aos estabelecimentos que vendiam álcool ilegalmente nos EUA durante os anos 20, quando vigorava a Lei Seca. Não há porta aberta para a rua (é preciso tocar à campainha) e toda a decoração remete para a época em que só se podia beber às escondidas. Fica na Rua do Salitre, 5A, e está aberto todos os dias menos ao domingo, a partir das 18h.

Uma voltinha pelo Dão

O calor começa a apertar e a frescura do Dão torna-se ainda mais apelativa. Num breve périplo por Nelas, Tondela e Mangualde, visitámos três destinos de enoturismo e perdemos o olhar por paisagens tingidas de verde. Boa cama, boa mesa, belos vinhos. E a sensação de que as coisas estão a mexer na região.   […]

O calor começa a apertar e a frescura do Dão torna-se ainda mais apelativa. Num breve périplo por Nelas, Tondela e Mangualde, visitámos três destinos de enoturismo e perdemos o olhar por paisagens tingidas de verde. Boa cama, boa mesa, belos vinhos. E a sensação de que as coisas estão a mexer na região.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

PARA quem não está familiarizado com a região ou não liga muito a essas coisas, o enorme mapa em relevo colocado na parede da recepção das no­vas instalações da Lusovini, em Nelas, é uma aju­da preciosa. Representa a região do Dão e nele são bem evidentes os vales cavados dos três rios (Dão, Mondego e Alva) que correm por estas terras, todos alinhados num eixo Nordeste/Sudoeste. Mas também salta à vista a ver­dadeira cerca de montanhas que rodeia estas paragens de planalto: Nave, Pereiro, Estrela, Açor, Lousã, Buçaco e Caramulo, listadas no sentido dos ponteiros do relógio começando pelo Norte. Protegidos por esta fortaleza de pedra e água, há muitos segredos por descobrir.

O isolamento do interior é, como tudo, uma moeda de duas faces. Se, por um lado, garante autenticidade e ca­rácter, por outro, traz consigo alheamento e imobilismo. Os vinhos do Dão e os seus agentes enfrentam a tarefa, sempre dura, de combater a segunda metade da equação sem hipotecarem a primeira, que é uma mais-valia pre­ciosa nestes tempos de perigosa normalização. Durante muito tempo identificada como a região por excelência para fazer vinhos tranquilos de grande qualidade, o Dão deixou-se atrasar quando o vinho português começou a acelerar na sua era moderna. Mas reagiu, reorganizou fi­leiras e está a dar passos seguros no sentido de recuperar e reforçar o seu prestígio.

Quando um vinho do Dão (o Villa Oliveira Touriga Nacio­nal 2011, da Casa da Passarella) conquista o título de me­lhor vinho português no concurso anual da ViniPortugal, a região enche o peito de orgulho. Tanto mais que a região conquistou ainda outro prémio, o de melhor blend bran­co (Quinta dos Carvalhais Reserva 2012), tornando-se a única a subir por duas vezes a um pódio que só tem seis vagas… A qualidade continua lá e as consistentes apostas de mercado de alguns dos seus maiores operadores re­forçam essa certeza. O Dão está a ganhar balanço.

A vertente turística tem a sua quota-parte nesta evolução. Ainda há muito para fazer, sim, e os sinais de melhoria continuam a conviver com realidades mais arcaicas; mas os sinais são positivos e, na sequência do lançamento da Rota dos Vinhos do Dão, em 2015, a região assumiu a aposta no enoturismo como um factor de valorização. A rota, com várias dezenas de produtores, está dividida em cinco roteiros, mas as distâncias são curtas (estamos no interior de uma fortaleza, lembram-se?) e os acessos bastante razoáveis, pelo que não é difícil compor a nossa própria “expedição”. Foi o que fizemos, alinhavando um périplo por terras de Nelas, Tondela e Mangualde.

Lusovini, Nelas
Para quem entra em Nelas vindo de Viseu (e já depois de passar por Santar, um dos nomes mais icónicos da vitivini­cultura portuguesa), há uma novidade do lado direito da estrada. Onde antes encontrávamos a silhueta caduca do complexo da antiga adega cooperativa, vemos agora um edifício de linhas clássicas mas recuperado com porme­nores modernos. E vemos também os cartazes que nos convidam a entrar para nos sentarmos à mesa. O convite é irresistível e a Tasca da Adega merece bem a visita.

Mas antes de brandirmos o garfo e enchermos o copo, vamos conhecer melhor o trabalho que foi feito pela Lu­sovini na recuperação destas vetustas instalações, ago­ra transformadas num moderno centro de recepção de visitantes. Inaugurado em Setembro de 2016, o espaço abre-se em tons leves, chão em padrão de cortiça, móveis de pinho claro, uma barrica transformada em gigantesco balde de gelo – e onde, realçadas pela luz azul de fun­do, repousam as garrafas de espumante para a bebida de cortesia que é servida a todos os visitantes. Com mais de 30 graus lá fora, isto soa a paraíso.

Do lado direito da recepção, num edifício moderno, es­tão a loja (que se prolonga numa pequena esplanada ex­terior) e o restaurante; do lado esquerdo, a antiga adega. É por lá que começa a visita, depois de passarmos sob um pórtico que nos saúda em 11 línguas diferentes – e se algum dos quase 3.000 visitantes mensais não perceber o que está escrito, há sempre a linguagem universal de um sorriso. O primeiro espaço da visita (que é gratuita se não incluir prova de vinhos) exibe painéis de azulejo alusivos à faina do vinho e da vinha e daí uma porta conduz-nos à adega, com pipas de madeira, depósitos de cimento, salas com garrafas de espumante e uma divisão onde se podem organizar provas à sombra de velhos alambiques.

No andar superior podemos caminhar por cima das enor­mes cubas de cimento e debaixo de outras, novamente barricas em fundo e sempre, sempre, um ambiente de limpeza impecável, ainda mais notável quando falamos de um edifício antigo, que teve de ser milimetricamente recuperado e higienizado. É um local de trabalho – e para os visitantes tem esse apelo extra: o de mergulhar verda­deiramente numa adega e na sua vida quotidiana.

Regressamos ao restaurante e sentamo-nos para uma re­feição cuidada e informal. Servem-se apenas os vinhos da casa (ao preço da loja, com alteração do IVA), mas se alguém trouxer uma garrafa de fora também não há problema. Executivos de fato e gravata ou turistas de cal­ções e chinelos, todos se sentem à vontade neste espaço, explorado em parceria com a equipa do grupo Dux. O nome “Tasca da Adega” foi escolhido exactamente para dar o tom desta abertura de conceito: refeições ou petis­co, aqui toda a gente tem lugar.

Morada: Avenida da Liberdade, nº15, Areal, 3520-061 Nelas
Tel: 232 942 153 / 936 830 020
(Taberna da Adega: 919 001 166)
Mail: lusovini@lusovini.com; enoturismo@lusovini.com; tabernadaadega@lusovini.com
www.lusovini.com
GPS: 40°32’10.7 N; 7°51’17.7 W
A visita simples à adega (com bebida de cortesia – espumante) é gratuita; com prova de dois vinhos fica em três euros por pessoa, subindo para 5€ com mais um Vinho do Porto e para 7,50€ com petisco. Estas verbas são reembolsáveis em compras na loja (a partir de 30, 50 e 75 euros, respectivamente). Solicita-se marcação antecipada para grupos com mais de 15 pessoas. A taberna da Adega senta 45 pessoas e serve almoços e jantares todos os dias (jantares ao domingo apenas para grupos sob reserva). Durante a semana existe um menu executivo por 9,90 euros e o menu à carta tem um preço médio de 25 euros por pessoa. Servem-se petiscos.

Quintas de Sirlyn, Tondela
Mas se na Lusovini o ambiente se pretende despreocu­pado e informal, não há nada como a atmosfera de uma quinta familiar para nos sentirmos parte do local onde nos encontramos. Alguns quilómetros de estradas mais ou menos sinuosas por entre casas, bosques, vinhas e hortas e aproximamo-nos de Tondela. Rumamos às Quintas de Sirlyn, um nome que evoca contos de fadas por entre as brumas irlandesas, mas que, pragmaticamente, represen­ta apenas a contracção dos nomes das duas propriedades unidas nesta unidade: a Quinta das Cerejeiras e a Quinta de Linhar.

