Grande Prova: O fresco perfume do Verde Loureiro

prova loureiro

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. […]

É certamente uma das mais originais e frescas variedades de uva que temos em Portugal. Na região dos Vinhos Verdes, de onde é oriunda, apresenta-se em diferentes perfis. Encontramos o lado mais “tradicional”, com algum gás carbónico, acidez elevada e leve doçura frutada; e a vertente mais ambiciosa, com vinhos secos, austeros, minerais e longevos. Certo é que o Verde Loureiro não passa indiferente e após 36 vinhos provados fica-nos a certeza de que o nível qualitativo nunca foi tão elevado.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Na região dos Vinhos Verdes temos três castas brancas que reinam em termos de notoriedade: Alvarinho, Loureiro e Avesso. Implementadas em todas as sub-regiões, poucas dúvidas existem que, salvo uma ou outra excepção, cada uma destas variedades tem um terroir de eleição, associado a um rio nortenho. A “casa” do Alvarinho é o vale do Minho (em especial na sub-região de Monção-Melgaço), o Loureiro assume-se no vale do Lima e o Avesso prefere o vale do Douro.

Sucede, que as três variedades não se encontram no mesmo patamar de conhecimento enológico e de reconhecimento do mercado. Se o Alvarinho é já um sucesso com algumas décadas e marcas de grande notoriedade, e o Avesso uma redescoberta relativamente recente, pode-se dizer que o Loureiro está numa fase intermédia. Trata-se de uma etapa em que, mesmo com várias marcas disponíveis, e apesar de um público fiel que aprecia a sua frescura e exuberância, há ainda muito a fazer, mas, simultaneamente, já existem no mercado vários vinhos excelentes, como se verificou na presente prova. Em abono da verdade, depois do Alvarinho, o Loureiro é, certamente, a casta branca de Vinho Verde mais conceituada junto dos consumidores, sendo que, em alguns casos, o preço dos vinhos supera os €10€ ou €15, algo também perceptível neste painel de prova. É certo que a maioria dos Loureiros provados se cinge ao intervalo entre os €4,50 e os €7, mas mesmo essa circunstância tem de ser contextualizada; com efeito, não só a cada ano que passa surgem vinhos mais valorizados como, rigorosamente, o referido patamar de preço está bem acima da média dos demais Vinhos Verdes.

Apesar de a fama da casta vir de longe, é inquestionável o contributo que algumas marcas fomentaram ao Loureiro, sendo disso bom exemplo, no final do século XX, os vinhos da Casa dos Cunhas, Paço d’Anha, Solar das Bouças, Casa de Sezim, Casa da Senra ou Quinta do Convento da Franqueira. Com efeito, e apesar de há 30 ou 40 anos não ser comum a casta aparecer totalmente sozinha, todos os referidos vinhos tinham Loureiro como base. Mais recentemente, esse contributo foi aumentado com vinhos, desta feita, 100% Loureiro, da marca Muros Antigos (Anselmo Mendes) e das várias declinações da casta produzidas pela Quinta do Ameal (hoje, parte do grupo Esporão), porventura a propriedade mais intrinsecamente ligada à casta no imaginário do consumidor. Exemplos recentes de projectos que têm levado longe o Loureiro são, entre outros, os vinhos de Márcio Lopes, de João Cabral de Almeida, de Vasco Croft e, ainda, os novos vinhos dos produtores Aveleda e Soalheiro, todos provados neste trabalho.

Conforme referido acima, a casta está muito associada ao Vale do rio Lima, e também ao Cávado, mas tivemos em prova vinhos das demais sub-regiões. É certo que vários dos vinhos mais pontuados provieram do eixo Ponte de Lima – Viana do Castelo, mas provámos óptimos exemplares de outras sub-regiões como no já mencionado vale do Cávado. Até em Monção e Melgaço se começa a apostar no Loureiro para emparelhar com Alvarinho. Efectivamente, as melhores prestações do Loureiro face à uva Trajadura (outra uva da região, por regra com mais álcool e de menor acidez), tem feito com que aquela esteja a substituir esta na hora de contribuir com frescura e acidez a um típico lote baseado em Alvarinho. Percebe-se esta tendência, na medida em que a acidez do Loureiro acaba por equilibrar um perfil mais guloso e cheio do Alvarinho.

Com efeito, o equilíbrio ácido do Loureiro é muito valorizado pelos enólogos que o descrevem como puro e vibrante, a meio caminho entre a acidez por vezes “dura” do Avesso e a acidez quase doce de alguns Alvarinhos.

DIFERENTES ESTILOS E PERFIS

Falando de terroirs, há quem sustente que a casta funciona particularmente bem em solos franco-argilosos (até com um pouco de xisto), mas o consenso sobre a textura dos solos não é total, antes dependendo a qualidade, como quase sempre sucede, de outros factores como a respectiva porosidade e matéria orgânica. Casta de maturação precoce, que prefere solos profundos e de média fertilidade, ganha percepção de mineralidade em solos de base granítica com altitude acima dos 150 metros e com porosidade, com os melhores vinhos a não ultrapassarem 12,5% de álcool. Com cacho comprido e apertado, ou seja, com pouco arejamento, certo é a sua preferência por anos pouco chuvosos por altura da vindima (por isso as colheitas de 2005, 2009 e 2015 deram alguns dos melhores Loureiros), ainda que aprecie a brisa atlântica e as noites mais frescas de verão. No copo, começa por apresentar uma tonalidade citrina pálida, mas, com o passar dos anos ganha rapidamente mais cor em garrafa, ainda que menos intensa do que o Alvarinho. Com diferentes clones disponíveis, é possível um produtor escolher entre perfis aromáticos mais terpénicos e florais (a lembrar, por vezes, algum Moscatel) ou um carácter mais austero e até salino. O mesmo sucede com a produtividade (tipicamente alta) da casta, com os melhores vinhos a resultarem de produções até às 6,5 toneladas/hectare, mas existindo resultados bem positivos próximo das 10 toneladas. A sua presença no encepamento da região dos Vinhos Verdes é dominante: segundo as informações estatísticas disponibilizadas no site oficial da região, ocupa quase 4200 hectares, contra 2300 de Alvarinho (embora esta esteja a crescer mais rapidamente) e outro tanto de Arinto.

A prova que fizemos de 36 marcas, oriundas de toda a região, permitiu-nos encontrar vinhos com diferentes interpretações da casta. Um desses modelos é a utilização do Loureiro para fazer vinhos que se inserem no imaginário do Vinho Verde que se quer beber no ano a seguir à colheita, geralmente acompanhando peixe grelhado ou marisco. Exuberantes na vertente aromática, com gás carbónico, e acidez elevada compensada com alguma doçura frutada, a casta entrega bons exemplares vínicos neste registo. Aqui, agrada-nos o álcool de baixo teor, os preços muito cordatos, apesar de, genericamente, os vinhos serem lançados no mercado precocemente, uma vez que beneficiariam muito com mais alguns meses em garrafa. Nas antípodas, encontramos a tradução da casta assente em fermentação e/ou estágio em barrica, e sem qualquer gás. Por vezes com mais de um ano em estágio de garrafa, são vinhos que revelam ambição. Na sua grande maioria, a barrica aporta um ambiente mais barroco e generoso, com a casta a manter a sua presença, privilegiando uma harmonia entre as notas varietais e utilização da madeira. São vinhos perfeitos para assados, de peixe ou carne, e podem ser bebidos no verão, mas também em meia-estação. Por fim, tivemos vinhos que, sem utilização de barrica, se mantiveram no perfil da região, mas procurando modernizá-lo. Aproveitando o carácter único e muito original da casta (é uma uva que “viaja” pouco a nível nacional ou internacional), são vinhos que expressam a região com muita identidade, vinhos austeros e com notas vegetais deliciosas, vinhos que crescem claramente com alguns anos em garrafa. Descartando-se da exuberância aromática excessiva, do gás carbónico desarranjado e da afinidade entre acidez elevada e doçura frutada, essa terceira vertente mostrou alguns dos melhores vinhos em prova. O certo é que, em todas estas variações, encontrámos denominadores comuns, alguns dos quais já identificados neste texto: originalidade, acidez vibrante, álcool, preços ajustados à qualidade e ambição e, não menos importante, nos melhores exemplares, grande potencial de longevidade. Belíssimas razões para o consumidor eleger os Verdes Loureiro como um dos seus parceiros. À mesa, e não só.

