O vinho tem muitas cores

Edição nº12, Abril 2018 Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes. Tenho duas boas razões para não gostar de […]

Edição nº12, Abril 2018

Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes.

Tenho duas boas razões para não gostar de radicalismos. A primeira, é que os radicais tendem a ver as coisas de forma simplista, a preto e branco, sem outras cores ou tonalidades. Ora, o mundo, a vida, o vinho, são muito mais complexos do que isso. A segunda, é que quem defende uma posição radical não tem, normalmente, qualquer tipo de abertura para acolher a opinião do outro. Para um extremista, existe uma verdade (que é, obviamente, a sua) e um lado certo (que é, naturalmente, o seu), e a mentira e o erro estão com todos os outros que não concordam consigo. Esta predisposição mental aplicada ao vinho é ainda mais difícil de sustentar. Como se existisse o vinho “verdadeiro”, por oposição ao “falso”…
Tendências (modas, se quisermos) sempre as houve no mercado de vinho. Mas nunca, até hoje, se assistiu à diabolização de determinados estilos de vinho ou práticas enológicas, e à censura pública dos seus produtores ou apreciadores. O discurso do vinho “politicamente correcto” é, sobretudo, veiculado por alguns bloggers e produtores e, por muito que me custe enquanto profissional da área, também comunicadores/jornalistas. Os efeitos sentem-se num mercado de nicho, muito longe do país real, mas não são por isso menos preocupantes.
Há poucas semanas, no final de mais um curso da Academia Grandes Escolhas, um dos participantes abordou-me para uns minutos de conversa. A dada altura, arranjou coragem para dizer o que lhe ia na alma: “Sabe, eu bebo vinhos de qualidade há muitos anos e gosto especialmente de tintos encorpados, vigorosos, vinhos com 14 graus e aquele toque da madeira. Mas agora na internet e nos jornais dizem que isso é mau, que os vinhos devem ter pouco álcool e nenhum sabor a madeira, e eu começo a sentir-me deslocado. Sou eu que estou errado e já não sei o que é bom?” Confesso que quase me obriguei a pedir-lhe desculpa pelo comportamento dos outros. Mas, ao invés, disse-lhe que não há vinho “certo” e vinho “errado” e que cada um deve beber o que verdadeiramente lhe dá prazer, sem prejuízo de ir experimentando propostas diferentes, porque a diversidade é uma das mais fascinantes características do mundo do vinho.

Há gente armada em polícia de costumes, a exercer “wine bullying” sobre produtores e consumidores

Ao que isto chegou! Na ânsia de se mostrar muito conhecedora, muito “fora da caixa” e “alternativa”, há gente armada em polícia de costumes e dedicada a exercer “wine bullying” sobre os produtores e consumidores que ainda não “viram a luz”. Esquecendo-se que, se atingirem os seus propósitos e todos começarem a pensar e a beber o mesmo, um dia os vinhos verdadeiramente alternativos serão os que têm 17% de álcool e 36 meses de barrica nova!
Equilíbrio. Numa única palavra, esta é para mim a qualidade mais importante de um vinho. Equilíbrio entre exuberância e contenção, entre corpo e leveza, entre garra e elegância, entre pureza e carácter. E o equilíbrio encontra-se (e encontro-o) em vinhos muito distintos entre si, distintos na origem, no conceito, no estilo. O vinho é uma paleta multicolorida. Não o queiramos reduzir a uma cor só. E, sobretudo, não aceitemos que nos digam que só o amarelo tem nobreza e virtude. O que seria do vermelho, do verde, do azul…

Tejo, os vinhos que faltavam

Editorial Março 2018 O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e […]

Editorial Março 2018

O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e promoção de uma identidade regional.

