19|90 Premium Wines: Santar volta ao mapa

A 19|90 Premium Wines, divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, assina agora o mais recente projecto de enoturismo do grupo, no Dão: WineX, um conjunto de experiências que promete fazer de Santar a nova coqueluche da região.  Texto: Mariana Lopes  Fotos:1990 Premium Wines  Quem conhece a vila e a zona de Santar, […]

A 19|90 Premium Wines, divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, assina agora o mais recente projecto de enoturismo do grupo, no Dão: WineX, um conjunto de experiências que promete fazer de Santar a nova coqueluche da região.

 Texto: Mariana Lopes  Fotos:1990 Premium Wines

 Quem conhece a vila e a zona de Santar, até se pergunta “como é que isto não está cheio de gente?”. A resposta é simples: por muito bonita que seja a paisagem, natural e urbana, se não houver actividades interessantes e chamativas, as pessoas não chegam a saber que o sítio existe. Foi com consciência disto mesmo que a 19|90 Premium Wines — divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, que integra as marcas Vinha do Contador e Casa de Santar (Dão), Encontro (Bairrada) e Saturno (Alentejo) — decidiu agir. Com direcção-geral de Vítor Castanheira, também administrador da Global Wines, a 19|90 contratou, recentemente, Marisol Benites para o cargo de directora da unidade de negócio e responsável de enoturismo. Contratação de peso, Marisol tem no currículo passagens por casas como o grupo Vranken-Pommery Monopole (que detém a Rozès), Symington Family Estates ou Sandeman (antes desta ser adquirida pela Sogrape), onde geriu marcas e integrou equipas de enoturismo. Sob a sua coordenação, a 19|90 Premium Wines começou a desenvolver um novo projecto de enoturismo, sério e profissionalizado, mas sobretudo adaptado ao perfil de enoturista que consome vinhos e experiências segmento premium, condizentes com o potencial de Santar. “Autenticidade com patine e requinte”, resume assim Marisol Benites as WineX (Wine Experiences), que são uma das fases de investimento da 19|90 no enoturismo, (a par da construção de um “wine center”) e nas instalações de vinificação e estágio, que serão reabilitadas gradualmente.

wines santar mapaGirando em torno das adegas e vinhas da Casa de Santar (são cerca de 113 hectares, de um total de 200 no Dão), e das vinhas e do restaurante do Paço dos Cunhas — antiga casa senhorial com quatro séculos — as WineX dividem-se pelos níveis Standard, Prestige, Gold e Platinum, e não incluem apenas as habituais provas de vinho e espumantes (da enologia de Osvaldo Amado) e visitas às adegas. Essas também há, a começar nos 20 euros por pessoa, mas as estrelas são, por exemplo, o programa Santar Gold (€90 pax), com visita guiada aos jardins do Paço dos Cunhas e à emblemática Vinha do Contador, passeio de jipe pelas vinhas da Casa de Santar e até ao alto da Vinha dos Amores, um local tão romântico quanto o nome sugere, e prova de vários vinhos Casa de Santar harmonizados com tábua beirã; o Pic-Nic Beirão (€55 pax), actividade intimista com iguarias do chef Henrique Ferreira (responsável pelo restaurante Paço dos Cunhas) que também inclui visita guiada ao Paço e passeio de jipe ao redor da Casa de Santar; ou o Almoço Beirão no Sobreiro (€120 pax, mínimo de 10), uma luxuosa, mas autêntica, refeição de 5 horas à sombra do centenário sobreiro que faz companhia às vinhas do produtor, preparada pelo chef Henrique, com o seu sub-chef Alberto Correia, que explica que este almoço é inspirado “no que se trazia para comer no trabalho da vinha, e feito com produtos locais, de fornecedores próximos”. Para servir os vinhos da 19|90 Premium Wines, entra em cena André João, sommelier e chefe de sala do restaurante Paço dos Cunhas. Igualmente, esta experiência inclui a visita e passeio de jipe, que culmina na chegada ao sobreiro.

wines santar mapaAdicionalmente, o restaurante do Paço dos Cunhas de Santar inaugurou a carta de Verão que, além das opções à carta — onde constam reinvenções das estivais Sardinhas Assadas com Pimentos, dos Peixinhos da Horta e da Bifana no Pão; ou pratos de peixe como Massa Fresca de Lingueirão à Bolhão Pato, Arroz Caldoso de Polvo e Caldeirada de Peixes; e os de carne Frango do Campo de Fricassé, Barriga de Porco com Beterraba e Couve ou Bife de Cebolada — apresenta três menus de degustação: “Origens” (€27,50 pax ou €36,50 com harmonização de vinhos), “Santar” (€35 ou €50) e o menu “Do Chef” (€57,50 ou €82,50).

“Nesta área do enoturismo, o nosso objectivo foi criar experiências que permitissem avaliar o vinho no seu contexto original, perceber as suas diferenças, a sua história e a sua personalidade, associando-o à gastronomia, ao património, à cultura e à riqueza da região. Queremos que os nossos clientes conheçam bem os nossos vinhos, associando-os a experiências inesquecíveis”, esclarece Vítor Castanheira. Também a Quinta do Encontro, na Bairrada, e a Herdade Monte da Cal, no Alentejo, foram, e serão, alvo de investimento nesta área.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

 

Sugestão: Os brancos de Outono e Inverno

brancos outono inverno

Mais ricos, cremosos, texturados, encorpados, concentrados. Mais ambiciosos também. Em pé de igualdade com os tintos pela capacidade de alinhar com pratos mais gordos e elaborados e de despoletar experiências sensoriais mais intensas, são assim os brancos de Outono/Inverno. Aqui deixamos 13 sugestões de primeira linha, vinhos com profundidade e longevidade, para os meses mais […]

Mais ricos, cremosos, texturados, encorpados, concentrados. Mais ambiciosos também. Em pé de igualdade com os tintos pela capacidade de alinhar com pratos mais gordos e elaborados e de despoletar experiências sensoriais mais intensas, são assim os brancos de Outono/Inverno. Aqui deixamos 13 sugestões de primeira linha, vinhos com profundidade e longevidade, para os meses mais frios que virão.

 Texto: Valéria Zeferino  Notas de Prova: Painel de Prova GE     Fotos: D.R.

 

Em Portugal produzem-se mais tintos do que brancos, a única excepção é a região dos Vinhos Verdes. No mundo, em geral, é assim. E a sazonalidade é forte: nos brancos pensa-se mais no verão, à beira da piscina ou ao almoço leve na praia. No outono e inverno preferem-se os tintos, esquecendo-se que temos excelentes brancos para acompanhar estas estações do ano.

Antigamente, em Portugal dizia-se que “o vinho é tinto; e também há branco”, conta o incontornável produtor bairradino Luís Pato. Hoje ainda é parcialmente assim, mas muito menos. Mario Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, lembra-se que quando era menino, as pessoas diziam “bebo branco quando não há tinto” e que às vezes para vender 10 caixas de tinto, o distribuidor era “obrigado” a levar 10 caixas de branco.

As técnicas de produção de brancos também eram “muito agressivas” – partilha Manuel Vieira, responsável de enologia durante muitos anos na Quinta dos Carvalhais e agora na Caminhos Cruzados. Os cachos e as massas vínicas sujeitavam-se à acção mecânica violenta, os equipamentos usados na altura eram fonte de oxidações, as temperaturas não se controlavam… enfim… muitas vezes os vinhos não aguentavam mais de um ano em garrafa (com honrosas excepções de alguns brancos antigos que chegam aos nossos dias em perfeita saúde).

brancos outono inverno
Anselmo Mendes levou a uva Alvarinho e o terroir de Monção e Melgaço até ao topo.

No final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado a tecnologia começou a entrar nas adegas com o controlo de temperatura e cuidados no sentido de proteger o vinho contra as oxidações. Proliferação de cubas de inox e aposta na fruta primária conduziram a vinhos mais limpos aromaticamente, mas bem acabados. O nível geral de qualidade dos brancos subiu e tornou-se um padrão.

Quando Mario Sérgio lançou o seu primeiro Quinta das Bágeiras Garrafeira 2001, um branco mais compenetrado do que extrovertido, fermentado em tonel antigo e preparado para anos de guarda e vocacionado, foi contra a corrente. Já o Guru, da Wine & Soul, nasceu em 2004 com a ideia da Sandra Tavares e Jorge Borges de fazer um grande branco do Douro com potencial de guarda, pois na altura havia poucos.

Hoje, os produtores têm à sua disposição um vasto leque de técnicas para fazer vinhos brancos adequadas a qualquer ocasião. Com mais ou menos intervenção, fermentações expontâneas ou controladas, diferentes abordagens técnico-filosóficas, com qualidade altíssima e por vezes surpreendente, não nos podemos queixar.

Como um branco Outono/Inverno é um oposto de “leve e crocante”, procura-se criar condições para o vinho ter solidez, estrutura, textura e potencial de guarda. A intensidade dos aromas primários não é o principal objectivo, a palavra-chave é complexidade. Normalmente, recorre-se ao estágio em madeira de diferentes tipos e capacidades, tosta e tempo de uso, para dar as nuances que o produtor deseja e que a matéria prima permite. Não existe uma “receita”. A escolha das barricas depende da sensibilidade de cada enólogo e da matriz do vinho em função da casta, terroir e até o ano de produção. E esta sensibilidade e preferências podem mudar ao longo do tempo, alterando o perfil do vinho.

Fermentação e estágio em madeira

 O contacto com madeira molda o vinho de certa forma, promovendo a microoxigenação contínua (estabiliza e amacia o vinho) e modificando os seus aromas com os compostos vindos da tosta da madeira (baunilha, canela, cravinho entre outros) de maneira que a fruta deixa de ser óbvia e o vinho ganha complexidade olfactiva. Quanto maior for a capacidade do vasilhame, menos marca deixa; e quanto menor for o grau da tosta, menos aromas transfere para o vinho. A barrica nova permite mais troca gasosa por ter os poros limpos, mas também deixa a sua marca mais evidente no vinho.

Se a madeira for em excesso, pode arruinar o vinho, sobrepondo-se às suas virtudes e deixando uma sensação de secura e amargor dos taninos elágicos da madeira. Aplicada ajuizadamente, beneficia e confere complexidade.

