Editorial: Rosa

Editorial LUÍS LOPES

rosa, rosae rosae, rosarum rosae, rosis rosam, rosas rosa, rosae rosa, rosis   Editorial da edição nrº 75 (Agosto 2023) Parece impossível, mas passado tanto tempo desde o antigo sétimo ano dos liceus, a primeira das cinco declinações latinas que tanto me custaram aprender ainda surge, fresca, na minha cabeça sempre que se falam de […]

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Editorial da edição nrº 75 (Agosto 2023)

Parece impossível, mas passado tanto tempo desde o antigo sétimo ano dos liceus, a primeira das cinco declinações latinas que tanto me custaram aprender ainda surge, fresca, na minha cabeça sempre que se falam de rosas ou, já agora, de rosés. A inutilidade da coisa sempre me surpreendeu. Porque diabo continuo a guardar no cérebro espaço para isto? Mas, provavelmente, estarei a ser injusto com o meu esforçado professor de latim. A verdade é que os rudimentos da língua morta que me ficaram na memória tiveram algum préstimo ao longo da vida, ajudando a mais facilmente navegar pelos vocabulários de outras línguas, sobretudo as de origem latina, mas não só. No caso concreto, serviu-me também para introduzir o assunto dos vinhos com a cor das rosas, ou melhor, a cor que é suposto as rosas terem. Vinhos esses que são tema de capa desta edição de agosto da Grandes Escolhas.

Tão complexas e diversas são as declinações latinas quanto o mundo dos rosés. Tanta coisa mudou em tão pouco tempo. “No princípio era o Mateus”, parafraseando o versículo bíblico. Exaltado no estrangeiro, vilipendiado em Portugal, acusado de ser “vinho de senhoras” (curioso “insulto” este…) ou, pior ainda, nem ser vinho. Certo é que o velhinho Mateus continua a dar cartas e, acreditem, na sua versão “dry” bate muitíssimos rosés bem mais caros e engalanados.

Mas os rosés são, como acima disse, um mundo. Há-os de todas as tonalidades, intensidades, qualidades, castas, origens, teores de álcool ou açúcar. E a diversidade estende-se também ao nível de ambição. Nos últimos cinco ou seis anos são cada vez mais os rosés portugueses que se instalam, não nas competições distritais, mas na liga dos campeões. Entre os 52 rosés que Valéria Zeferino provou para esta edição, cerca de metade custa mais de €15. E muitos estão bem acima dos €20. E o melhor de tudo? Valem bem o que se paga por eles!

Já tive algumas vezes oportunidade de provar, com amigos estrangeiros que fazem da escrita de vinhos profissão, alguns dos melhores rosés nacionais ao lado de nomes grandes da Provence, incluindo a marca preferida de Uma Thurman (e os gostos da gloriosa Uma merecem toda a minha atenção). E cada uma dessas vezes eu, que em nada sou adepto do “nacional é bom”, constatei com imenso gozo a coça que os franceses levaram.

Há quem diga e escreva que o rosé é um tinto que quer ser branco ou um branco que quer ser tinto, não conseguindo nunca fazer tudo o que um tinto ou branco fazem. Permitam-me discordar com veemência. Um rosé de topo não é um mero substituto para os dias de calor. Quando é grande, é grande, tal como um branco ou um tinto. Apenas, num aspecto deixo o benefício da dúvida. Sempre acreditei que um vinho para ser grande necessita passar a prova do tempo. Acontece que o histórico de Portugal em rosés de topo é recente. Mas ainda assim, tenho em casa rosés de que gosto, com quatro ou cinco anos de idade, e que se mostram melhores do que nunca. Vamos deixá-los estar e conversamos depois.

Editorial: E no barro se fez vinho

Editorial LUÍS LOPES

Nas peregrinações que, desde finais dos anos 80, faço regularmente pelas tabernas e casas de petiscos do grande Alentejo, encontro talhas de todos os tamanhos e formatos, bem como inúmeras nuances na pesga do barro ou nos processos de vinificação, variando a tradição de concelho para concelho, quase de aldeia para aldeia.   Editorial da […]

Nas peregrinações que, desde finais dos anos 80, faço regularmente pelas tabernas e casas de petiscos do grande Alentejo, encontro talhas de todos os tamanhos e formatos, bem como inúmeras nuances na pesga do barro ou nos processos de vinificação, variando a tradição de concelho para concelho, quase de aldeia para aldeia.

 

Editorial da edição nrº 75 (Julho 2023)

 

A publicação nesta edição de julho de um trabalho sobre o projecto XXVI Talhas, em Vila Alva, na sequência de um outro apresentado em junho sobre os vinhos Mamoré da Talha, em Borba, sugere uma reflexão sobre as diferentes formas de expressar esta milenar tradição vínica e cultural do Alentejo.

Os vinhos de talha estão na moda, é um facto. À boleia de um nicho de mercado que quer experimentar a diferença, aquilo que era um produto do Alentejo profundo, das tabernas e casas particulares, transferiu-se das populações rurais para os produtores profissionais, ganhando dimensão e buzz mediático. Agora que toda a gente sabe o que é Vinho de Talha Alentejo seria bom não esquecermos os amadores (no verdadeiro sentido da palavra, “aqueles que amam”) que, teimosamente, ao longo das últimas décadas, mantiveram vivos não apenas a tradição como o conhecimento, o saber fazer. Sem essas muitas centenas de anónimos, o renascer do vinho de talha não teria sido possível.