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2022)

 

Editorial: Água

Editorial LUÍS LOPES

Adaptar a produção industrial e a utilização individual à crescente escassez de água é uma necessidade premente, mas que a maior parte do mundo ainda não reconhece como tal. Enquanto país do sul europeu, Portugal será sempre dos mais afectados em cenários de seca como o que agora atravessamos. A indústria (e o consumidor) estão […]

Adaptar a produção industrial e a utilização individual à crescente escassez de água é uma necessidade premente, mas que a maior parte do mundo ainda não reconhece como tal. Enquanto país do sul europeu, Portugal será sempre dos mais afectados em cenários de seca como o que agora atravessamos. A indústria (e o consumidor) estão obrigados a agir. E o sector do vinho não é excepção.

Editorial da edição nº 65 (Setembro 2022)

De tempos a tempos, a seca e as suas consequências entram-nos pela sala dentro, nas imagens televisivas, nas páginas dos jornais. Este ano, mais do que nunca. No entanto, a esmagadora maioria dos portugueses olha para a seca como algo conjuntural, passageiro, não equacionando sequer o cenário de abrir a torneira e, durante dias (meses?), não sair água. Mas essa é uma possibilidade que pode não estar tão longe assim e que áreas do mundo dito “desenvolvido”, como a California, já experimentam. A este respeito, recomendo a leitura da novela “Seca”, de Jarrod e Neal Shusterman, uma ficção assustadora e perigosamente plausível.

Segundo a União Europeia, atravessamos um período de seca como não há memória e que, à data em que escrevo (finais de agosto), não tem fim à vista. Entretanto, arrancaram as vindimas em diversas regiões de Portugal. Em traços gerais, a coisa não está brilhante. Bagos pequenos, mirrados pela falta de água, maturações muito heterogéneas, devido ao “adormecimento” da videira pelo calor e stress hídrico, pH desequilibrado, acidez em baixa. Vinhas regadas e vinhas de sequeiro foram igualmente afectadas, variando o grau do impacto em função da localização, orientação solar, tipologia de solos, opções vitícolas. E se nada pode substituir (na vinha, na uva, no copo) a água que a Natureza entrega sob a forma de chuva, a verdade é que, a nível global, a indústria do vinho está absolutamente dependente da rega. A grande dúvida é se, num futuro próximo, vamos continuar a ter água para regar.

Porém, vejo ainda um número demasiado curto de produtores nacionais seriamente preocupados com isto. Talvez devido, precisamente, à sua dimensão, os maiores parecem estar bem mais despertos para o problema e, sobretudo, mais disponíveis para agir na busca e aplicação de soluções. Confesso que me custa muito ver, por exemplo, pequenos produtores, claramente comprometidos com o ambiente a outros níveis, de mangueiras abertas na adega como se a água fosse um recurso inesgotável. E convictos de que práticas como optimização científica da rega ou reutilização de água na adega, não são para si. Um pouco naquela de que “como produzo pouco vinho, gasto pouca água”. Só que isso não funciona assim. É o mesmo que dizer que uma casa com duas pessoas faz menos lixo do que uma com oito e que, portanto, pode fazer lixo à vontade. Na verdade, a questão não está no volume total de água gasto pelo produtor; está no que gasta por cada litro de vinho produzido.

Os cálculos relativos à pegada de água na produção de vinho estão, naturalmente, condicionados à enorme diversidade existente no sector. Ainda assim, estima-se que, a nível mundial e em média, são necessários 870 litros de água para produzir um litro de vinho (ver water footprint network). Muito menos, ainda assim, que o café (1056 l/l), sumo de maçã (1140 l/l), leite (1020 l/l), pão de trigo (1608 l/kg), arroz (2497 l/l), manteiga (5550 l/kg), carne de vaca (15500 l/kg) ou chocolate (17000 l/kg). Mas bem mais do que a cerveja (298 l/l)…

Sabe-se que, através processos de optimização na vinha e adega, é perfeitamente possível reduzir a pegada de água vitivinícola para um terço da actual. Só que é obrigatório que os produtores interiorizem essa necessidade e resolvam agir. A água é um bem limitado, e vai sê-lo cada vez mais no futuro. Utilizá-lo com a máxima eficácia, racionalidade e parcimónia na produção de vinho é um imperativo. Certamente mais impactante, em termos de cuidado ambiental e sustentabilidade, do que fazer uma vinha biológica.

Esta obrigação aplica-se a quem faz vinho mas também, é claro, a quem o bebe. Os produtores que façam a sua parte. Nós, consumidores, tratemos de ir fechando as torneiras.

Vinhos e Sabores – Está a chegar o grande evento do ano

Evento Vinhos e Sabores

Está quase tudo a postos para dar início ao maior evento do sector dos vinhos em Portugal. São esperados milhares de visitantes portugueses e estrangeiros, centenas de produtores, imprensa nacional e internacional, profissionais da área e entusiastas. Consulte todas as actualizações do evento aqui.   Toda a informação sobre as Provas Especiais e como fazer […]

Está quase tudo a postos para dar início ao maior evento do sector dos vinhos em Portugal. São esperados milhares de visitantes portugueses e estrangeiros, centenas de produtores, imprensa nacional e internacional, profissionais da área e entusiastas.

Consulte todas as actualizações do evento aqui.

 

Toda a informação sobre as Provas Especiais e como fazer a inscrição (vagas limitadas).

 

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Alentejo: De Santa Vitória, com Beja à vista

Santa Vitória

Em visita à Santa Vitória, o produtor alentejano apresentou cinco novidades vínicas e dois azeites, estes últimos de qualidade virgem extra, sendo um de agricultura biológica. O conjunto de vinhos compôs-se dum espumante e quatro tranquilos: dois brancos, um rosé e um tinto, com destaque para o Verdelho, uma novidade absoluta.  Texto: João Barbosa    […]

Em visita à Santa Vitória, o produtor alentejano apresentou cinco novidades vínicas e dois azeites, estes últimos de qualidade virgem extra, sendo um de agricultura biológica. O conjunto de vinhos compôs-se dum espumante e quatro tranquilos: dois brancos, um rosé e um tinto, com destaque para o Verdelho, uma novidade absoluta.

 Texto: João Barbosa     Notas de Prova: Mariana Lopes    Fotos: Santa Vitória

A ondulação suave do Baixo Alentejo engana a vista da distância. Olhando, das vinhas de Santa Vitória, Beja figura-se estar já ali, com o seu castelo que ainda domina o campo. Por vezes, nos dias nítidos e em que o céu e a terra ficam mais contrastados, parece bastar esticar o braço para alcançar a torre do século XIV.

Só que o “já ali” é relativo, especialmente quando se percebe que a distância é a mesma de Lisboa a Cascais ou do Porto a Santa Maria da Feira, rondando os 30 quilómetros. De algum modo, ainda com exagero, poder-se-á dizer que há uma ilusão de óptica. É bonito de se ver.

Os barros de Beja são famosos, reconhecidos quando o trigo dominava a paisagem. A água do sistema de Alqueva trouxe o regadio e novas culturas à região. Todavia, para tantas pessoas, as searas, ora verdes, ora amarelas, são ainda os verdadeiros bilhetes-postais.

A água é importante no Baixo Alentejo e não é diferente em Santa Vitória – nome tirado de freguesia do concelho de Beja – que é a última propriedade do perímetro de rega de Alqueva. Uma sorte nos anos de chuva escassa, como aconteceu no ano agrícola de 2021/2022.

O enchimento do lago começou sensivelmente quando o Grupo Vila Galé investiu na concretização da Casa de Santa Vitória, designação que seria abreviada nos rótulos em 2019, ficando somente a referência à virgem católica que foi martirizada no ano de 249. Nos 1.260 hectares espalhados por cinco herdades, compradas em 2001, convivem o empreendimento hoteleiro, instalações industriais, vinhas, olivais, pomares e floresta – o montado ocupa a maior parte do espaço, abrangendo cerca de mil hectares.

A composição do domínio – constituído com a soma das herdades de Faleira, Faleira Grande, Figueirinha, Malhada e Vilar – será mexida. No espaço de um ano, vai haver alterações, tanto em construção quanto ao cultivo da vinha. O pomar tem pera-rocha, ameixa, nectarina e pêssego – daí não vai passar, nem na variedade das árvores nem em área. A fruta desses 95 hectares vai alguma para os hotéis do grupo, mas a maioria é vendida, através de empresas fruteiras, noutros países. Entre o que existia e o que anteriores proprietários projectavam, o Grupo Vila Galé mudou muita coisa. O campo de golfe não avançou, desistiu-se do couto e acabou a ganadaria brava, que tinha uma pequena praça de touros. Porém, o semental não se foi embora, vive com “meia dúzia de namoradas”, diz Tomás Pires, director do hotel. De antigamente, ficaram também gamos e veados. A vedação tem competência relativa, pois os animais selvagens saltam-na com frequência.