Algumas das mais famosas regiões de vinho do mundo têm o seu nome associado ao rio que as atravessa. Ribeira del Duero, em Espanha; Côtes du Rhone, em França; Mosel, Rheingau, Rheinhessen e Nahe, na Alemanha; Napa Valley, nos Estados Unidos da América; ou Mendoza, na Argentina, são apenas algumas das mais importantes. Em Portugal, avultam naturalmente o Douro, o Dão e o Tejo.
Foi nessa tradicional ligação entre rio e vinho que a antiga região do Ribatejo pensou quando, em 2009, resolveu mudar de nome para Tejo, libertando-se de eventuais conotações negativas do “Ribatejo vínico” no mercado nacional. Curiosamente, apesar da mudança, os produtores do Tejo mantêm com o rio uma relação tímida, ao contrário de outras regiões da Europa (incluindo o Douro) que ostentam os seus rios como factor identitário…
Esse distanciamento é tema que me levaria longe e que este espaço editorial não permite desenvolver. Fica para outra ocasião. O importante é focar o gigantesco salto qualitativo dos vinhos do Tejo ao longo da última década. As bases para isso sempre estiveram lá, na verdade. Quem assistiu à descoberta do bom vinho por parte dos consumidores lisboetas, no início da década de 90, lembra-se certamente do furor que nos restaurantes da capital fizeram certos brancos e tintos de marcas ribatejanas, algumas entretanto desaparecidas (D. Hermano, Quinta Grande), outras que hoje regressam ao seu melhor (Falcoaria, Casa Cadaval). Nesse primeiro assomo da qualidade dos vinhos do Tejo, é de inteira justiça recordar a “mão” de João Portugal Ramos, que orientava várias dessas casas. E, também a título de curiosidade, relembrar que uma boa parte desse sucesso inicial assentava em vinhos brancos de Fernão Pires, uma casta de enorme potencial, com forte identidade regional, e que, a meu ver, ainda não recebeu do Tejo toda a atenção que merece… Mais um tema que fica para segundas núpcias.

Em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente

Dos anos 90 até aos nossos dias, o Tejo revolucionou-se na vinha, na adega, na cultura vínica, com a qualidade média a subir em flecha. Porém, fazer bons vinhos a bom preço não chega para potenciar a imagem de uma região. Os vinhos bandeira são essenciais nesse processo e estes, apesar de existirem, eram até há bem pouco tempo em número insuficiente para fazer a diferença. Porém, em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente. Entre marcas mais clássicas e outras mais recentes, o Tejo tem hoje uma dúzia de nomes e vinhos que podem e devem constituir-se como cartão de visita e locomotiva da região. Permitam-me que destaque aqui apenas uma casa, a Companhia das Lezírias, não apenas pela notável transformação ali operada e que conduziu a alguns grandes vinhos, como também pelo facto invulgar de ser uma empresa estatal, ou seja, “de todos nós”, cujo sucesso deveria servir de exemplo para as suas congéneres.
Com qualidade média em alta e um razoável número de vinhos de topo, o que falta agora ao Tejo para obter o pleno reconhecimento do mercado? Arrisco uma sugestão: encontrar denominadores comuns (o rio, a Fernão Pires, lembram-se?), realçar factores pontuais diferenciadores (as vinhas velhas que poucos sabem que existem…), assumir a história (que nada tem que envergonhe, pelo contrário). Em suma, construir, reforçar e comunicar uma identidade. Eu iria por aí.

Quatro tendências para 2018

O novo ano será o da confirmação de diversas tendências na vinha e no vinho. Umas serão conjunturais, transitórias. Mas outras poderão representar caminhos estruturantes para o vinho português.   OS apreciadores querem diferença e, por isso mesmo, as vinificações especiais estão na moda. O carácter de um terroir ou de uma casta já não […]

O novo ano será o da confirmação de diversas tendências na vinha e no vinho. Umas serão conjunturais, transitórias. Mas outras poderão representar caminhos estruturantes para o vinho português.

 

OS apreciadores querem diferença e, por isso mesmo, as vinificações especiais estão na moda. O carácter de um terroir ou de uma casta já não é suficientemente singular, e assim a adega assume-se como factor diferenciador. Brancos de curtimenta, vinificações com cachos inteiros, fermentações ou estágios em talhas de barro ou ovos de cimento, garrafas armazenadas debaixo de água ou embarcadas em “torna viagem”, tintos com 17% ou com 11% de álcool, as possibilidades são infinitas. E não é só o consumidor de nicho ou com muito dinheiro que aprecia a diferença. Quando se fazem 80 mil garrafas de um branco de Aragonez e se vendem em poucos meses, a diferença democratiza-se, deixa de ser um luxo.

