Doçuras natalícias e os vinhos da (nossa) cave

Aproxima-se a data onde o consumo de açúcar dispara, por força das doçarias que por tradição acompanham os momentos de convívio familiar. Não vale muito a pena fazer planos de dietas para a época que se avizinha. Venham os doces e bem acompanhados. Aqui ficam algumas sugestões, a Chef Justa Nobre com os doces e […]

Aproxima-se a data onde o consumo de açúcar dispara, por força das doçarias que por tradição acompanham os momentos de convívio familiar. Não vale muito a pena fazer planos de dietas para a época que se avizinha. Venham os doces e bem acompanhados. Aqui ficam algumas sugestões, a Chef Justa Nobre com os doces e a minha garrafeira com os vinhos.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Mário Cerdeira

Quando o assunto é a doçaria de Natal pode aplicar-se com propriedade a máxima do “cada cabeça sua sentença”. Cada pessoa carrega nas suas memórias olfactivas e gustativas um conjunto de referências que, não raramente, assumem o protagonismo natalício. Cada um tem o seu Natal, as memórias de infância e das famílias do campo (que quase todos temos), os cheiros das lareiras e fornos a lenha, da terra molhada, da canela e do açúcar acabam por nos marcar para toda a vida.

O Natal é assim a época em que revivemos tempos passados e cheiros antigos, no ambiente típico da época: crianças aos gritos a correr de um lado para o outro, cães e gatos à mistura, travessas a circular, vinhos (no caso de gente que não sabe que a Grandes Escolhas existe…) em frente à lareira para ficarem “à temperatura ambiente”, peru seco e desenxabido que todos dizem que está óptimo “sobretudo o recheio…”, querendo assim afirmar que o dito peru é uma tragédia mas nesta época não estamos aqui armados em críticos gastronómicos…

Foi a pensar nos doces da época que procurámos ajuda à Chef Justa Nobre que, com total simpatia e disponibilidade, recebeu a Grandes Escolhas no restaurante Nobre, ao Campo Pequeno. Não tínhamos propriamente plano de trabalho nem queríamos este ou aquele doce em particular. Antes dissemos à Chef Justa que fizesse o que mais gostasse. Assim fez e brindou-nos com um conjunto de doces que, embora baseados em receituário tradicional, levaram aqui uma volta com novidades criadas pela Chef.

Tradição transmontana

Justa não se cansa de nos lembrar que é transmontana, que é lá que encontra as suas raízes culinárias, ali bem perto de Macedo de Cavaleiros. A tradição local nunca foi baseada numa doçaria muito rica, nomeadamente em ovos, “por lá usavam-se muitos ovos mas era na Páscoa; no Natal muito menos”, alguns ingredientes são-lhe especialmente queridos, como a aletria mas também havia os milhos doces “uma sobremesa de pobre”, o bolo de água (da família do pão de ló) que se chama assim porque leva uma colher de sopa de água por cada gema enquanto se está a bater e “fica muito fofo, é óptimo”. Lembra-se ainda dos económicos, que eram uns bolos secos tipo broa de erva doce.

Hoje preparou uma sobremesa com aletria que, no sul, “não tem assim tantos adeptos, é um doce nortenho; na minha zona fazemos com ovos mas também se faz aletria sem ovos. O doce é então um travesseiro de aletria com frutos secos, canela, maçã e banana, tudo envolto em massa folhada. Como tem algum volume e, se cortada às fatias, fica também com um aspecto de torta”. Justa chama-lhe um falso Strudel – a célebre receita que teve origem no século XVIII – desde sempre muito popular quer na Alemanha quer na Áustria e hoje vulgarizada por muitos outros países. Caso seja servido morno, o travesseiro fica muito bem com uma bola de gelado, de nata ou baunilha. Para este doce escolhemos dois vinhos de Colheita Tardia; diferentes, mas ambos a terem a doçura certa (não exagerada) para este tipo de doce que é delicado e leve de sabores. Caso se opte por um gelado de frutos vermelhos poderá então escolher o Licoroso da Ravasqueira.

A rabanada é dos mais conhecidos e tradicionais doces de Natal. A Chef Justa preparou uma rabanada com um twist, ou seja, uma rabanada com nos surge dobrada (tipo almofada) e no meio tem um recheio feito com doce de castanha, “é um fruto da época e achei que ligaria bem, foi criação minha, não tem tradição na minha terra”. Açúcar e canela envolvem então a rabanada que pode ser servida fria. Para a rabanada escolhi um Porto 30 anos, neste caso da Quinta do Vallado.

Também porque estamos na época dele, Justa fez um doce que incluiu marmelo. Por norma “come-se em marmelada ou assado no forno, mas optei por fazer uma mousse de marmelo que é aligeirada com natas batidas e servido depois com pequeninos cubos da marmelada que todos nós conhecemos”. Como se trata de um doce que tem leveza e de sabores suaves, optei pelo Moscatel de Setúbal que se mostrou perfeitamente à altura.

No Natal não podem faltar os doces de abóbora, sendo os mais conhecidos as filhós ou sonhos. A opção aqui foi fazer um fondant de abóbora, “tipo petit gateau e funciona muito bem porque também leva nozes que é também um fruto seco desta época; ganha assim alguma crocância, o que hoje em dia também é muito apreciado nos doces. Para esta sobremesa encontrámos a ligação perfeita com o Kopke tawny 10 anos, também ele rico e marcado pelas notas dos frutos secos.

Quanto ao momento certo de servir estes doces no seu restaurante, Justa não tem dúvidas: “quanto mais nos aproximamos do Natal menos vezes posso servir doces destes. É que depois as pessoas ficam em preparação para as festas e deixam de pedir estas doçuras quando nos visitam”.