Santa Vitória
Patrícia Peixoto, enóloga de Santa Vitória.

A TERRA E O VINHEDO

 Em produção, estão plantados 127 hectares de vinha, com dez castas tintas e seis brancas. As vinhas estão divididas em três parcelas, com as castas em talhões. Nos 52,45 hectares da Vinha da Mina há variedades das duas cores. Os 23,37 hectares da Vinha da Encosta e os 51,77 hectares da Vinha de Albernoa têm plantadas apenas cultivares escuras. “O terroir é muito homogéneo”, informa Patrícia Peixoto, responsável pela enologia. O chão é xisto-argiloso – ondulado a cerca de 280 metros de altitude. O clima, bem quente, do Baixo Alentejo tem de ser vigiado de perto para que seja domado. “Quem prova os nossos vinhos não se engana. Diz que são alentejanos, mas com elegância. Evitamos o excesso de álcool, o excesso de suavidade e a falta de acidez”, refere.

As primeiras vinhas foram plantadas no final da década de 90, mas a área era pequena. Assim, logo em 2002 começou a ampliação. “A primeira produção foi em 2003. Não foi feita aqui, não havia adega. A primeira vez que a adega laborou foi em 2004. Começámos, muito humildemente, com um crescimento orgânico, à medida das nossas necessidades”, salienta Patrícia Peixoto. No início foram 200 toneladas de uva; hoje, serão 1.200, estabilizando por aqui.

Presentemente, a produção assenta nas castas tintas Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Baga, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Tinta Caiada, Touriga Nacional e Trincadeira. E nas brancas Antão Vaz, Arinto, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Verdelho e Viosinho. Nesta fase, chegou o momento de reestruturar. Há plantas com pouca produção e áreas com falhas. A intervenção vai desde a renovação até ao plantio de novas castas, envolvendo um total de 20 hectares. Agora, entram a branca Cerceal e as tintas Castelão, Touriga Franca e Tinta Miúda. No entanto, a intervenção envolve também as Alicante Bouschet e Syrah, que serão reforçadas. Este ano foi plantada uma área de 5,5 hectares, em sequeiro e modo de produção biológico, com Alvarinho, Petit Verdot e Touriga Franca. No redesenho, as vítimas serão a Tinta Caiada e a Alfrocheiro, “que não acrescentam grande coisa para os nossos vinhos”. Patrícia Peixoto realça a escolha da Castelão, variedade que não é estranha ao Alentejo. “Achamos que se vai adaptar muito bem, pode trazer mais alguma frescura”.

A vindima de 2021 vai ficar na memória. “É um ano difícil de igualar. Como este ano que passou, registo o de 2019. Tivemos grande homogeneidade e equilíbrio em termos de maturação, não tivemos de corrigir mostos. As análises eram perfeitas, pareciam vinhos acabados. É muito difícil conseguir isto. A natureza foi a nossa maior aliada”, sublinha a enóloga.

A vindima é sobretudo mecânica, mas para os vinhos premium a apanha é feita à mão, com as uvas levadas para a adega em caixas para 25 quilogramas. Reduzida é igualmente a pisa a pé. As uvas, quando chegam à adega, vão para a mesa de escolha. A partir daí começam a construir-se mais opções de destino.

14 VINHOS NO PORTEFÓLIO

  gPatrícia Peixoto sublinha a preocupação de conseguir um perfil de elegância e frescura, cumprindo a individualidade das castas e o carácter do terroir. “São vinhos que respeitam o Alentejo e a fruta. Pouca intervenção, porque a uva sendo boa não tem grandes segredos. Claro que alguns vinhos vão à barrica, mas não queremos que a madeira seja a vencedora. Queremos gama de vinhos muito elegantes, muito a puxar à fruta e às castas”. A enóloga realça que querem estabelecer, em cada gama, “preços muitos justos, com uma qualidade sempre a surpreender as expectativas do consumidor, mas tentando manter sempre perfil da casa”.

A gama não é tão pequena quanto isso, mas também não é muito vasta. O portefólio é composto por 14 vinhos. Na base estão os Versátil, disponíveis em branco, rosé e tinto. Seguem-se os Seleção, também com as três cores. Os rosados não estão nos Reserva e Grande Reserva. Ao monovarietal de Touriga Nacional juntou-se o de Verdelho e o espumante é aposta para reforçar.

Como certamente acontece na maioria das famílias, nos vinhos também há alguns com características de personalidade mais incomuns. Em Santa Vitória é o Inevitável, o topo da gama. “Aqui não temos respeito por nada, não há perfil a imitar ou procurar. Basicamente, são sempre as melhores uvas, das melhores castas daquele ano”, diz Patrícia.

O Inevitável é sempre tinto, sem castas fixas e só vem ao mundo em anos de excelência. A edição de Inevitável de 2019 fez-se com Alicante Bouschet e Trincadeira, um casamento inédito na casa. Na calha está o 2020, já engarrafado, e cuja formulação está, por agora, em segredo. A enóloga não descarta a hipótese de novos monovarietais. “É possível. Há duas castas em que acredito muito, que têm muito potencial e que já tivemos como monocasta. Foram edições limitadas, que não voltámos a fazer. Mas poderá haver, de novo, Syrah e Alicante Bouschet”.

BRACARENSE ALENTEJANA

 Patrícia Peixoto nasceu e cresceu em Braga – ainda é apanhada pelo sotaque, mas às vezes as palavras saem-lhe com alguma tonalidade alentejana. Isso é natural, pois quase toda a sua vida profissional tem sido passada no Alentejo. Licenciou-se em Enologia, em 2002, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. O primeiro emprego foi na Adega Cooperativa da Covilhã, onde esteve cerca de dois anos. Passou pela Solouro e pela Enoport antes de entrar para a equipa de Santa Vitória.

Chegou a Beja há 16 anos, quando Bernardo Cabral era o responsável pela enologia, para a vindima de 2006. “Eu era assistente dele. Fazia tudo o que era controlo de qualidade, analítico, microbiológico e apoiava na produção. Entretanto, ele passou para um regime de consultor e fiquei como directora técnica, em 2012. Há mais de um ano saiu definitivamente e fiquei sozinha”.

Em 16 anos muita coisa pode mudar, e mudou. No início, a empresa produzia praticamente só para os hotéis Vila Galé. Hoje, o Grupo Vila Galé absorve entre 25% e 30% da produção, mas Santa Vitória também trabalha o canal Horeca, tem distribuidores, supermercados e clientes individuais, que adquirem quer nos empreendimentos, quer através da loja online. Patrícia Peixoto realça que, pela ligação ao turismo, há uma importante comunicação com os clientes. “Os consumidores de Lisboa e do Algarve têm perfis muito diferenciados. A parte boa é que temos vinhos para todos os gostos e tipos de consumidor”. Patrícia Peixoto destaca a importância, para o reconhecimento da marca Santa Vitória, dos vinhos mais ambiciosos, com estágio em barrica e que exigem “outro tempo, outro momento à mesa, para serem apreciados”. A enóloga exemplifica: “o Reserva Branco é uma novidade, nunca tinha sido feito. O vinho teve uma aceitação fantástica”.

Santa Vitória não trabalha apenas com madeira nova. O uso é optimizado, passando pelas várias referências a partir do Seleção. As barricas novas estão reservadas aos vinhos de topo, “No Grande Reserva posso pôr um bocadinho de barrica de segundo ano”, refere Patrícia Peixoto, “mas o Inevitável estagia a 100% em barricas novas”.

AZEITES, DOCE E PICANTE

 O olival ocupa 195 hectares, estabelecido em modos super-intensivo, intensivo e tradicional. O olival tradicional, em sequeiro, tem apenas 7,19 hectares. É formado por árvores centenárias da variedade Galega e daí saiu o primeiro azeite biológico da casa, agora colocado no mercado.

Antes de 2019, o azeite era produzido noutro lagar. Desde então, é tudo trabalhado na propriedade. Santa Vitória faz actualmente dois azeites; um virgem extra e outro virgem extra biológico. O Premium tem um sabor a verde, picante e amargo. Já o Biológico tem doçura da fruta mais madura, embora se sinta algum picante.