Dito isto, desenganem-se os que se assumem como guardiões da “verdadeira” tradição do vinho de talha do Alentejo. É que o Alentejo é enorme em todos os sentidos, e o tamanho corresponde à sua diversidade. Nas peregrinações que, desde finais dos anos 80, faço regularmente pelas tabernas e casas de petiscos do grande Alentejo, encontro talhas de todos os tamanhos e formatos, bem como inúmeras nuances na pesga do barro ou nos processos de vinificação, variando a tradição de concelho para concelho, quase de aldeia para aldeia. Para pesgar a talha, nuns sítios usavam resina de pinheiro e cera de abelha, noutros só a cera ou só a resina; alguns pesgavam de 5 em 5 anos, outros usavam as talhas pesgadas pelo pai há duas décadas; enquanto uns colocavam todo o engaço na talha, outros só uma parte, outros ainda somente as uvas esmagadas. Esmagamento que, consoante o hábito local, podia ser feito directamente para a talha ou pisadas as uvas no chão de barro da adega, correndo o mosto para o “ladrão” (talha enterrada) e daí baldeado para as ânforas. A dada altura, algumas dessas talhas começaram a ser revestidas a epoxy (“tinta anti-mosto”, assim lhe chamavam nas aldeias) por razões de facilidade e higiene, perdendo embora o carácter do pez. Destas muitas tradições resultavam e resultam vinhos tão distintos quão diversos são os matizes do cante alentejano ou os ingredientes e temperos do cozido de grão. Há tantos Alentejos…

Em 2010 decidiu a CVRA, e muito bem, regulamentar o Vinho de Talha Alentejo, como forma de preservar a sua origem e identidade, impedindo assim a sua apropriação por terceiros. No entanto, ao só permitir este designativo em vinhos produzidos dentro das 8 sub-regiões, deixou de fora zonas emblemáticas para o vinho de talha. Ao mesmo tempo, aceitou todas as castas autorizadas para DOC. Como resultado, posso fazer um Vinho de Talha Alentejo 100% Syrah ou Touriga Nacional, uma perversão cultural de que, felizmente, os produtores não se têm aproveitado. Mas não posso fazer Vinho de Talha Alentejo, ou sequer utilizar a palavra “talha” no rótulo, se estiver em Campo Maior (histórico centro oleiro de talhas) ou em Cabeção (onde ainda subsistem dezenas de produtores artesanais e centenas de talhas). Será que, com algum bom senso, se consegue resolver esta absurda contradição? O Alentejo, tão diverso quanto único e inimitável, agradece.

 

Editorial: Verde

Editorial LUÍS LOPES

Poderia sugerir a estes novos cruzados do ambiente o seguinte: mais eficazmente sustentável do que recusar provar garrafas “pesadas”, seria fazer menos viagens intercontinentais. Um jornalista de vinhos recusar provar em garrafa pesada, por razões ambientais, é como um jornalista de automóveis recusar comentar Fórmula 1, pelas mesmas razões.   Editorial da edição nrº 74 […]

Poderia sugerir a estes novos cruzados do ambiente o seguinte: mais eficazmente sustentável do que recusar provar garrafas “pesadas”, seria fazer menos viagens intercontinentais. Um jornalista de vinhos recusar provar em garrafa pesada, por razões ambientais, é como um jornalista de automóveis recusar comentar Fórmula 1, pelas mesmas razões.

 

Editorial da edição nrº 74 (Junho 2023)

Não tenho dúvida, haverá muita gente que, no seu dia a dia, actua de forma mais respeitadora do ambiente do que eu. Mas sei que, em casa e fora dela, sigo padrões de sustentabilidade acima da média. Alguns exemplos diversos: quase 90% da minha energia doméstica vem de painéis solares; as duas centenas de garrafas das provas que abro em cada mês são descarregadas no vidrão; a água da piscina nunca foi mudada em 25 anos, a evaporação é compensada pela chuva; nas deslocações inferiores a 200 km uso um carro eléctrico; o duche matinal dura três ou quatro minutos; alimento e abrigo a passarada no jardim; prefiro, sempre, bens e produtos produzidos nacional ou localmente. Podia continuar, mas já chega. Expus aqui em público, e muito a contragosto, uma parte da minha vida privada, apenas para acentuar que, no que a práticas ambientais diz respeito, acolho sempre ensinamentos, mas não aceito moralismos de ninguém.

Vamos então ao que interessa, um caso paradigmático de um certo populismo ambiental que me incomoda. Dois conceituados críticos internacionais anunciaram recentemente aos seus leitores que, de agora em diante, se recusarão a provar vinhos em garrafas de vidro “pesado”. Fica-lhes bem. De uma assentada aparecem como salvadores do mundo e apaziguam a consciência própria, também ela pesada. É que a principal fonte de receita destes dois profissionais passa por dar palestras e provas nos cinco continentes, viajando confortavelmente de avião (naturalmente) e em primeira classe (mais naturalmente ainda). Como sabemos, a aviação comercial tem o maior peso ambiental (em pegada de carbono) entre todas as actividades económicas. Já o número de garrafas “pesadas” face às “normais” ou “leves” é bastante reduzido, pois são unicamente usadas em (alguns) vinhos de topo. A título de exemplo, um produtor português que viu o seu vinho recusado por um dos críticos referidos, enche 5.000 garrafas “pesadas” num total de 2 milhões de “normais” e “leves”. Assim, poderia sugerir a estes novos cruzados do ambiente o seguinte: mais eficazmente sustentável do que recusar provar garrafas “pesadas” seria fazer menos viagens intercontinentais. Ou, quem sabe, comer fruta da época, em vez de “fruta de avião” colhida no outro lado do oceano. Um jornalista de vinhos recusar provar em garrafa pesada, por razões ambientais, é como um jornalista de automóveis recusar comentar Fórmula 1, pelas mesmas razões.

O que quero eu dizer com tudo isto? Primeiro, que o modelo “certo” de sustentabilidade ambiental não existe; segundo, que preservar o ambiente implica sacrifícios que devemos estar preparados para fazer; terceiro, que mais importante do que ser “verde” por fora, é sê-lo por dentro, ter verdadeira consciência ambiental, com bom senso, sem radicalismos, sem hipocrisias – a manta é curta, o que tapamos de um lado destapamos do outro: queremos carros eléctricos e telemóveis, mas a mineração do lítio que seja feita bem longe, de preferência na China…

Portanto, sejamos, todos, menos propagandistas e mais consequentes nas nossas acções privadas. A garrafa pesada vai, provavelmente, desaparecer do mercado nos próximos anos: só que, como em tudo, serão os consumidores a fazer com que isso aconteça. O vidro pesado é apenas uma gota num oceano de desperdício. É aquilo que estamos dispostos a fazer, nas nossas casas e nos locais de trabalho, que, verdadeiramente, vai promover a diferença.