Este é o conselho que também vamos (tentar) cumprir mas…com tantos almoços e jantares de Natal ainda antes das festas propriamente ditas, a coisa não se mostra fácil.

Vinhos (mais ou menos) doces

A ligação da doçaria de Natal com vinho tem tradições e hábitos arreigados. Na nossa escolha optámos por algum conservadorismo até para equilibrar alguma ousadia na criação doceira com a que a Chef Justa nos brindou.
Seguimos assim a lógica e resolvemos privilegiar o Vinho do Porto – no caso um tawny 10 anos e outro 30 anos – alargando depois para o moscatel de Setúbal, vinhos Colheita Tardia e um licoroso alentejano. Com a introdução deste tipo – não esqueçamos que os licorosos são feitos com a mesma metodologia do Vinho do Porto – pretendemos chamar a atenção para a qualidade que actualmente se encontra nestes vinhos. Eles existem um pouco por todo o país e a qualidade tem vindo a mostrar-se muito elevada. São por isso boas escolhas. Só no Alentejo são já em número significativo, mas mesmo em regiões menos habituais, como a Bairrada, também existem. São vinhos a ter em atenção.
Os vinhos de moscatel (onde se deve também incluir os do Douro) são especialmente vocacionados para sobremesas que incluam laranja, em doce ou calda. Mas em tortas simples com ovos ou mesmo torta de cenoura poderão ser perfeita companhia. Não use os mais velhos, esse devem ser consumidos a solo.
Tínhamos inicialmente previsto a inclusão de um Madeira Bual que acabou por não ser provado, mas é sempre uma boa opção porque a doçura contida que apresenta pode ligar bem. Quanto a inovações existe uma tese (que partilhamos) da ligação de tintos velhos com doces de ovos, evitando-se assim o excesso de doce. É surpreendente e vale a pena tentar. Finalmente há também, sobretudo em zonas produtoras, a tradição de ligar alguns destes doces com espumante. É sempre uma boa escolha mas, cremos, será de evitar os que forem do tipo Brut Nature; sirva os que tiverem leve dose de açúcar residual, até 8/10 gramas.

Os vinhos que os doces pediram

€75
Vallado
Porto tawny 30 anos
Quinta do Vallado
Deverá ser servido ligeiramente refrescado. É um tawny muito elegante, já muito polido pelo tempo e que se liga muito bem com a rabanada. À falta de copos próprios para este serviço, use copos de vinho branco, nunca copos de licor.

€25
José Maria da Fonseca Colecção Privada DSF
Moscatel de Setúbal 1998
José Maria da Fonseca
Elegância pura e qualidade muito elevada da casta moscatel estão aqui reunidas e o resultado é brilhante. O vinho tem uma enorme delicadeza e pede por isso doces não muito fortes de sabor ou textura. Neste caso a temperatura de serviço é absolutamente determinante. Frigorífico obrigatório antes de servir.

€17,50
Casal de Santa Maria
Reg. Lisboa Colheita Tardia branco 2015
Adraga
Mostra-se muito atractivo, com uma cor algo carregada, mas com uma doçura contida que irá ligar muito bem com os doces. Beber mais frio do que os brancos normais é a regra a seguir.

€16,50
Graça
Douro Viosinho Colheita Tardia branco 2016
Vinilourenço
A casta contribui aqui para um aroma muito delicado, com uma fruta doce mas muito subtil. Se não é apreciador dos brancos muito doces este pode ser uma boa opção e, tal como o anterior, com uma temperatura baixa ao servir.

€21
Kopke
Porto tawny 10 anos
Sogevinus
O tawny 10 anos é um Porto muito versátil podendo por isso ter várias ligações gastronómicas. Por um lado, ainda tem muita energia e estrutura que vem da fruta madura e por outro já nos mostra o lado dos frutos secos que se ligam muito bem com estes doces. É sempre uma boa escolha.

€60
Ravasqueira
Vinho Licoroso Alentejano
Soc. Agr. Dom Diniz
Feito com três castas do Douro que também entram nos vinhos do Porto, este licoroso é mesmo uma grande surpresa para quem não conhece: concentrado, muita textura de fruta madura e compotas, tudo aquilo que um certo tipo de vintage novo às vezes também traz. Pode assim ser bom parceiro para sobremesas que incluam frutos vermelhos.

 

Edição n.º32, Dezembro 2019

Tanto para comer em Braga

Desde que nasce o sol até que a noite desce sobre a Sé, há cada vez mais propostas novas para comer e beber bem na capital do Minho. TEXTO Ricardo Dias Felner 10h30 Nórdico Coffee Shop Um brunch não é um pequeno-almoço e para sublinhar isso este Nórdico só abre mesmo às 10.30. À frente […]

Desde que nasce o sol até que a noite desce sobre a Sé, há cada vez mais propostas novas para comer e beber bem na capital do Minho.