As “castas região” começam a mexer. Num país que promove como mais-valia a disponibilidade de 250 castas autóctones e a arte do lote, não deixa de ser interessante assistir ao avolumar de monovarietais de castas identitárias de regiões. Falo de castas cujo nome/imagem está associado ao nome/imagem de uma região, e que fora dessa região ou são pouco utilizadas ou não têm estatuto de nobreza. É o caso de Antão Vaz/Alentejo (aqui ajudando a promover uma sub-região, Vidigueira), Baga/Bairrada, Encruzado/Dão, Jaen/Dão, Castelão/Setúbal, Rufete/Beira Interior, Síria/Beira Interior, Fernão Pires/Tejo, Avesso/Verdes ou até Ramisco/Colares, entre outras. É mais fácil “vender” uma casta ou uma região? Fica a pergunta.

A viticultura sustentável não é uma moda, antes uma necessidade

Paralelamente, e talvez paradoxalmente, crescem as castas viajantes portuguesas, ou seja, aquelas que se espalham a partir da sua região tradicional porque são adaptáveis a diferentes climas/solos e consideradas mais valia para qualquer região. Nem vale a pena falar da ubíqua Touriga Nacional. Mencione-se antes as cada vez mais transregionais Alvarinho, Viosinho, Touriga Franca (aqui com alguns erros de casting, pois não é assim tão adaptável), Verdelho, Gouveio, Loureiro ou a “nossa” Alicante Bouschet. Se às portuguesas mais viajadas juntarmos as “globetrotter” internacionais, na maior parte das regiões é um exercício quase impossível adivinhar o que está dentro da garrafa.

A viticultura sustentável não é uma moda ou uma tendência, antes uma necessidade. E uma necessidade de que muitos produtores estão conscientes, sobretudo aqueles que querem deixar algo para as gerações vindouras (as suas e as dos outros). A protecção integrada, a produção integrada, a produção orgânica e, até, a biodinâmica, são distintas formas de procurar solucionar um problema. Os meios podem ser mais ou menos radicais, mais ou menos cumpridos ou assumidos, mais ou menos comunicados, mas o objectivo é apenas um: criar um modelo de produção sustentável, o mais possível amigo do ambiente, que promova a biodiversidade e a preservação dos solos. Que garanta o futuro, no fundo. Proteger a natureza custa dinheiro e o consumidor (ainda) não está disposto a pagar mais por isso, é verdade. Mas este é um dos raros casos em que a produção está à frente do mercado e há cada vez mais produtores a cuidar do ambiente porque acham que é o correcto, não porque daí advenham vantagens comerciais imediatas. Só posso aplaudir.

O Porto que (não) queremos

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.   HÁ POUCO mais de um […]

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.

 

HÁ POUCO mais de um mês estive num jantar organizado pela Sogrape, para a apresentação dos seus Vintages de 2015. A refeição foi exclusivamente acompanhada por Vinho do Porto, uma opção arriscada mas que, graças ao elevado nível dos vinhos e ao cuidado do chef Marco Gomes na sua harmonização, resultou plenamente. O enólogo Luís Sottomayor justificou a opção pouco comum como uma forma de chamar a atenção para o Vinho do Porto, injustamente relegado para segundo plano pelos consumidores nacionais. Se olharmos para os números, a preocupação com o baixo consumo de Vinho do Porto entre os portugueses pode parecer descabida. As estatísticas até são positivas, revelando o Porto em crescimento no mercado nacional. Não esqueçamos, porém, que os números também nos dizem que Portugal é, desde 2015, o país do mundo com maior consumo de vinho per capita. Como é que toda a gente desatou a beber vinho desenfreadamente e ninguém deu por isso? A resposta está no turismo. O salto no consumo coincide com o boom do turismo e Portugal recebe hoje, anualmente, o equivalente ao dobro da sua população em turistas. Que, felizmente, também bebem (muito) e apreciam (muito) os vinhos portugueses.