São seis hectares, 4,5 dos quais plantados com vinha, e uma casa (mais um anexo) no ponto mais elevado da sua­ve encosta que se estende a partir do IP3. Ainda não fize­mos as apresentações e já somos saudados pelo Faneco, o gato da casa que mais parece um cão, pela imediata relação de proximidade que estabelece com os forastei­ros. Augusto Teixeira e a mulher, Rosário, perceberam há algum tempo que a saída dos filhos para estudarem fora (agora estão ambos em Londres) lhes oferecia espaço dis­ponível na casa e decidiram abrir portas a quem quiser pernoitar na propriedade.

O movimento ainda não é muito, até porque Tondela não é bem o epicentro do enoturismo na região, e o que falta­rá em aprimoramento das instalações é largamente com­pensado pelo carácter genuíno da experiência. Jantamos ao fresco, no pátio da casa com vista para as vinhas, uma brisa contínua a sacudir os calores do dia. Rosário vive aqui com os filhos desde 2002, o marido só em 2009 en­cerrou uma carreira que o obrigava a viajar com regulari­dade (aliás, a família chegou a residir dois anos em meio em Sydney, na Austrália) e assentou armas e bagagens na propriedade que herdou dos pais.

Augusto, que era engenheiro na Alcatel, não se limita a tratar da vinha e dos vinhos e a gerir uma garrafeira em Tondela. Plantou árvores, organizou a quinta, promove (com a mulher) activamente os seus vinhos. E mantém vivo o “bichinho” da robótica… Garante que dentro de um ano poderá estar em condições de apresentar uma máquina de controlo remoto capaz de fazer muito do tra­balho “chato” nas vinhas, como cortar as ervas por entre as videiras.

Enquanto falamos à volta de um copo de vinho, a passa­rada recolhe-se nos arbustos que sombreiam a pequena piscina e a noite impõe a sua lei fresca e silenciosa. O olhar perde-se nas silhuetas das casas, bosques e vinhas – esta noite, os vestígios de fumo não permitem vislum­brar a horizonte de serranias que enquadra estes retalhos de Dão. Após uma noite tranquila no quarto simples mas bem arranjado, acordamos para a manhã nublada e faze­mo-nos novamente à estrada.

Morada: Avenida da Belavista, Santa Ovaia de Cima, 3460-020 Tondela
Tel: 965 130 695 / 232 848 176
Mail: geral@sirlyn.com
Web: www.sirlyn.com
GPS: 40,5501944; -8,056
A visita às vinhas com prova de um vinho custa 2,5€ por pessoa, subindo para 5€ com dois vinhos. Requer-se marcação prévia, para assegurar disponibilidade da família para receber. Pode-se pernoitar num quarto duplo (60 euros) ou numa suíte com dois quartos (80€), preços que, em qualquer dos casos englobam pequeno-almoço e prova de um vinho.

Centro Interpretativo da Vinha e do Vinho, Mangualde
Este lote de experiências de Dão vai completar-se com uma visita ao Centro Interpretativo da Vinha e do Vinho, encaixado nas instalações da Adega Cooperativa de Mangualde, um projecto que custou 100 mil euros (finan­ciado pelo Proder, o Programa de Desenvolvimento Rural) e foi inaugurado em 2015. Para quem não está muito por dentro deste mundo fascinante, o conselho é mesmo que se passe por aqui antes de entrar no circuito das quintas.

Uma parte das caves da adega, cuja gigantesca capaci­dade de armazenamento (7 milhões de litros) se distri­bui pelo edifício principal e por depósitos exteriores (uns antigos, de cimento, outros modernos, em inox), foi re­convertida para proporcionar um circuito didáctico que, numa linguagem extremamente acessível e directa, nos conduz pelo “bê-á-bá” da vitivinicultura.

Os visitantes, que entram por um salão onde se organizam encontros e conferências, são conduzidos pelos corredo­res da cave, por entre depósitos de cimento e vetustas paredes com mais de meio século, por onde circulam, quando é caso disso, os trabalhadores que se ocupam das tarefas normais de uma adega. Nas paredes, vários quadros temáticos abordam temas como o “Ciclo Vegeta­tivo da Vinha”, “Viticultura ou Cultivo da Vinha”, “Castas da Região”, “Doenças da Vinha”, “Vinificação de Vinhos Tintos”, “Vinificação de Brancos e Rosés” e por aí fora.

Escritos e ilustrados num estilo extremamente eficaz e linear (“Trabalhamos muito com o parque escolar da re­gião”, explica o presidente da Adega Cooperativa, An­tónio Mendes), os quadros são a introdução perfeita ao mundo dos vinhos para não iniciados. E o último, inti­tulado “A Prova”, pode mesmo servir de guia a quem acha que já sabe tudo, porque nos guia pela “Roda dos Aromas”, “Terminologia da Prova” e “Palete de Tonali­dades”…

De quadro em quadro, passamos por um corredor históri­co com fotos dos anos 40, decorado com uma linha de vi­deiras; apreciamos a antiga destilaria, com os alambiques e a caldeira; respiramos o peso dos grandes depósitos de cimento (25.000 litros), neste andar e no superior; viaja­mos no tempo levados pelas alfaias de outrora. À saída, encontramos a loja, espaçosa e de ambiente rústico, cuja localização – bem à beira da estrada N234, que liga Man­gualde a Nelas – garante um fluxo constante de clientes habituais, visitantes organizados e passantes ocasionais.

Apesar de ter perdido algum movimento desde que as entradas passaram a ser pagas, o Centro Interpretativo da Vinha e do Vinho recebe, ainda assim, mais de um milhar de visitas anuais. E merece ter muitas mais.

Adega Cooperativa de Mangualde
Morada: Zona Industrial do Salgueiro, 3530-259 Mangualde
Tel: 232 623 845 / 964 768 754
Mail: enoturismo@acmang.com
Web: www.acmang.com/enoturismo
GPS: 40°36’10.0”N; 7°47’17.0”W
Existem cinco programas definidos de visita, com preços que vão dos dois aos nove euros por visitante (mínimo: 9 pessoas), sempre com oferta de uma garrafa de vinho ou brinde; e também a possibilidade de desenhar um programa à medida, mediante consulta prévia. É possível fazer as reservas on-line. Só o programa mais simples não carece de marcação antecipada – há visitas às 10h15, 11h30, 15h e 16h30 de segunda a sexta-feira. A loja está aberta aos dias de semana das 8h30 às 12h30 e das 14h30 às 17h, aos sábados das 9h às 13h.

Bacalhôa: Um universo de arte e vinho

E paixão, acrescente-se. A Bacalhôa Vinhos de Portugal é a maior empresa de enoturismo em Portugal. Cinco destinos em quatro pólos diferentes, mas sempre com uma filosofia comum – fazer a ponte entre os vinhos e a arte. Modernidade e património histórico, num universo que nos leva pelo mundo ao sabor dos néctares de Portugal. […]

E paixão, acrescente-se. A Bacalhôa Vinhos de Portugal é a maior empresa de enoturismo em Portugal. Cinco destinos em quatro pólos diferentes, mas sempre com uma filosofia comum – fazer a ponte entre os vinhos e a arte. Modernidade e património histórico, num universo que nos leva pelo mundo ao sabor dos néctares de Portugal. E tudo isto a preços muito simpáticos. Imperdível.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

QUANDO foi publicamente divulgado, no ano passado, que as caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia, tinham recebido mais de um milhão de visitantes em 2015, até os mais distraídos nestas coisas do enoturismo começaram a per­ceber a dimensão que o fenómeno já tem em Portugal. A verdadeira explosão de popularidade do país, em geral, e das cidades de Lisboa e Porto, em particular, nos roteiros turísticos, aliada à crescente notoriedade dos vinhos por­tugueses, alimenta esta indústria e abre perspectivas para um futuro ainda mais ambicioso. Mas se calhar há muito boa gente que não sabe o nome da empresa que mais aposta – e factura – neste terreno. Chama-se Bacalhôa Vi­nhos de Portugal e só à sua conta registou perto de meio milhão de visitantes em 2016.

O crescimento de 27 por cento no número de enoturis­tas de 2015 para 2016 é um número impressionante. Mas está longe de ser o único desta empresa que está presen­te em sete regiões vitícolas portuguesas, com 40 quintas, 1200 hectares de vinha própria, 40 castas diferentes, qua­tro centros vínicos e outros tantos núcleos de enoturismo (ou cinco, mas lá iremos), largas dezenas de referências no mercado e muitos milhões de garrafas produzidas anualmente. Mas os números são só a face mais visível do mundo Bacalhôa. Porque o lema da empresa – “Arte, Vi­nho, Paixão” – resume muito do que é o enoturismo hoje: um cruzamento de experiências e propostas que colocam o sector no cerne da sedução portuguesa.