 

Editorial: Digital (E papel, também)

Editorial LUÍS LOPES

Renovar graficamente uma revista em papel numa era onde o digital assume um peso cada vez maior, pode parecer caminhar contra os ventos da história. Mas, para nós, continua a fazer todo o sentido investir numa revista de apresentação cuidada e conteúdos apelativos e, ao mesmo tempo, apostar muito forte, e de forma inovadora, na […]

Renovar graficamente uma revista em papel numa era onde o digital assume um peso cada vez maior, pode parecer caminhar contra os ventos da história. Mas, para nós, continua a fazer todo o sentido investir numa revista de apresentação cuidada e conteúdos apelativos e, ao mesmo tempo, apostar muito forte, e de forma inovadora, na digitalização.

 

Editorial da edição nrº 73 (Maio 2023)

 

O leitor da Grandes Escolhas vai ficar surpreendido (espero que positivamente) com a edição que tem agora em mãos. Renovar graficamente uma revista em papel numa era onde o digital assume um peso cada vez maior, pode parecer caminhar contra os ventos da história. Mas, para nós, continua a fazer todo o sentido investir numa revista de apresentação cuidada e conteúdos apelativos e, ao mesmo tempo, apostar muito forte, e de forma inovadora, na digitalização.

O mês de Maio traz assim muitas novidades ao universo Grandes Escolhas. A única menos positiva, mas inevitável face ao significativo crescimento dos custos, é o aumento de €0,50 no preço da revista em papel e no “vinho de capa”. De resto, tudo coisas boas. A revista (versão papel ou digital) está bem mais arejada (e arrojada) do ponto de vista gráfico, dando às fotografias um relevo maior do que no passado. A mudança no tipo de letra possibilita também uma leitura mais fácil e confortável. Em termos de conteúdos, o novo grafismo “obriga” a textos mais curtos, mas, também por isso, mais textos, mais concisos, mais diversos e mais focados. Nada que atrapalhe uma equipa redactorial que, enquanto director, é para mim motivo de orgulho, pelo conhecimento, dedicação e profissionalismo. Aqui não houve mudanças pois, como dizem no futebol, em equipa que ganha não se mexe.

Um princípio que, na verdade, não respeitámos quando nos virámos para o website Grandes Escolhas. É que o website estava a ganhar folgadamente e, mesmo assim, mudámos e mudámos muito. Os números oficiais da Google Analytics, relativos a 2022 são, sem dúvida, impressivos para um website tão especializado: 771 mil sessões iniciadas por 533 mil utilizadores (dos quais 67% novos utilizadores!) mais de 3 milhões de páginas visualizadas, e mais de 4 páginas por sessão, com uma taxa de rejeição de apenas 1,1%. Números destes levaram-nos a fazer um grande esforço, em parceria com a Upgrade, no sentido de potenciar ainda mais esta adesão por parte dos apreciadores de vinho. O novo website, já online mas ainda a ser diariamente aperfeiçoado, está “turbinado” em todos os sentidos, na forma e no conteúdo. Permitam-me referenciar aqui apenas dois aspectos, que considero, enquanto utilizador, de grande relevância, e ambos relacionados com a pesquisa de vinhos: primeiro, a extraordinária rapidez com que chegamos ao vinho pretendido após digitarmos as primeiras letras do nome; segundo, a possibilidade de, ao clicarmos no botão “Comprar”, sermos de imediato direccionados para a página onde esse vinho se encontra nos websites de 7 das principais garrafeiras de Portugal.

Na base desta pesquisa de vinhos estão mais de 14000 notas de prova produzidas pela equipa da Grandes Escolhas. Um património absolutamente único no seio dos vinhos portugueses, pela sua dimensão, qualidade e credibilidade, e que as ferramentas digitais nos ajudam a levar a todos os apreciadores. E desvendo aqui a próxima novidade: muito em breve iremos lançar uma app, com reconhecimento de rótulos, que permitirá a qualquer utilizador, entre outras funcionalidades, apontar o seu telemóvel para uma garrafa e obter as notas de prova e a classificação da Grandes Escolhas. No mês em que este projecto cumpre o seu sexto aniversário, acho que não poderíamos dar e receber melhores notícias.

Simplesmente… 2023, por Luís Antunes

simplesmente

Undécima edição deste festival alternativo, que conseguiu, apesar do Covid, não parar de acontecer desde 2013. Ênfase nos vinhos sinceros, na arte e na música ao vivo, com 100 produtores de vinho, a que chamam “vignerons,” mesmo que alguns não tenham nem cultivem um único pé de vinha. Agrupam-se aqui os vinhos alternativos, naturais, amarelos, […]

Undécima edição deste festival alternativo, que conseguiu, apesar do Covid, não parar de acontecer desde 2013. Ênfase nos vinhos sinceros, na arte e na música ao vivo, com 100 produtores de vinho, a que chamam “vignerons,” mesmo que alguns não tenham nem cultivem um único pé de vinha. Agrupam-se aqui os vinhos alternativos, naturais, amarelos, de pouca intervenção, terroirs clássicos, vinhos que exploram novos caminhos, muitas vezes na sombra dos velhos.

No Simplesmente há sempre música ao vivo e dança para quem se atrever a rodopiar na sala. Em 2023 foi o Paulo (Mal) Amado com os Suma, os Themandus e o grande Kiko com os seus Blues Refugees, aos quais ainda se juntou o enólogo e guitarrista amador Nuno Mira do Ó. Houve café de excelentes origens, torrado com atenção e tirado com perfeição. Houve conversas de mulheres do vinho, e o romance tecno-enológico Viti, Vini, Vici, de Thomaz Vieira da Cruz. Houve restaurantes a fornecer comida para os visitantes e expositores, mas também houve pop-ups de apresentação do evento e seus vinhos que vão rodando por várias zonas do país. Devo dizer que este ano até eu (veja-se lá…) fui convidado a cozinhar, sob a mão chefe do chefe Vítor Claro (um dos vignerons, que deixou os fogões para fazer vinho, mas regressa ao fogo de vez em quando). Foi na manja#marvila (“somos guays”) e a pedido do piscívoro João Roseira adaptei a minha receita de porco com funcho e mel (ideia tirada de um romance do João Aguiar) a uma garoupa de proporções bíblicas, quase 7kg depois de limpa.