Não é possível tirar os turistas das estatísticas de consumo e, assim, para avaliar o comportamento dos portugueses perante o Vinho do Porto, só nos podemos guiar por aquilo que nos transmitem as pessoas, começando por quem vende (restaurantes e lojistas) e terminando no mais importante, quem bebe. E aquilo que as pessoas nos dizem não é animador. Regra geral, o consumidor português, mesmo o mais esclarecido e exigente, tem uma relação distante com o Vinho do Porto.

Não é preciso um momento especial para abrir uma garrafa de Porto

Eu vejo isso no meu próprio círculo de relações. Há 10 anos era constantemente solicitado para dar dicas sobre os melhores Vintage para comprar. Nos últimos tempos, as solicitações já não passam pelo Porto. E porquê? Porque cada vez bebem menos Porto e os vinhos em stock nas garrafeiras domésticas são mais do que su cientes para o baixo ritmo de consumo. Estarei a exagerar? Aqueles que fazem o favor de me ler que respondam: em média, quantas garrafas de Porto abrem por mês? Duas? Uma? Menos do que isso?

E aqui, coloco a questão: o que fazer para mudar estes padrões de consumo? Não tenho respostas concretas, mas acredito que a solução passará por dois níveis de intervenção. As organizações do sector (IVDP, associações de produtores e exportadores, empresas) deverão simplificar e comunicar muito mais e melhor um vinho que é bastante complexo em termos de categorias, tipos, designações, difícil de explicar e de entender. Mas a verdadeira mudança deverá começar no comportamento de cada um de nós, enquanto consumidores exigentes e líderes de opinião (pelo menos na nossa roda de amigos). O Porto de qualidade está cada vez melhor e mais acessível, como mostram os excelentes LBV que provámos nesta edição da Grandes Escolhas. Não há que inventar desculpas para não abrir uma garrafa de Porto. E não são precisos pretextos ou momentos especiais para o fazer. Vamos a isso?

Excelência garantida

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.   MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às […]

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.

 

MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às inúmeras adegas a que prestava consultoria no mundo inteiro, utilizava um “protocolo” enológico que era aplicado de forma demasiado generalizada. Provavelmente não poderia fazer de outra forma, dado o gigantesco volume de vinhos que trabalhava em diferentes continentes, mas crítica era justificada e a aversão às receitas ficou.

Na verdade, sobretudo quando se procura a qualidade máxima, trabalhar com receitas é inútil, pois o vinho é feito de diversidade e imprevisto. Não existe um igual a outro porque as condições que os originaram, na vinha e na adega, são também elas diferentes e se alteram em cada vindima. Pretender que, reunindo determinados factores e utilizando determinadas técnicas, se obtém automaticamente um vinho de excelência, é enganar-se a si mesmo e enganar os outros.

Nos últimos anos, porém, tenho vindo a assistir ao regresso das receitas, centradas agora mais na vinha do que na adega (o que não deixa de ser curioso, pois a uva é precisamente aquilo que menos se pode controlar e replicar de um ano para o outro). Vinha velha, viticultura orgânica, leveduras indígenas, barrica usada, vindima precoce, intervenção mínima (seja lá o que isso for), eis a nova receita para o sucesso. A “fórmula” está a ser promovida como sendo a única capaz de assegurar vinhos com grandiosidade e personalidade. E vem com a arrogância de uma certa superioridade moral vitícola e enológica.

A fórmula da grandeza não existe

A receita mudou, mas o erro é o mesmo e pode ser exposto ponto por ponto. Para não me alongar, vou centrar-me apenas num dos seus ingredientes, a vinha velha. O próprio conceito de vinha velha é pouco claro, mas vamos assumir que será uma vinha com muitas castas, todas misturadas e plantada há mais de 70 anos. Ora, dizer que uma vinha origina grandes vinhos por ser velha, é completamente absurdo. Como se a sua localização ou a conjugação de castas que lá existe não tivesse qualquer importância. Uma vinha velha não é igual a outra vinha velha, mesmo quando plantadas a 500 metros uma da outra, como qualquer produtor com várias vinhas deste tipo pode testemunhar. E se uma oferece consistentemente vinhos de enorme categoria, outra pode não originar mais do que vinhos banais.