No conjunto de olival existem sete cultivares, sobretudo Cobrançosa, mas também Arbequina, Arbosana, Cordovil, Galega, Koroneiki e Picoal. A colheita das árvores em sebe é 100% feita mecanicamente. Já as oliveiras de copa, mais pesadas, são trabalhadas com vibrador, sendo que a fruta cai para panos, evitando o contacto directo com o solo.

A apanha da azeitona começa na segunda quinzena de Outubro, “quando ainda é dia”, refere Tomás Jónatas. O oleólogo informa que a colheita vai até Dezembro, o que obriga a trabalho mais exigente. “Em Dezembro já chove; há lama e a azeitona vem mais suja. É lavada, passa por uma ventilação para retirar essa água, é encaminhada para uma balança. Fica armazenada temporariamente, no máximo de oito ou 12 horas”, diz. As azeitonas são processadas quase sempre por ordem de chegada, com atenção ao estado de maturação e à variedade, refere Tomás Jónatas. São trituradas em moinhos de martelo, a massa de azeitona é encaminhada para a sala de extracção. A extracção a frio faz-se entre 25 a 26ºC por um período de até 45 minutos, ao ritmo de 400 Kg por hora. Contudo, a empresa aproveita tudo, sublinha Tomás Jónatas: “minimizar o desperdício de gordura é um ganho para o lagar”. O bagaço ainda contém 3% de gordura, mas a qualidade é menor, situa-se nos virgens ou até lampantes. Para estes azeites – vendidos a granel – o tempo e o modo de laboração são bem diferentes face aos virgem extra. A massa é batida até mais de duas horas, a cerca de 40ºC. O caroço serve para aquecer a caldeira industrial. “Precisamos de muitos graus celsius para aquecer 4000 quilos de massa. Tem de se ter capacidade de aquecer a água a 90 graus”, informa o oleólogo. Depois, tudo o que sobra é vendido como biomassa ou para alimentação animal.

TURISMO E VINHO

Santa Vitória realiza visitas guiadas de manhã e tarde, durante a semana, e só de manhã, ao fim-de-semana. Há percursos focados no azeite, com visitas ao olival e ao lagar. A experiência culmina com uma demostração culinária, orientada pelo chef Romão Reis, com refeição. A componente hoteleira (Vila Galé Clube de Campo) foi renovada em 2014 e disponibiliza 81 quartos. As actividades vão do enoturismo ao ecoturismo. Uma das atracções é a equitação: um garanhão e quatro éguas, de raça puro-sangue lusitano, vivem no campo. Em estábulo estão duas fêmeas frísias, que são de fácil montada, e um casal de burros mirandeses para passeios.

Afastadas, entre si e do actual hotel, vão surgir duas unidades, com abertura prevista para 2023, com conceitos diferenciados. Um só para crianças, com 80 quartos, e outro só para adultos, de apenas seis alojamentos. Os miúdos não vão estar, propriamente sozinhos, mas é-lhes dada a primazia de serem os responsáveis em várias vertentes, nomeadamente o check-in e a saída, indica o responsável da hotelaria.

E é hora de voltar aos vinhos. Em visita a Santa Vitória, o produtor apresentou cinco novidades vínicas e dois azeites. O conjunto de vinhos compôs-se de um espumante e quatro tranquilos, brancos, rosé e tinto: Santa Vitória Seleção branco 2021, rosé 2021 e tinto 2020; Santa Vitória Verdelho 2021; e Santa Vitória Espumante 2018 (cuja nota de prova sairá em edição futura).

O Seleção branco é feito de Arinto e Verdelho, enquanto o rosé usa Alfrocheiro e Baga. Já o tinto fez-se com Aragonez e Touriga Nacional e estagiou nove meses em barrica. Barrica essa que não entra no Verdelho para preservar a pureza aromática da casta. Finalmente, o espumante Blanc de Noirs fez-se com uvas Arinto e Baga, colhidas em 2018, e foi elaborado pelo método clássico, com dois anos de estágio “em cave”.

Com vinhos, azeites, fruta, floresta, turismo, hotel, restaurante, Santa Vitória é uma propriedade diversa e polivalente, com imensos polos de interesse. Ali, no coração do Baixo Alentejo, com Beja à vista.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2022)

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Nobre Gosto: Os Fortificados já mereciam uma festa assim!

Cerca de 2000 pessoas visitaram o 1º Festival de vinhos fortificados e doces de Portugal que decorreu no Palácio e jardins do Marquês de Pombal em Oeiras no passado fim de semana, num evento organizado pela Grandes Escolhas e o Município de Oeiras. Vinhos do Porto, Madeira, Moscatel do Douro e de Setúbal, vinhos licorosos […]

Cerca de 2000 pessoas visitaram o 1º Festival de vinhos fortificados e doces de Portugal que decorreu no Palácio e jardins do Marquês de Pombal em Oeiras no passado fim de semana, num evento organizado pela Grandes Escolhas e o Município de Oeiras.

Vinhos do Porto, Madeira, Moscatel do Douro e de Setúbal, vinhos licorosos e de colheita tardia estiveram em prova no magnifico cenário do Palácio, apresentados por 27 produtores, representando o melhor da produção nacional. Um publico ávido, com grande percentagem de jovens e com uma razoável representação de estrangeiros puderam fazer uma aproximação a estes vinhos e deixarem-se encantar por eles.

Veja as fotos e vídeo do evento aqui.

Para além dos entusiastas pelos vinhos generosos, o Nobre Gosto procurou também tocar e atrair outros tipos de publico. Um sunset bar servia cocktails, provando que há muitas formas e outras ocasiões de consumir este vinhos, decorreram diversas masterclasses ao longo do evento, chefes prestigiados ensaiaram demonstrações culinárias e uma ampla oferta de iguarias doces e salgadas tornaram os jardins do Palácio um local de lazer e convívio especialmente aprazível.

 

Quanta Terra: Vinhos com arte, em Favaios

Quanta Terra

O projecto de Celso Pereira e Jorge Alves já tem mais de duas décadas, mas só agora encontrou uma casa à altura dos grandes vinhos que saem das mãos desta dupla. A antiga “Destilaria Nº7” é hoje um espaço multifunções, onde as artes vínicas e as artes plásticas dão as mãos e abraçam os visitantes. […]

O projecto de Celso Pereira e Jorge Alves já tem mais de duas décadas, mas só agora encontrou uma casa à altura dos grandes vinhos que saem das mãos desta dupla. A antiga “Destilaria Nº7” é hoje um espaço multifunções, onde as artes vínicas e as artes plásticas dão as mãos e abraçam os visitantes. Foi ali, dentro de uma cuba de aguardente, que provámos as novidades Quanta Terra.

Texto: Luís Lopes

Fotos: Luís Lopes e Quanta Terra

Na base do Quanta Terra há muita paixão (como é natural em quem se mete com estas coisas do vinho) mas também muita ciência. Ou não fossem Celso Pereira e Jorge Alves dois dos mais conceituados enólogos do Douro. O seu percurso individual confluiu em 1995, quando Jorge, terminada a universidade, foi fazer um estágio de enologia nas Caves Transmontanas, onde Celso já liderava a produção de espumantes Vértice desde a fundação da empresa, em 1988. A diferença geracional (Jorge tem menos 17 anos) não obstou a que se criasse logo ali uma sólida amizade que, pouco tempo depois, em 1999, se estenderia a uma sociedade empresarial, chamada Quanta Terra. Paralelamente, Celso e Jorge foram desenvolvendo a sua actividade enológica em casas de referência, o primeiro nas Caves Transmontanas e na Adega de Favaios, o segundo na Quinta do Têdo e nos projectos directa ou indirectamente ligados ao grupo Amorim: Quinta Nova, Taboadella e Aldeia de Cima.

Antes de avançarem para a sociedade Quanta Terra, os dois enólogos definiram muito bem o perfil de vinhos que queriam fazer e estudaram exaustivamente as condições (castas, solos, altitudes, exposição solar) de que necessitavam para o conseguir. Em termos de terroir, ficou claro para eles que os vinhos tintos viriam do vale do rio Tua e os vinhos brancos e rosados do planalto de Alijó. Claro ficou também que um projecto com este perfil e dimensão (começou com pouco mais de 5.000 garrafas e hoje faz cerca de 65.000) deveria apostar em sólidas parcerias com viticultores de excelência, a quem se comprariam as uvas, e dispensaria investimento em adegas e armazéns, arrendando esses serviços (brancos e espumantes são actualmente vinificados nas Caves Transmontanas e tintos na Quinta do Têdo).