TEXTO Ricardo Dias Felner

10h30

Nórdico Coffee Shop
Um brunch não é um pequeno-almoço e para sublinhar isso este Nórdico só abre mesmo às 10.30. À frente da casa desde 2017 está o casal Catarina Silva e Ricardo Ferreira, que se apaixonaram pelo café de especialidade quando ambos estavam a trabalhar em Londres. Foi o café que levou à abertura da casa, especializada em pequenos-almoços tardios, e é o café que continua a estar no centro de tudo. A preferência é por grãos torrados na Europa (torras mais leves), mas com origem em pequenos produtores, que tanto podem vir do Brasil como da Etiópia. O que não muda é serem todos arábicas e todos bem tratados. Uma das baristas do Nórdico ganhou o campeonato na modalidade de aeropress, um tipo de filtragem. À parte o café, a carta também tem lattes espumosos com flores bem desenhadas, todos com base de leite gordo Vigor, sendo particularmente interessante o chai latte, com uma mistura de especiarias, e o pink latte, com beterraba em pó. Nos comes, as panquecas são à americana, com maple syrup, e nas tostas a estrela é a de pera abacate com ovo.
Rua do Anjo 90A

12h00

Corriqueijo
Não há muitas queijarias fora-de-série em Portugal, mesmo contando com Lisboa e Porto. Ora Braga já se pode gabar de ter a sua, e com uma curadoria apertada. À frente da loja está Rita Lima, que também atende, e, portanto, sabe sempre do que fala. Ali não entra nada que ela não conheça e tenha aprovado. As secções francesa e espanhola são fortes, como de costume em queijarias topo de gama, mas a portuguesa não lhe fica atrás. Há desde apostas seguras, como os queijos da BeiraLacte, até produtores mais vanguardistas, como os que fazem uma roda de queijo de vaca ao estilo de São Jorge, em Azeitão; ou os queijos Prados de Melgaço e as suas experiências com curas em Alvarinho, seja no estilo Camembert, sejam um queijos de cabra curados; ou o Campo Capela, outro vaca, este afinado com infusão de café.
Rua dos Biscaínhos 89

12h30

Fava do Cacau
Na mesma rua da Corriqueijo, apareceu esta pequena chocolataria artesanal, onde até se pode assistir à transformação dos grãos de cacau em tabletes ou bombons ou bolos de chocolate. O cacau é proveniente de vários pontos do mundo, do Equador ao Brasil, mas vem todo via Bélgica, onde está sedeada a empresa importadora com quem à Fava trabalha. A proprietária é Adélia Azevedo, que depois de deixar a contabilidade foi estudar o ofício do cacau em Barcelona e na Bélgica. Para além de ser uma loja de chocolate, a Fava é também um café onde se pode tomar o pequeno-almoço ou lanchar.
Rua dos Biscainhos 25

13h30

O Filho da Mãe
A ideia de Eurico Silva, arquitecto, era abrir um restaurante onde ele se visse cliente diário. A outra premissa é que não fosse de cozinha portuguesa, que disso já havia com fartura na cidade. O acaso trouxe-lhe então um cozinheiro venezuelano e a oportunidade de servir culinária da América Latina. Guilherme Rumbos, 26 anos, é o jovem atrás dos fogões deste restaurante que senta apenas 26 pessoas, mas que está quase sempre cheio. Inaugurado em Janeiro, já habituou uma clientela fiel aos ceviches, às arepas, às empanadas caseiras, tudo bem assessorado pelo pão de fermentação lenta da padaria Norre, também ela uma boa novidade na cidade.
Rua Dom Afonso Henriques 25

 

 

17h00

Pappa Lab
A aprendizagem de Marta Bezerra fez-se na melhor escola possível, a geladaria Nannarela, em Lisboa. Depois de lá ter trabalhado, a jovem bracarense voltou à cidade-natal e abriu o seu próprio espaço. De início, contou com a consultadoria da antiga mestre Constanza Ventura, dona da Nannarela, e as receitas são assumidamente as mesmas, à base de ingredientes frescos, água e leite. “Não usamos corantes, nem conservantes. E a fruta compro no mercado”, garante Marta. Há os clássicos de amora, pistáchio, chocolate com 75 por cento de cacau de São Tomé, baunilha feita só com vagem, nata com infusão de manjericão, menta com folhas de hortelã ou requeijão com abóbora. E há ainda uma atenção para com quem é sensível ao glúten e à lactose. “Temos cones bons para essas pessoas”. O restaurante está aberto todos os dias, das 12.00 às 22.00.
Rua de São João 28

20h00

Kartilho
Mesmo em frente ao O Filho da Mãe está este restaurante, também ele novidade. As carnes maturadas chegaram a Braga e algumas não tiveram de andar muito. No frigorífico, logo à entrada, vêem-se espécimes de má figura, mas óptimo sabor, grandes nacos ressequidos à espera da grelha. As raças bovinas minhota e arouquesa estão no topo da pirâmide, mas também há Black Angus, mais em conta, tudo devidamente certificado e com data de abate. É assim possível sabermos os tempos de maturação e vermos as peças a serem decepadas antes de ir para a grelha, esta movida a carvão de casca de coco, na cozinha aberta. Nos acompanhamentos, brilham o arroz de fumeiro com enchidos e a batata assada com alecrim. Fora as carnes há bacalhau confitado no forno e polvo com batatas à camponesa. O restaurante faz gala também da sua selecção de vinhos, contando com loja especializada de venda para fora, no primeiro andar.
Rua Dom Afonso Henriques 36 e 38

Edição n.º32, Dezembro 2019

Cozinha, não sejas francesa

A gastrónoma Maria Emília Cancella de Abreu foi uma das pessoas que mais lutou pela identidade da cozinha portuguesa, nos anos 1960 e 1970. Um novo livro lembra o seu trabalho à frente da revista Banquete. TEXTO Ricardo Dias Felner Estávamos em Março de 1960. O objectivo anunciado no primeiro número parecia modesto e tinha […]

A gastrónoma Maria Emília Cancella de Abreu foi uma das pessoas que mais lutou pela identidade da cozinha portuguesa, nos anos 1960 e 1970. Um novo livro lembra o seu trabalho à frente da revista Banquete.