Já bebi muitíssimos vinhos de grande nível oriundos de vinhas velhas. Mas também já me deliciei muitas vezes com belos vinhos de vinhas jovens, até do primeiro ou segundo ano de produção. Excelência e banalidade já provei de vinhas orgânicas ou de proteção integrada, filtrados ou não filtrados, com leveduras indígenas ou selecionadas, com barrica nova ou usada, de lagar ou de inox.

Não existe uma fórmula que assegure a grandeza. E ainda bem. A paixão do vinho (pelo menos a minha) alimenta-se precisamente do imprevisto, da surpresa, da noção de que nada podemos dar como garantido e de que existe sempre margem para descobrir e aprender. Após 28 anos de escrita de vinhos, a única coisa de que estou certo é de que não há certezas. Quem não percebe isto, não percebe nada.

Cestos lavados

Diz o provérbio que até ao lavar dos cestos é vindima. Mas neste ano de 2017 os cestos foram lavados muito mais cedo do que é habitual, encerrando uma colheita precoce como não há memória.   NÃO há memória, nem registos, de uma vindima assim. No início de Agosto, praticamente todo o país estava a […]

Diz o provérbio que até ao lavar dos cestos é vindima. Mas neste ano de 2017 os cestos foram lavados muito mais cedo do que é habitual, encerrando uma colheita precoce como não há memória.

 

NÃO há memória, nem registos, de uma vindima assim. No início de Agosto, praticamente todo o país estava a colher uvas. E quem faz vinho base para espumante, em muitos casos, começou em Julho. O stress nas empresas e adegas foi tremendo. Imagine-se precisar de colher as uvas e ter os vindimadores agendados para duas semanas mais tarde; ou querer colocar a adega pronta e os enólogos e funcionários essenciais estarem a descansar bem longe…

Desde o mês de Maio que o tempo seco e quente indiciava uma vindima precoce. Mas ninguém esperava que em Julho a maturação disparasse como um comboio desgovernado. Muito boa gente deixou a família na praia e regressou às adegas. E alguns nem chegaram a ter férias. O calor, ainda que moderado em diversas regiões por noites frescas (que ajudam ao desenvolvimento da maturação) mas, sobretudo, o ano extremamente seco, foi o principal responsável por esta vindima louca. Como alguém me dizia, “parecia que as videiras, à míngua de recursos para sustentar as uvas, queriam ver-se livres delas o mais rápido possível”. Lavados os cestos, é tempo de fazer o balanço. E parece que, apesar dos sustos, os vinhos vão ser muito bons. Antes assim. Da vindima de 2017 e dos seus frutos trata o extenso trabalho realizado por João Afonso e António Falcão que publicamos nesta edição de Outubro.

Parece que, apesar dos sustos, os vinhos vão ser muito bons

Outro tema em destaque é a grande prova de vinhos Syrah, orientada e escrita por Valeria Zeferino. A uva Syrah é, sem dúvida, um fenómeno em Portugal. A seguir à Touriga Nacional, é provavelmente a uva tinta que mais adeptos reúne junto de viticultores e produtores graças, sobretudo, a uma enorme consistência de qualidade, vindima após vindima. Os vinhos que provámos mostram a versatilidade da uva, capaz de originar produtos muito interessantes em diversos segmentos de preço.

Incontornável é igualmente a figura de João Portugal Ramos. Enólogo, produtor, empreendedor, um dos principais responsáveis pelo salto da enologia portuguesa para a era moderna, comemorou agora os 25 anos de vida da empresa vitivinícola que criou em Estremoz e se estendeu depois a outras regiões. Entrevistado nesta edição, expõe a sua visão sobre o vinho português e dá-nos conta daquilo que o move.