Firme nestas bases, a sociedade decidiu começar logo pelos vinhos de topo e o primeiro Quanta Terra Grande Reserva tinto nasceu na colheita de 1999, uma vindima auspiciosa, em que várias grandes marcas do Douro se estrearam também. Em 2005 surgiria o Terra a Terra Reserva tinto, que vinha colmatar a necessidade de ter uma referência no segmento dos €10-€12. O profundo conhecimento do Douro dos altos, e em particular de Alijó e Favaios, onde Celso Pereira trabalha há mais de 30 anos levou ao nascimento dos primeiros vinhos brancos, o Quanta Terra Grande Reserva em 2007 e o Terra a Terra Reserva em 2010. Em 2018, do mesmo local, veio um rosé de Pinot Noir que rapidamente se tornou uma estrela neste segmento, o Phenomena.

Nesta fase mais recente do projecto, começaram a surgir “especialidades”, vinhos raros, brancos e tintos com estágios muito prolongados em barrica ou elaborados a partir de vinificações especiais, como é o caso dos brancos Golden Editions ou dos tintos Manifesto e Inteiro. O enorme sucesso destes vinhos icónicos fez com que, a partir de 2017, a dupla de enólogos iniciasse um programa de estágios prolongados, em barrica e garrafa, para diversos brancos e tintos.

Em 2021 surgiu o primeiro espumante Quanta Terra, Pinot Noir de 2018, e também um novo tinto, de 2017, ambos fruto de uma parceria com a famosa artista plástica Joana Vasconcelos, que desenhou os rótulos. Artista essa que estendeu essa parceria à “decoração” da nova casa Quanta Terra, em Favaios, onde estão expostas muitas das suas obras.

Ainda que a exposição temporária (até final de julho, pelo menos) das peças de Joana Vasconcelos seja motivo suficiente para uma visita à Quanta Terra, o espaço de enoturismo, só por si, mais do que justifica a deslocação expressa a Favaios. Trata-se de uma antiga destilaria da casa do Douro, a destilaria Nº7, construída em 1934 e agora recuperada com base num projecto do arquitecto Carlos Santelmo. Na época em que foi concebida, tinha como missão destilar e armazenar as aguardentes utilizadas na fortificação do vinho do Porto. Para tal, para além do alambique, possuía diversas cubas de armazenamento revestidas a ladrilhos vidrados, para aguentar a força alcoólica da aguardente. Essas mesmas cubas, onde a infiltração do álcool nas paredes vidradas desenhou verdadeiras obras de arte abstracta, são hoje salas de prova e um dos maiores polos de atracção do espaço Quanta Terra, ao lado da loja e dos documentos e fotografias que traçam a história do local. Manifestações artísticas podem igualmente ser considerados os vinhos de Celso Pereira e Jorge Alves. No copo, revelam-se estimulantes, complexos, frescos, desafiantes fontes de prazer. Não é também isso arte?

(Artigo publicado na edição de Julho 2022)

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Eruptio, vinhos vulcânicos

Eruptio Vinhos Vulcânicos

Embora a última erupção do vulcão do Pico tenha acontecido nos finais do século XVIII, ultimamente tem sido registada uma autêntica erupção de vinhos brancos fabulosos, vindos desta ilha. O novo projecto Eruptio do enólogo Bernardo Cabral, apaixonado pela Ilha do Pico, em parceria com o grupo Abegoaria, trazem à nossa mesa uma expressão líquida […]

Embora a última erupção do vulcão do Pico tenha acontecido nos finais do século XVIII, ultimamente tem sido registada uma autêntica erupção de vinhos brancos fabulosos, vindos desta ilha. O novo projecto Eruptio do enólogo Bernardo Cabral, apaixonado pela Ilha do Pico, em parceria com o grupo Abegoaria, trazem à nossa mesa uma expressão líquida da sua origem, com carácter marítimo e uma frescura inimitável.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Eruptio

Eruptio Vinhos Vulcânicos
o enólogo Bernardo Cabral com Manuel Bio, CEO da Abegoaria.

A montanha, um vulcão, o mar e o vento moldam as condições extremas do cultivo das vinhas na ilha do Pico, que deram origem aos vinhos Eruptio. Para comunicar este terroir não é preciso inventar nada, já está tudo “inventado” pela natureza, basta olhar para a geografia e geologia da ilha.

Situada em pleno oceano Atlântico, a 1500 km de Portugal continental, a ilha do Pico é dominada pelo clima marítimo, caracterizado por temperaturas amenas e baixa amplitude térmica (diurna e anual), pluviosidade elevada e humidade relativa acentuada, taxas de insolação pouco elevadas (ou seja, a luz solar está frequentemente obstruída por nuvens). As chuvas são abundantes e caem praticamente durante o ano todo. Os rigorosos ventos atlânticos pulverizam as vinhas com a água do mar.

O imponente símbolo da ilha é a montanha do Pico com 2 351 m de altitude (a mais alta em Portugal) – um estratovulcão que se formou pelo magma extravasado, depositando material  das erupções numa forma de cone.

Geologicamente, a ilha do Pico é a mais recente de todo o arquipélago, com apenas cerca de 300 mil anos da existência, comparativamente com a ilha de Santa Maria com mais de 8 milhões de anos ou de  São Miguel com mais de 4 milhões de anos. Nesta ordem de grandeza, é uma “ilha bebé”, como lhe chama Bernardo Cabral. O chão é coberto de basalto, formado pelas correntes de lava. Como a pedra ainda não foi transformada em terra arável, as vinhas são plantadas nas fendas da rocha-mãe, com um pouco de terra para preencher estas fendas.

Ficam no sopé do vulcão, a uma altitude de 100 metros aproximadamente, numa faixa junto ao mar na zona das aldeias Madalena, Candelária, Criação Velha e Bandeiras, a oeste da ilha, e Santa Luzia a norte. Por um lado, a precipitação é menor nas zonas costeiras, comparativamente com as cotas mais altas; por outro, os ventos, fortes e salgados, não poupam a vinha. Para proteger as videiras, os picoenses ao longo dos 5 séculos foram construindo muros de pedra solta à volta das vinhas. Chamam-se currais e para além da protecção, criam um microclima mais quente à volta das videiras, ajudando na maturação. Esta paisagem labiríntica, austera, quase monocrómática é tão surreal como fascinante.

“Os Açores apaixonam qualquer pessoa ligada ao campo e agricultura, porque aqui a natureza toma conta de nós, sobretudo na ilha do Pico” – afirma com convicção Bernardo Cabral. “As tempestades são bem fortes, o sal inunda as vinhas. Geralmente, depois chove e o sal é lavado. Quando isto não acontece, o sol queima tudo. Chove sempre muito mas a drenagem também é rápida.” – descreve o enólogo e acrescenta: “o que é certo noutros lados, no Pico nem sempre funciona, como por exemplo, a exposição norte, não necessariamente produz mais frescura nas uvas. De ano para ano as coisas mudam bastante.”

Esta paixão e, de certa forma, a sede pelos desafios são a base do projecto. Bernardo tem família nos Açores, costuma lá ir desde pequeno e até já comprou uma casa. Manuel  Bio, CEO  do  Grupo  Abegoaria, cresceu nas vinhas alentejanas, na terra, tornando-se num empresário que sente paixão pelo que faz. Para ele “os vinhos Eruptio representam a continuada aposta na categoria de fine wines.”

Sendo responsável de enologia na Adega Cooperativa do Pico, Bernardo conhece bem as particularidades das castas autóctones, as condições locais e os pequenos viticultores que viabilizaram o projecto. Como dá para perceber, a área da vinha na ilha é muito limitada pela sua dimensão e orografia. O enólogo conta que lá existe uma medida antiga para terrenos agrícolas – “alqueire”. É preciso 10 alqueires para fazer 1 ha. Quem tiver 10 ha de terra é latifundiário. A produção é muito reduzida, colhem apenas 2500-3000 kg/ha. É nestes moldes que o projecto foi desenvolvido.

A gama Eruptio é composta por 4 vinhos de castas autóctones da Ilha do Pico – três monovarietais – Arinto dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico e um blend das três castas. O denominador comum de todos os vinhos é a frescura e a tensão que não compromete a leveza.

O Arinto dos Açores é uma casta exlusiva do arquipélago. Com a casta Arinto cultivada em Portugal continental partilha apenas o nome, não tendo grau de parentesco. O Verdelho nos Açores é a mesma casta que existe na Madeira, de onde o material vegetativo inicial terá sido originário. A Terrantez do Pico é também uma casta exclusiva dos Açores, e distingue-se da Terrantez cultivada no continente e da casta conhecida pelo mesmo nome na ilha da Madeira.