João Roseira é um dos criadores do Simplesmente… Vinho, juntamente com João Tavares de Pina e Mateus Nicolau de Almeida. João ficou, mais tarde, sozinho, mas juntaram-se-lhe os filhos Gustavo (of Nauvegar fame) e Sara, e uma equipa bastante estável de jovens e ex-jovens entusiastas, incluindo o Carlão (Karlown), o curador da arte plástica. Em 2023, o Simplesmente (eles põem sempre reticências) decorreu na Alfândega do Porto, que distancia da aconchegada cave ribeirinha da primeira edição.

simplesmente
simplesmente… Vinho 2023

Vamos aos vinhos que mais me marcaram. Nanclares y Prieto fazem vinhos nas Rías Baixas, mas não só de Albariño, que os Loureiros minerais e os tintos leves encantam e seduzem. Ricardo Diogo “Barbeito” Freitas dinamita os palatos com os seus Madeiras lúcidos e luminosos. Desta vez tinha também um Verdelho vinificado em seco, um 2020 das Vinhas do Lanço, que faz jus ao seu gosto impecável. Miguel Louro, para além dos seus vinhos “de linha” Quinta do Mouro e Casa dos Zagalos, tem os “Erros,” nos quais apresenta ao público os seus vinhos não canónicos. O Zaga Luz, vinho clarete que faz para uma comunidade surfista da Figueira da Foz é daqueles que servem para beber e beber mais, com prazer deleitoso. Sugeri-lhe que o engarrafasse em screw-cap, vamos ver se acontece. O Trincadeira ou a Vinha do Malhó estão à altura do que de melhor se faz no Alentejo.

Estes não são alternativos, têm alternativa, para usar linguagem tauromáquica. Nuno Mira do Ó não pode deixar o seu day-job para ir tocar guitarra, que os seus vinhos da Bairrada, do Dão, de Bucelas, de Portalegre deixam-me sempre extasiado. Os nomes também são bons, e estão à altura dos vinhos: Druida, Doravante, Outrora, Aliás, Teima, Caminhante. Pedigree. Fiquei fascinado com os vinhos de Henrique Cizeron, Cinética, Invés, Toroa. Várias origens, sempre frescura, leveza. Também adorei revisitar o velho dinossauro Rui Reguinga para perceber que está a fazer vinhos melhores do que nunca. Terrenus de Portalegre e Tributo da sua vinha do Tejo têm super-definição e amplitude. Álvaro de Castro não sabe fazer maus vinhos, e é bom relembrar o falecido cão Tobias, no rótulo do Quinta de Saes, como é bom explorar os topos de gama Pelada “mulher nua” 2018 e Quinta da Pellada “Casa” 2017. Ao Álvaro e quase só a ele perdoa-se esta fragmentação de experiências que torna a totalidade da sua gama difícil (impossível?) de processar. Cada vez melhores, mais profundos, mais pensados, mais longamente estagiados estão os vinhos do Alto da Serra de Luís Soares Duarte e Joana Roque do Vale. Quem os segue no Instagram gosta de ver as imagens dos seus animais da quinta a alegrar os rótulos do Pragmático e do Telúrico.

Também ali se fazem experiências de vinhos únicos, como um enigmático “” que parecia vindo de Jerez. A ver se vem ao público. João Afonso tem uma gama cada vez mais coerente, e consistente com os seus gostos (que conheço bem, de muitas mesas de prova) profundamente ligados à terra e à tradição antiga. Respiro Seda, Clarete e Lagar, Quartzo, Seiva, tudo vinhos de apelo e encanto, com luz e autenticidade. Muito particulares os Portos da Vieira de Sousa, mas os vinhos Douro “a” (Alice) branco e tinto ou o Tinta Francisca dão mais um passo a afirmar esta casa nova e antiga. Também já com mileage em cima, Luís Patrão tem os seus Bairradas Vadio autênticos e polidos, mas o que mais me impressionou foi o seu espumante Vadio Perpetuum, uma solera começada em 2007. Talvez o espumante da Bairrada que mais me fascinou pela entrada de boca, super-cremosa e bem definida. Para terminar, mais uma surpresa, e com esta me calo.

A Quinta de Tourais, de Fernando Coelho, sempre fez vinhos de extracção e concentração. Mas Fernando teve uma mudança de rumo em 2014, após uma visita à Ribeira Sacra. Decidiu “eu quero fazer vinhos assim”. Plantou castas que saberia que lhe roubariam benefício, como o Jaen ou a Baga, fez vinhos de Marufo das vinhas velhas, fez o Miura JABA, de Jaen, Alicante Bouschet e Arinto. Cunhou o slogan: Vinhos de Não Altitude. Situado em Cambres, no Baixo Corgo e a 80m de altitude, demonstra com os seus vinhos que não é preciso estar nos altos para fazer vinhos frescos, leves, bebíveis, luminosos. É este um novo Douro que ainda vem a tempo? Veremos, para o ano, no Simplesmente.

 

 

 

Editorial: Do vinoso comum à mineralidade

Editorial LUÍS LOPES

O trabalho de Valéria Zeferino, publicado nesta edição, sobre o conceito de “mineralidade”, palavra hoje usada e abusada na descrição de vinhos, suscitou-me alguma reflexão sobre a natureza das notas de prova. Na verdade, entre a austeridade mais espartana e os delírios mais imaginativos, há margem para tudo.   Editorial da edição nrº 72 (Abril 2023) […]

O trabalho de Valéria Zeferino, publicado nesta edição, sobre o conceito de “mineralidade”, palavra hoje usada e abusada na descrição de vinhos, suscitou-me alguma reflexão sobre a natureza das notas de prova. Na verdade, entre a austeridade mais espartana e os delírios mais imaginativos, há margem para tudo.

 

Editorial da edição nrº 72 (Abril 2023)

Descrever um vinho pode ser extremamente complexo. Ou, ao invés, a coisa mais fácil do mundo. Depende, basicamente, do estilo e, se quisermos, da seriedade de quem o faz. O estilo varia imenso de provador para provador, sejam produtores, enólogos ou críticos. De tal forma que, quando lemos centenas ou milhares de notas de prova, acabamos por associar determinados estilos (ou até descritores) a determinados avaliadores. Lembro-me que, quando comecei a escrever sobre vinhos, em 1989, havia um reputado provador profissional que iniciava todas descrições de vinho tinto com “cor rubi de laivos granada, espuma fugaz rosada e aroma vinoso comum”. Do mesmo modo, duas décadas mais tarde, também não precisaria de pensar muito para de imediato identificar o autor de algo como “repleto de energia, de uma mestria de aromas e sabores quase sinfónica, seduz corajosamente pela fruta farta, pela dimensão imensurável, pela alegria tensa de um final explosivo, mas supinamente elegante.” Mais recentemente, o exótico “aroma peitoral” tem também autoria segura.