“Bom trabalho de barrica”, “barrica bem integrada” ou “barrica de luxo” são expressões frequentes nos comentários dos enófilos e notas de prova dos vinhos. “Amadeirado”, “madeira em excesso”, “marcado pela madeira” são os epítetos do lado oposto da escala.

Sandra Tavares, enóloga e produtora da Wine & Soul, conta que na primeira edição do Guru de 2004 foram utilizadas apenas barricas novas. Em 2016 a percentagem da barrica nova baixou quase para metade e o 2019 tem apenas 9% de barrica nova de 500 litros, tosta média-leve. A origem da barrica também ganhou outra importância. Agora começam a usar fudres de maior capacidade.

António Maçanita, o enólogo e produtor da Fita Preta, para o seu Chão dos Eremitas escolhe barricas de, pelo menos, terceiro uso, pois pretende-se a acção mais delicada do estágio em madeira sem ser muito óbvia. E também apenas 40% estagia em barrica, o resto fica em inox.

Se o Quinta das Bágeiras Garrafeira estagia em tonéis antigos de madeira de 2500 litros, ao Pai Abel o produtor queria dar um pouco mais de estrutura e de volume através do estágio em barricas muito usadas da Borgonha, com bâtonnage.

Já o Parcela Única de Anselmo Mendes estagia em madeira nova, mas a barrica é escolhida a dedo em função da proveniência (da floresta de Bertranges perto de Sancerre) e feita à medida, com uma tosta ainda mais leve do que é usada para os Grand Grus da Borgonha.

Ao falar da madeira, pensamos normalmente em carvalho, mas não é a única opção possível. Luís Pato, por exemplo, para o seu Vinha Formal prefere o castanho que na sua opinião não marca os brancos com baunilha. E argumenta que a madeira de castanho é mais porosa do que o carvalho, permitindo maior contacto com oxigénio durante o estágio pelo que o vinho fica mais resistente a oxidação a longo prazo; para além de ser tradicional na região e mais barato.

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Nas vinhas velhas do Chão dos Eremitas, António Maçanita descobre verdadeiros tesouros.

Normalmente o contacto com a barrica começa na fermentação, o que permite que a madeira a integre melhor. Entretanto, Manuel Vieira prefere arrancar a fermentação em inox para ter mais controlo sobre a temperatura (16˚C no início) e aos 1050 de densidade transfere o mosto para a barrica, onde acaba a fermentação e depois fica a estagiar.

Já agora, a temperatura de fermentação destes vinhos mais ambiciosos nunca é muito baixa (12-13˚C) para não evocar aromas de bananas e fruta tropical, que podem ser bem vindos nos brancos frescos de Verão, mas não transparecem nem a casta, nem o terroir. Normalmente, a temperatura de fermentação ronda os 18˚C, mais coisa menos coisa.

Outra variável importante é o tempo que o vinho permanece na barrica. Nem sempre o estágio mais prolongado resulta em vinhos excessivamente amadeirados. O Teixuga é um grande exemplo: passa 19 meses na barrica e não fica marcado pela madeira. Manuel Vieira explica que há sempre um momento durante o estágio, um pico, quando o vinho fica dominado pela madeira. Muitos neste momento tiram o vinho da barrica para o “salvar”, mas na realidade, se o vinho permanecer na barrica mais tempo, acaba tudo por integrar, afirma.

Borras e curtimentas

As borras representam a fração sólida no meio (mosto) acumulada durante a fermentação alcoólica. Numa primeira trasfega as borras mais espessas, normalmente, são removidas, deixando em suspensão os compostos mais pequenos, chamados de borras finas. São maioritariamente compostos pelas células das leveduras mortas.

Quando o vinho estagia sobre borras, a parede celular das leveduras é destruída, libertando polissacáridos, manoproteinas e outros compostos para o meio, que não só protegem o vinho contra as oxidações durante o estágio, mas também melhoram as suas características organolépticas (textura, volume, cremosidade e aromas) e faz com que a acção da madeira seja menos intrusiva no vinho.

A agitação das borras com um bastão – bâtonnage – mantêm-nas em suspensão e homogeniza a sua acção, intensificando os efeitos mencionados. Geralmente, as borras são levantadas com maior frequência no início do estágio, abrandando ou até mesmo cessando mais tarde.

O Alvarinho no Parcela Única estágia com borras totais. Desta forma Anselmo Mendes providencia uma maior quantidade de biomassa para garantir a melhor protecção do vinho da acção da madeira nova. “Juntar potência com elegância” – diz o mestre. Em sua opinião, isto não funciona com castas como o Chardonnay ou o Sauvignon Blanc, porque reduzem bastante nestas condições, mas o Alvarinho aguenta-se bem. A frequência da bâtonnage é feita com grande precisão em função do consumo de oxigénio no vinho durante o estágio.

Já António Maçanita não fez bâtonnage no Chão dos Eremitas, mas prefere manter as cubas, onde estagia 60% do vinho, na horizontal para, desta forma aumentar a distribuição das borras.

Para além do estágio em madeira existem outras formas de realçar as características sensoriais do vinho. A curtimenta é uma delas e agora esta técnica está na moda. Mas Paulo Nunes conta que até aos anos 80 do século passado, na Casa da Passarella os brancos habitualmente faziam-se como os tintos – fermentavam-se com películas. E na altura não se chamavam “orange wine”…

No Casa da Passarella O Fugitivo Curtimenta as uvas não são desengaçadas, pois Paulo Nunes vê o benefício na transferência de algum tanino na percepção organoléptica, procurando mais sensação táctil, de “textura e até algum amargo para contrastar com vinhos muito limados”.

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Na Quinta das Bágeiras, o Pai Abel fermenta em barricas muito usadas vindas da Borgonha.

Castas e regiões

 A região de origem, na realidade, não é grande indicadora do estilo do vinho – em todas as regiões de Portugal podemos encontrar vinhos brancos estruturados e sérios. E a casta nem sempre define inequivocamente perfil. Um Chardonnay da California com estágio em barrica nova, amanteigado e untuoso, não tem nada a ver com um Chablis, feito da mesma casta. No nosso caso, Arinto ou Alvarinho vinificados em inox serão mais leves e crocantes do que os seus homólogos que passaram uma boa parte da sua vida em barrica, por exemplo.

Felizmente, temos muito por onde escolher em termos da região e das castas. No Dão, Encruzado presta-se particularmente bem para vinhos com dimensão. Manuel Vieira trabalha com esta casta já há mais de 30 anos. Quando entrou na Quinta dos Carvalhais em 1990, resolveu fazer um branco “à borgonhesa”, com fermentação em barricas de carvalho e estágio sobre borras. Fez uns ensaios de vinificação com cinco castas do Dão em separado, e foi o Encruzado que se mostrou melhor por não se deixar “comer” pela madeira.  Os grandes brancos da Bairrada são, geralmente, feitos do Bical, Maria Gomes e Cercial em várias combinações. No Douro, um típico blend inclui Viosinho, Gouveio, Rabigato, Códega e outras castas em proporções diferentes.

No Alentejo, Antão Vaz e Arinto, por regra, funcionam bem em conjunto. O Alvarinho também já marca a sua presença nesta região. Nós escolhemos aqui uma casta diferente, pouco conhecida, de propósito para mostrar que qualquer variedade pode brilhar se for bem trabalhada. Alicante Branco (aka Boal de Alicante ou Boal Cachudo), foi uma variedade importante no Alentejo antes da filoxera. António Maçanita teve o contacto com esta casta quando começou a explorar uma parcela plantada em 1970 com várias castas (um field blend organizado) sem rega. Como muitas outras variedades do Sul, tem acidez baixa e um perfil aromático neutro o que despertou o interesse do produtor para uma experiência, adaptando o processo de vinificação à casta.

Na região de Lisboa, obviamente, brilha o Arinto e ultimamente, a casta Fernão Pires, oriunda do Tejo, tem surpreendido bastante na região vizinha. Na região dos Vinhos Verdes, o Alvarinho e o Loureiro com estágio em barrica, são os principais protagonistas para a nossa selecção de brancos para acompanhar as almoçaradas e os serões outonais.

Selecionar sempre

A idade das vinhas e as particularidades da parcela podem influenciar as características da matéria-prima e proporcionar vinhos diferenciados. Como a concentração é bem-vinda nestes vinhos, muitas vezes preferem-se as uvas das vinhas velhas, onde a produção é reduzida naturalmente pela idade das videiras. É o caso do Guru, proveniente de uma vinha com 70-80 anos em Porrais, na zona de transição de xisto para o granito e com muito quartzo. Sandra Tavares considera que o xisto dá estrutura e tensão, enquanto o granito e o quartzo – pureza e final de boca mais fino.

Entretanto, para fazer o Pai Abel branco, Mário Sérgio optou pela vinha nova (que agora tem cerca de 30 anos), mas reduzindo drasticamente a produção – fazendo a primeira colheita mais cedo para espumante.

A precisão na escolha da matéria-prima não se limita pela idade das vinhas, o terroir também entra em jogo. Luís Pato escolheu o Bical da Vinha Formal, que comprou em 1998, plantada em solo argilo-calcário na encosta de Óis do Bairro. As uvas desta zona sempre davam vinho de melhor qualidade, destinado à exportação, chamado no século XIX “Vinho de Embarque”.

O Parcela Única de Anselmo Mendes é autoexplicativo, vem de uma parcela de 4,5 ha da Quinta da Torre, que dava sempre vinho vibrante, que não cheirava muito e tinha uma óptima acidez. Nesta zona o solo é de textura mediana composta por argila, limo, pedra e areia mais grossa. São terraços fluviais, ricos em minerais e com capacidade de retenção. E mesmo dentro da melhor parcela, a selecção de cachos é muito rigorosa. É feita na vinha na altura da vindima em função da fisiologia da videira e não no tapete de escolha, quando já é tarde. Colhem-se apenas os cachos da base e das varas bem atempadas. Como é óbvio, para uma vindima tão precisa é necessário ter o núcleo duro do pessoal experiente.

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Na Quinta da Teixuga, da Caminhos Cruzados, os vinhos reflectem um Dão moderno.