A abordagem enológica foi feita em função da casta. O Arinto dos Açores fermentou em balseiro de madeira; o Terrantez do Pico fermentou em barricas de carvalho americano muito velhas, utilizadas para produção dos vinhos licorosos; e o Verdelho fermentou em tanques de inox (80%) e barricas (20%); tudo com estágio de 6 meses com as borras finas. No caso do blend, as diferentes castas estagiam individualmente em cubas de aço inoxidável e com as borras finas durante 6 meses, mantendo a temperatura baixa para preservar o carácter fresco do vinho. Os rótulos foram desenvolvidos por Bianca Levy e explicam visualmente o terroir com o vulcão, o mar, as núvens e todo o meio envolvente da ilha.

Foram produzidas 20.000 garrafas de Eruptio blend, 6.100 de Arinto dos Açores, 6.919 de Verdelho e 3.210 de Terrantes do Pico. A comercialização dos vinhos está a cargo do grupo Abegoaria e do distribuidor Garcias.

(Artigo publicado na edição de Julho 2022)

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Concurso Escolha da Imprensa: Abertas as inscrições a produtores

Concurso Escolha Imprensa

Organizado pela Grandes Escolhas, o concurso Escolha da Imprensa é um evento sui generis no qual uma publicação especializada convida colegas de outros órgãos de comunicação social — da imprensa escrita, à rádio, televisão, plataformas electrónicas e redes sociais — a provarem uma amostra significativa do melhor que se faz na produção de vinhos em […]

Organizado pela Grandes Escolhas, o concurso Escolha da Imprensa é um evento sui generis no qual uma publicação especializada convida colegas de outros órgãos de comunicação social — da imprensa escrita, à rádio, televisão, plataformas electrónicas e redes sociais — a provarem uma amostra significativa do melhor que se faz na produção de vinhos em Portugal. Não fechar a apreciação dos vinhos aos circuitos da crítica especializada e alargar o âmbito da sua divulgação a todas as plataformas disponíveis, são os objectivos deste concurso.

A Grandes Escolhas vai organizar mais uma edição do “ESCOLHA DA IMPRENSA” a 27 de Outubro de 2022 aberto a todos os produtores nacionais e com as seguintes características:

– Um júri constituído por críticos e jornalistas, em particular os que habitualmente cobrem os temas ligados aos vinhos e gastronomia, sommeliers, compradores profissionais e bloggers especializados.

– Divulgação pública dos resultados no site, na revista Grandes Escolhas e nas redes sociais com atribuição dos respectivos diplomas aos vencedores.

Toda a informação para inscrições aqui.

 

Passarella: Uma estrela à beira da serra

Passarella Beira da serra

Uma recente visita à Casa da Passarella permitiu-nos conhecer melhor a evolução desta casa que, embora de história mais do que centenária (já fazia vinhos em 1893), só atingiu o estrelato junto dos apreciadores na última década, com novo proprietário e outras ambições.  Há muitas novidades na Passarella, não apenas vínicas mas também turísticas, dois […]

Uma recente visita à Casa da Passarella permitiu-nos conhecer melhor a evolução desta casa que, embora de história mais do que centenária (já fazia vinhos em 1893), só atingiu o estrelato junto dos apreciadores na última década, com novo proprietário e outras ambições.  Há muitas novidades na Passarella, não apenas vínicas mas também turísticas, dois elementos que, como se sabe, estão cada vez mais ligados.

 Texto: João Paulo Martins

Fotos: O Abrigo da Passarela

A Casa da Passarella está localizada num imenso planalto que antecede as subidas várias à serra da Estrela, passando por Gouveia, subindo ao Sabugueiro para aí aproveitar a natureza ondulante, quem sabe para um passeio arejado à beira de riachos e de caminhos com muita hortelã, a enriquecer o ar, já de si, bastante puro. Os vinhos aqui produzidos têm estampado no rótulo a sub-região Serra da Estrela, o que subentende um conjunto de características que remete para diversos produtores, uns bem conhecidos, como Álvaro de Castro, outros menos. Já se sabia, desde há muito, da valia dos vinhos da Passarella, com fama de décadas na produção de néctares muitas vezes comercializados a granel para grandes casas engarrafadoras. É uma grande propriedade, com vinhas dispersas por zonas diferentes, e com idades distintas, sistemas de condução variados, castas conhecidas e desconhecidas, umas nacionais, outras nem tanto. À fama de outrora, até aos anos 70 do século passado, seguiu-se um período em que a decadência parecia inevitável. Em boa hora foi adquirida pela família Cabral em 2008 e o novo proprietário deitou mãos a obra para recuperar a casa e as vinhas. A encimar a propriedade temos a casa, já completamente restaurada (um trabalho exemplar…) e pronta para se tornar, em breve, um hotel. Dizer que é de charme é muito pouco. Aqui todo o charme vem da própria arquitectura, da variada decoração de paredes e tectos que foram deixados intactos e apenas cuidadosamente recuperados. A decoração e os interiores seguem dentro de momentos. Daqui se vislumbra um mar de vinhas, ainda que só se abranja com o olhar uma parte dos vinhedos que completam 60 hectares. Ao arranjo e decoração dos interiores segue-se todo o arranjo exterior que irá tornar o local num ponto de paragem obrigatório para quem quiser conhecer o Dão e os vinhos da Serra da Estrela.

passarella estrela da serraManter, renovar ou arrancar?

Do ponto de vista do trabalho de viticultura e enologia, aqui estamos no céu, tal o manancial à disposição de Paulo Nunes, o enólogo que lidera este projecto desde que foi abraçado pelo novo proprietário. Na visita rápida que fizemos às vinhas, percebemos que as decisões tomadas foram arriscadas mas compensaram. Paulo explica que uma das vinhas velhas estava já com um projecto Vitis aprovado e iria ser arrancada em breve; à súplica do enólogo que pediu “só mais uma vindima” para ver o que dava, o Céu e os Deuses ouviram as preces e contemplaram o enólogo com uma colheita de 2008 de qualidade excepcional que acabou por justificar a manutenção da vinha. Produzia pouco? Pouco mecanizável? Castas esquisitas? Sim, isso tudo, mas dali vem agora um vinho emblemático da casa. O desafio passou muito por aqui, por manter o que era de manter, num trabalho enorme de preservação. Neste caso, de património cultural, não haja qualquer dúvida.

Na continuação da visita fomos ver as vinhas escondidas atrás de pinheiros e castanheiros, as formas de condução já caídas em desuso (“à morcela”) ou de reprodução (por mergulhia). Isto tudo sem deixar de ver as novas “folhas de vinha”, de moderna implantação e as vinhas do vizinho (vamos chamar-lhe sr. Manuel…) que fazem a cobiça de Paulo. Quando ali passámos, lá andava o sr. Manuel a tratar da vinha e Paulo comentou que “anda aqui todos os dias, trata disto como um jardim e temos uma óptima relação; já me disse que, entanto puder, irá continuar a tratar assim e entregar as uvas na adega cooperativa”. Nem com a proposta de lhe pagar o dobro, e a pronto, o sr. Manuel se comoveu; a ligação à cooperativa é um compromisso pessoal, fidelidade é isto…

Nos vinhedos ainda se encontra muita Tinta Roriz, uma casta que é verdadeiramente o “ódio de estimação” de Paulo Nunes que insiste não conhecer nenhum varietal daquela casta que mereça crédito. Por enquanto ela ainda lá está e tem sido usada para encomendas especiais, nomeadamente vindas de fora. A par dela, nas vinhas velhas circulam muitas outras castas, algumas impossíveis de identificar por não constarem em qualquer colecção ampelográfica, como se verá na descrição mais pormenorizada dos vinhos provados.

Novos vinhos e segredos por revelar

Provamos dois novos vinhos brancos, o Descoberta 2021, de que se fazem 60 000 garrafas. No lote entram Encruzado, Verdelho, Malvasia Fina e Barcelo. É um dos vinhos que mais depressa esgota, sendo habitual a ruptura de stock ao fim de dois meses. Não existem, no entanto, perspectivas de aumento significativo da produção. O Abanico 2021 tem origem em vinhas velhas com castas misturadas, sendo o lote completado com Encruzado e Bical. A produção atinge as 13 300 garrafas. Fermenta com leveduras indígenas e, após a fermentação, o estágio decorre em barricas e balseiros usados. A procura elevada exige uma pré-alocação do vinho para que chegue aos clientes habituais. Do Curtimenta branco só se fizeram 1990 garrafas. Vem de uma vinha velha onde têm as uvas com mais acidez. Feito em cuba de cimento com engaço total (3 semanas) onde faz também a maloláctica. Depois vai para barrica usada de 500 litros. Este branco recria o estilo antigo, já que era esta a forma como eram feitos todos os brancos da Passarella.