A Bacalhôa é um gigante do enoturismo (ou do turismo, pura e simplesmente) nacional, mas continua a crescer e a enriquecer a sua oferta. A apresentação recente da nova “face” do Palácio da Bacalhôa, em Azeitão; a constante renovação das colecções artísticas e das propostas vínicas da empresa; a aposta que está a ser preparada nas insta­lações da Quinta do Carmo, em Estremoz. Tudo sinais de que ainda vamos ouvir falar muito desta empresa no que ao enoturismo diz respeito.

A “fúria” coleccionista de Joe Berardo, o homem forte da Bacalhôa, a sua constante preocupação com o detalhe e a vontade de fazer sempre mais e diferente permitem à empresa apresentar propostas interessantes e inovado­ras. Um museu instalado numas caves de espumante em plena laboração. Um jardim oriental com uma loja de quali­dade. Um palácio monumento nacional com vinhas dentro de portas. Sobreiros e instalações artísticas em mármore no coração do Alentejo. Uma sede de empresa em que os escritórios e as estufas de Moscatel dividem o espaço com exposições de arte. Adegas, salas de provas, espaços para eventos e vinhas belíssimas em diversos pontos do país. A Bacalhôa tem muito – e bom – para oferecer. Embarque­mos então numa viagem por este universo enoturístico.

Aliança Underground Museu
O pólo mais a norte deste roteiro é um espaço verdadei­ramente surpreendente. Para começar, porque está estru­turado como se de uma rede de Metro se tratasse, com túneis e “estações”; depois porque concilia num espaço mágico e sedutor a arte e a geologia, o vinho e a etnogra­fia, a azulejaria e a paleontologia; e, finalmente, porque consegue oferecer uma experiência intimista num local onde se trabalha. Por vezes à luz de castiçais recuperados de um hotel de luxo desactivado na Linha do Estoril, é certo, mas sempre um local de trabalho.

Quem olha de fora para o edifício das Caves Aliança, em Sangalhos, não imagina o que o espera no subsolo. Ac­tualmente, há nove colecções distintas que nos transpor­tam ao longo da história do planeta. Dos vetustos fósseis de trilobites, os artrópodes marinhos que dominavam a vida na Terra há mais de 500 milhões de anos, às escul­turas contemporâneas do Zimbabwe. Das pedras semi­-preciosas e outras amostras minerais de beleza cativante aos azulejos, aqui representados por obras cujo horizonte temporal se estende por cinco séculos. Da sedutora arte africana aos vestígios arqueológicos. Obras em estanho. Cerâmica das Caldas.

Mas também vinho. E aguardentes – estas repousam no lo­cal mais fundo das caves, uma enorme nave onde se empi­lham centenas de barricas, num cenário de Indiana Jones. Os vinhos, esses espreitam por todo o lado. Em pilhas nos corredores (como no chamado túnel do espumante), nas pipas que ocupam uma boa parte do espaço da Estação Central, na sala de provas e na loja, à saída. E tudo isto pontuado por recantos intimistas (salas pequenas onde se podem organizar reuniões ou jantares), cenários inespera­dos (como o Pink Room, onde já se celebraram casamentos sob a luz filtrada por cristais cor-de-rosa), grandes espaços (com capacidade para sentar algumas dezenas de pessoas, várias dezenas ou até centenas) e, sempre, muitos porme­nores de decoração verdadeiramente surpreendentes.

Pela (necessariamente sumária) descrição facilmente sepercebe que a visita ao Aliança Underground Museu, apresentado como o único museu subterrâneo português, não deixa ninguém indiferente. Uma equipa de acolhi­mento motivada e conhecedora enquadra a experiência e ja se tornou piada da casa apostar quantas pessoas se mostrarão surpreendidas no final quando lhes comunicam a distância percorrida ao longo das galerias…

À saída aparece sempre um espumante a jeito para brin­dar (há provas mais alargadas no menu) e, com a loja mes­mo ao lado e alguns preços bem apetecíveis, é quase im­possível não levar para casa um bocadinho deste mundo de Alice no País das Maravilhas.

Bacalhôa Buddha Eden
Se os 70.000 visitantes anuais do Aliança Underground Museu são muito respeitáveis, o que dizer dos 300.000 que em 2016 rumaram ao Bacalhôa Buddha Eden, o maior jardim oriental da Europa? Instalado na Quinta dos Loridos, no Bombarral, foi criado em protesto contra a destruição dos Budas Gigantes de Bamyan, no Afega­nistão, arrasados pelo fanatismo religioso dos taliban. Começou a receber visitantes em 2005, foi crescendo e variando a sua paisagem e hoje é um complexo de mais de 35 hectares onde se conjugam paisagem e criações humanas numa atmosfera única.

A maciça cabeça da estátua do Buda gigante que encima uma das arborizadas colunas do complexo é visível desde longe e dá o mote para o que podemos esperar assim que franqueamos as portas de entrada. Dá o mote, mas não nos prepara para a espantosa variedade de per­pectivas e pormenores que nos enchem de imediato o horizonte visual. Mais de seis mil toneladas de mármore e granito foram utilizadas para dar corpo a uma multidão de esculturas espalhadas por entre a vegetação e à volta do lago central, onde pontuam um pagode e, por estes dias de Primavera, uma família alargada de gansos.

Mas há mais, muito mais. Uma falange de 600 soldados de terracota pintados à mão, emulando o exército des­coberto na província de Shaanxi, junto ao túmulo de Qin Shi Huang, o primeiro imperador da China. Esculturas em pedra do povo Shona, do Zimbabwe, retratam pessoas e animais numa moldura composta por um milhar de pal­meiras. Mais acima, um bosque de bambu pontuado por peças de arte moderna pertencentes à colecção Berardo (e que são regularmente substituídas, proporcionando sempre um olhar diferente a quem regressa ao local). Bu­das dourados em repouso junto à escadaria em mármore, peça central do complexo.

Enquanto as carpas asiáticas se bamboleiam pelas águas do lago, há toda uma vida que decorre nas colinas em redor – e ainda com mais intensidade numa zona de bos­que propositadamente deixada em estado quase natural. Os planos de água dão o toque de frescura tão necessá­rio nos meses de maior calor, as árvores formam sombras acolhedoras, o murmúrio das cascatas serve de fundo às vocalizações da passarada. De vez em quando, lá passa o pequeno comboio das visitas, o único veículo que circula no jardim.

Paz e tranquilidade. Mesmo com centenas de visitantes todos os dias, há sempre aqui um cantinho para cada um. Para meditar ou namorar, ler ou dormitar, respirar fundo e recarregar baterias. E se a passagem pelos painéis junto à vinha (onde se conta a história do vinho) lhe abriu o ape­tite, uma passagem pela moderna e muito bem organiza­da loja do grupo Bacalhôa permite resolver o problema. Opções não faltam.

A Quinta dos Loridos é, também, um sítio excelente para eventos. Há espaços que albergam desde 80 a 250 pes­soas e um extraordinário terreiro interior com relvado que permite organizar quase tudo, seja um arraial típico ou um espectáculo musical. Para carteiras mais fornecidas existe ainda a possibilidade de alugar o solar para passar uns dias entre os vinhos e a Natureza, com vista para o Oriente. Se não dispuser no momento de uns milhares de euros, fica o conselho: abra uma garrafa de vinho e sente­-se à sombra. A vida não tem de ser cara para valer a pena.

Quinta do Carmo
O Buddha Eden foi a primeira infra-estrutura turística do grupo Bacalhôa a abrir portas de forma estruturada e com entradas pagas. Encerrada a ronda a norte de Lisboa, ini­ciamos a voltinha sul com uma visita ao membro mais novo do grupo. Nos arredores de Estremoz, as vinhas à beira da estrada conduzem-nos o olhar para a esbelta silhueta branca da Quinta do Carmo, onde se situa o centro de vinificação do grupo para os vinhos alentejanos (3,5 milhões de garrafas por ano) e onde, em breve, uma bela surpresa aguardará os visitantes.

Aqui o enoturismo ainda é residual. Mas os enormes blo­cos de mármore (a pedra símbolo da região) que se em­pilham entre os sobreiros (outro ícone destas paragens) em breve poderão contar outra história. Estas torres desi­guais em pedra serão pintadas e decoradas (uma ou outra já exibe cores vibrantes) e funcionarão como elemento­-surpresa de um destino turístico bem mais “institucional” do que é regra no grupo Bacalhôa. Onde se lê “institu­cional”, não se leia, por favor, “desinteressante”. Longe disso. A Quinta do Carmo é um edifício senhorial muito bonito, com uma vista extraordinária para a serra d’Ossa (653 metros de altitude) e um enquadramento cuidado de jardins e espaços verdes. Mas é também uma enorme proriedade agrícola de quase mil hectares, 350 dos quais ocupados com montado e 150 com vinha.