TEXTO Ricardo Dias Felner

Estávamos em Março de 1960. O objectivo anunciado no primeiro número parecia modesto e tinha o ar do tempo. A directora da estreante revista Banquete queria uma publicação “sem pretensões e unicamente com a finalidade de ajudar as donas de casa na preparação das suas ementas, quer estas sejam simples ou de alta cozinha, de execução rápida ou demorada”.
Dito assim, parecia só mais um folhetim de receituário para domésticas com foco nos sabores nacionais, “não esquecendo que Portugal vai desde Valença do Minho ao longínquo Timor”. Mas pouco depois ficou claro que havia mais. Maria Emília Cancella de Abreu, mãe de nove filhos, nascida numa família de títulos nobres, não só era talentosa na escrita como tinha, afinal, uma missão maior: lutar pela culinária regional portuguesa, contra a hegemonia exercida por Paris.
No editorial do terceiro número, chamado “À Volta da Mesa”, o relato de uma viagem deprimente pelo Minho é exemplo desse panorama triste, confuso, perdido — que se pretendia alterar. “Nas ementas que me apresentaram havia uma impressionante falta de originalidade”, lamentava Cancella de Abreu. “A torto e a direito, encontrei os neurasténicos filetes de peixe com salada mais ou menos murcha, a triste pescada cozida e o melancólico bife de uma vitela já com netos”, escreveu, para depois rematar com humor: “Quando, num restaurante minhoto, pedi o característico arroz de forno, o criado não me olhou com mais espanto do que aquele que teria se eu lhe tivesse encomendado uma refeição tipicamente chinesa”.
Não era só a ausência de um prato regional que a zangava, mas também esse tique, presente sobretudo nos restaurantes de hotéis, da cozinha com sotaque francês. O arroz de forno não se fazia, mas o “criado” espantado era rápido no gatilho do menu francófono. “Se eu desejasse poderia mandar servir-me um linguado meunière ou uns tornados parisienne”, recorda Cancella de Abreu, no mesmo editorial.
A campanha que perpassa nestas palavras, em favor de um identidade da cozinha portuguesa, terá dados os seus frutos. É pelo menos essa a tese de Fátima Iken, autora do livro Códice dos Sabores Portugueses, publicado em Outubro, para quem a directora da Banquete iniciou uma revolução política nesta matéria. “Paulatinamente, as autoridades oficiais vão mudando a sua atitude para com a cozinha portuguesa, legislando no sentido de proteger ou lançando concursos nacionais para a população em geral e para os hotéis e restaurantes”, escreve a autora, concretizando algumas dessas alterações. “Foi assim que, por sugestão de Maria Emília Cancella de Abreu, o SNI (Serviço Nacional de Informação, antiga Sociedade de Propaganda Nacional) passou a legislar no sentido de ser obrigatório haver nos restaurantes um prato português”.
No texto, não se faz prova de causa-efeito, mas a pressão da Banquete no sentido de dignificar os pratos mais tradicionais, contra o modismo dominante, é notória. Como exemplos dessa portugalidade, Cancella de Abreu citava o leitão da Bairrada, a lagosta suada de Peniche, o presunto de Chaves, as migas do Alentejo, as alheiras de Trás-os-Montes, a chanfana da Beira ou as tripas à moda do Porto.

Francesismos idiotas, a 25$00 cada

A revista era propriedade da Sacor, empresa de combustíveis do Estado Novo, que viu na Banquete uma possibilidade de divulgar o uso do fogão a gás Cidla (uma marca da casa) nas casas portuguesas de então, mas também os seus postos de abastecimento automóvel. Uma das rubricas mais curiosas foi uma espécie de crítica de restaurantes de estações de serviço.
Ao seu lado na equipa, muito curta, a directora contou com outros célebres companheiros de luta. Um dos poucos críticos gastronómicos regulares daquele tempo, Luís Sttau Monteiro, foi um dos mais brilhantes representantes da causa. Com crónica regular no Diário de Lisboa e na revista Almanaque, o escritor e publicitário apontou aos mesmos alvos de Cancella de Abreu, atingindo sobretudo os novos-ricos. “A esta gente é indiferente comer sopa de pacote, caldo verde da véspera ou seja o que for desde que a sopinha figure na lista como sendo vichyssoise e custe, pelo menos, 25$00. Não espanta, nestas circunstâncias, que os proprietários dos restaurantes se riam e sirvam alcunhada de vichyssoise qualquer restinho de puré de batata que tenham no frigorífico e ainda esteja em estado de poder ser misturado com um pouco de leite e uns restinhos de cebola promovida a alho-porro”.
Ainda assim, as figuras verdadeiramente capazes de influenciar o povo, em matéria de comida, contavam-se pelos dedos de uma mão. A cara mais conhecida era Maria de Lurdes Modesto, que nunca escreveu na Banquete nos 15 anos que ela durou. Fátima Iken retrata-a como alguém que divulgava receitas “inicialmente, maioritariamente, francesas”, quer enquanto apresentadora do programa Culinária, que passava na RTP, quer como “autora de fichas culinárias, sob o pseudónimo francês de Francine Dupré, com o patrocínio do Instituto Culinário Vaqueiro”.
Logo a seguir faz-se outra afirmação, que de alguma forma indicia uma rivalidade entre Maria de Lurdes Modesto e Maria Emília Cancella de Abreu. “Mais tarde, em 1961, apresenta na RTP o Concurso Nacional de Cozinha e Doçaria Portuguesas, promovido pelo Secretariado Nacional de Informação, o que permitiu reunir elevado número de receitas de cozinha e doçaria portuguesas. Mas a verdade é esta: essas receitas premiadas foram divulgadas em primeira mão pela Banquete”, diz Fátima Iken. Maria de Lourdes Modesto comentou à Grandes Escolhas: “Éramos as duas Senhoras da culinária e, para mim, nunca passou disso.”