Mas a verdade é que a adjectivação, quando não demasiado rebuscada, ajuda muito a descrever um vinho: sólido, elegante, gordo, leve, intenso, discreto, exuberante, são descritores que apontam para diferentes perfis de vinho. Mais complexa é a associação a determinados aromas/sabores, pois nem todos são facilmente reconhecíveis pelo provador e, sobretudo, pelo leitor/consumidor. Todos temos memória olfactiva ou gustativa de limão, menta, amora, cereja, avelã, chocolate, apenas para citar alguns exemplos mais simples. Mas ainda assim, o enquadramento geográfico ou cultural de quem lê (ou ouve) a descrição do vinho é fundamental. Quantas pessoas, em Angola, comeram amoras ou cerejas? Ou, para não irmos tão longe, quantos portugueses “da cidade” cheiraram poejos?

Talvez o caso mais típico deste desfasamento cultural seja a tão conhecida (ou desconhecida…) bergamota, quase obrigatoriamente associada à casta Touriga Nacional. Porquê dizer que um vinho cheira a bergamota quando quase ninguém em Portugal (ou no mundo) cheirou ou provou este citrino verde em forma de pêra, oriundo do sul de Itália e que serve, sobretudo, para fazer óleos essenciais? Com a confusão adicional de, na principal região vinícola do Brasil, Rio Grande do Sul, chamarem bergamota à tangerina…

Por outro lado, existem descritores que acabam por se tornar moda, utilizados para quase todos os vinhos supostamente “nobres”. É o caso do famoso “mineral”, foco do artigo que citei na entrada desta peça. Num restaurante de “fine dining”, é raro o sommelier que não enfatize a “mineralidade” do vinho que está a sugerir; do mesmo modo que é raro o “mineral” escapar à nota de prova de um branco ou tinto mais ambicioso. Se tivéssemos presente que os aromas minerais, (casos da pólvora ou do sílex, por exemplo), nada tem a ver com os minérios presentes no solo (ao contrário do que muitos pensam), e que a sensação de mineralidade na boca está sobretudo associada à acidez, talvez fossemos um pouco mais comedidos na utilização deste descritor.

Mas pouco importa. Felizmente, todos nós, profissionais ou consumidores, somos livres de descrever um vinho como muito bem nos apetecer. O vinho é isso mesmo, prazer e liberdade. Uma coisa, porém, posso garantir: se um dia ler que um vinho cheira a “erva recém cortada por carneiro velho na encosta Norte da Serra da Estrela”, vou a correr comprar uma garrafa. Não quero morrer ignorante.

Castas Minoritárias por Luís Antunes

simplesmente

Portugal possui, como é sabido, um património genético vitícola de valor incalculável, em boa parte preservado, graças ao trabalho de entidades como a PORVID e ao esforço individual de muitos produtores. Já Espanha “afunilou” as suas variedades quase até alcançar o ponto de não retorno. Felizmente, também do lado de lá, alguém se chegou à […]

Portugal possui, como é sabido, um património genético vitícola de valor incalculável, em boa parte preservado, graças ao trabalho de entidades como a PORVID e ao esforço individual de muitos produtores. Já Espanha “afunilou” as suas variedades quase até alcançar o ponto de não retorno. Felizmente, também do lado de lá, alguém se chegou à frente (ITACyL) para evitar a perda irreparável. Portugueses e espanhóis juntaram-se à mesa, com copos e conversa. Na ementa, Negro Sauri, Puesta en Cruz, Cornifesto, Tinta da Barca, Malvasia Preta ou Cenicienta.  

Temos muitas castas de vinhos em Portugal. Muitas, muitas, e com nomes difíceis de pronunciar e de explicar. O nosso vinho é de lote, com raras excepções: Bucelas-Arinto, Bairrada-Baga, Monção e Melgaço-Alvarinho, generosos de Setúbal-Moscatel, mais os Madeiras, onde a casta é também um estilo de vinho e um nível de doçura. Simplificando, é isto. No resto do país vinho, impera o lote. E o lote, na viticultura antiga, começava logo na vinha, com cada casta adequada ao tipo de chão, exposição solar, pendência do terreno, profundidade do solo, etc. Na viticultura mais moderna plantaram-se talhões de castas, e o lote é feito na adega, pelos enólogos. Sempre perseguindo um ideal: o equilíbrio do vinho, o seu respeito pelo estilo tradicional de cada lugar, muitas vezes respeitando uma bonita co-evolução com a gastronomia local. Talk about terroir, na essência é isto mesmo.

As modas que afectaram os sítios deixaram rasto, com mudanças na estrutura dos lotes. Em particular, a febre da Touriga Nacional gerou uma certa invasão do país, e a Touriga, originária do Dão e que tinha muito pouca expressão nas vinhas, galgou degraus e rapidamente entrou no top 10 das castas mais plantadas. Mas já antes Portugal tinha sobrevivido a uma febre parecida, a do Cabernet Sauvignon, nada autóctone, mas que gerou um certo medo de perda de identidade. Talvez esse medo primordial nos tenha defendido mais tarde das febres invasoras e/ou unitárias.