No caso do Curtimenta, a casta deixa de ter importância, sobretudo a nível de aromas varietais, porque a técnica de vinificação anula a componente aromática. Mas a selecção de uvas certas para este vinho é importante. Paulo Nunes vai buscar a uva das vinhas onde muitas castas têm acidez elevada – Uva Cão, Cerceal Branco, Terrantez, para dar equilíbrio à estrutura e a dimenção de boca dos vinhos de curtimenta.

Na mesa

 Mencionamos no início que o que chamamos de brancos de Outono/Inverno, corresponde sempre a vinhos extremamente gastronómicos. Como tal, deixamos algumas sugestões de boas parcerias à mesa.

De um modo geral, têm que ser pratos com alguma estrutura, textura e intensidade. Os crustáceos mais densos podem ser uma boa opção – santola ou sapateira, lavagante ou lagosta. Não esquecemos o arroz de polvo ou de marisco. Peixe grelhado ou no forno, bacalhau assado, migas de bacalhau, açorda ou sopas elaboradas, como a sopa de pedra, são harmonizações a experimentar. Outras alternativas podem ser pratos de galinha, perdiz ou peru. Embora tradicionalmente seja acompanhado com espumantes ou colheitas tardias, eu também não excluia foie-gras pela intensidadde de sabor, gordura e textura.

Agora só faltam os queijos! Paulo Nunes, recorda que na Serra da Estrela o queijo com o mesmo nome era muitas vezes acompanhado com vinhos brancos, com alguma idade. E faz todo o sentido.

Os vinhos brancos com estas características não devem ser servidos muito frios. A temperatura de serviço pode ser entre os 10˚C e 12˚C, tendo em conta que o vinho vai sempre aumentar no copo 2-3˚C o que, no caso dos vinhos mais complexos até vai trazer benefícios. Ajuda abrir a complexidade aromática e apreciar a textura.

E para finalizar, chamar-lhes “brancos de Outono/Inverno” é uma força de expressão: bebem-se lindamente noutras estações do ano, basta querer e combinar com a comida certa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

 

Guimaraens: o outro Vintage da Fonseca

Guimaraens vintage fonseca

A Fonseca, tal como muitas outras casas de vinho do Porto, declara dois tipos de Vintage, o “clássico” – nos anos de excelência – e uma segunda marca que pode ou não ser de uma única quinta. No caso dos Vintage Fonseca Guimaraens, está desde há muito assumido que só têm edição nos anos não […]

A Fonseca, tal como muitas outras casas de vinho do Porto, declara dois tipos de Vintage, o “clássico” – nos anos de excelência – e uma segunda marca que pode ou não ser de uma única quinta. No caso dos Vintage Fonseca Guimaraens, está desde há muito assumido que só têm edição nos anos não clássicos. Nascidos nos anos 30, são sempre vinhos gulosos, têm muita qualidade e um preço bastante conveniente. A vertical em que estivemos presentes demonstrou isso tudo. E alguns mistérios ficaram por resolver…

Texto: João Paulo Martins  Fotos: The Fladgate Partnership

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O enólogo David Guimaraens, com Adrian Bridge, CEO da The Fladgate Partnership.

O sector do vinho do Porto tem uma tradição que merece grande aplauso: as casas têm de manter um histórico dos vinhos, único garante da valia de tudo o que os antepassados fizeram. Essa tradição remonta quase ao séc. XVIII embora as garrafas existentes dessa época sejam em número muito reduzido. O mais interessante desta história é que essas garrafas, religiosamente guardadas nas caves de Gaia, resistiram a tudo. Por lá há algumas do tempo da monarquia exilada no Brasil (1804 da Real Companhia Velha ou 1815 da Ferreira), por lá há garrafas que resistiram a guerras civis, à queda da monarquia, às Guerras Mundiais e ao 25 de Abril. Dizer que é notável, é pouco. O povo bem que pode ter gritado na rua os “morras” e os “abaixo o grande capital”, o que é certo é que as garrafas lá continuaram em seu sossego. Provavelmente só mesmo num país de brandos costumes isto foi possível.

De tempos a tempos, chega o momento da prova destas preciosidades. Por antiguidade nestas lides, e por sorte, temos estado presentes em muitas destas verticais, com destaque para Ferreira (esta remontou ao séc. XIX…), Taylor’s, Ramos Pinto, Niepoort, Croft, Cockburn’s, Graham’s e da Dow’s (esta em Londres) ou a monumental prova dos Vintage do séc. XX que abrangeu muitas casas. Uma vertical de Vintage Guimaraens é um acontecimento, já que, pelo menos nos últimos 40 anos, nunca foi realizada. A história dos Guimaraens sem til, essa, merece ser conhecida.

Para chegarmos à fundação da Fonseca – nome incontornável no sector do vinho do Porto – teremos de recuar a 1822, já que foi então que Manoel Pedro Guimaraens fundou a empresa, após compra da Fonseca & Monteiro (criada em 1815), então uma pequena firma do sector, como tantas outras que à época existiam. Em Portugal viviam-se tempos politicamente difíceis, com o país dividido entre liberais e absolutistas, algo do tipo esquerda e direita dos nossos dias. A diferença é que, então, os assuntos se discutiam de armas na mão e os conflitos culminaram na guerra civil (1832-34) que foi dura e devastadora. Manoel Pedro, liberal dos quatro costados, viu-se obrigado a partir para o exílio, escondido num casco vazio de vinho do Porto. Foi para Inglaterra e terá sido lá que, para facilidade de compreensão dos locais, mudou o seu apelido, retirando-lhe o til. Por lá ficou e o regresso a Portugal deu-se em 1827, seguramente quando sentiu que não correria perigo por ser um adepto do liberalismo. Esse apego à causa liberal valeu-lhe a Ordem de Cristo em 1834, a maior honra então atribuível a um cidadão.

A importância e fama da empresa cresceram e em 1840 a Fonseca já era a segunda maior exportadora de Porto. Nessa sequência lançou em 1847 o seu primeiro Vintage Fonseca, então exportado para Inglaterra que era o mercado principal dos melhores vinhos do Porto jovens, também conhecidos como “Novidade”. Com a vitória do liberalismo em 1834, vários ingleses ligados ao sector vieram para Portugal, como foi o caso de John Fladgate que chegou ao Porto em 1836. Tinha na altura 28 anos. No ano seguinte, juntamente com Joseph Taylor e em 1844 com Morgan Yeatman formou a empresa conhecida como Taylor, Fladgate and Yeatman. Para a história que aqui nos interessa é Fladgate o centro das atenções; teve um filho (que se associou à empresa) e quatro filhas. Todas se casaram com personagens do sector: com James Forrester (Offley), com Albert Morgan (Morgan Brothers), com Charles Wright (Croft & Ca.) e com Pedro Gonçalves Guimaraens (M P Guimaraens, actual Fonseca Guimaraens). Percebe-se assim a ligação secular que existe entre estas duas empresas (Taylor e Fonseca), que integram a The Fladgate Partnership, onde actualmente também incluímos a Croft, a Delaforce, a Romariz e a Wiese & Krohn. A estrutura familiar continua a ser a espinha dorsal da Fonseca. David Guimaraens, actual responsável da enologia da Fladgate é tetraneto do fundador da empresa, Manoel Pedro que, após colocar a Fonseca “no mapa”, veio a falecer em Londres em 1858. No séc. XX, todos os Vintage da Fonseca foram da responsabilidade de apenas quatro enólogos: Frank Guimaraens (desde o 1896 até ao 1948), Dorothy Guimaraens (Vintage 1955), Bruce Duncan Guimaraens (de 1960 a 1991) e actualmente David, desde o Vintage de 1992. Dorothy foi assim a única profissional (ao que consta era exímia provadora…) responsável pelo único Vintage clássico dos anos 50, uma década madrasta para o sector do vinho do Porto: aos anos fracos juntaram-se as enormes dificuldades para sobreviver à devastação pós 2ª Guerra Mundial e à consequente estagnação dos mercados. A Fonseca, em especial, atravessou momentos muito difíceis e, sem crédito na banca, acabou por ser adquirida pela Taylor, a sua associada que lhe estava a suprir as dificuldades financeiras. Assim, em 19 de Maio de 1949, a Taylor passou a proprietária da Fonseca, tendo-se mantido a individualidade de cada casa, em termos de fornecedores e stocks.

As quintas, as uvas e os fornecedores delas

Foi no tempo de Bruce Guimaraens que a Fonseca adquiriu as propriedades que tem hoje. Até aos anos 70 poucas eram as empresas que tinham quintas no Douro; a Croft tinha a Roeda, a Taylor’s tinha Vargellas, a Ferreira tinha algumas quintas herdadas de Dona Antónia (Vesúvio, Meão, Valado, entre outras) mas eram casos isolados; a esmagadora maioria dos vinhos eram adquiridos aos lavradores e chegavam a Gaia já feitos e prontos. Os exportadores, como eram conhecidos os homens das empresas do vinho do Porto (únicas autorizadas a exportar), poucas razões tinham então para sair de Gaia: era ali que provavam e aprovavam os lotes, era ali que os vinhos estagiavam e envelheciam nos cascos e era dali que eram exportados em pipa. Ir ao Douro era uma odisseia tal que era de evitar a todo o custo. Não se estanha assim que a Fonseca, apesar de ter grandes vinhos, não tivesse acesso, durante mais de 150 anos, a uvas próprias. Estamos mesmo em crer (suposição nossa) que os homens de Gaia não conseguiriam saber de que castas eram os vinhos que lhe chegavam, tal como não sabiam o compasso da vinha, a técnica da poda, as re-enxertias e outras páticas vitícolas. Até 1963, era seguro que eram todos feitos em lagar com pisa, uma vez que as cubas auto-vinificadoras, de cimento, só surgiram na região em 1964. Se os vinhos que chegavam a Gaia fossem de pequenos lavradores, continuariam certamente a ser vinhos feitos em lagar. Os provadores – personagens com uma tremenda importância no sector durante décadas e décadas – decidiam então, em Gaia, o destino dos vinhos que lhes chegavam: para Vintage e Tawnies com indicação de idade iam os melhores lotes; para as restantes gamas iam os vinhos de menor valia. Este foi o mundo da Fonseca até finais dos anos 70. Foi então que o sector percebeu – face à enorme procura internacional, nomeadamente de Vintage – que só controlando todo o processo, da vinha à adega, seria possível assegurar a alta qualidade dos vinhos produzidos. Deu-se assim um retorno ao Douro, agora com intenção de adquirir propriedades que pudessem suprir as necessidades ou, pelo menos, assegurar a melhor qualidade possível para os vinhos de topo.