Uma autora a requerer de (re)conhecimento

Maria Emília Cancella de Abreu acabou, no entanto, por não ter o mesmo reconhecimento público que Lourdes Modesto. O filho, Jaime Cancella de Abreu, director da Prime Books — editora que publicou o Códice dos Sabores Portugueses —, põe a questão nestes termos. “[A minha mãe] foi alguém que aliava um profundo conhecimento da cozinha portuguesa à sobriedade e modéstia próprias da sua personalidade, razão pela qual nunca aceitou fazer campanhas de publicidade televisivas para marcas de produtos alimentares, com isso perdendo a possibilidade de massificar o seu nome junto de gerações futuras”, disse à Grandes Escolhas.
Em todo o caso, o esforço valeu a pena, quanto mais não fosse porque a Banquete permitia a toda a família Cancella de Abreiu deleitar-se com manjares raros — “porquanto todos os cozinhados e respetivas fotografias eram realizados em nossa casa, e nenhuma receita saía na revista sem que antes fosse testada pela nossa mãe” — concretiza o filho. Curiosamente, o prato favorito de Jaime era uma novidade no país, “uma fantástica pizza que ela fazia em casa”.
Prova impressiva de como a gastrónoma levava o seu trabalho a sério, foi a sua reacção a uma imprudência do filho, durante a fermentação da massa da pizza. “Lembro-me (…) de uma vez ter levado um bem oportuno tabefe por ter sido apanhado a levantar a toalha que cobria o alguidar com a massa, que descansava de um dia para o outro”.

Edição n.º32, Dezembro 2019

DO MERCADO – Bacalhau

TEXTO Ricardo Felner A tradição tem razões fundas, a tradição é esperta. No Natal come-se muito Bacalhau, mas não, necessariamente, por causa do nascimento do Menino Jesus. É que o bacalhau de Novembro, Dezembro, costuma ser mesmo o melhor. Dois factores contribuem para isso: a altura da pesca e a cura prolongada. É entre Janeiro […]

TEXTO Ricardo Felner

A tradição tem razões fundas, a tradição é esperta. No Natal come-se muito Bacalhau, mas não, necessariamente, por causa do nascimento do Menino Jesus. É que o bacalhau de Novembro, Dezembro, costuma ser mesmo o melhor.

Dois factores contribuem para isso: a altura da pesca e a cura prolongada. É entre Janeiro e Abril que os ‘gadus morua’ desovam nas águas da Noruega, e um pouco mais tarde na Islândia, entre Fevereiro e Maio. Por fazerem grandes travessias, a sua carne fica musculada e particularmente saborosa.

Na Noruega chamam a esta qualidade de bacalhau ‘premium de skrei’. Os skrei nadam centenas de quilómetros (nalguns casos, mais de 1.500 km) desde o Mar de Barents até à costa da Noruega. Na Islândia, chegam do Mar da Gronelândia até às zonas menos profundas e mais quentes da costa.
Ora, os bons bacalhoeiros selecionam os melhores exemplares das pescarias entre o Inverno e a Primavera e reservam boa parte deles para serem curados durante seis meses ou mais e só são postos à venda algumas semanas antes do Natal. Mesmo que não coma todo o bacalhau no Natal, invista nele nesta época. Pode sempre armazená-lo no frio ou mesmo demolhá-lo e congelá-lo, para comer mais tarde.
Escolha os bacalhaus mais rijos, com uma cor palha-amarelada, sem marcas de sangue. Em matéria de calibre, prefira o graúdo e o especial.

Edição n.º32, Dezembro 2019

Só mais outro restaurante asiático?

O JNCQUOI Asia é o novo asiático de Lisboa, com quatro cozinhas de raiz e muita ambição. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS cortesia JNCQUOI Fica uns metros abaixo do irmão mais velho, o JNCQUOI Avenida, e quem lá entra percebe logo que continuamos em modo luxo. A entrada faz-se pelo bar, onde se pode beber […]

O JNCQUOI Asia é o novo asiático de Lisboa, com quatro cozinhas de raiz e muita ambição.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS cortesia JNCQUOI

Fica uns metros abaixo do irmão mais velho, o JNCQUOI Avenida, e quem lá entra percebe logo que continuamos em modo luxo. A entrada faz-se pelo bar, onde se pode beber vinho, cocktails e sakés em poltronas. A ideia é vir a haver também “finger food” e a possibilidade de se pedir um ou outro prato do restaurante. Continuando a andar, passamos um painel de azulejos da Viúva Lamego, onde foram desenhadas as rotas dos produtos que os portugueses transportaram entre o Ocidente e o Oriente, durante os Descobrimentos, parte da história que o restaurante quer contar à mesa.
A carta, no entanto, há mais do que a herança luso-asiática. Ao todo são quase uma centena de pratos, de quatro regiões asiáticas diferentes, organizadas por tipo de comida. Até aqui nada de novo, podia pensar-se que estamos perante mais um asiático moderno, tendência em Lisboa nos últimos anos. Mas a ideia do Grupo Amorim Luxury, dono dos JNCQUOI, foi subir o nível: fazer tudo de raiz, ir buscar os melhores produtos e as melhores técnicas.
Soraia Manji, do departamento de marketing, dá alguns exemplos dessa exigência, enquanto nos guia pelo espaço, encaminhando-nos para a sala principal. O responsável máximo pelo que se come é o mesmo do JNCQUOI Avenida, o chef António Bóia, e o chef executivo é Mário Esteves, visível de um lado para o outro, logo ao meio-dia e meia, atrás do balcão da lindíssima cozinha aberta. Soraia Manji diz, a propósito, que esta é só a zona de finalização, onde não faltam fornos tandoori embutidos, robata, e equipamentos de ponta de fazer inveja a alguns Michelin. Por baixo, é que está a cozinha. Isto também é luxo.
Bóia é um cozinheiro experiente em cozinha internacional, com currículo académico, Esteves andou a estagiar em Banguecoque e Tóquio com o propósito de se preparar para o projecto. “E temos cozinheiros originários da Ásia”, acrescenta Soraia Manji.
Outro indicador do empenho numa cozinha autêntica foi a contratação de David Thompson como consultor apenas para a parte da cozinha tailandesa. Apesar de ser australiano, Thompson é autor de um dos mais importantes livros de cozinha tailandesa tradicional já editado, “Thai Cooking”, e o grande divulgador desta gastronomia no mundo, tendo ele próprio restaurantes com estrela Michelin na Europa e na Ásia.