A magia do silêncio (especialmente notável na ruína que se mira no espelho de água da represa e onde, comenta­-se à boca pequena, ficaria mesmo bem um restaurante…) está por todo o lado, neste Alentejo imenso e harmonio­so. Ao fundo da propriedade, a ribeira de Tera marca a di­visão entre as bacias hidrográficas do Tejo e do Guadiana. Sobreiros gigantescos esticam os braços em direcção ao céu, enquadrando lençóis de vinha – e já se faz vinho por estas paragens desde, pelo menos, os finais do século XIX.

A casa principal da quinta tem tudo para funcionar como complexo residencial – espaço, autenticidade, mobiliário e arquitectura, uma vista extraordinária – e existem planos para instalar aqui um conjunto de suítes. Mas a prioridade é mesmo terminar a decoração das instalações em pedra que prometem dar à Quinta do Carmo uma identidade única. Criada essa imagem de marca, e apostando no tra­balho nas redes sociais (área em que se sente particular­mente confortável), o grupo Bacalhôa apostará então na divulgação de um destino enoturístico que fica mesmo na rota dos espanhóis que apontam a Lisboa por estrada.

Ao ritmo das palavras e dos projectos, eis-nos já no in­terior da adega, onde se trabalha com meios modernos em grandes volumes, mas também se encontram quatro talhas reservadas a um exercício de microvinificação. Por­que, lá está, o vinho é uma arte e uma paixão.

Palácio e Sede da Bacalhôa
De Estremoz a Azeitão, a estrada é boa e a ligação faz-se bem a tempo de começar a pensar no almoço… que está prometido para o Palácio da Bacalhôa. Mas antes ainda há tempo para uma visita à sede do grupo, também ali às portas de Azeitão, na Quinta da Bassaqueira, onde 300 hectares de vinha (quase metade de Moscatel, uma das castas-bandeira da Península de Setúbal) rodeiam o edi­fício hexagonal que alberga os escritórios e a plataforma logística de expedição, mas também – e como não po­dia deixar de ser – exposições de arte e surpresas a cada passo.

Comecemos pelo exterior, onde oliveiras milenares vin­das do Alqueva nos saúdam e conduzem ao jardim japo­nês, espaço para obras de arte moderna e uma pequena árvore Kaki (um diospireiro), neta da única sobrevivente da bomba atómica lançada sobre Nagasaqui em 1945. O jardim, onde os inesperados ramos azuis de uma árvore artisticamente intervencionada (a “árvore do amor”) relu­zem por entre bambus, é de visita livre e conduz à sala de provas e à loja.

No interior do edifício, somos levados num circuito que passa sucessivamente por uma exposição de arte e etno­grafia africana (Out of Africa), uma homenagem à Rainha Ginga (a mesma do romance de José Eduardo Agualusa) onde encontramos cerca de 700 peças de 15 países; uma amostra da maior colecção privada de azulejos em Portu­gal (do século XVI até à actualidade); e o espaço What a Wonderful World, composto por mobiliário, decoração, esculturas e cerâmicas dos loucos anos 1920, uma festival de sentidos em Art Nouveau e Art Deco. Pelo meio, o vislumbre de uma das estufas de Moscatel, com centenas de barricas, e duas extravagantes portas indianas em ma­deira esculpida, separando as alas museológicas.

Azeitão constitui o quarto pólo turístico da Bacalhôa, mas este é um polo com dois epicentros: a sede e, ali a menos de dois quilómetros, o Palácio, monumento nacional. A constante e intensiva pesquisa levada a cabo pela equipa própria da empresa permitiu recuar em séculos a defini­ção das origens do edifício e a história da propriedade. Aqui encontram-se vestígios romanos, o primeiro azulejo datado em Portugal (na casa do lago, um retiro romântico sobre um espelho de água e contíguo ao jardim onde os buxos desenham arabescos de verde por entre muros seculares), vinhas e todo um ambiente de harmonia que nem vale a pena tentar descrever por palavras.

Recentemente remodelada e enriquecida, a visita ao Palácio permite ver e ouvir muito do que foi a história de Portugal nos últimos séculos (vários reis da dinastia de Avis foram proprietários do edifício e da quinta), mas também conhecer episódios mais ou menos pícaros da vida nos tempos da realeza, descobrir uma arquitectura moldada pelas influências trazidas das constantes viagens portuguesas pelo mundo e também apreciar obras de arte contemporânea.

É numa varanda panorâmica, pairando sobre séculos de história e histórias, que encerramos a viagem pelo universo turístico da Bacalhôa Vinhos. Mesmo sem contemplar ain­da a vertente alojamento, o grupo oferece um panorama variado e riquíssimo de propostas turísticas em cinco locais distintos, distribuídos por quatro regiões vinícolas. Mais do que apenas Portugal, é o mundo que se encontra aqui.

Preços muito acessíveis
Há poucos limites para o que se pode fazer e organizar nas instalações dos destinos enoturísticos da Bacalhôa Vinhos. Existe um leque vasto de opções, com preços sob consulta, e a multiplicidade de espaços disponíveis, bem como a abertura da equipa a novas ideias, são verdadeiros desafios à imaginação. Dos programas mais exclusivos às visitas mais simples, há sempre nestes cinco destinos uma resposta para todas bolsas, com preços muito acessíveis na base da pirâmide.

• Palácio da Bacalhôa (visita guiada): 4 euros
• Museu Sede (visita guiada + prova): 3 euros
• Palácio + Museu (visita guiada + prova): 6 euros
• Bacalhôa Buddha Eden (visita livre): 4 euros
• Bacalhôa Buddha Eden (bilhete do comboio): 3 euros
• Aliança Underground Museu (visita guiada + prova): 3 euros
• Quinta do Carmo (visita guiada + prova): 5 euros

Monção e Melgaço com barrica

Precisamente há três décadas, no limite-norte do país começavam ensaios de fermentação e estágio de Alvarinho em barricas, atualizando tradições vetustas. Meia década volvida e surgiu no mercado o Vinha Antiga, o primeiro vinho de Alvarinho de Monção e Melgaço com madeira. Outras marcas seguiram o exemplo e continuariam os ensaios na região (e fora […]

Precisamente há três décadas, no limite-norte do país começavam ensaios de fermentação e estágio de Alvarinho em barricas, atualizando tradições vetustas. Meia década volvida e surgiu no mercado o Vinha Antiga, o primeiro vinho de Alvarinho de Monção e Melgaço com madeira. Outras marcas seguiram o exemplo e continuariam os ensaios na região (e fora dela). Aperfeiçoaram-se as técnicas e novos produtores e vinhos trouxeram diferenças de perfil. Hoje há muito, e bom, por onde escolher!

 

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Ricardo Palma Veiga e Anabela Trindade

É com um brilho nos olhos que Anselmo Mendes me relata que faz exactamente este ano 30 primaveras que começou os primeiros ensaios de fermentação e estágio em barrica da sua uva predileta, o Alvarinho. Filho da re­gião dos Vinhos Verdes, bem lá no norte do país, na atual região de Monção e Melgaço, foi com naturalidade que escolheu as uvas da família para o efeito, bem como umas barricas de 225 litros compradas em França com o “parco ordenado da altura”, palavras do próprio.

Os primeiros resultados não foram totalmente consen­suais à época (diz-me que foram “aplaudidos por uns e rejeitados por muitos”). O facto de o Alvarinho já então beneficiar de fama de melhor casta branca do norte de Portugal não ajudava, pois, como se diz coloquialmente, em equipa que ganha não se mexe. Ou seja, não havia ne­cessidade de inovar. Vivia-se em plena década de 80 do século passado, o país crescia economicamente a olhos vistos, os Alvarinhos da região vendiam-se bem, e alguns eram até verdadeiros ícones nacionais. Acresce que os vi­nhos mais conhecidos e cobiçados da região – caso do Palácio da Brejoeira, o mais famoso na altura – não viam qualquer madeira durante a vinificação. Em suma, o Alva­rinho, tido na região como um vinho de cerimónia, e cuja uva tendeu sempre a ser mais valorizada do que as castas tintas, não carecia de ver ser alterada a fórmula do seu su­cesso, que passava pela vinificação em tanques de inox.