Chegou então o momento da Fonseca se aventurar no Douro. A primeira propriedade adquirida foi a Quinta do Cruzeiro, em 1973. Situada em Vale Mendiz, a propriedade tem 21 ha, dos quais 13 com vinhas. A quinta já era fornecedora de uvas à empresa desde 1870 e desde 1912 que os vinhos do Cruzeiro entravam nos lotes dos Vintage. Após a morte do proprietário, a Fonseca adquiriu esta quinta que conhecia muito bem. Desde então as suas uvas – e de algumas vinhas adjacentes – são a espinha dorsal dos Vintage Fonseca.

Em 1978 a Fonseca comprou a Quinta do Panascal, situada nas margens do Távora, afluente da margem sul do Douro. Também daqui já seguiam vinhos para a empresa; desde a compra que a renovação dos vinhedos do Panascal tem sido uma actividade constante e é hoje uma propriedade em modo de produção bio.

Em 1979 foi adquirida a Quinta de Santo António, vizinha do Cruzeiro; tem 8,8 ha de área e cerca de 6 ha de vinhas, todas renovadas no moderno sistema de plantio introduzido pelos técnicos da empresa, com direcção de António Magalhães.

Para além destas, a empresa tem adquirido muitas outras quintas e parcelas vizinhas (também, por tradição, chamadas “quinta”), como aconteceu na vizinhança do Cruzeiro e Santo António. Assim, propriedades como Junco, Eira Velha, Casa Nova, Vedejosa, Vale do Bragão e Arruda, são pertença do grupo mas não estão adstritas a uma marca em particular. As uvas são assim usadas para os restantes vinhos do grupo mas não para os Vintage; esses continuam a ser das quintas tradicionais. É assim, diz David, “que se consegue manter a identidade de cada Vintage; não é por ser feito por mim ou por outro, é a expressão deste local e por isso não se deve incluir o que não tem cabimento”.

Em Janeiro de 2022, a empresa tomou posse da vinha Vale de Muros, vizinha do Panascal, uma vinha velha que corresponde à 1ª geração pós filoxera – ou seja já com recurso aos porta-enxertos – mas implantada em terraços pré-filoxéricos de apenas um bardo. Um verdadeiro monumento nacional. A parcela tem 1,6 ha. Quando chegou a hora da reforma, o anterior proprietário confessou: “preciso que seja o Panascal a tomar conta da vinha”. Dizem-nos que “foi um gosto da família toda vender à Fonseca”. Não nos custa a acreditar, tal o entusiasmo com que António Magalhães fala da vinha onde, mais do que cepas e muros vê um livro aberto sobre o modus operandi da lavoura na era pós filoxera. Sobre isso, conta-nos, “a vinha foi replantada aqui após a filoxera sem mexer nos muros e na largura dos socalcos. Só plantaram um bardo e não mais, como nos novos terraços pós-filoxera”. Então António conclui, “aqui a única diferença em relação aos tempos anteriores à filoxera é o recurso ao porta-enxerto montícola, muito rústico e que induz baixa produção mas permite que as cepas vivam mais tempo”. Tudo se percebe melhor, agora…

Gimaraens vintage fonseca
Na quinta do Panascal têm origem algumas bases para o Guimaraens.

Os novos métodos de plantio que a empresa adoptou no Douro – patamares de um bardo com 1,5m de largo que permitem acesso ao talude, e inclinação do terreno em 3% para escoar eventual enxurrada, tem tudo de novo na região, mas já o Visconde de Vila Maior, nos finais do séc. XIX, num texto verdadeiramente visionário, chamava a atenção para isso sugerindo que, quando a mão de obra escasseasse  para fazer os muros e se tivesse de optar por taludes, ter-se ia de ter em atenção a inclinação do patamar, exactamente pela razão referida. Notável! Já quanto à escassez de mão-de-obra, recordemos que é, apenas, um problema que existe desde que existe Douro e vinho do Porto…

Fonseca e Guimaraens – Vintage de prestígio

Tal como muitas outras casas do sector, a Fonseca tem dois tipos de Vintage: o Fonseca nos anos considerados “clássicos” e o Guimaraens nos anos não clássicos, também chamados pelos ingleses de “anos single quinta”. Aqui duas ressalvas: dizemos “muitas casas do sector” porque nem todas aceitam esta divisão entre clássico e single quinta, como foi durante mais de um século o caso da Ferreira, para quem “ou era Vintage ou não era”, afirmação tradicional dos enólogos da casa; e a própria designação de “clássico”, também ela muito querida às casas inglesas, mas que outros rejeitam totalmente, como o caso da Quinta do Noval. A ideia seria que “clássico” era o ano em que as empresas declaravam Vintage com a principal marca, neste caso Fonseca, noutros Graham’s, Dow’s ou Taylor’s, por exemplo. Sabemos que esta diferenciação é uma convenção criada nas empresas e que nada tem a ver com a entidade certificadora. De facto, o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) não faz aquela distinção na aprovação dos lotes, limita-se a certificar o lote em apreciação como Vintage, sem mais adjectivos.

Quanto à Fonseca a noção de “single quinta” tem aplicação relativa, uma vez que a segunda marca – Guimaraens – é também ela lote de várias quintas. Para que a vida do consumidor não fique muito facilitada, além do Guimaraens, a Fonseca tem alguns Vintage de quinta, como é o caso do Quinta do Panascal (primeira declaração em 1984) e o Quinta do Cruzeiro, muito raramente editado e de que apenas conhecemos e provámos o 1982. É tudo algo confuso, mas o sector do vinho do Porto é mesmo assim…

O Guimaraens nasceu em 1931 e na prova que fizemos provámos a partir do 1933. Na década de 30, o Guimaraens era editado nos mesmos anos que o Fonseca e o lote de cada um é que era diferente. Segundo David Guimaraens foi a partir dos anos 40 que assumiram o Guimaraens como segunda marca.

O “assunto” dos single quinta ou Vintage não clássicos é de especial interesse para os consumidores, uma vez que são vinhos de grande qualidade e aprovados como tal pelo IVDP, mas que têm um preço bem mais acessível do que os Vintage considerados clássicos. Não durarão 100 anos mas nós também não…

Para se ter uma ideia da diferença, a Garrafeira Nacional (em Lisboa) vende o Guimaraens 2018 a €42 enquanto o Fonseca 2017 custa €111…

Os Fonseca são, com frequência, verdadeiros monstros, vinhos eternos que tendiam a precisar de 30 a 40 anos para começarem a dar boa prova. O melhor exemplo será o 1985, sem dúvida, o melhor da declaração, e que só agora começa a mostrar condições para ser apreciado, mas onde notamos vigor e potência para os próximos 50 anos. As edições mais recentes têm mostrado mais elegância mesmo na juventude, mas continuando a ser vinhos de enorme estrutura. O Guimaraens é mais previsível mas o 1976 desmente tudo (ver caixa). Segundo David, é normalmente após 40 anos de garrafa que conseguimos perceber e distinguir os que são eternos e os que não são tão longevos; é o caso da comparação entre o Guimaraens 1957 e o 1965, este segundo a mostrar-se muito mais jovem e a dizer-nos que durará mais tempo em garrafa.

Guimaraens vintage fonseca
De 1933 a 2018, 85 anos de vinhos e de história.

Uma prova memorável

Começámos a vertical de Guimaraens pelo mais antigo, o 1933. Já muito ligeiro na cor mas de aroma notável, pela delicadeza, pela finura e pelo carácter de fruta em calda e licorados de grande nível (19). O 1957 apresentava uma cor mais tawny e menos rico de estrutura que o 33, mas muito fino e elegante na boca (18). O 1965 nasceu num ano com alguma chuva na vindima o que, segundo David, também distingue os anos clássicos e não clássicos, já que nos clássicos a vindima é sempre sem chuva. Este mostrou estar agora no seu melhor momento, com aromas de garrafa, uma tonalidade ainda vermelha, verdadeira “atracção fatal” no aroma. Belíssimo (19). O 1967 sofreu de um mal que durante décadas afectou alguns Vintage, o facto de nascerem a seguir a um ano declarado como clássico, neste caso o 1966, 1967 “devia ter sido declarado”, lembra David; tem aromas sedosos e bela tonalidade vermelha, uma textura macia, envolvente e cheio, ligeiramente mais curto no final que o 1965 (18,5). O 1976 (ver caixa) nasceu em ano de baixos rendimentos derivados da seca, mas gerou um Vintage absolutamente glorioso (20). Ao contrário do 1976, o 1978 surgiu em ano húmido durante quase todo o ciclo mas com vindima seca, originando um vinho aberto de cor mas muito fino na boca, elegante e com carácter. Evoluiu depressa e já há bastante tempo que está no zénite (18). O 1984 mostrou-se ligeiro na cor, muito polido de aromas, com fruta em calda, muito agradável de beber agora e já no ponto certo do consumo (18). O 1987 foi ano que, também ele, deveria ter sido declarado (o que já ouvimos em várias casas) mas esta garrafa não se mostrou à altura, com algumas (subtis mas evidentes) notas aborrachadas. A rever. O 1991 foi declarado como segunda marca num ano em que quase todos declararam clássico o que gerou imensa controvérsia. O vinho mostrou muito bom perfil, ainda cheio e com bom volume, em grande forma na boca, a dar imenso prazer na prova (18,5). O ano de 1998 prometia tudo de bom e gerou grande entusiasmo no sector mas a chuva na vindima deitou tudo a perder e as duas garrafas aqui provadas também não nos deram grande alegria. O 2001 mostrou-se com boa cor ainda que a perder alguma concentração, está muito elegante e a dar bela prova, com a doçura no ponto (18). O 2008 revelou-se espectacular de cor e aroma, com fruta vermelha e negra e especiarias de pimenta preta, taninos excelentes, com grande complexidade (18,5). O 2015 nasceu num ano de invulgar seca mas alguma chuva na vindima ajudou à qualidade final. Concentrado na cor e ainda fechado no aroma mas com enorme potencial; taninos finos bem presentes, todo ele a mostrar anos e anos pela frente (18,5).