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Comida de toda a Ásia
Mas sentemo-nos. Estamos então na sala principal, a do esqueleto do dragão, imagem de marca do arquitecto Lázaro Rosa Violán, que voltou a ser chamado para este projecto do grupo. A sala principal tem capacidade para 112 pessoas e tem estado muito composta, sobretudo ao jantar, onde se aconselha reserva com antecedência. Ao lado há outra sala, que podia ser outro restaurante, um enorme balcão em madeira com vitrina de peixe encastrada, o sushi-bar, zona de sushi por excelência. Daqui sai uma porta para o pátio, onde se recria a ideia de jardim japonês, com horta vertical, plantas tropicais e vários recantos.
A ementa não está dividida pelas quatro regiões culinárias abrangidas pelo restaurante — Índia, Japão, China e Sião —, mas sim pelo tipo de comida. Há assim uma secção de sushi e sashimi, outra de saladas e sopas, outra de spring roll, tempura e chamuças, outra de wok, robata e tandoori, outra de caris e, por fim, os clássicos.
Nas sobremesas, é o veterano chef pasteleiro Joaquim de Sousa, chef do JNCQUOI e da Ladurée (marca da Amorim Luxury), quem dá a cara e a técnica. À mesa vem sempre uma bandeja com toda a doçaria, repetindo-se a receita do restaurante-irmão e onde consta um cheesecake impressivo, de sabor acentuado a cabra, para além dos clássicos mil-folhas e demais sobremesas de inspiração francesa.
O ticket médio andará entre os 40 e os 50 euros, “um pouco menos do que o do JNCQUOI Avenida”, diz Soraia Manji, mas com muitos vinhos exclusivos disponíveis para multiplicar este valor várias vezes.

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A palavra dengaku tem origem nuns bailarinos que animavam as feiras medievais japonesas e que dançavam com uma única perna de pau. Essa perna de pau teria o seu equivalente culinário nos espetos de tofu e vegetais usados para a grelha. De todos os dendaku, contudo, nenhum é hoje tão popular como o de beringela (nasu), aberta ao meio, na qual é barrado o célebre molho de miso, à base de saké, mirin, dashi, açúcar e, por vezes, pasta de sementes de sésamo. A beringela é assada e pincelada com o miso, ficando caramelizada e com notas de fumo.

[/vc_column_text][/vc_column][vc_column centered_text=”true” column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color=”#efefef” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][nectar_gradient_text heading_tag=”h2″ color=”extra-color-gradient-1″ gradient_direction=”horizontal” text=”Biryani – Índia”][vc_column_text]

Para muita gente não é claro a diferença entre biryani e pilaf, dois pratos da gastronomia indiana em que o arroz é o protagonista. No entanto, apesar de o biryani ser muitas vezes usado como um escape para os menos atreitos a malagueta, não é forçosamente assim — e este biryani de borrego do JNCQUOI está cheio de carácter. De origem muçulmana, segundo a maior parte dos historiadores, o biryani consiste em duas camadas de arroz entremeadas com uma de carne, peixe, camarão ou vegetais cozinhadas à parte e condimentadas de caril.

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column centered_text=”true” column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color=”#efefef” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][nectar_gradient_text heading_tag=”h2″ color=”extra-color-gradient-1″ gradient_direction=”horizontal” text=”Har gow – China “][vc_column_text]

O har gow (também pode aparecer grafado como ha gow ou haukau) é um dos dumplings (raviolis chineses de massa) obrigatórios numa refeição clássica de dim sum (petiscos chineses). E é também um dos mais difíceis de executar. A massa é feita à base de uma mistura de amidos, que podem ser de trigo, batata ou tapioca. Depois de cozida a vapor, a massa deve ficar translúcida e fina, sem ter cortes, e com umas pregas características (sete). O recheio leva sempre camarão com outros vegetais, tradicionalmente firmes. No JNCQUOI surge acompanhado de castanha de água.

[/vc_column_text][/vc_column][vc_column centered_text=”true” column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color=”#efefef” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][nectar_gradient_text heading_tag=”h2″ color=”extra-color-gradient-1″ gradient_direction=”horizontal” text=”Tom Yam Goong – Tailândia”][vc_column_text]

O har gow (também pode aparecer grafado como ha gow ou haukau) é um dos dumplings (raviolis chineses de massa) obrigatórios numa refeição clássica de dim sum (petiscos chineses). E é também um dos mais difíceis de executar. A massa é feita à base de uma mistura de amidos, que podem ser de trigo, batata ou tapioca. Depois de cozida a vapor, a massa deve ficar translúcida e fina, sem ter cortes, e com umas pregas características (sete). O recheio leva sempre camarão com outros vegetais, tradicionalmente firmes. No JNCQUOI surge acompanhado de castanha de água.