Antes, contudo, desses anos de ‘modernidade’, era co­mum a fermentação do Alvarinho (e de tantas outras cas­tas) em depósito e vasilhames de madeira, mas não nos moldes atuais, naturalmente. Como me descreve Joana Santiago, da Quinta de Santiago, a sua avó vinificava a casta em tonéis de madeira (acima dos 500 litros), de car­valho português ou até de cerejeira, inclusivamente com o arranque da fermentação com as películas. Por isso, aliás, o atual enólogo da propriedade da família – José Domingues – encontra-se a testar várias madeiras tradi­cionais, tudo para conseguir replicar os vinhos de outro tempo.

Mas voltemos a Anselmo Mendes, e aos seus ensaios… O experiente enólogo recorda-se dos seus primeiros vinhos com fermentação em barrica de carvalho, e da sensação aromática que proporcionavam e que apelida de “exu­berância baunílica” (o primeiro Vinha Antiga da Provam, em 1995, foi um caso paradigmático). Com o passar dos anos, e já em plena década de 90, Anselmo experimen­taria barricas de diferentes origens (um pouco de tudo, entre Tronçais, Allier de França, Carvalho Americano e até Carvalho Português), tendo identificado a madeira de Nevers (a norte de Allier) como aquela que menos afec­tava o carácter varietal do Alvarinho. Depois, seguiu-se o aperfeiçoamento da battonage – agitação das borras sobre o líquido dentro da barrica – e Anselmo compreen­deu que também neste capítulo muito haveria que apren­der. Com uma uva de bago pequeno, e que proporciona mostos com intensidade, muita battonage não significava necessariamente melhor vinho, apenas proporcionando um desnecessário maior volume e, muito pior, dificultava a medição de oxigénio. E surgiu ainda uma outra variável: saber se a agitação deveria ocorrer em borras finais ou totais, sendo que ainda hoje os produtores divergem; An­selmo prefere borras totais, enquanto vários enólogos da região contactados preferem as borras finas.

Ainda no que respeita às madeiras, um dos temas centrais é a dimensão da barrica. À partida, e se negligenciarmos os efeitos da tosta e do ano de uso, a dimensão é o fator que mais influencia a marca da madeira no vinho – por regra, quanto maior for a barrica, menos marcado pela madeira sai o vinho. Por isso, Anselmo Mendes pratica­mente abandonou as meias-pipas (225 litros) e fixou-se em barricas bem maiores, de 400 litros. Segundo o pró­prio, estas barricas, de preferência novas, mas com tosta muito ligeira, são perfeitas para a fermentação de Alva­rinho proveniente dos solos graníticos porfiroides e dos terraços fluviais com pedra rolada. Já as barricas de 1.º e 2.º ano devem ser dedicadas por inteiro ao Alvarinho dos solos franco-arenosos.

Sabia que…
Nos anos 90, Anselmo Mendes experimenta madeira de diferentes origens até encontrar a que menos afecta o carácter do Alvarinho

Diferentes estilos
Outro projeto que cedo compreendeu a mais-valia da fermentação em barrica foi o produtor Quinta de Soa­lheiro. Efetivamente, este relevante produtor – que, em 1974, plantou a primeira vinha contínua de Alvarinho e, em 1982, criou a primeira marca de Alvarinho de Melga­ço (precisamente Soalheiro), há mais de uma década que destina um pequeno lote dos seus melhores vinhos, de uvas criadas em método biológico, para fermentação em carvalho francês, numa mistura de barricas novas e usa­das. Esse vinho – Quinta de Soalheiro Reserva – sempre mereceu os maiores elogios da crítica, e soube mudar o seu perfil ao longo do tempo. Se em meados da primeira década do novo milénio o estilo inicial era ainda marca­do pela madeira (sempre de excelente qualidade), apesar das nuances minerais inesquecíveis, a verdade é que a partir da colheita de 2012 o perfil foi sendo depurado, tornando-se muito delicado e quase subtil, com a madei­ra apenas a contribuir para um ambiente de sofisticação.

Caminho diferente foi o seguido por Luís Seabra, enólogo com anos de experiência no Douro, e não só, e com pro­jetos dentro e fora de Portugal. Luís optou pela utilização de tonéis austríacos com significativa capacidade, com 1.000 e 2.000 litros. O enólogo e produtor quis, desde o primeiro momento, fazer algo de diferente com a casta, e elegeu um estilo assumidamente oxidado para, segun­do o próprio, mostrar um perfil diferente da região e não apenas mais uma monocasta de Alvarinho semelhante a tantos outros. Começou na vindima de 2013 (vinho que se mantém em forma), seguindo sempre um caminho de intervenção mínima, chegando ao expoente de só usar sulfuroso na fase do engarrafamento.. É, precisamente, pela ausência da proteção que o sulfuroso proporciona­da, em conjunto com a fermentação em tonel de grande dimensão, que o seu vinho – o Granito Cru – se apresenta num perfil mais aberto.

Outra diferença vincada do vinho de Luís Seabra é a fer­mentação maloláctica por que passou, caso único em pro­va e raro região. Esta fermentação, que opera a transfor­mação do ácido málico em lático, reduz a acidez total do vinho, influencia os aromas, sabores e até texturas, dando ainda um contributo ao nível da estabilidade biológica. Luís reconhece que está a trabalhar no limite, até porque nem sempre a acidez dos mostos é excecionalmente alta, e diz saber que tudo é que tudo uma questão de equilí­brio. Por ora, tem tudo corrido bem pois os anos – 2013, 2014 e 2015 – tem proporcionado mostos ácidos na re­gião dos Vinhos Verdes, mas disse-me estar consciente que quando assim não for terá de reduzir o lote de vinho sujeito a maloláctica.

Por sua vez, na Quinta de Santiago, a regra é a de que o Alvarinho não pode ser todo fermentado e estagiado em barricas novas e, mesmo estas, têm de ser sujeitas a tra­tamentos (lavagens com água quente e não só) antes de receberem o vinho. Tudo para evitar os aromas a bauni­lha, fumados e até a café que as barricas podem propor­cionar ao néctar. Por ora, neste produtor, existem barricas de carvalho francês de 250 litros, mas muitas também de 500 litros, existindo até já um balseiro de 2.000 litros tam­bém em uso para o Alvarinho topo de gama. O desafio para o futuro passa por conseguir reproduzir o vinho da avó de Joana Santiago, sendo que para isso são precisos muitos ensaios com madeiras em desuso nas empresas de tanoaria, caso evidente da cerejeira.

Quem igualmente privilegia barricas antigas para fermen­tar o seu Alvarinho topo de gama é a Provam, sendo que o seu vinho de nicho – o Contradição – nelas estagia por cerca de 7 meses, antes de um estágio em garrafa por mais um ano.

Sabia que…
À excepção de casos muito especiais, as uvas de Alvarinho são as mais bem pagas do país, alcançando facilmente o euro por quilo

Naturalmente, outra forma de evitar os excessos da bar­rica é submeter a fermentação e estágio apenas uma pe­quena parte do lote final, opção que proporciona muita versatilidade e que garante a manutenção de um estilo colheita após colheita, sendo disso bons exemplos o Soa­lheiro Primeiras Vinhas e o Alvarinho produzido por João Portugal Ramos, que, em 2016, teve 10% do mosto fer­mentado em barricas novas de carvalho francês. A opção por carvalho americano, ainda que apenas parcialmente, por ora está resumida à Adega de Monção, com o seu Deu-La-Deu Premium a fermentar em meias barricas e a estagiar nelas por 4 meses.

Em suma, o Alvarinho agradece a fermentação, e até o estágio, em barrica, mas dúvidas não restam que dessa forma o trabalho é muito mais exigente do que a fermen­tação em inox. As opções são muitas, e os cuidados para evitar que a madeira se sobreponha à variedade – mais a mais numa região onde o granito, sobretudo em meia en­costa, contribui para alguma subtileza aromática – nunca são poucos. E não nos podemos esquecer que estamos a referirmo-nos à região – Monção e Melgaço – que viu nascer a casta e que mantém um registo de autenticidade da mesma, com vários produtores de excelência.

Os perfis dos vinhos em prova são diferentes, mas pron­tos a agradar a todos. Existem vinhos muito frescos, com a madeira discreta, como são os casos do João Portugal Ramos e do Regueiro Barricas. Na situação oposta, temos vinhos onde a presença da madeira é mais assumida, caso do Deu-La-Deu e do QM Homenagem. Entre ambos os estilos, encontramos os Parcela Única e Quinta de Soa­lheiro Reserva, ambos a revelar integração e equilíbrio ex­traordinários com a barrica. Outros vinhos ainda revelam evolução e uma maior oxidação, como o Contradição e o extremado Granito Cru, que contudo proporcionam mui­to prazer. É só escolher.