No conjunto, uma prova rara, assente em grandíssimos vinhos e ao longo da qual percorremos 85 anos de Vintage Guimaraens. Memorável, em suma.

guimaraens vintage fonseca
António Magalhães, responsável pelas vinhas da empresa, conhece o Douro como poucos.

 

Guimaraens 1976 – o vintage mistério

Este Guimaraens foi declarado num ano em que muito poucas casas fizeram Vintage, havendo referência de um Quinta de Vargellas e um Malvedos e pouco mais. O ano anterior tinha sido “clássico” mas esse 1975 acabou por se revelar um flop na generalidade do sector, um vinho que nunca deveria ter sido declarado e que é hoje se mostra, regra geral, demasiado ligeiro e frágil, o que contraria a lógica da declaração de um “clássico”. Este 1976 Guimaraens, desde o seu lançamento, mas sobretudo desde o final dos anos 80, veio a revelar-se um “monstro” na positiva acepção da palavra. Concentrado na cor, de enorme estrutura, faltando-lhe em delicadeza o que lhe sobrava em raça e energia. Foi por isso muito apreciado pela crítica e também muito “comprado” já que o preço era muito conveniente e a disponibilidade no mercado era a que se quisesse. Recordo que, na época, nem Bruce Guimaraens nos conseguiu explicar bem a origem daquelas uvas e, assim, o 1976 ficou sempre como eterno enigma. Na prova agora levada a efeito, mostrou-se de novo grandioso e explosivo, com uma concentração de cor que só se repetiu no 1998. Neste aspecto de vigor e estrutura é para mim é um dos Vintage memoráveis do século XX, sobretudo por esse lado inexplicável que lhe estará sempre associado. Nenhum dos vinhos agora provados na vertical se assemelhou no perfil ao “monstro” de 76. Também já tive oportunidade de provar alguns 1976 menos surpreendentes mas aí entra o factor “rolha” a estragar a festa. Para sorte de todos os presentes na prova, este estava absolutamente grandioso. (JPM)

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

Ermo Wines: Roque do Vale versão 3.0

Ermo Wines

Os primeiros frutos do projecto pessoal de Mariana Roque do Vale já estão nas prateleiras das lojas e, embora assentes num histórico legado familiar, revelam um cunho muito próprio. Como próprias são as uvas utilizadas, oriundas de duas propriedades, uma na serra do Mendro, Vidigueira, outra em Moura. Objectivo declarado: expressar um lado moderno do […]

Os primeiros frutos do projecto pessoal de Mariana Roque do Vale já estão nas prateleiras das lojas e, embora assentes num histórico legado familiar, revelam um cunho muito próprio. Como próprias são as uvas utilizadas, oriundas de duas propriedades, uma na serra do Mendro, Vidigueira, outra em Moura. Objectivo declarado: expressar um lado moderno do Alentejo, com vinhos diferenciadores e produzidos em pequena escala.

 Texto: Luís Lopes  Fotos: Ermo Wines

Roque do Vale é um nome que soa forte juntos de apreciadores que reúnam duas condições: gostar de vinhos do Alentejo e andar por cá há alguns anos. Curiosamente, as raízes mais profundas dos Roque do Vale não são alentejanas mas sim da zona de Torres Vedras, onde a agricultura sempre fez parte da actividade familiar ao longo de muitas gerações. No entanto, foi no Alentejo, e a partir dos anos 80, que Carlos e Clara Roque do Vale deixaram marca profunda, enquanto produtores de vinho (na altura, na sub-região de Redondo, com a marca Redondo, dos rótulos com pratos de barro, ou o conhecido Tinto da Talha) e enquanto dinamizadores do Alentejo como região vitivinícola, muito tendo contribuído para a sua afirmação naqueles primeiros anos da demarcação. Neste contexto, nunca é demais recordar que Carlos Roque do Vale foi um dos fundadores da ATEVA (Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo), que chegou a dirigir, e que Clara Roque do Vale foi a primeira presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, onde esteve 12 anos, implementando toda a estrutura de certificação e promoção dos vinhos do Alentejo e da Rota dos Vinhos do Alentejo. Em 2000 o casal lançou-se num novo ciclo empresarial e criou a empresa Monte da Capela, em Moura, recentemente rebaptizada como Casa Clara, onde produz vinhos e azeites.

Ermo WinesFilha de Carlos e Clara, Mariana Roque do Vale tem, pois, toda esta “carga histórica” com que lidar. E, no entanto, não estava previsto que assim fosse. Licenciada em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, Mariana desenvolveu o seu percurso

profissional na área da consultoria, da banca e de gestão, entre Lisboa e Londres onde viveu cinco anos. Em final 2019, porém, resolveu aplicar os seus conhecimentos do mundo empresarial e financeiro ao projecto Casa Clara, tornando-se sócia dos seus pais. Desde o início, porém, que ambicionou ter, em paralelo, o seu próprio negócio vitivinícola. E assim, nasceu o Ermo. “O Ermo é algo de muito pessoal”, diz Mariana Roque do Vale. “Enquanto a Casa Clara tem estatuto e perfil mais clássicos, aqui pretendi fazer algo mais arrojado, trazendo uma visão e abordagem moderna no mundo dos vinhos.” A intenção passou por criar vinhos “de baixa intervenção e de produção limitada”. Para acentuar a diferença, o conceito enológico teria de ser distinto e, foi nesse sentido que Mariana convidou Joana Pinhão para dirigir a enologia. Joana, com larga experiência no Tejo, Douro e Vinhos Verdes, nunca tinha trabalhado no Alentejo e aceitou entusiasmada o novo desafio.

ENTRE MOURA E VIDIGUEIRA

Para fazer vinho, é preciso uvas. Mariana Roque do Vale optou por basear os Ermo exclusivamente em uvas próprias. À partida, tinha desde logo o conforto da matéria prima da Herdade da Capela, propriedade da Casa Clara, a sociedade familiar. Mas a produtora queria ter algo mesmo seu e deste modo adquiriu a Quinta de D. Maria, na serra do Mendro, Vidigueira (não confundir com a quinta e marca Dona Maria, em Estremoz…). Assim, os primeiros vinhos que agora chegam ao mercado assentam nas duas propriedades e com divisão bem clara na origem das uvas: os brancos, são da Herdade da Capela; os tintos, da Quinta de D. Maria.  A Herdade da Capela localiza-se na sub-região de Moura, na margem esquerda do Guadiana. É uma propriedade de 70 hectares, de suaves encostas, com solos de derivados de calcário com algum granito, à beira do espelho de água do Alqueva. Ali estão plantados 54 hectares de vinha com diversas castas tintas e brancas, mas no Ermo entram apenas estas últimas, e em concreto as variedades, Arinto, Antão Vaz, Verdelho e Viosinho, de videiras com cerca de 25 anos.

A Quinta de D. Maria encontra-se localizada na Serra do Mendro, acompanhando uma das suas encostas que desce desde a cota de 300 metros até à margem do rio Guadiana. É uma propriedade de 231 hectares, com 26 hectares de vinha em produção, 40 hectares de olival tradicional (de onde vem o azeite Ermo), montado e floresta. Os solos são de xisto e pedra rolada do rio e as variedades plantadas são exclusivamente tintas: Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Castelão e Trincadeira, às quais se junta uma pequena parcela de Cabernet Sauvignon. Estas videiras, com mais de 30 anos, têm história no Alentejo. É que, a partir de final dos anos 90 e ao longo de uma década, deram origem aos famosos tintos do produtor Francisco Garcia, vinhos ambiciosos na qualidade e no preço. O que, se traz garantias da excelência do terroir, também acentua a responsabilidade de Mariana Roque do Vale, da enóloga Joana Pinhão e do consultor de viticultura João Torres.

Mariana, porém, não se limitou a recuperar as videiras plantadas naquela encosta do Mendro, com um microclima mais ameno criado pela escarpa da falha da Vidigueira. Aproveitando o relevo da propriedade, plantou 10 hectares de vinha nova, parcialmente desenhada em patamares que, de algum modo, lembram o Douro. A opção varietal passou por reforçar algumas das castas clássicas já existentes na vinha antiga (Alicante Bouschet e Castelão) e introduzir castas portuguesas menos tradicionais na região: Tinta Francisca, Tinta Miúda, Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. É a expressão de “Alentejo moderno” que Mariana Roque do Vale pretende implementar na marca Ermo. “Queremos novas potencialidades para os nossos vinhos”, refere, “e estas são castas que acreditamos virem a adaptar-se bem ao clima e solo da propriedade, aportando frescura e acidez.” A experiência e conhecimento científico de João Torres foram fundamentais nesta decisão. Foi feito um estudo detalhado do solo, orientação solar e topografia do local, para que cada casta ficasse plantada na parcela mais apropriada. E a construção de parte da vinha em patamares permitiu que algumas variedades, como o Sousão, ficassem viradas a nascente, protegendo-se do calor das tardes de Verão.

Ermo Wines

ALENTEJO MODERNO

A viticultura do Ermo encontra-se no modo de produção integrada, utilizando recursos naturais e mecanismos de regulação natural, e uma parte está em processo de migração para o modo de produção biológico. “As uvas são todas colhidas à mão e na adega, tentamos ser o menos interventivos possível, apostando em fermentações espontâneas e vinhos com macerações mais suaves”, diz a enóloga Joana Pinhão. “Na base do projecto está uma visão moderna da vitivinicultura e da enologia, assente numa filosofia de sustentabilidade nos seus diversos pilares, e numa aproximação de baixa intervenção, respeitando o solo e o carácter das vinhas”, complementa Mariana Roque do Vale.

A primeira vindima (a vinificação é feita na adega da Casa Clara, em Pias) teve lugar em 2020, com os vinhos a começarem a chegar às lojas em finais de 2021. Para já, são cerca de 20.000 garrafas, mas prevê-se um crescimento suave e sustentado ao longo dos próximos anos. No mercado estão dois brancos de Arinto (um deles feito em ânfora) e um tinto de Castelão, pensado num perfil mais leve e elegante. Em breve, chegará um novo tinto, também de 2020, desta vez um blend, com as castas Trincadeira, Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon. Os vinhos provados prometem muito, e vale bem a pena manter este projecto Ermo debaixo de olho.