Edição Nº30, Outubro 2019

Quando a actriz toma conta da quinta

A sucessão na famosa Quinta do Poial, pioneira do biológico em Portugal, está a cabo de uma actriz que luta pelo legado da mãe. TEXTO Ricardo Dias Felner FOTOS Ricardo Gomez O caminho tem pouco de campestre. Para se chegar, passa-se a urbanização Casas de Azeitão e depois faz-se um gancho que vai dar à […]

A sucessão na famosa Quinta do Poial, pioneira do biológico em Portugal, está a cabo de uma actriz que luta pelo legado da mãe.

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Gomez

O caminho tem pouco de campestre. Para se chegar, passa-se a urbanização Casas de Azeitão e depois faz-se um gancho que vai dar à propriedade, a serra da Arrábida lá bem ao fundo. Mas uma vez ultrapassado o portão, nota-se um sossego idílico de vegetação e passarinhos.
No centro da quinta está a um barracão onde, pelas 9.30, já se preparam cabazes de hortícolas. É de lá que sai Joana Macedo, camisa aos quadrados aberta no peito, mangas arregaçadas, calções de ganga curtos e botas — como uma agricultora sensual de filme de Hollywood, acabada de acordar.
A imagem bate certo com a biografia. A jovem agricultora já foi muitas coisas aos 38 anos de idade, mas aquela que mais a entusiasma é ser actriz. Nesse papel, tem estado activa nos últimos anos ao lado dos realizadores Júlio Pereira e Leandro Scarpin, que se dedicam sobretudo a curtas-metragens. De resto, a sua formação sempre esteve toda ligada às artes: dança no Conservatório, design industrial no IADE, curso de actores em Paris.
A Quinta do Poial, venerada por chefs com estrelas Michelin e fãs do orgânico, nunca foi por isso um objectivo de vida. Aqui Joana cresceu, mas daqui partiu em 2006 para Paris, onde o seu pai vivia — e só haveria de voltar em 2014. Essa fuga para França foi também uma fuga da Quinta. “Odiava esta quinta. A minha mãe não tinha tempo para mim. Não ia às minhas reuniões de escola, não ia ver as minhas peças de teatro”, atira.

[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40912″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Uma mudança brusca de vida
O sentimento de rejeição haveria, contudo, de mudar abruptamente em 2016. Com a morte da mãe, Maria João Macedo, a quinta caiu nos braços da actriz. De repente, Joana tinha sobre si a responsabilidade de cultivar 200 variedades de legumes e frutas, parte das quais nem sabia que existia. Algum trabalho já estava feito e Joana admite isso. “Quando viemos para aqui, a terra era toda areia”, exemplifica Joana. Ainda hoje se percebe isso, basta olhar para o chão na zona de estacionamento. “Foi a minha mãe quem transformou areia numa quinta onde podem crescer coisas. Nesta terra estão 30 anos de trabalho”, assume.
O desafio continua, no entanto, a ser grande. Para além da responsabilidade de fornecer uma dezena de restaurantes com estrela Michelin — ”fora os que não se preocupam com guias” —, Joana ainda tem de gerir mão-de-obra, máquinas agrícolas, encomendas, pragas — bem como as travessuras do clima, particularmente prejudiciais neste ano.
Logo ali, na ala sul virada a sul, estão três estufas de tomates, cada uma com uns 100 metros de comprimento, ex-libris da quinta. Ao todo, Joana estima ter mais de 80 variedades do fruto. “Aqui os pink thai egg, aqueles são os tomate pêra, ali os indigo negro, o zebra, o orange banana, o green envy”, lista, enquanto vai puxando as plantas para cima e as enrolando em torno de fios presos ao topo da estufa.

[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”40913″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row]

Muitos ramos estão deitados porque “não se conseguiu gente” para fazer o trabalho. Isso e um ano com pouco calor até finais de Agosto terá atrasado a colheita. Mas agora eles estão no ponto e a estimativa é que haja tomate do Poial até meados de Outubro, assim o nematode do tomate, um parasita, se mantenha afastado.
A forma como a horta está construída ajuda a manter pragas à distância. Por todo o lado, entre os tomateiros há cravos-túnicos plantados com a finalidade de manter bichos indesejáveis à distância. Outro trunfo da quinta tem a ver com excremento. “Não conseguimos ter animais aqui”, confessa Joana, “mas usamos guano”. E o que é guano? “Cocó de morcego. Vem de Angola. É uma bomba. Cara”.

[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

Tomates para todos os gostos e feitios
Seja ou não pelo guano, à medida que vamos correndo os tomateiros vamos comprovando a sua boa saúde. Há vários tomate cereja, todos destinados a negar a tese de que não passam de bolinhas reluzentes e sensaboronas de supermercado. A variedade, ao contrário do que se possa pensar, é muito antiga e abarca diversos primos saborosos. Os preferidos de Joana são os micro-cereja de framboesa, pequenos berlindes caprichosos e delicados: Para apanhá-los sem os danificar é preciso ter dedos de veludo, paciência e tempo. “Fui obrigada a aumentar o preço de nove euros o quilo para doze euros o quilo. Senão nem dava para pagar a mão-de-obra de os apanhar”.
As facturas passaram a ser coisas com que Joana tem de se preocupar. Recentemente, comprou umas máquinas manuais, uma espécie de bicicleta com arado que corta as ervas daninhas. Fala com muito orgulho dessa inovação, mas não esquece o preço. “Perto de 5.000 euros”, concretiza, ao mesmo tempo que faz uma demonstração do equipamento. Da mesma maneira, Joana tem na ponta da língua o valor que paga de electricidade durante os meses de Verão. “É preciso bombar muita água do furo. Estamos a falar de 800 a 1.000 euros por mês em electricidade”. A inexistência de um charco na propriedade é uma falha que quer suprimir, até porque ele garante a presença de um ser vivo extraordinário, essencial ao ecossistema biológico da quinta. “As libelinhas. As libelinhas são fantásticas para comer os outros insectos”.