O mesmo não aconteceu em Espanha. Talvez por causa do nosso atávico e tradicional atraso (de vida, vejam lá, somos pobrezinhos blá blá blá, conversa que detesto…), conseguimos sobreviver com muito mais variedade genética de castas e clones do que nos países mais avançados. Vejamos, a Borgonha de tintos tem Pinot Noir e um pouco de Gamay, optimizaram. Também optimizaram os brancos, com Chardonnay e um pouco de Aligoté. Bordéus tem Cabernet Sauvignon, Merlot, e temperam isto com Cabernet Franc e Petit Verdot.

castas minoritárias futuro
É nas vinhas antigas, como na Quinta do Caedo, que se encontram castas do passado que podem vir a ser o futuro.  © Luís Lopes

As regiões mais conhecidas de Espanha também estreitaram as castas até ao “óptimo”. Jerez com Palomino, só Palomino. Rioja, Ribera del Duero ou Toro com Tempranillo. Só Tempranillo. Mas temprano quer dizer cedo, e com o aquecimento global esta casta de ciclo curto começou a trazer ansiedades. Os produtores tentaram adaptar-se trazendo castas internacionais (ou francesas) como Cabernet Sauvignon ou Syrah. Foi aí que investigadores como Alberto Martín, do ITACyL (Instituto Tecnológico Agrario de Castilla y León) decidiram estudar as velhas tradições, as velhas vinhas, o que estava antes, e que alguns velhos ainda conheciam. De vinha em vinha, de cepa em cepa, foram descobrindo, classificando e catalogando 130 castas de uvas. Destas, seleccionaram 29 para salvar e explorar, verificar o seu potencial enológico. De uma destas, havia apenas três cepas, a Cenicienta. Ou seja, este era um trabalho de heróis. Desde 2002 até hoje, estas 29 foram multiplicadas, salvas, estudadas com microvinificações, até chegarem a 100 cepas de cada uma, o suficiente para 40 garrafas de vinho anuais. As microvinificações levantam sempre problemas técnicos, não são uma boa fotografia do potencial de uma variedade. Por isso algumas foram mais exploradas, para fazer já vinificações de dimensões dignas. Os vinhos foram entregando as suas promessas e o ITACyL foi fazendo o seu trabalho não só de investigação, mas também de transferência de tecnologia para o sector vitivinícola, e propondo alterações aos regulamentos das denominações de origem, para incluir estas novas castas que vão ao encontro dos objectivos dos produtores, mas também dos desejos dos consumidores.

Em Portugal começámos de uma situação menos grave, na verdade, uma situação confortável em termos de variedade de castas, mas os nossos técnicos perceberam cedo o problema e não perderam tempo. A PORVID é uma associação do sector (público e privado em associação estreita) que mantém uma vinha em Pegões onde tem exemplares de todas as castas conhecidas, e não só isso, focando na maximização do número de clones de cada casta. Um tesouro para os investigadores em vitivinicultura, mas acima de tudo um seguro de vida para o sector, e uma garantia de que o foco da nossa produção de vinhos não é a optimização de um tipo ou estilo de vinhos que esteja correntemente na moda. Em vez disso, como afirmou António Graça (I&D da Sogrape e PORVID), é a enologia que abraça a nossa variedade genética e encontra os vinhos que optimizam as castas e clones existentes em cada local. António deu um exemplo simples: se não tivesse sido criado o Champagne, o Pinot Noir e o Pinot Meunier já estariam possivelmente extintos.

Contou-me ainda o António Graça que em Bordéus já perceberam o drama de estreitar demasiado as opções nas castas e nos clones “melhores” e começaram a plantar outras castas, inclusive a nossa Touriga Nacional. Mas fazem-no com a mesma atitude de outrora: encontrar a nova superstar, a panaceia, que vai resolver todos os problemas. A atitude deve ser outra: olhar para o que se tem, tentar entender as razões antigas da escolha dessas castas/clones, e preservar a variedade genética como a manutenção de opções abertas para o futuro.

Em Espanha, 20 anos depois, são já os vignerons que recorrem ao ITACyL para os ajudar a encontrar as tais castas que podem apontar aos vinhos do futuro. Aproveitando a visita de Alberto Martín a Lisboa, organizei um jantar onde provámos vinhos de castas raras de um e outro lado da fronteira. É que em Portugal, se não estreitámos tudo só a uma casta, também fizemos apostas num número pequeno de variedades. No Douro, de um estudo preliminar de José António Rosas e João Nicolau de Almeida, tiraram-se conclusões definitivas: Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão. Mas as vinhas velhas fizeram de almofada, e seguraram boas quantidades de um grande número de castas. Algumas que tiveram sempre apostas para as cinco seguintes, como a Tinta Amarela (Trincadeira), Sousão, Alicante Bouschet, Tinta da Barca, Tinta Francisca e muitas outras. Mas também outras que, permanecendo nas vinhas, estão hoje disponíveis para vinhos de estilos mais leves e onde a cor é menos premente. Rufete, Cornifesto, Malvasia Preta, Bastardo.

De umas e outras provámos na Manja#Marvila, para nos maravilharmos perante um mundo novo de castas que nos dão vinhos deslumbrantes para desfrutar à mesa. Os nomes espanhóis por vezes contrastam com os nossos, mas a sinonímia sempre será fonte de conversa: Bastardo-Negro Sauri-Merenzao; Rabigato-Puesta en Cruz; Cornifesto-Gajo Arroba. Adivinho que a Tinta da Barca vai explodir em breve como uma grande casta, primeiro do Douro e depois nacional. A seguir, quem sabe? Do que provei, Malvasia Preta e Cornifesto. São grandes dias para os amantes de vinho.

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2023)

 

Editorial: As nossas escolhas

luis lopes editorial

Como habitualmente, a edição de março é dedicada aos Prémios Grandes Escolhas. É aquele momento tão especial em que celebramos todos aqueles (vinhos, pessoas, empresas, organizações) que se distinguiram ao longo do ano que passou. Discutíveis, como todas as escolhas, estas são as nossas Grandes Escolhas. Editorial da edição nrº 71 (Março 2023) Tal como […]

Como habitualmente, a edição de março é dedicada aos Prémios Grandes Escolhas. É aquele momento tão especial em que celebramos todos aqueles (vinhos, pessoas, empresas, organizações) que se distinguiram ao longo do ano que passou. Discutíveis, como todas as escolhas, estas são as nossas Grandes Escolhas.

Editorial da edição nrº 71 (Março 2023)

Tal como a primavera que aí vem, símbolo do renascer, do novo ciclo nos campos e nas vinhas, também os prémios Grandes Escolhas celebram a nova temporada vitivinícola começando por aplaudir os vinhos e as entidades que mais se destacaram na anterior. E, felizmente, são cada vez mais e mais fortes os motivos para aplaudir o vinho de Portugal.