Um projecto que não se esgota no vinho, nem sequer no Alentejo. Mariana Roque do Vale é apaixonada pela arquitectura e pela maneira como o espaço influi na nossa vivência. E como quer introduzir outras formas de pensar o Alentejo e os seus vinhos, está a criar no bairro da Lapa, em Lisboa, numa casa projectada pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) um espaço para jantares vínicos e provas que vai funcionar como extensão enoturística do Ermo e de outros produtores. Em princípio, os primeiros eventos ocorrerão ainda este ano. Em estudo estão também um hotel rural, uma cave de estágio e um pavilhão de provas, com assinatura de alguns dos mais cotados gabinetes de arquitetura contemporânea.

“Quero dar continuidade ao legado de meus pais, mas quero fazer mais coisas, estabelecer uma ponte para o futuro, para um moderno Alentejo”, diz Mariana. Se o Alentejo moderno é assim, venha mais.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Murgas Wines: Bucelas a mexer

Murgas Bucelas

A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo. Texto:João Paulo Martins  Fotos: Murgas Wines João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. […]

A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo.

Texto:João Paulo Martins  Fotos: Murgas Wines

João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. A sua quinta em Bucelas fervilha de vida, humana e animal. Originalmente a propriedade pertenceu ao avô, Sérgio Geraldes Barba que, além desta Quinta das Murgas, tinha mais propriedades na região, como a quinta do Avelar, hoje detida por um tio de João. As referências ao avô foram uma constante ao longo da nossa visita e da nossa conversa. Entrámos numa viatura todo-o-terreno e fomos visitar muitas instalações existentes na zona, quase todas desactivadas. Aqui ficavam os aviários do Freixial, um colosso (para a época era o maior da Península Ibérica) de criação de frangos, ainda activo nos anos 70 e 80 e que chegou a empregar 300 pessoas, com escolas e cantinas. Hoje muitas das casas estão em adiantado estado de degradação, finalizada que foi a “aventura franguística”. Sobrou espaço e João não põe de lado a ideia de alargar a área de vinha, assim o negócio prospere. Sérgio Barba era um empresário multifacetado, ligado também à construção, tendo sido da sua responsabilidade a substituição do hotel Aviz pelo Imaviz e actual hotel Sheraton, em Lisboa. O seu nome ficou igualmente ligado à odisseia (é mesmo assim que se deve chamar…) da introdução da Coca-Cola em Portugal. Depois de décadas de tentativas, a Coca-Cola foi finalmente autorizada no país em Janeiro de 1977, era Mário Soares Primeiro Ministro. Sérgio Barba esteve na criação da empresa Refrige que iniciou a construção de fábrica própria para a Coca-Cola em Palmela. Terminavam assim todas a reticências que remontavam ao tempo de Salazar que, nos anos 40, era feroz opositor da entrada do grupo em Portugal.

As vinhas e as florestas

João conviveu muito com o avô e dele recebeu o gosto pela terra, pelo vinho e pela natureza em geral. Essa ligação foi uma constante até à morte que ocorreu em 2006. Em Bucelas detinha para cima de 1000 hectares de terras e ainda hoje (nomeadamente na Quinta do Avelar) se percebe um micro-cosmos onde a exuberância da vegetação nos faz esquecer que estamos às portas de Lisboa.

Os vinhos de Bucelas estiveram durante décadas confinados a muito poucos produtores. Na altura, além de Geraldes Barba apenas as Caves Velhas tinham um papel de relevo na região. Eram herdeiras de um outro grande empresário mas de época muito anterior, João Camillo Alves que, nos anos 40 e 50 –, era assessorado pelo enólogo Manuel Vieira. Foi preciso esperar pelo início dos anos 90 para conhecermos uma nova era para a região com a constituição da Quinta da Romeira e o plantio de largos hectares de vinha onde a casta Arinto passou a brilhar a solo, então pela mão de Nuno Cancela de Abreu e mais tarde, João Corrêa. Hoje, a Romeira pertence à Sogrape. A tradição regional impunha os vinhos de lote, com a ligação entre a Arinto, a Rabo de Ovelha e a Esgana Cão. Cancela de Abreu começou a contrario a fazer brancos onde apenas entrava a casta Arinto. Ainda hoje a Quinta das Murgas vende parte das uvas à Quinta da Romeira. Esse gosto pelo vinho monovarietal desenvolveu-se e actualmente a maioria dos produtores locais opta pelo uso exclusivo da Arinto.

Bucelas é famosa desde o séc. XIX e a demarcação ocorreu há mais de um século, no conjunto das primeiras demarcações pós-pombalinas, já no final da monarquia. São pergaminhos de que poucas regiões se podem gabar. Era a esta “zona saloia”, onde pontificavam as hortas e pomares, que os lisboetas iam passear aos fins-de-semana. Temas queirosianos por excelência…

Estamos em terras de brancos, os únicos que têm direito à DOC Bucelas e, embora aqui se produzam também tintos, a verdade é que toda a fama recai na casta Arinto, responsável pelo carácter muito próprio dos brancos locais. Como sabemos pelas informações dos cientistas da vinha que estudam ADN e genética quantitativa das castas, a Arinto nasceu mesmo em Bucelas e foi daqui que, aos poucos, se foi espalhando por todo o país. Ganhou fama e é hoje, reconhecidamente, uma das mais, se não mesmo a mais importante casta branca que temos no país, na conjugação de qualidade, adaptabilidade e dispersão geográfica. A principal característica que todos lhe reconhecem é o seu carácter ácido que se conserva mesmo em climas mais quentes. A Arinto ganhou assim muito espaço nomeadamente no sul de Portugal, onde passou a ser parte integrante do lote mais característico do Alentejo.

Murgas BucelasA nova vida das Murgas

O dia estava soalheiro e por ali andavam alguns cavalos, dos muitos que aqui estão em permanência, actividade que está a cargo do irmão de João. O que se sente na quinta é uma grande presença de animais, alguns exóticos ou pouco conhecidos, espécies anãs, por exemplo, mas também galinhas, lamas, gamos, borregos e um leitão que circula livremente e até nos veio visitar na sala de provas.

Recuperado o casario mas ainda sem adega – os vinhos são feitos em espaço alugado na Quinta da Murta – a vinha estende-se por 12 ha, dos quais 2 de casta tinta que o avô plantou (Touriga Franca, agora rebaptizada de Touriga Francesa) e de gostava particularmente, um hectare de Esgana Cão e o restante de Arinto. Há intenção de plantar mais 4 ha mas a produção para já é suficiente e ainda se vendem uvas para terceiros. O objectivo de João França e do enólogo Bernardo Cabral, passa por conseguir uma produtividade de 15 toneladas por hectare sem prejuízo da qualidade. Estamos em solos argilo-calcários, com muita pedra e muita disponibilidade de água no solo, sendo possível jogar com várias exposições da vinha, o que é uma vantagem. João França já adquiriu algumas parcelas contíguas que também pertenciam à família e por isso há espaço para crescer, jogando com vinhas em encosta de considerável inclinação. Além do branco e do tinto irão fazer este ano um rosé; a produção em 2021 repartiu-se por 7000 garrafas de tinto e outras tantas de branco. Neste momento já se faz alguma exportação para os EUA e Brasil e são, no mercado interno, distribuídos pela Wine Concept.

O mosto da uva branca fermenta (20%) em barrica usada e o mosto das tintas em inox, indo depois para barricas usadas. Após a recuperação da vinha de Touriga Francesa, fez-se o primeiro branco em 2017 e o primeiro tinto em 2019. O branco 2018 estagiou 9 meses sobre borras finas, com bâtonnage nos primeiros dois meses. Cerca de 70% do tinto descansou barricas. Quando da nossa visita, provámos também os brancos de 2017 e 2019. Ficamos em grande expectativa em relação à edição de 19 que, tal como o 17, se apresenta muito citrino e vibrante (17,5). Os tintos são, por ora, feitos em Alenquer na adega da empresa Félix Rocha.

Quando neste mês de Setembro arrancar o projecto de enoturismo será possível organizar passeios pela quinta, a cavalo, em viatura todo o terreno ou a pé, provas de vinho a meio do percurso, convívio com toda a fauna local, percursos pessoais em que se entrega um mapa, uma cesta com a merenda e, a pedido, uma bicicleta, para fazer o circuito. Não faltarão motivos, não já para ir “ver as hortas” queirosianas, mas para usufruir de um ambiente rural sofisticado bem perto de Lisboa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

Vinhos & Sabores 2022 – As fotos e os vídeos do evento

vinhos e sabores

“Vinhos & Sabores 2022” – Veja todos os vídeos e fotos da maior feira do sector em Portugal.  AQUI Obrigado a todos os produtores, visitantes e staff que fizeram com que o evento deste ano fosse Incrível! Até para o ano…  

“Vinhos & Sabores 2022” – Veja todos os vídeos e fotos da maior feira do sector em Portugal.  AQUI

Obrigado a todos os produtores, visitantes e staff que fizeram com que o evento deste ano fosse Incrível! Até para o ano…

 

Editorial: Alentejo, origens e estilos

Editorial LUÍS LOPES

Os vinhos do Alentejo são definidos por um vasto conjunto de factores, desde logo, a sua origem ou, mais correctamente, origens. Mas também pelo seu estilo, ou perfil particular. Num e noutro caso, em maior ou menor grau, a intervenção humana tem papel primordial. Editorial da edição nº 66 (Outubro 2022) Os vinhos do Alentejo, […]

Os vinhos do Alentejo são definidos por um vasto conjunto de factores, desde logo, a sua origem ou, mais correctamente, origens. Mas também pelo seu estilo, ou perfil particular. Num e noutro caso, em maior ou menor grau, a intervenção humana tem papel primordial.