O Descoberta rosé corresponde a 13 000 garrafas. Tem Touriga Nacional, Jaen e Tinta Roriz. Fazem duas passagens de vindima nestas parcelas, uma parte vai para base de espumante e outra para rosé; o lote final acaba por ser a junção das duas vindimas.

Nos tintos provámos O Enólogo Vinhas Velhas 2019, de que se fizeram 9 000 garrafas. A vinha, que esteve para ser arrancada (ver texto em cima), tem 23 castas misturadas com a Jaen e a Baga em maior percentagem. Faz-se uma co-fermentação de todas as uvas e depois o vinho estagia num tonel usado.

O Fugitivo Bastardo é um produto de nicho. De que se fazem apenas 2152 garrafas mas que se apresenta muito bem. Apesar de ser tida como casta que origina tintos para beber enquanto jovens, o enólogo assegura que o vinho aguentará muito bem a prova do tempo. Do Fugitivo Vinha Centenária resultaram 3000 garrafas. O corte é feito em lagar com pisa a pé, com 100% de engaço, a que se segue um removimento da manta das vezes por dia com a “tranca”, nome de instrumento de madeira que se assemelha (na função) àquele que no Douro ou na Bairrada se chama “macaco”, embora o aspecto não seja igual. A fermentação demora uns 4 a 5 dias a arrancar e depois termina em tonel. Aí fica dois invernos e, posteriormente, tem mais dois anos de estágio em garrafa. Foi, assim, engarrafado em 2020.

No hotel a abrir no futuro próximo serão servidos vinhos de produções micro – Tinta Amarela e Alvarelhão, por exemplo – e para os quais serão recriados rótulos antigos. Fica a ideia que as micro-produções e as experiências do técnico só poderão ser provadas pelos clientes do alojamento. Esta, só por si, já poderia ser razão bastante para a deslocação e estadia no hotel que, desta forma, adquire um charme extra.

É provável que saia também no futuro próximo um tinto de Pinot Noir, uma casta que há muito existia na quinta e era dessa vinha que se fazia um pé de cuba usado depois nas fermentações. Irá sair como Fugitivo. Feito em lagar com engaço, prensado depois, termina em tonel. Pela pré-prova que fizemos notámos que tem muito carácter borgonhês, com leve acidez volátil bem. Irá ser um caso muito sério e contribuir para a aura de qualidade e diferenciação dos vinhos da Casa da Passarella.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2022)

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Quinta das Bágeiras Garrafeira: Um branco à frente do seu tempo

Quinta das Bágeiras

Nasceu em 2001 quando, em Portugal, ainda não se dava valor a brancos complexos e de guarda. Era, antes de existir, o branco que Mário Sérgio Nuno queria produzir, mas ainda não tinha. Hoje, 19 edições depois, é provavelmente o branco que todos queriam ter. Texto: Mariana Lopes Fotos: Anabela Trindade No início dos anos […]

Nasceu em 2001 quando, em Portugal, ainda não se dava valor a brancos complexos e de guarda. Era, antes de existir, o branco que Mário Sérgio Nuno queria produzir, mas ainda não tinha. Hoje, 19 edições depois, é provavelmente o branco que todos queriam ter.

Texto: Mariana Lopes
Fotos: Anabela Trindade

No início dos anos 2000, numa feira de vinhos em Lisboa, Mário Sérgio Nuno apresentou um branco, a medo, a David Lopes Ramos. Nesse mesmo evento, o jornalista e crítico de vinhos e gastronomia, orientou uma prova comentada de vinho com queijos e, igual a si próprio, fez algo que na altura era tudo menos convencional: deu a provar, mesmo no final da sessão e a uma sala cheia, um branco com queijo Nisa. Era o Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2001, a primeiríssima colheita. O produtor tinha estado durante toda a prova, no fundo da sala “à espera de levar porrada”, como o próprio diz, pois “não era um   vinho compreendido pelas pessoas”. Mas todos os presentes adoraram. Era uma vez um branco proscrito e oprimido, 22 anos depois considerado com um dos melhores de Portugal.

Mário Sérgio Alves Nuno criou o projecto da Quinta das Bágeiras em 1989, pegando em todo o know-how aprendido com a sua família, que até então produzia vinho a granel para as caves da região. Juntando vinhas do seu avô paterno com outras do avô materno, perfazendo 12 hectares, fundou nesse ano, segundo o bairradino, a primeira empresa vinícola da Bairrada em mais de duas décadas.

“Bágeiras” era a vinha para onde o avô de Mário Sérgio, Fausto Nuno, costumava ir todos os dias trabalhar, montado na sua bicicleta “pasteleira”, hoje em exposição na adega que fica na aldeia da Fogueira, concelho de Anadia. “Lá vai o Fausto para a sua Quinta das Bágeiras”, dizia o povo, sem saber que viria, um dia, a dar o nome a um dos mais promissores produtores de vinho portugueses, no top da região da Bairrada.

Até hoje sempre com o apoio — na vinha, na adega e na vida — do seu pai Abel e mãe Maria do Céu, Mário Sérgio tem agora também ao seu lado o filho Frederico Nuno, de 25 anos, licenciado em Enologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e com estágio em empresas de diferentes tamanhos e conceitos, como Lusovini, Susana Esteban, Sogrape, Anselmo Mendes ou Barão de Vilar. Também ele aprendeu muito com o pai e os avós enquanto cresceu, lições preciosas dadas diariamente no campo e na adega. Muito chegado à sua família e à sua terra, é no meio destas — e das galinhas, gansos e faisões que cria junto à adega — que Frederico se sente bem e prospera. Há vários anos que vai, todos os dias, tomar o pequeno-almoço a casa dos avós paternos, também ali ao lado e, sempre que pode, amassa o pão que a avó coze no forno de lenha, mostrando que há, de facto, uma geração que volta a ter amor pelas coisas da aldeia e da agricultura. E já não era sem tempo.

Quinta das Bágeiras
Mário Sérgio à direita com o pai Abel Nuno.

Um branco “como o avô fazia”

 Antes de 2001, Mario Sérgio apenas fazia um vinho branco em inox, que considerava bom, mas que não lhe dava pica. Ainda não tinha um branco que lhe enchesse verdadeiramente as medidas, ao seu gosto, mais complexo e ambicioso. Entre desabafos, Rui Moura Alves, à data enólogo consultor da Quinta das Bágeiras — e figura muito importante para esta casa, sobretudo no início — chegou com a resposta: “fazemos um branco como o teu avô fazia, no tonel, e deixamo-lo mais tempo nas borras, o necessário até o vinho se mostrar pronto e estabilizar por ele próprio”.

O Garrafeira branco é um lote de Bical e Maria Gomes, de várias vinhas velhas, algumas centenárias, em solo argilo-calcário. A maioria são parcelas de castas tintas plantadas em “field blend” (misturadas na vinha), como ditou o encepamento dos anos 60 e 70 na região, com as brancas pelo meio, a forma que se arranjou na altura para conferir mais álcool e estrutura aos vinhos tintos.

Faz decantação por precipitação natural durante um dia ou um dia e meio, sensivelmente. De seguida, fermenta e estagia precisamente num tonel antigo já com centenas de usos — sempre o mesmo, o número 21, com 2500 litros de capacidade — de Setembro até Julho ou Agosto do ano seguinte, conforme a prontidão que o vinho mostra. “Com uma mangueira, tiramos o vinho do tonel para uma selha, daí para o inox e deste para as garrafas [cerca de 3 mil], onde fica um ano antes de sair para o mercado”, explica Mário Sérgio Nuno. “Fica sempre uma pequena quantidade no fundo do tonel, cerca de 50 litros, que utilizamos na produção de vinagre ou para atestos. O vinho é feito da mesma maneira desde a primeira colheita, só varia o ano”, desenvolve.