Enquanto apreciadores, o que mais nos surpreende é o facto de ainda conseguirmos ficar surpreendidos (passe o pleonasmo) com o consistente crescimento qualitativo dos vinhos que nos chegam à mesa de provas. Mais do que qualidade (que já se tornou tão comum que virou banal), falamos de excelência, um patamar que, há uma década, estava só ao alcance de alguns, e hoje é evidenciado por muitos. Excelência essa que, cada vez mais, se apresenta associada a carácter, uma conjugação outrora quase inexistente. Tudo isso encontramos, sobretudo, nos nossos Top30 e, em particular, nos cinco vinhos vencedores, um por cada em cada categoria vínica: o espumante Murganheira Assemblage 2005, o branco Anselmo Mendes Parcela Única Alvarinho 2019, o rosé Kompassus Tête de Cuvée Nature 2017, o tinto Casa da Passarella Vindima 2011 e o fortificado Kopke 50 anos branco.

Os vinhos são feitos para serem bebidos, quase sempre acompanhados por comida, e na área da horeca e retalho o cliente/consumidor foi muito apaparicado em 2022, ao nível da oferta, da apresentação, do serviço. E foi-o em restaurantes incontornáveis na sua categoria ou perfil (Prado, De Raiz ou Ruvida são os nossos eleitos); em enoturismos absolutamente modelares, como o da Quinta de Ventozelo; em eventos únicos e inimitáveis, como o Amphora Wine Day; e em lojas ou bares de vinho onde nos sentimos em casa, como Estado d’Alma, Pátio d’As Marias e Garage Wines. E tantos foram os vinhos e clientes que beneficiaram do luxo de serem servidos pelo grande sommelier que é Ricardo Morais!

Muitas empresas e produtores, grandes e pequenos, excederam as nossas expectativas (e, acredito, por vezes, as suas próprias). Dona Sancha foi a grande revelação, vinda da região do Dão. Já a Herdade da Lisboa, do Alentejo, confirmou em 2022 a enorme solidez dos vinhos e do projecto. Outros procuraram, através da singularidade, brilhar num universo vínico demasiado homogéneo, como a dupla de enólogos que criou o modelo Lés a Lés. Mas também houve produtores bem mais antigos que se souberam reinventar, aparecendo fulgurantes, mudados por dentro e por fora, casos da Adega Coop. de Ponte da Barca ou da Sociedade Vinícola de Palmela. E depois, claro, há aqueles, como a Aveleda, em que a própria cultura empresarial, cimentada ao longo de mais de 150 anos, busca o sucesso não numa revolução, mas num planeamento cuidado a muito longo prazo.

Empresas e projectos bem sucedidos não nascem por geração espontânea. Na sua base estão, sempre, grandes profissionais. Como o vencedor do Prémio David Lopes Ramos, Ricardo Nogueira, cujo trabalho em torno do leitão da Bairrada merece todos os encómios. Em áreas mais directamente ligadas ao conteúdo das garrafas, destacamos o saber e versatilidade de Ana Mota, que trata por tu as cepas do Douro e do Dão; e o talento puro de quem mete, literalmente, a mão na massa, espelhado pelos enólogos Johnny Graham e Diogo Lopes.

Finalizo, como sempre, com o máximo galardão, entregue unicamente a quem muito ofereceu ao vinho de Portugal, ao longo de uma vida. E quem mais merecedor do que a grande Senhora do Vinho, Leonor Freitas?

 

Editorial: O rei vai nu

Editorial LUÍS LOPES

Luís Lopes É, no mundo inteiro, uma das mais conhecidas estórias infantis. Escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen foi publicada, pela primeira vez, em 1837. Desde então teve milhares de traduções e, sobretudo, versões, muitas delas afastadas do texto original. Mas o que é que isto tem a ver com vinho, perguntarão? Editorial da edição […]

Luís Lopes

É, no mundo inteiro, uma das mais conhecidas estórias infantis. Escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen foi publicada, pela primeira vez, em 1837. Desde então teve milhares de traduções e, sobretudo, versões, muitas delas afastadas do texto original. Mas o que é que isto tem a ver com vinho, perguntarão?

Editorial da edição nrº 70 (Fevereiro 2023)

Na verdade, o próprio título, na versão portuguesa, foi adulterado. A tradução inglesa do dinamarquês “Kejserens nye Klæder” – The Emperor’s new chothes – ou seja, “A roupa nova do Imperador” é bastante mais fiel. Mas não é isso que importa. Certo é que a minha avó me contava esta estória na hora de ir para a cama. Convenhamos, alguns dos seus contos de embalar davam pesadelos e, hoje, seriam considerados impróprios, coisas tenebrosas, com crianças devoradas por bruxas ou a arrancarem a própria carne para pagar à águia em cujo dorso viajavam para encontrar a mãe perdida. Enfim, outros tempos. Acredito que os avós de hoje não estão nem aí para contar estórias aos netos. O canal Disney trata do assunto. Mas, novamente, me desviei do tema.

A estória, muito resumida (Hans Christian Andersen que me perdoe) passa-se assim. Em tempos que já lá vão, existia um rei muito vaidoso, que gastava grande parte do tesouro real em roupas e joias. Sabendo dessa sua fraqueza, dois vigaristas conseguiram uma audiência e, apresentando-se como alfaiates de renome, disseram-lhe ter criado um tecido muitíssimo raro, diferenciador, tão especial que só as pessoas de inteligência superior conseguiam visualizar. Com esse tecido, propunham-se confecionar-lhe uma roupa que mais nenhum monarca teria, uma roupa que exaltaria a superioridade do rei e que, ao mesmo tempo, lhe permitiria, entre os seus cortesãos, distinguir os de intelecto adequado para continuar ao seu serviço. O rei achou a ideia extraordinária e tratou de pagar vultoso adiantamento. Ao mesmo tempo, anunciou à corte e ao povo ter encomendado trajes únicos, absolutamente singulares, que só os verdadeiramente inteligentes seriam capazes de apreciar. Os supostos tecelões foram instalados no palácio, com os seus teares, e fingiram começar a trabalhar. O rei enviou ao local os seus ministros, para lhe darem conta dos trabalhos. Eles nada viam, mas não o queriam confessar, temendo passar por ignorantes. Os aldrabões, vendo-os atrapalhados, descreviam-lhes os esplendorosos tecidos. E recebiam mais dinheiro, seda e fio de ouro para completar o trabalho. Os cortesãos voltavam então ao rei anunciando trajes de cores e padrões maravilhosos. Abreviando, chegou o dia de o monarca desfilar perante o povo. O rei despiu-se e os Cavaleiros Tecelões (entretanto, já condecorados) vestiram-lhe as roupas que, nas suas palavras, eram tão leves quanto uma teia de aranha. Ataviado com as imaginárias vestes, o rei desfilou na principal avenida da cidade, seguido de toda a corte. Nas ruas e janelas, o povo aplaudia e gabava os novos trajes do rei. Até que uma criança que, na versão inglesa do original, “não tinha um cargo importante e só via o que os olhos lhe mostravam” gritou no seu espanto: “o rei está nu!”. O povo, então, caiu em si e desatou a ridicularizar o rei. Daqui para a frente, a estória de embalar diverge do que Hans Christian Andersen escreveu. Na versão infantil, o rei, envergonhado, corre a esconder-se no palácio. No original, o rei não dá parte de fraco e, impávido e sereno, marcha nu enquanto os camareiros seguram um manto invisível.