Herdade do Sobroso: África Minha à beira do Guadiana

Entre o rio e a serra, rodeada de vinhas, enquadrada por espaços naturais onde abunda a caça de grande porte e com um pezinho na maior barragem do país. A Herdade do Sobroso fica no Alentejo, mas escapa a todos os estereótipos. Aqui, encontramos belos vinhos e todas as mordomias do luxo. Mas sempre com […]

Entre o rio e a serra, rodeada de vinhas, enquadrada por espaços naturais onde abunda a caça de grande porte e com um pezinho na maior barragem do país. A Herdade do Sobroso fica no Alentejo, mas escapa a todos os estereótipos. Aqui, encontramos belos vinhos e todas as mordomias do luxo. Mas sempre com os pés muito assentes na terra.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

ANDAMOS há cerca de dez minutos aos sola­vancos pelos trilhos de terra batida da serra do Mendro, mas é tal o encantamento com a en­volvência e as panorâmicas sobre o Guadiana e a interminável planície do Baixo Alentejo que até nos es­quecemos que estava prometido um “safari fotográfico”. Tirando algumas perdizes, de bichos, nada… E então, à saída de uma curva, encaramos com um enorme veado, que depressa se lança em galope estrada fora. Na Herda­de do Sobroso é mesmo assim: há surpresas e recompen­sas ao virar de cada esquina.

Encostado à vertente sul da serra do Mendro, o núcleo urbano desta enorme (1.600 hectares) propriedade pon­tua o centro do quadrilátero verde formado por 65ha de vinha. Visto de cima, do alto da serra ou a bordo de um balão de ar quente (sim, sim, já lá vamos!), o contraste é gritante: o verde vivo das videiras destaca-se sobre o fundo amarelado das searas ou pastagens circundantes. Mas há também a mancha branca do casario, as sombras cinzentas das escarpas mais rochosas, o espelho azul-es­verdeado do Guadiana, um céu azul e os tons pastel do mato rasteiro que cobre as encostas. Uma paleta de cores verdadeiramente mágica.

Sofia Machado sente que tudo isto lhe estava na alma, mesmo sem se dar conta. A sua avó paterna é de Portel e ela, uma menina do Porto, passou belas temporadas no Alentejo quando era criança. Mas nada a tinha prepara­do para a sensação de pertença que a arrebatou quando chegou pela primeira vez à Herdade do Sobroso. Para quem cumpre os 9km de estrada que ligam a aldeia de Alqueva a esta unidade vitivinícola, cinegética e de alo­jamento, talvez possa parecer fácil apaixonarmo-nos por um local tão belo, harmonioso e pacífico. Mas isto não era nada assim em 2000…

Ruínas. Mato. Lixo. “Costumo dizer que não começámos do zero, começámos abaixo do erro…”, desabafa Sofia, perante o sorriso cúmplice de Filipe Teixeira Pinto, mari­do e enólogo residente (com consultoria de Luís Duarte). E também ele com as raízes no Porto. “Tive a sorte de o meu marido também se ter apaixonado por este sítio!” Talvez tenha sido amor à primeira vista, mas não foi fá­cil. A história, que começa com as visitas cinegéticas do pai de Sofia à região, continuou com a aquisição de três herdades, o que permitiu estender a propriedade desde o Alto Alentejo (Alqueva, ali muito perto do paredão do maior lago artificial da Europa) até às primeiras vagas das planuras do baixo Alentejo, abrangendo de caminho uma porção significativa da serra do Mendro (412 metros de altitude).

Dormir num monte alentejano
A tarefa inicial foi plantar os primeiros 50 hectares de vi­nha, logo em 2001, a que se seguiu uma intervenção ra­dical de limpeza de matos na serra, complementada com a vedação da propriedade e a plantação de sobreiros (vão em 660.000 e ainda não terminaram). Mais tarde, tam­bém os pinheiros mansos vieram enriquecer a paisagem, aproveitando os socalcos na serra antes ocupados por eucaliptos. O casal virou-se então para a recuperação das ruínas, mas, apesar da aposta assumida pelos materiais, estéticas e, até, mão-de-obra locais, o processo não foi fácil. O hotel acabou por abrir apenas em finais de 2008.

Hoje, o Sobroso é um mimo de autenticidade e qualidade de vida. As construções são rústicas, mas os quartos (há cinco na casa principal e outros seis – dois deles contí­guos em apartamento T2 – numa edificação secundária, junto à piscina de horizonte infinito sobre as vinhas e a serra) estão dotados de todos os confortos modernos. O restaurante, onde brilha a mão afinada da D. Josefa, ser­ve almoços e jantares a hóspedes e visitantes mediante marcação. Há bar, salas de estar, alpendres com redes e cadeiras, biblioteca, canil. Este é um hotel onde experi­mentamos, verdadeiramente, a sensação de dormir num monte alentejano.

A fileira de casinhas geminadas onde se situam os quartos exteriores, o bloco que inclui a adega, a loja e os escritó­rios, as instalações do pessoal e a casa principal enqua­dram um enorme terreiro ajardinado e relvado que, no seu extremo Leste, termina num muro branco debruçado sobre um braço lateral do Guadiana, proporcionando ex­traordinárias vistas sobre a paisagem de vinhas, água e serra. Há muitos Alentejos e, ao que parece, todos eles se encontram aqui ao alcance da vista…

Apesar de algumas das parcelas se encontrarem já nas primeiras inclinações da serra, um pormenor curioso, para quem gosta destas coisas, é perceber que há muita pedra rolada nos solos argilosos da propriedade. A explicação está nos humores dos grandes rios: ao longo de milénios, o Guadiana terá corrido por aqui e por ali, deixando a sua marca nos terrenos circundantes. E esta componente rochosa explica também a mineralidade dos vinhos que aqui se fazem.

São vinhos que vale muito a pena descobrir, ou redescobrir. Porque a aposta comercial do Sobroso foi feita no canal horeca e, portanto, não será nos supermercados que vamos encontrar estes brancos, tintos e rosés que integram a região DOC Vidigueira. Presentes no merca­do nacional e em mais 21 países, os vinhos do Sobroso apostam muito nas variedades locais: as castas brancas mais relevantes são Antão Vaz, Arinto e Perrum; nas tin­tas pontificam Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Cabernet Sauvignon, Syrah e Trincadeira. Por ano, saem daqui cerca de 550.000 garrafas.

Actividades… e estar quieto
Mas “sair” não é um verbo que apeteça conjugar… O silêncio, a vastidão da paisagem, a simpatia e genuíno prazer de quem recebe, as mordomias, os cozinhados da D. Josefa, os vinhos. Não espanta que a vertente hote­leira seja, também ela, uma história de sucesso. Famílias com filhos, casais em busca de uma pausa a dois, apaixo­nados dos vinhos, caçadores, fanáticos do bird-watching, toda a gente encontra aqui o que procura. Podemos pas­sear a pé, de bicicleta ou em caiaque; pescar num dos vários planos de água; fazer um safari fotográfico pela serra (para além da bicharada menor, há veados, gamos, muflões, javalis, raposas, texugos); agendar um passeio de balão (uma experiência única, de uma suavidade de­sarmante) ou de barco no Alqueva; visitar a adega e as vinhas com prova de vinhos; observar aves.

Ou, simplesmente, pegar num copo de vinho e deixar-se ficar por uma das muitas sombras, deixando o tempo cor­rer devagar e mirando o ninho das cegonhas, mesmo jun­to às casas. A visão do majestoso animal, imóvel poucos metros acima das nossas cabeças, é tão inesperada que um dia uma hóspede desabafou: “Parece mesmo verda­deira!” Não teria dúvidas se assistisse a este momento em que se faz ouvir um ruído semelhante ao bater de ripas de madeira e as duas cegonhas adultas se saúdam com os bicos. Pai e mãe trocam de turno e um deles fica a vigiar as duas crias espigadotas que miram lá de cima com curiosi­dade os humanos maravilhados, enquanto o outro abre as asas e plana majestosamente em busca de comida.

Daqui a algumas horas, de madrugada, embarcaremos num balão de ar quente para, envolvidos por suaves bri­sas e um silêncio mágico, pairarmos sobre o rio e os cam­pos, as estradas e as casas. Na serra, durante o safari, tínhamos vistos veados, gamos, muflões e javalis. Desta vez, as correntes de ar levam-nos na direcção oposta, para Sul. Mas o cenário é idêntico. Há animais de grande porte por todo o lado. Não estamos em África, mas a comparação é inevitável. E, acreditem, o vinho por aqui é muito melhor! Quem nunca saboreou um copo de branco bem fresquinho às sete da manhã, a bordo de um balão de ar quente, não sabe o que perde.