O nosso Master of Wine Dirceu Vianna Junior continua a provar todos os meses um conjunto de vinhos escolhidos em torno de um tema específico. Desta vez, procurou tintos do Douro com preço inferior a €15 para fazer as suas recomendações.

Finalmente, de entre os muitos motivos para ler as 144 páginas da Grandes Escolhas de Outubro, permitam-me destacar as várias peças sobre a região bairradina, os seus produtores e os seus vinhos. Enquanto o vinho de 2017 repousa nas adegas, depois de uma vindima em passo de corrida, é tempo de procurarmos nós também um momento de repouso para uma boa leitura.

Encruzado

A casta Encruzado é um verdadeiro fenómeno. Num espaço temporal muito curto passou de quase desconhecida para indisputada líder entre as variedades brancas do Dão. Para o apreciador de vinhos de qualidade, Dão branco e Encruzado são quase sinónimos. E existem certamente boas razões para isso.   QUEM está atento às tendências no mercado de […]

A casta Encruzado é um verdadeiro fenómeno. Num espaço temporal muito curto passou de quase desconhecida para indisputada líder entre as variedades brancas do Dão. Para o apreciador de vinhos de qualidade, Dão branco e Encruzado são quase sinónimos. E existem certamente boas razões para isso.

 

QUEM está atento às tendências no mercado de vinhos e tem idade suficiente para as acompanhar desde há quase três décadas lembra-se certamente do “big bang” dos chamados monovarietais. Estávamos em meados dos anos 90 e muitos consumidores portugueses ouviam pela primeira vez falar em castas e descobriam os vinhos feitos de uma só variedade. A coisa atingiu tal dimensão que até as marcas próprias de alguns supermercados os tinham em quantidade. Das dezenas de castas diferentes que então mereciam honras de engarrafamento a solo, sobreviveram até aos dias de hoje, com sucesso comercial capaz de criar uma categoria de produto, relativamente poucas. Curiosamente, mais brancas do que tintas. Algumas transversais a todo o país, como a omnipresente Touriga Nacional ou as cada vez mais difundidas Arinto, Syrah, Alicante Bouschet ou Alvarinho; outras de âmbito mais regional, como Loureiro, Avesso, Baga, Síria, Antão Vaz e, é claro, Encruzado.

A Grande Prova publicada nesta edição de Setembro é um bom exemplo do peso que a casta hoje tem nos vinhos mais ambiciosos do Dão. Apesar de ser apenas a 5ª variedade branca mais plantada na região, está presente em todos os 47 vinhos provados. E desses, a maioria é feita exclusivamente de Encruzado.

Sabemos ainda pouco da uva branca mais famosa do Dão

Para os consumidores actuais, pode parecer que a uva Encruzado foi desde sempre rainha dos brancos do Dão. Mas quando eu comecei a escrever sobre vinhos, em 1989, ninguém ninguém falava nela. O primeiro vinho comercializado como Encruzado foi o Quinta dos Carvalhais da colheita de 1992. A vida de uma casta, a sua adaptação natural às condições especificas de cada região, a aquisição de conhecimentos sobre o seu comportamento na vinha e na adega, é algo que se mede, normalmente, em séculos. Nesta perspectiva, a Encruzado é das variedades menos conhecidas em Portugal. Segundo o Grande Livro das Castas, coordenado por Jorge Bohm e para o qual contribuíram diversos investigadores nacionais, a primeira menção escrita a uma casta identificada como Encruzado ocorreu apenas em 1942. Em termos de comparação com outras castas regionais, a Malvasia Fina (a uva branca mais plantada no Dão, oriunda da grande família das Malvasias) está identificada desde 1515; a Gouveio (Godello na Galiza), desde 1531; e António Augusto de Aguiar catalogava as uvas Bical e Cerceal-Branco em 1866/1867.