Lembrei-me desta estória a propósito de uma mensagem que alguém me enviou, pasmado por “um vinho metido em garrafões de plástico que estagiaram ao sol custar o mesmo que o Vale Meão”. Na verdade, muitos vinhos encaixam no modelo. E tal como o autor dinamarquês, também eu não aponto o dedo aos falsos tecelões. Censuro sim a vaidade e credulidade do rei, da corte, do povo que, não querendo passar por ignorantes, calam o que os olhos (e nariz, e boca) lhes mostram. Mas talvez esteja a pedir muito. Provavelmente, tal como no conto original, o rei objecto de ridículo também não se retiraria envergonhado, antes continuaria exibindo suas imaginárias vestes.

Editorial: Lisboa vestida de branco

Editorial LUÍS LOPES

Não, infelizmente, o título não anuncia a cidade de Lisboa sob um manto de neve. Parece que esse fenómeno raro aconteceu pela última vez em janeiro de 2006 e, antes disso, mais a sério, em fevereiro de 1954. Falo sim de grandes vinhos brancos da região de Lisboa. Que, felizmente, e ao contrário da neve, […]

Não, infelizmente, o título não anuncia a cidade de Lisboa sob um manto de neve. Parece que esse fenómeno raro aconteceu pela última vez em janeiro de 2006 e, antes disso, mais a sério, em fevereiro de 1954. Falo sim de grandes vinhos brancos da região de Lisboa. Que, felizmente, e ao contrário da neve, não se revestem de nenhuma raridade. Pelo contrário, são cada vez mais e melhores.

Editorial da edição nrº 69 (Janeiro 2023)

Brancos de Lisboa é o tema da Grande Prova que este mês apresentamos aos nossos leitores, pela pena de Nuno de Oliveira Garcia. Se há região portuguesa que, pelo menos em teoria, tem tudo para nos presentear com vinhos brancos de primeira linha, essa é a região de Lisboa. Razões para isso, são muitas. Desde logo, históricas. Integrada na área vitivinícola de Lisboa está a única denominação de origem nacional exclusiva para vinhos brancos, Bucelas. Já para não falar de outra das mais antigas DOC’s portuguesas, Colares, que ainda que mais famosa pelos tintos não deixa os pergaminhos dos seus brancos (como se viu nesta prova) por mãos alheias. Mas existem, igualmente, razões climáticas por trás do “potencial branco” desta região. A sua configuração geográfica, uma faixa estreita que se estende desde a cidade capital até acima de Leiria, correndo ao longo do oceano atlântico, beneficiando assim de noites e manhãs frescas no verão, é propícia à criação de uvas com refrescante acidez. E todos sabemos que acidez equilibrada é factor decisivo para a elaboração de vinhos brancos de qualidade superior.

Chegado a este ponto, quem lê estas linhas está à espera que fale de castas. Lá chegarei. Antes, quero mencionar um outro elemento, frequentemente esquecido quando se elencam as virtudes de uma qualquer região, e que está na base da “revolução” ocorrida nos vinhos brancos de Lisboa: as pessoas. Pessoas que, na região de Lisboa, são sinónimo de empreendedorismo. Desde os finais do século XIX até aos tempos modernos, produtores e negociantes locais, como os pioneiros João Camillo Alves e Abel Pereira da Fonseca, sempre estiveram em absoluta sintonia com o mercado, ou melhor, os mercados, antecipando-se às necessidades do consumidor daquém e dalém mar. E quando o consumidor, hoje, também quer brancos de topo, Lisboa está a postos para os oferecer.

Falemos então das variedades de uva branca. O empreendedorismo que acabei de referir fez da região de Lisboa um caldeirão de experimentação “cozinhado” por grandes profissionais, onde o pragmatismo prevaleceu sobre a tradição, e onde, historicamente, sempre se plantaram as castas mais adequadas aos objectivos, definidos pelo mercado alvo num dado momento. Das muitas actualmente usadas, deixem-me abordar apenas as duas variedades que, por razões distintas, considero mais significativas para o futuro próximo dos melhores brancos de Lisboa. Primeiro, naturalmente, Arinto. Uma casta que atravessou épocas e gerações, sobrevivendo aos ventos de mudança. Acantonada no seu berço, em Bucelas, pôde de novo expandir-se quando a procura de qualidade se sobrepôs ao apelo da quantidade, transformando-se em bandeira regional. A sua inigualável plasticidade, adaptabilidade e polivalência torna-a, para mim, na melhor casta branca portuguesa. Durante décadas lamentei que em Lisboa, e sobretudo em Bucelas, não lhe dessem a atenção que merece. Hoje, finalmente, e apesar do muito ainda por explorar nesta uva preciosa, as minhas preces vínicas parecem ter sido ouvidas.

Depois, uma casta que veio do Douro para iluminar Lisboa, a Viosinho. De agradável surpresa a segura confirmação, mostrou nos frescos ares atlânticos qualidades insuspeitas no vale duriense, sobretudo ao nível da intensidade, elegância, equilíbrio ácido e, pasme-se, longevidade. Vai ser, seguramente, um esteio transversal aos brancos de topo produzidos nesta região.

História, clima, empreendedorismo, castas. Por esta ou outra ordem, são a base dos mais ambiciosos vinhos brancos de Lisboa. E que bons que eles são!