Editorial da edição nº 66 (Outubro 2022)

Os vinhos do Alentejo, cujos tintos são tema de capa desta edição, constituem, muito provavelmente, o conjunto DOC (Denominação de Origem Controlada) mais diverso que existe em Portugal. Uma boa parte dessa diversidade tem a ver com a origem (origem, sim, terroir é algo muito mais raro e geograficamente preciso). Numa região enorme, que vai da costa atlântica ao interior fronteiriço e que pelo meio abarca colinas, planícies e serras, com vinhas plantadas numa vasta tipologia de solos, das areias aos granitos, do xisto aos mármores, das argilas aos calcários, tem, necessariamente, de existir um pouco de tudo. No que à origem respeita, o papel do produtor é naturalmente mais restrito. Mais ainda que não possa mudar o clima, pode intervir, de diversas formas, nas qualidades do solo, através de movimentação de terras, mobilização, arrelvamentos, adubação, entre muitas outras práticas. Ao nível da viticultura, o produtor intervém de forma ainda mais decisiva, desde o modelo adoptado (convencional, produção integrada, orgânico, etc.) – e aqui é justo referir o avanço que o Alentejo leva, face as outras regiões nacionais, em termos de práticas sustentáveis certificadas na vinha e na adega – até à cultura da videira propriamente dita, da poda à condução da planta, da dotação de água até à escolha dos porta-enxertos e castas.

No Alentejo, as castas selecionadas pelo produtor determinam boa parte da forma como ele e os seus vinhos se definem. Em regiões clássicas, como Douro, Dão ou Verdes, a categoria IG/Regional (Duriense, Terras do Dão, Minho) tem muito pouca expressão e é até sujeita a alguma desvalorização no mercado, o que “obriga” (e bem!) os produtores a focarem-se em meia dúzia de variedades “tradicionais”. Já no Alentejo, DOC Alentejo e Regional Alentejano equivalem-se em notoriedade e preço junto do apreciador. Sem esse constrangimento, o leque de castas legalmente colocado à disposição do produtor é imenso, entre variedades mais antigas ou mais recentes na região. O que, se de algum modo promove a diversidade e até, em certa medida, a qualidade (em teoria, pelo menos, uma casta “de fora” só se justifica se trouxer valor acrescentado…) de algum modo há que reconhecer que não favorece uma identidade regional mais assertiva.

A casta, a meu ver, é o elemento de transição entre a origem (que controlamos menos) e o estilo ou perfil do vinho (onde controlamos quase tudo). É aqui, com base nas decisões que toma na vinha e na adega, que o produtor determina como se vê e como quer que o vejam a si e aos seus vinhos. Na prova de mais de 50 tintos alentejanos que Valéria Zeferino fez para esta edição da revista, a autora identifica quatro grandes estilos, ou perfis: dois “clássicos” (um que alia concentração e elegância, outro focado na concentração e potência) e dois “modernos” (um centrado na intensidade de fruta, estrutura e suavidade, outro que acaba por ser quase neoclássico, recuperando práticas e conceitos de outrora para fazer vinhos mais “light” e diferentes). Acredito que o puzzle Vinho do Alentejo é bem mais complexo, mas tendo a concordar com a Valéria na visão geral. Importante é que cada produtor saiba definir muito bem que caminho (ou caminhos) quer seguir e que o assuma na sua identidade vínica; e que cada apreciador saiba navegar no mar imenso de marcas e perfis de vinho alentejano para que, quando compra uma garrafa, acerte no estilo (ou estilos) que, realmente, o satisfazem. A Grandes Escolhas estará sempre presente para dar uma ajuda.

 

Família Amorim: Novas de Dão e Douro

amorim dão douro

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a […]

A sempre impactante Taboadella, no coração do Dão, foi o palco para a apresentação das novas colheitas do portefólio vínico da família Amorim, oriundas quer da propriedade anfitriã quer da duriense Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo. Entre os vários vinhos lançados, houve espaço para uma estreia, um branco de uvas tintas. E revelou-se a consolidação de dois projectos com muito ainda para crescer e encantar.

Texto: Luis Lopes     Fotos: Amorim

O investimento vitivinícola da família Amorim assenta em duas propriedades emblemáticas. A Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo foi adquirida em 1999, integrada na compra da Burmester. A empresa de Porto foi depois vendida à Sogevinus, mas a propriedade ficou na família, desenvolveu-se muitíssimo e é hoje uma referência na região, em termos de vinhos e de enoturismo. A Taboadella é um projecto bem mais recente. Comprada em 2018, a reabilitação vitivinícola ali realizada e a construção de uma adega (desenhada por Carlos Castanheira) absolutamente inovadora do ponto de vista arquitetónico e funcional, tornou muito rapidamente esta propriedade numa das estrelas que mais brilha no Dão. Brilho que vai certamente aumentar com a recente recuperação da casa da quinta, agora baptizada Casa Villae 1255, uma habitação senhorial de 8 quartos disponível para aluguer em regime de exclusividade. Luisa Amorim, CEO do negócio vitivinícola da Amorim, foi a anfitriã na apresentação das novas colheitas, ladeada por Ana Mota, directora de produção e Jorge Alves, responsável de enologia. Os vinhos, esses, não podiam ser mais distintos entre si, traduzindo as naturais diferenças nas suas origens, Quinta Nova e Taboadella.

QUINTA NOVA

 A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo é uma imponente propriedade situada na margem direita do Douro, entre a Régua e o Pinhão, referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756. Com uma frente de rio de 1,5 km, a quinta tem cerca de 120 hectares, dos quais 85 plantados com vinha. Esta espalha-se por encostas íngremes desde a cota de 80 metros até cerca de 300 metros, com vários modelos de plantação: terraços, patamares e vinha ao alto. Os terraços albergam duas parcelas de vinha centenária, uma de 2,5 hectares e outra com 4,5 hectares, ambas localizadas a 150 m de altitude com uma exposição solar a sul-poente, preservadas em muros de xisto. Ali se conservam cerca de 80 castas tintas e brancas que entram nos lotes dos vinhos mais ambiciosos da Quinta. A produção é, naturalmente, muito baixa, e as parcelas são cuidadas de forma tradicional, o solo mobilizado com charrua e cavalo e adubação natural com recurso à descava. Ana Mota tem procurado manter e replicar o valioso património genético deste tesouro vitícola. Assim, através de selecção massal da vinha centenária, foram nascendo novas estacas e novos talhões de vinha perfazendo actualmente 41 parcelas distintas, cada qual com o seu microterroir.

As uvas brancas da vinha velha entram no lote do Mirabilis, o branco de topo da casa, onde se juntam às castas Viosinho e Gouveio. Lançado pela primeira vez na vindima de 2011, o Mirabilis tem vindo a assumir-se, pela qualidade e pelo preço, como um dos mais reputados brancos durienses. Agora, é a colheita de 2020 que chega ao mercado, mantendo o elevado padrão da marca. O rosé Quinta Nova também já se tornou um “clássico”, criado na vindima de 2015. Chegou a haver duas referências, um “normal” e um “reserva”, mas a partir da vindima de 2019 prevaleceu o primeiro, incorporando embora a fermentação em barrica do segundo. É o caso do agora apresentado 2021, feito de Tinta Roriz (50%), Tinta Francisca e Touriga Franca. Tinta Roriz foi também a casta escolhida por Jorge Alves para a estreia absoluta do Quinta Nova Blanc de Noir Reserva. Da vindima de 2021, é um branco de uvas tintas que estagiou em barricas de carvalho francês. Por fim, o Porto Vintage 2020. Oriundo das vinhas centenárias da Quinta Nova, promete, com alguns anos de garrafa, vir a ser coisa muito séria.

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A Adega Taboadella foi completamente inovadora no Dão.

TABOADELLA

A Taboadella constituiu o início das aventuras vínicas da família Amorim fora do Douro. Situada em Silvã de Cima, entre Penalva do Castelo e Sátão, é uma propriedade planáltica, que se desenvolve entre as cotas de 530 a 400 metros. Os 42 hectares de vinha (29 de castas tintas e 13 de brancas) estão protegidos pelos maciços montanhosos que atenuam os ventos frescos de oeste e os ventos agrestes de leste, resultando num clima entre o atlântico e o continental. A vinha está dividida em 26 parcelas diferenciadas. As vinhas mais antigas centram-se nas variedades tradicionais do Dão: Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira. Nos anos 80, a vinha da Taboadella foi parcialmente replantada, introduzindo-se novas castas como a Tinta Roriz e as brancas Encruzado, Cerceal-Branco e Bical. Hoje, a idade média das videiras é de 30 anos, mas algumas já atingiram um século. A vinha da Taboadella não é regada e está em processo de transição para produção em modo biológico.

As novidades da casa agora apresentadas assentam em quatro varietais, um branco, três tintos. Primeiro, o Encruzado Reserva branco 2021. Tal como os restantes, apareceu logo na primeira vindima da Taboadella, 2018. Para Jorge Alves, acostumado à realidade duriense, o encontro com a Encruzado no Dão foi uma agradável surpresa. “Hoje”, confessa, “é a casta branca portuguesa de que mais gosto, sem reduções ou oxidações na adega, originando vinhos com muita frescura e longevidade.” O Taboadella Encruzado 2021 fermentou e estagiou em diversos tipos de vasilhas (barricas, cimento e inox) e faz justiça às palavras do enólogo.

Os varietais tintos que agora chegam ao mercado são todos de 2020. O Jaen vem das zonas mais altas da quinta, para aproveitar ao máximo a frescura desta casta precoce e mostra grande potencial. O Touriga Nacional é um belo exemplar da variedade, com tudo o que é preciso: flores, fruto, elegância. E o Alfrocheiro vai deixar muito boa gente a pensar porque é que, no Dão, só se fala na Touriga…

Quinta Nova e Taboadella são duas propriedades bem distintas mas focadas no mesmo modelo de negócio, qualidade e valorização. A primeiro faz 650 mil garrafas/ano enquanto a segunda fica pelas 170 mil, mas com a particularidade de 110 mil serem de “Reservas”, ou seja, de preço médio elevado.

Para Luisa Amorim, estes vinhos “espelham a filosofia da Quinta Nova e da Taboadella, o

desejo de ir sempre mais além.” A verdade, é que a grande mentora destes projectos está longe de estar satisfeita: “queremos brancos, rosés e tintos, ainda mais frescos, mais elegantes, sempre preservando a essência do lugar onde nascem.” Ora ainda bem. É a insatisfação que nos leva mais longe.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Van Zellers & Co: Família feita de vinho

Van zellers vinho

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.  Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís […]

Após alguns anos passados a redesenhar a empresa, a Van Zellers & Co ressurge com uma nova identidade de marca e objectivos bem traçados. Hoje, o conceito e os vinhos apresentados ao mercado confirmam o que esta família sabe fazer melhor: reinventar-se, com classe.