 

Debaixo de terra: A singularidade das Caves da Bairrada

A Bairrada é uma região com grandes tradições vinícolas. A partir dos anos 20, surgiram muitas das mais conhecidas Caves, concebidas, sobretudo, para a produção de espumantes. Algumas alargaram os seus horizontes e vingaram até hoje; outras ficaram pelo caminho. António Dias Cardoso, enólogo e profundo conhecedor da Bairrada, acaba de publicar um livro sobre […]

A Bairrada é uma região com grandes tradições vinícolas. A partir dos anos 20, surgiram muitas das mais conhecidas Caves, concebidas, sobretudo, para a produção de espumantes. Algumas alargaram os seus horizontes e vingaram até hoje; outras ficaram pelo caminho. António Dias Cardoso, enólogo e profundo conhecedor da Bairrada, acaba de publicar um livro sobre a história e o dinamismo empresarial da região.

 

TEXTO Mariana Lopes FOTOS Anabela Trindade e Ricardo Palma Veiga

A história das empresas de vinho bairradinas co­meçou em 1893, com a Associação Vinícola da Bairrada a encetar a produção de espumantes na região. O pontapé de saída tinha sido já dado, três anos antes, pela Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada, sob a direcção de José Tavares da Silva, engenheiro agrónomo. Tendo a AVB laborado até 1905 com este nome, sucederam-lhe outros, culminando em Caves Monte Crasto, as quais, nos anos 90, caíram por insolvência. Apesar do nascimento “prematuro” des­ta Vinícola, foi depois de 1920 que se deu o “boom” das empresas mais emblemáticas: S. João (1920), Barrocão (1924), Aliança (1926), Messias (1926), Valdarcos (1926), Borlido (1930), Neto Costa (1931), Vice-Rei (1941), Impé­rio (1942), Montanha (1943), S. Domingos (1944), Caves Primavera (1947), Pontão (1949), Altoviso (1952), Funda­ção (1970) e outras mais.

António Dias Cardoso acaba de lançar um livro sobre o tema, “Caves da Bairrada, Elementos da Sua História”. Agora aposentado, é engenheiro agrónomo, foi director da Estação Vitivinícola da Bairrada, director de Serviços de Vitivinicultura na Direcção Regional (Bairrada, Dão e áreas limítrofes) e enólogo das Caves São João e Messias, tendo escrito vários livros técnicos, de enologia. Com mo­déstia na voz, revela: “Conheci muitas empresas e tive acesso a informação que nem toda a gente teve, então senti-me na obrigação de escrever este livro.” Foram dois anos de estudo, investigação e entrevistas a gente ligada às empresas e membros das suas famílias.

O “Champagne Português”
“A maior parte destes agentes económicos começaram a sua actividade sob o nome ‘Vinícola de qualquer coisa’ e não ‘Caves’”, conta Dias Cardoso. Aqueles adoptaram esta última designação porque eram, efectivamente, es­truturas subterrâneas de engarrafamento e armazena­mento. Mas Caves há em todo o lado. O que torna a Bair­rada sui generis no panorama vitivinícola é o aglomerado deste tipo de adegas subterrâneas, construídas numa mesma época, numa mesma região.

E porquê só de engarrafamento e armazenamento? Na verdade, estas empresas não vinificavam, numa fase ini­cial. Era prática comum a compra de vinho a pequenos produtores e agricultores (mais tarde, nos anos 60, a ade­gas cooperativas), para engarrafamento e comercializa­ção de brancos e tintos com o selo da marca.

Só muitas décadas depois é que a maioria das Caves so­breviventes, as que se renovaram e adaptaram, começa­ram a vinificar o seu próprio vinho tranquilo e a fazer os vinhos bases para espumantizar.

O impulso para a criação das Caves bairradinas foi dado maioritariamente, ainda no início do século, por visioná­rios portugueses regressados da sua emigração no Brasil, que, por terem alargado horizontes, se prestaram a ges­tos ousados para a época. Em muitos casos eram pessoas sem qualquer formação académica, mas com sede de modernização e desenvolvimento.

Na verdade, o que motivou a produção de espumante na Bairrada foi a vontade de fazer o “champagne por­tuguês”. Inicialmente, os produtores introduziram castas de Champagne na região, nomeadamente Pinot Noir e Chardonnay, mas tal revelou-se infrutífero a médio prazo. Assim, variedades regionais como Maria Gomes e Bical começaram a ser as mais utilizadas para o espumante da Bairrada.

É de notar, como absolutamente surpreendente, o volu­me de negócios e de emprego que estas Caves criaram nos seus tempos áureos, os anos 60. Mesmo numa fase de “vacas magras” (década de 90) já sem o contributo dos mercados das ex-colónias, as Caves Aliança empre­gavam 291 pessoas e geravam vendas de 26 milhões de euros anuais. Já na Messias laboravam 133 pessoas e ven­diam-se cerca de 12 milhões de euros, por ano. As Caves Barrocão, com 52 trabalhadores, atingiam os 5 milhões anuais. No conjunto, só as empresas que nasceram na pri­meira metade do século XX vendiam no final dos anos 90 algo como 73 milhões de euros por ano e detinham um valor menor, mas muito parecido, de activos fixos.

Além de um mercado nacional sólido, com picos sazo­nais muito interessantes, a mina de ouro destas empresas era África, com destaque para os mercados de Angola e Moçambique. António Dias Cardoso lembra: “As Caves Primavera, a Imperial Vinícola [Caves Império] e as Caves S. João eram casos típicos de dependência do mercado africano.” De 1963 a 1967, este trio vendeu quase 69 mi­lhões de litros para aqueles dois países, já para não falar das demais empresas. “Quase 50% do mercado de An­gola era abastecido pelas empresas da Bairrada!”, lembra o agrónomo. No entanto, e invertendo o conhecido pro­vérbio português, depois da bonança veio a tempestade. Mas isso já é outra história…

Mais de três dezenas de estrangeiros passaram pelo concurso, entre wine critics e/ou wine educators e sommeliers. Os presidentes do júri eram constituídos por enólogos por­tugueses com comprovada experiência e histórico. To­das as provas eram cegas e nos jurados estava presente uma boa parte dos técnicos de vinhos de qualidade des­te país. Para eles, esta é também uma excelente opor­tunidade de entrarem em contacto com outros aromas e sabores e sempre uma oportunidade para acumular experiências e conhecimentos. Paulo Nunes dizia-nos exactamente isso: “acho que o grande salto de qualida­de em Portugal aconteceu depois da crise (2008 e anos seguintes), quando os produtores portugueses tiveram de ir lá para fora, absorvendo conhecimentos e enfren­tando a concorrência de todo o mundo. Tivemos de abrir os olhos…” Curiosamente, dois dias depois destas de­clarações em Santarém, Paulo subia ao palco em Arraio­los para receber o maior galardão do concurso. É ele o enólogo do Villa Oliveira Touriga Nacional de 2011 (da Casa da Passarella), um vinho nascido e criado no sopé da Serra da Estrela e que venceu dois dos sete maiores pré­mios: o Melhor Vinho do Ano e o Melhor Varietal tinto.

As Caves perdidas
Muitas das caves nascidas nos anos 20 mantiveram um crescente desenvolvimento ao longo dos tem­pos, mas outras acabaram por se afundar. Dias Car­doso apresenta três razões fundamentais para esse desfecho. Primeiramente, a forte dependência do mercado africano. Quando este se perdeu (depois da revolução de 1974), trazendo enormes dificuldades às transacções financeiras entre as ex-colónias e Por­tugal, algumas das Caves entraram em colapso por não conseguirem redireccionar o negócio para ou­tros mercados. Outro motivo prendeu-se com dificul­dades financeiras, devido ao crédito bancário prati­cado de forma excessiva e aos elevados juros. Como os administradores destas empresas eram, em geral, pessoas bastante conhecidas, os bancos conferiam­-lhes crédito mesmo que não o pudessem suportar.

Em terceiro lugar, nas últimas duas décadas do sécu­lo XX, o mercado nacional e internacional transfor­mou-se e tornou-se muito mais exigente. A qualida­de e perfil dos vinhos não se adequava aos requisitos dos novos tempos e as empresas que apenas engar­rafavam (sem vinificar) não conseguiam controlar o produto dos fornecedores. Algumas Caves adapta­ram-se e começaram a investir em adegas (e até vi­nhas); outras não o souberam ou puderam fazer e, inevitavelmente, definharam…

A renovação e o legado
Gradualmente, com o avançar das décadas, os produ­tores bairradinos foram alargando a gama de produtos (inicialmente centrada nos espumantes e aguardentes) e investindo no engarrafamento de vinhos tranquilos de denominações de origem, sobretudo Dão (logo nos anos 60), mas também Vinho Verde e, mais recentemen­te, Douro e Alentejo. Este conceito manteve-se até aos dias de hoje, sendo prática de empresas como Messias, S. João, Aliança, São Domingos, Primavera ou Montanha.