Já agora, noutra parte do mundo, em França, os monges de Cister referiam em 1330 uma uva chamada Chardonnay… Em pouco mais de duas décadas de “utilização consciente”, na vinha, na adega, no mercado, a Encruzado mostrou ser uva de enorme categoria, capaz de originar alguns dos melhores brancos portugueses, com elegância, classe, longevidade. No entanto, comparada com outras castas, não tivemos ainda vindimas suficientes para experimentar/explorar todas as suas capacidades. O que me leva a pensar que o melhor do Encruzado ainda está para vir…

Not so silly

Desculpem-me os leitores o anglicismo do título, que tem obviamente a ver com o Verão e a chamada “silly season” da comunicação, aquela temporada em que nada acontece e qualquer notícia, por mais irrelevante que seja, serve para ocupar jornais e televisões. Pois no que ao vinho diz respeito, a estação tola está a ser […]

Desculpem-me os leitores o anglicismo do título, que tem obviamente a ver com o Verão e a chamada “silly season” da comunicação, aquela temporada em que nada acontece e qualquer notícia, por mais irrelevante que seja, serve para ocupar jornais e televisões. Pois no que ao vinho diz respeito, a estação tola está a ser tudo menos isso.

 

NÃO sei se é por a maturação das uvas ir muito adiantada face ao habitual, mas as empresas de vinho não estão com vontade de descansar. E já nem falo das novas marcas e colheitas que chegaram ao mercado no Verão, mas sim de grandes movimentações estratégicas, com aquisições sonantes, daquelas que são e fazem notícia. Em final de Julho assistimos a dois casos que merecem destaque: as compras da Quinta Vale D. Maria por parte da Aveleda e da Tapada do Chaves pela Fundação Eugénio de Almeida.

Sendo negócios obviamente distintos, possuem alguns aspectos em comum: têm como comprador empresas de grande dimensão com marcas de referência; o “objecto de desejo” são pequenas propriedades com vinhos de prestígio, posicionados no segmento alto do mercado; para as empresas compradoras, o negócio não é uma mera oportunidade para ampliar património, é estrategicamente inovador e significativo.

Com a Quinta do Vale D. Maria, a Aveleda sai da sua zona de conforto e salta para o topo da pirâmide, para os vinhos de nicho. Não é apenas estender-se dos Verdes para o Douro. No Douro já a Aveleda estava com o Charamba. É entrar no mercado da singularidade, da diferença, do exclusivo, abrindo a sua oferta a novos distribuidores e clientes. E, ao mesmo tempo, aproveitar o know-how de produto e mercado super premium da equipa Vale D. Maria para reactivar o projecto da Quinta da Aguieira, na Bairrada, e lançar-se a sério nos Vinhos do Porto. Genial!

A estação tola, de tola não teve nada

Quanto ao negócio protagonizado pela Fundação Eugénio de Almeida apetece perguntar: o que é que Portalegre tem que acrescente o que quer que seja a quem já possui Cartuxa e Pêra Manca? Já sabemos a resposta: diferença. Um Alentejo singular graças à serra de S. Mamede, à altitude, ao clima, às vinhas velhas, à pequena dimensão fundiária. Um Alentejo que cativa cada vez mais empreendedores (vide a família Symington, no seu primeiro investimento fora do Douro) em busca de vinhos de forte personalidade. Note-se que, dentro de Portalegre, Tapada do Chaves não é uma marca qualquer. Para quem, como eu, tem bem vivos na memória os gloriosos Frangoneiro dos anos 80, Tapada do Chaves é “a marca” de Portalegre. E um nome incontornável na história do vinho do Alentejo. Sabê-la com a Fundação Eugénio de Almeida deixa-me, enquanto adepto, muito entusiasmado: não poderia estar em melhores mãos. E igualmente contente por a empresa vendedora, o grupo Raposeira/Murganheira, poder agora concentrar todos os seus recursos nos magníficos vinhos espumantes que tão bem sabe fazer.

Finalmente, para não deixar todas as notícias para os outros, a Grandes Escolhas também tem uma, e não é coisa pouca: Dirceu Vianna Junior, prestigiado Master of Wine, entrou para a nossa equipa, onde terá contributos regulares enquanto provador e formador. Isto é que tem sido um Verão em cheio!