 Texto: Mariana Lopes    Notas de Prova: Mariana Lopes e Luís Lopes   Fotos: Van Zellers & Co

Cristiano, Joana, Francisca, pais e filha. Os van Zellers que hoje detêm a empresa com o nome da família, com um legado de séculos a correr no sangue. Reinventada, a Van Zellers & Co traz-nos vinhos que já conhecemos — como os CV ou os VZ — e outros que são novidade, todos com nova imagem: elegante, a ligar a classe do passado ao minimalismo do presente.

Há 400 anos que a família van Zeller está ligada ao Douro e ao vinho do Porto, tendo chegado a Portugal em 1620, vinda da Holanda, e fixando-se no Porto como comerciante de vinho. Fundando (oficialmente) a empresa Van Zellers & Co em 1780, esta família já era, em 1811, uma das mais importantes exportadoras de vinho do Porto, exportando, nesta altura, mais de mil pipas por ano. Em meados do século XIX, a Van Zellers & Co foi vendida, e os van Zellers continuaram o negócio através de outras duas empresas, a Quinta de Roriz e Quinta do Noval, tendo feito, sobretudo nesta última, um trabalho preponderante ao nível da vinha e dos vinhos, fundamental para o reconhecimento que esta marca hoje tem. Luiz Vasconcelos Porto, bisavô de Cristiano van Zeller, foi a figura principal desta revolução do Noval, e foi ele quem, no início da década de 30, comprou “de volta” a Van Zeller’s & Co. Aqui deu-se um período de fusão entre as duas empresas e marcas, mas, por volta de 1988, Cristiano (14ª geração da família neste negócio) resolveu, juntamente com outros familiares, tornar a Van Zeller’s & Co independente do resto. Mais tarde, depois da venda da Quinta do Noval à Axa Millésimes, João van Zeller, primo de Cristiano, recupera a Van Zellers & Co e esta “adormece” durante uns anos, enquanto Cristiano van Zeller se dedica a outras importantes marcas do Douro (como Quinta do Crasto e Vallado) e cria outra, hoje uma das mais emblemáticas da região, em 1996: Quinta Vale D. Maria, após a compra desta à família da sua mulher Joana. O que é certo é que, em 2007, João van Zeller decide oferecer as marcas VZ e Van Zellers ao primo Cristiano como presente de Natal. E é aqui que, na verdade, começa a primeira fase de reconstrução de uma marca e empresa. Cristiano acrescenta o vinho CV Curriculum Vitae (que produzia desde 2003 sob a chancela Vale D. Maria) ao portefólio da Van Zellers & Co e inicia, a partir desse ano a aquisição de Porto a granel, baseando-se no profundo conhecimento que tem do Douro e dos produtores tradicionais que, geração após geração, fazem o chamado “vinho fino” para vender às casas exportadoras de Gaia.

Em 2013, a sua filha mais velha, Francisca van Zeller, integra o Marketing e as vendas da Van Zeller’s & Co, começa a ganhar “mundo” e, em simultâneo, tira o curso de Enologia e Viticultura.

A partir de 2017, já depois de ceder a participação da Quinta Vale D. Maria à Aveleda e de ter deixado de trabalhar com esta, Cristiano reforçou grandemente as compras de vinho do Porto, no sentido de acumular um stock apreciável de Porto velho de alta qualidade. E, juntamente com Joana e Francisca, passa ter tempo para se dedicar de alma e coração à sua querida empresa familiar, que re-apresenta ao mercado em 2020. O resultado está aqui, nos Douro e Porto Tawny provados, mas também numa impressionante colecção de Porto Colheita de 1976 a 1934. São vinhos que quase igualam a personalidade de Cristiano van Zeller: têm uma leveza e, ao mesmo tempo, uma complexidade únicas. Tivemos acesso a eles… mas não queremos contar já.

Van Zellers, hoje

As vinhos da Van Zeller’s & Co estão agora “arrumados” de uma forma mais intuitiva e original: “Crafted by Hand” (criados pelo Homem), são os blends de vários locais/vinhas/castas, onde se inserem os Tawny 10, 20, 30 e 40 Anos, e os VZ branco e tinto; “Crafted by Nature” (pela Natureza), aqueles em que uma vinha e o seu terroir são os únicos “autores” do vinho, como acontece no CV branco e tinto, e nos Van Zellers & Co LBV e Vintage; e “Crafted by Time”, criados pelo Tempo, onde é este que define o perfil, como os Porto Colheita antigos e o tinto Van Zellers & Co 15 Gerações. Francisca Van Zeller, contou-nos como surgiu todo o conceito. “Durante o desenvolvimento da marca, que foi feito em conjunto com Matilde Barroso, amiga e especialista em branding, ficou claro que o que queremos é oferecer vinhos que criam experiências memoráveis, quase como se fosse uma viagem. Isto é feito, primeiro, pela qualidade dos vinhos e, em seguida, pelas histórias e experiências que criamos à volta deles”. Entre parcerias com marcas fortes e premium, como Boutique dos Relógios Plus, uma comunicação mais familiar e diferenciada nas redes sociais, Francisca quer criar uma orla “fresca, jovem e desempoeirada”, à volta do core da Van Zeller’s & Co, que são vinhos de qualidade superior, “com engarrafamentos muito limitados”.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Descoberta: O Dão de João Cabral de Almeida

joão cabral almeida

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa. Texto: Luis Lopes Fotos: Luis Lopes e DR O Dão chegou […]

Apesar de ser, sobretudo, conhecido pelas suas marcas da região dos Vinhos Verdes, o enólogo e produtor João Cabral de Almeida faz igualmente vinho na região do Dão, onde tem raízes familiares. Os seus Musgo e Líquen acabam por constituir uma muito agradável surpresa.

Texto: Luis Lopes

Fotos: Luis Lopes e DR

O Dão chegou relativamente tarde na carreira profissional de João Cabral de Almeida. O Vinho Verde foi a aposta primeira e mais forte, seguida pelo Douro, e apenas em 2018 conseguiu o primeiro espaço de vinificação no Dão. Mas esta foi uma evolução natural, ou não tivessem seus avós maternos e paternos sido produtores nestas três regiões. A ligação de João à vitivinicultura também era quase inevitável: dos outros sete irmãos, quatro estão profissionalmente ligados ao vinho.

Foi assim, “empurrado” pela vocação familiar, e sobretudo pelo irmão mais velho, Luis Cabral de Almeida, que se formou em agronomia no ISA, fez vindimas no Esporão, Taylors, Sogrape, Symington, viajou até à Argentina para experimentar as uvas e vinhos do hemisfério sul, e voltou para trabalhar com enólogos que assume como mentores no seu início profissional, João Brito e Cunha e Anselmo Mendes. Depois, lançou-se a solo enquanto enólogo consultor e criou a empresa João Cabral de Almeida, através da qual produz Vinhos Verdes, Douro e Dão, baseando-se na selecção de vinhas e aquisição de uvas em locais que considera especiais. Nasceram assim as marcas Camaleão (Verdes), Omnia (Douro) e, mais recentemente, Musgo e Líquen, no Dão. No total, a empresa já enche 180 mil garrafas, com os Vinhos Verdes a representarem 80% do volume de negócio, mas João tem grandes esperanças de que as mais valias geradas pelos brancos e tintos do Douro e do Dão venham, a breve prazo, equilibrar esta balança.

Para João Cabral de Almeida, o Dão acaba, por ser um regresso às origens. Na casa familiar, em Viseu, viveu até aos 17 anos. De volta ao “ninho”, é naquela cidade que hoje dá aulas de viticultura na Escola Superior Agrária, e é ali que, com sua mulher, também enóloga, Beatriz Cabral de Almeida, criam os quatro filhos do casal.

A abordagem de João ao mundo do vinho é, ao mesmo tempo, simples e complexa. “Como enólogo”, diz, “procuro entender os diferentes locais e colaboro na estratégia a seguir para atingir os objetivos traçados em equipa. Como produtor, tenho a ambição de traduzir o local de origem num vinho de perfil fresco e elegante, com carácter e sentido de lugar.” A região do Dão acaba por oferecer-lhe as condições ideais para cumprir o seu desígnio.

“Acredito que esta é umas das regiões de Portugal com mais apetência para fazer os vinhos que procuro”, refere João Cabral de Almeida, para quem os brancos de Borgonha e os tintos de Saint-Émilion (Bordéus), constituem referências. A adega, pequena, mas com tudo o que é essencial, fica em Silgueiros, mais concretamente em Oliveira de Barreiros, e João trabalha com diversas parcelas de vinha situadas em diferentes sub-regiões do Dão: Silgueiros, Terras de Azurara, Alva, Serra da Estrela e Besteiros. Estas parcelas pertencem a lavradores com quem estabelece uma parceria próxima, e que procura acompanhar durante todo o ano. A idade das vinhas varia bastante, mas a maioria terá entre 25 e 40 anos. Trabalha igualmente duas parcelas mais antigas: uma com cerca de 60 anos em que faz a vindima de branco primeiro e posteriormente a de tinto; e outra com mais de 90 anos em que as uvas são todas vindimadas ao mesmo tempo.

Na sua abordagem de adega, João privilegia barricas usadas, de diferentes origens, tanoarias e volumes, sempre com o propósito de que os vinhos não evidenciem a madeira nos seus aromas e sabores. Os Dão Musgo e Líquen variam entre vinhos de lote, sempre de field blend, e varietais, estes últimos focados nas castas identitárias da região, Encruzado, Alfrocheiro e Touriga Nacional.

Para o enólogo, a principal dificuldade está em encontrar e trabalhar “a vinha certa”. “Estamos o ano inteiro focados em criar as melhores uvas; depois, na adega, procuramos intervir o mínimo para que a natureza se consiga exprimir ao máximo”, remata.

No total, o projecto Dão de João Cabral de Almeida vale cerca de 25.000 garrafas. Mas espera crescer, acompanhando o crescimento da própria região. “Acredito que com os novos produtores de quinta que têm surgido, a região poderá viver uma revolução; e nós esperamos contribuir para o merecido ressurgimento do Dão”, refere. Afinal, como diz, em que outro lugar se pode encontrar “tamanha conjugação de frescura, elegância e subtileza”?

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

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