No entanto, a partir dos anos 90, os pequenos produtores bairradinos “de quinta”, como Luís Pato, Casa de Saima, Quinta da Dona ou Quinta das Bágeiras, começaram a ganhar clara vantagem perante o consumidor mais exi­gente, pois a qualidade dos seus vinhos era superior e tinham uma imagem mais forte e personalizada. Assim, estávamos perante uma clara mudança estratégica que, como Dias Cardoso conclui no seu livro, “implicou uma ligação à viticultura, assegurando uma produção própria controlada pelos seus técnicos e contribuindo decisiva­mente para a personalização dos seus vinhos”.

Apesar do peso que os vinhos tranquilos tiveram (e ainda têm) no negócio das Caves, a sua imagem, com algumas excepções, continuou a ser construída em torno dos es­pumantes. Estas singularidades das Caves bairradinas, e todo este dinamismo pioneiro em torno da produção de espumante, deixaram um legado impagável para a re­gião: o desenvolvimento desta indústria como bandeira da Bairrada. Hoje, sabemos que cerca de 65% do espu­mante português é da Bairrada e 20% é certificado com a sua denominação de origem ou indicação geográfica.

Revolução na Terceira

A ilha Terceira está a começar uma pequena revolução na sua vitivinicultura. A “culpa” é da Adega Cooperativa dos Biscoitos, com o auxílio da Anselmo Mendes Vinhos. Os primeiros vinhos já aí estão…   TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Paulo Mendonça e António Falcão QUANDO se fala de vinhos […]

A ilha Terceira está a começar uma pequena revolução na sua vitivinicultura. A “culpa” é da Adega Cooperativa dos Biscoitos, com o auxílio da Anselmo Mendes Vinhos. Os primeiros vinhos já aí estão…

 

TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA Nuno de Oliveira Garcia FOTOS Paulo Mendonça e António Falcão

QUANDO se fala de vinhos dos Açores, vem logo à memória a ilha do Pico, de longe a mais vitivinícola do arquipélago. Mas, 150 quilómetros a noroeste, na ilha Terceira, existe uma mancha de vinha que é região demarcada. Trata-se dos Biscoitos, e o único operador – com algum tamanho – é a Adega Cooperativa local. O “algum tamanho” tem que ser tomado com uma pitada de sal. No total estamos a falar de uma área com cerca de 20 hectares, muito pro­vavelmente a Denominação de Origem mais pequena de Portugal (salvo Carcavelos, para licorosos) e certamente uma das mais pequenas da Europa.

Afastada dos centros de conhecimento da moderna vi­tivinicultura e dos circuitos de comercialização, a adega precisava de um novo impulso. Recorreu então a Anselmo Mendes para dar uma ajuda e o enólogo (e sua equipa) estiveram por lá no inicio desta década. Por uma ou ou­tra razão só saiu um vinho com orientação de Anselmo (colheita de 2011) e depois a ligação esmoreceu. No ano passado foi mais do que revitalizada: Anselmo e o enólo­go Diogo Lopes (da sua equipa) assinaram uma parceria com a Adega dos Biscoitos e ficaram com a toda a res­ponsabilidade dos vinhos da empresa, incluindo a comer­cialização.

O maior problema era combater o abandono da vinha, estimulado por razões económicas: sem recursos finan­ceiros, a adega pagava muito pouco e tarde. Por isso, uma das primeiras medidas da nova equipa foi a de esta­belecer o preço de €1,85 por quilo de uva, um dos me­lhores preços a nível nacional. A uva mais cobiçada é da casta Verdelho, a mais nobre. Dos 20 hectares da região, existem apenas quase 4 ha de Verdelho. O restante em produção fica-se por algumas cepas de Arinto e uma mul­tiplicidade de outras castas, quase residuais, e ainda uns bons 5 hectares de castas tintas, para o chamado ‘vinho de cheiro’, enologicamente pouco interessante e que a Anselmo Mendes Vinhos nem comercializa. O aumento do preço da uva vai fomentar a conversão de algumas destas vinhas em Verdelho.

Um terceiro objectivo a alcançar é o de recuperar a área perdida (cerca de 11 hectares) para o matagal que cresceu onde estava a vinha. Em poucos anos as “faias” (como aqui se chama), tomam conta da área de vinha abandona­da. Nuno Costa, da Direcção Geral do Desenvolvimento Rural, explica que, por baixo da pedra vulcânica, o solo é fértil. E o clima sub-tropical fez o resto…

Viticultura heróica
Com o Atlântico a escassas centenas de metros, o am­biente extremamente húmido obriga a cuidados extre­mos. Primeiro na protecção às videiras, que estão coloca­das nas chamadas curraletas (ou currais). São, no fundo, minúsculas parcelas geminadas, cada uma com alguns pés de videira, protegidas por muros de pedra vulcânica. Esta ‘paisagem protegida’ tem outra vantagem: os muros de pedra funcionam quase como uma estufa, acumulan­do o calor durante o dia, e dissipando esse calor lenta­mente ao longo da noite. O presidente da Adega dos Biscoitos, Paulo Mendonça, disse-nos que a diferença de temperatura é enorme para a terra circundante às currale­tas. O que se ganha? Sobretudo maturação, que é acele­rada. As vindimas costumam ocorrer durante Setembro. Se a vinha estivesse fora deste ambiente protegido, a uva nem amadurecia o suficiente para ser enologicamente re­levante (existem estudos que o comprovam). E as chuvas de Setembro encarregavam-se de destruir o que restasse do Verdelho, que vai ficando com a película tão fina que é quase transparente…

Historicamente, esta disposição do terreno tem centenas de anos e os antigos sabiam o que faziam. Só as terras com maior densidade de pedra vulcânica à superfície eram destinadas à vinha. Por outro lado, esta zona dos Biscoitos é das menos húmidas da Terceira. Existe, con­tudo, muita água no subsolo, proveniente do escorrimen­to das montanhas adjacentes. As restantes terras, mais férteis e fáceis de trabalhar, eram destinadas aos cereais. Hoje, por questões económicas, estão sobretudo em pastagem para as vacas leiteiras, provocando uma quase monocultura do leite e seus derivados. Mas todas estão também separadas por muros de pedra – afinal, havia que dar destino à pedra de lava que as montanhas tinham lan­çado milénios atrás.

O vinho (ou a aguardente) era fundamental há séculos porque, ao contrário da água, não transmitia doenças nas longas viagens marítimas. Os marinheiros bebiam vinho porque tinham medo de adoecer a beber água putrefac­ta. Isto tudo nos foi explicado por Francisco Maduro Dias, da Confraria Verdelho dos Biscoitos. Que acrescentou: “Tudo aqui tem que ser historicamente interpretado pela relação com o mar.” E recorda que a Terceira (à semelhan­ça do que sucede com todo o arquipélago dos Açores, de resto) funcionou durante séculos como uma espécie de estação de serviço para a navegação no Atlântico.

Os vinhos
Muito haveria ainda a dizer, mas vamos aos vinhos. Quem nos guiou na vinha e adega (construção de 2008) foi Dio­go Lopes, sócio e colaborador da Anselmo Mendes Vi­nhos nesta aventura. A primeira vindima da parceria ocor­reu em 2015 e daí surgiram dois vinhos: Magma e Mu­ros de Magma. A diferença está na composição do lote e pelo estágio em madeira de carvalho francês (usada) do Muros. A intervenção enológica foi mínima: segundo Diogo Lopes, “estes vinhos são um perfeito exemplo de terroir”. Em ambos se destaca a mineralidade (água filtra­da pelas montanhas?) e uma salinidade gostosa na boca (o mar, claro). Ambos são muito gastronómicos e com um belo potencial de envelhecimento.

Os “Magmas” só agora estão a ir para o mercado e o “atraso” foi propositado. Pela sua frescura, são vinhos que agradecem o estágio em garrafa. As quantidades são exíguas (2.300 e 1.700 garrafas, respectivamente) e já estão todas com destino: metade fica nos Açores e o restante é divido por Portugal continental e pelo mercado americano. Os preços não são baratos mas, como Diogo Lopes indica, “temos que compensar os viticultores pela produção das uvas para estes vinhos de um terroir com séculos de história”.