Quando as duas primeiras colheitas foram lançadas, o Garrafeira branco não tinha grande aceitação no mercado, e Mário Sérgio chegou a pensar que só ele é que gostava do vinho… ao ponto de decidir não produzir a colheita de 2003, a única que falta nesta prova vertical, por esse motivo. “A Câmara de Provadores da Bairrada tinha, inclusive, chumbado o 2002, e só à terceira é que o passou”, confessa Mário Sérgio. Mas, depois do sucesso da prova do David Lopes Ramos e ao ver a reacção positiva do público, o produtor resolveu apostar nele, sem interrupções, desde a colheita de 2004 até hoje. Agora lança a de 2020, a 19ª edição. Assim, David acabou por ser, depois do incentivo inicial de Rui Moura Alves, o grande encorajador do Quinta das Bágeiras Garrafeira branco. “Devo a existência deste vinho ao David Lopes Ramos, por me encorajar a continuar a fazê-lo”, afirma. Mário Sérgio bem disse, bastantes anos mais tarde nos Prémios Grandes Escolhas de 2018, no discurso após ter recebido o Troféu Singularidade, que “o verdadeiro segredo deste negócio é a teimosia, eu sou muito teimoso naquilo que faço”. E o Garrafeira branco foi também muito isso.

A Bairrada e os seus brancos

Há várias condições edafoclimáticas na Bairrada que fazem dela uma excelente região para produzir grandes vinhos brancos, apesar de ser bem mais conhecida, e valorizada, pelos tintos de Baga. “A minha ideia da Bairrada é que é uma região que pode produzir excelentes brancos e, além disso, é mais fácil fazer todos os anos um grande branco do que um grande tinto. A influência marítima, a acidez das uvas sempre altíssima, os solos argilo-calcários… tudo isto é ideal para os brancos na região”, explica Mário Sérgio.

O clima da Bairrada é atlântico temperado, com Invernos frios e chuvosos e Verões moderadamente quentes, pois são suavizados pelos ventos vindos do mar e pelas grandes amplitudes térmicas, sendo muito frequentes as noites frescas. É uma região sem barreiras orográficas a Oeste, o que facilita a referida influência marítima.

“Quando eu comecei no vinho, havia uma coisa que se dizia muito, que era ‘bebe-se branco quando não há tinto’. Os brancos sofreram muito, ao longo dos anos, deste preconceito. É uma questão cultural, o país, de modo geral, ainda dá mais importância aos vinhos tintos. Uma das razões por que, logo nos encepamentos iniciais, se plantaram mais castas tintas do que brancas. Eu, por exemplo, tenho vinhos brancos mais caros do que os tintos”, elucida o fundador da Quinta das Bágeiras.

“Há um nicho de consumidores para os brancos ambiciosos, sobretudo nestas quantidades mais baixas, que deve ser aproveitado”, continua. Em boa verdade, a Bairrada é uma região de minifúndio, de parcelas dispersas, com uma dimensão média de vinha que chega apenas no meio hectare. “O Garrafeira branco 2021 só venderemos em 2023, mas idealmente até seria só lançado em 2025. É nos brancos de guarda, para lançar mais tarde, ambiciosos e complexos que a Bairrada deve apostar”. E conclui: “Não temos dimensão para grande volume, e fazer brancos ‘fresquinhos e do ano’, embora perfeitamente legítimos, não é o futuro da região…”.

Quinta das Bágeiras

No mercado:

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Notas de Prova da Vertical:

18 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2019

Apenas num ano de colheita de diferença, ganhou nuances de orvalho matinal, sílex, leve raspa de toranja e toque de pólvora. Muito envolvente, sem nunca perder o nervo inicial, está ainda super novo e pujante. O grau nem se acusa, dada a elevada frescura natural. (15,5%)

18 C

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2018

Aqui, além da cremosidade e do querosene e pólvora expectáveis, tem já especiarias, como pimenta branca e açafrão, uma componente vegetal e sugestão de casca de laranja. Na boca mantém a acidez no topo e sobretudo uma enorme secura final, característica de quase todos os Bágeiras Garrafeira branco. (14%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2017

Floral, grafite, limão maduro, ligeiramente menos preciso e mais difuso nos aromas. Na boca, apesar de não dar o estalo de acidez que os outros dão, tem enorme frescura e cremosidade, delicadeza num conjunto muito bonito. (14,5%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2016

Bem delicado no aroma floral q.b., infusões tipo camomila e erva-príncipe, toranja madura. Na boca volta ao registo de óptima frescura ácida e precisão, nervo e juventude. Fica na boca e termina salino. (14%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2015

Muito expressivo e a atacar na pedra raspada e no querosene, bastante pólvora e sugestão calcária, pimenta branca. Na boca traz uma percepção de acidez um pouco mais baixa do que os outros, mas é elegante e delicado. (14%)

 17 A

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2014

Floral e com fundo vegetal no nariz contido, com levíssima sugestão de pvc que lhe dá piada. Mais directo na boca e com menos corpo do que os anteriores, e ligeiramente mais diluído no conjunto. Provavelmente resultado das adversidades do ano 2014, que foi bastante chuvoso no momento em que não devia. (13,5%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2013

Este vai na direcção do exotismo, com bastante especiaria, casca de laranja, lima e sugestão de cardamomo. Na boca está bem vivo e harmonioso. (13,5%)

 19 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2012

Pólvora, pederneira, muita flor e fruta, como nêspera e alperce, pimenta branca e leve caril de fundo, num nariz sublime. A untuosidade é impressionante, num conjunto de pendor vegetal, precisão superlativa e persistência quase infinita. O melhor da “nova geração” do Garrafeira branco. (14%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2011

Aqui parece que o vinho chegou à maturidade, qual adulto consciente e sereno na vida. Consolidado, bastante complexo e profundo no aroma, sério, com tudo no sítio. Na boca tem grande volume, estrutura fenomenal, tudo em harmonia, super longo, com imenso carácter e presença. Prima pelo perfil de tensão, secura e untuosidade óptimas. (14%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2010

Bastante flor do campo, ervas aromáticas, limão e pedra molhada no nariz muito bonito. Na boca é impactante porque parece um dos novos, com acidez no topo, imenso nervo e estrutura, sempre com cremosidade presente mas q.b. Impressionante também pelo equilíbrio e harmonia, sabor, secura e suculência. (13,5%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2009

Enorme complexidade de nariz, envolvência e mistério. Na boca explode em corpo e estrutura, altamente sumarento na fruta cítrica e branca, tenso, consolidado, com muita classe. Espectacular. (14,5%)

18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2008

Querosene, grafite, pedra molhada, fruta de caroço madura, pimenta branca e folha de louro, no nariz complexo, para não variar. Com elevadíssima secura e elegância, e também nervo, é nele óbvia a longevidade em garrafa. (13,5%)

 19,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2007

Enormíssima complexidade no aroma expressivo de sílex, pedra molhada, pimenta branca, grafite, pederneira… Na boca é todo impressionante pela gigante frescura, equilíbrio em todos os pontos, vivacidade, firmeza, enorme amplitude, crocância e prolongamento. A suavidade é de luxo e o vinho poderoso em simultâneo, um branco que não acaba, de classe mundial. (14%)

18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2006

Muito mineral nas notas de sílex e querosene, flores brancas e sugestão de zest. Óptima cremosidade e estrutura ácida, super amplo e largo no palato, salino no final longo e nervoso. (14%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2005

Nariz com imenso querosene, pólvora, sugestão aborrachada no fundo, também casca de tangerina. Altamente equilibrado, com acidez cítrica gigante, mostrando o perfil mais cítrico de todos. Enorme te(n)são. (14%)

 19,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2004

Chegamos mais uma vez ao topo dos Garrafeira branco. Este apresenta fruta cítrica cristalizada, pederneira, flores do campo, infusão de camomila, no nariz complexo e profundo. Na boca tem tensão enorme, é intenso nos sabores e tem salinidade no ponto, a deixar as glândulas salivares a pulsar de prazer. Espectacular, quase coage ao próximo copo, envolvente e muito, muito puro no conjunto. Não queremos sair dele, é monumental. (13%)

 19 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2002

Aqui as flores do campo juntam-se ao mel fumado e à madeira antiga, também amêndoa torrada. Enorme classe e mineralidade, fumo finíssimo no nariz e na boca, imenso sabor e suculência, super largo, fica para sempre na boca, acidez enorme e equilibradíssima com a untuosidade sedutora. Grande branco. (13,5%)

 20 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2001

Acabamos em grande, parece de propósito, mas não é. Extremamente sério e complexo no nariz mineral, sensual, sem exuberâncias histriónicas, mas com um certo “quê” que adivinha grandiosidade. Na boca envolve-nos numa dança de precisão, finesse e classe, fantástica personalidade e carácter, presença imponente, ainda muito vivo e para durar. Não se podem escrever as coisas que apetece fazer com este vinho. Estrondoso e a mostrar, pela sua juventude, que o Garrafeira branco é quase eterno. (13,5%)

(Artigo publicado na edição de Julho 2022)