[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”10″][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”40916″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row]

Tendo este empenho no projecto, Joana assume que gere a quinta de maneira diferente da da mãe. “Ela não era boa a delegar. Queria fazer tudo sozinha. E eu não sou, nem nunca fui agricultora”, conclui, deixando claro que isso não significa que o Poial esteja em risco. É uma questão de honrar o passado, de honrar a sua mãe, sem ressentimentos. “Farei tudo para que este projecto não vá por água abaixo”.

 

Edição Nº30, Outubro 2019

Cozinhas de pescador, pastor e hortelão, sabe o que são?

Todo o prato do receituário nacional visa a partilha e a festa e nem sempre nos damos conta do que está por detrás, em termos de produto, técnica e história, tal é a alegria com que o português se senta à mesa, especialmente onde à espera está um tacho. Vale a pena ir um pouco […]

Todo o prato do receituário nacional visa a partilha e a festa e nem sempre nos damos conta do que está por detrás, em termos de produto, técnica e história, tal é a alegria com que o português se senta à mesa, especialmente onde à espera está um tacho. Vale a pena ir um pouco mais fundo, para chegar aos tempos em que a alegria era mesmo o único alimento. Mar, campo e horta, e os pequenos luxos da suave mantença.

TEXTO Fernando Melo
FOTOS Mário Cerdeira

Assunto romântico aos olhos do mundo, a cozinha de raizes e proximidade esconde em si os primórdios da vida civilizada e na verdade é a principal responsável por existirmos ainda enquanto espécie. E se é verdade que para a maioria não passa de chavão para descrever qualquer coisa que não se chega nunca a perceber, felizmente a bem povoada comunidade de gastrónomos lúcidos a que pertencemos tem prazer em viajar devagar no tempo, olhando com calma para o imenso património que a cada movimento se vai revelando. Temos muitas gastronomias locais, que interagem entre si e constroem um perfil nacional, até hoje temos felizmente resistido a distinguir umas das outras, antes integrando-as todas. A imensa linha de costa portuguesa define por si só uma influência marítima forte que quase nos explica inteiramente, tendo sido em cima dela que cresceu a que conhecemos, celebramos e veneramos como cozinha de pescador. Receituário desenvolvido a bordo, na praia, ou nas cozinhas mais modestas, partes menos nobres, peixes normalmente utilizados como isco, vísceras diversas no fundo de caldos inefáveis, consolidaram ao longo dos anos um legado único no mundo. Outro grande pilar da cozinha portuguesa está escondido em pratos simples, nascidos no campo, com o que o campo dá e que o processamento mais cândido de simples fixou como cozinha de pastor. Proximidade geográfica é a chave para a entender e praticar e é dela que nasce a utilização de ervas aromáticas e medicinais, tanto por estarem disponíveis pelos campos fora como pelo gosto e prática de mezinhas curativas com base em plantas específicas. São de pastor por isso também as infusões, tantas vezes utilizadas em pratos da grande tradição. E chegamos à figura do hortelão, não fora a horta quase tão importante como a criação, e como se não lhe devêssemos em grande parte o facto de crescer de forma nutritiva nos núcleos familiares. Batata, cenoura, couves, alfaces, frutos, tomate, pepino, o desfile é infindável e muitos deles são indispensáveis para a produção culinária quotidiana.[/vc_column_text][vc_gallery type=”nectarslider_style” images=”40399,40396,40398,40397,40394,40395″ bullet_navigation_style=”see_through” onclick=”link_no”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Cozinha de pescador, o hino dos hinos”][vc_column_text]O conhecimento íntimo dos peixes e as descobertas acidentais formam grande parte do património culinário a que chamamos cozinha de pescador. O bacalhau, não sendo embora pescado nas nossas águas, é assunto bem português, ai de quem diga o contrário. O fiel amigo conviveu connosco por muitas e boas gerações, na forma seca, o mesmo tipo de preparação que se dava outrora à raia, lampreia, polvo e outros, para conservar e guardar, a regeneração acontecia pela demolha. A primeira intervenção, contudo, era o corte da cabeça e a desvisceração, o que dava acesso a partes moles que são concentrados de proteína e colagénio. A lógica de produto inteiro é plenamente cumprida no tratamento do bacalhau, das línguas, e da bexiga natatória, ou sames – espécie de canal exterior que existe logo a seguir à boca e que serve para a orientação do peixe pelo mar fora – fazia-se um caldo ainda a bordo que era de comer e chorar por mais, por isso chamado chora. Na Figueira da Foz encontramos ainda a chora de línguas e feijoada de sames, e nos restaurantes de Lisboa e Porto esses pratos vão marcando presença. A mesma ideia da cozinha a bordo está subjacente nas caldeiradas monoproteína e sem água, em que é o suado da cebola que produz o caldo maravilhoso que legumes e peixe vão produzindo. As caldeiradas multiproteína, historicamente baseadas no safio ou congro, ligado com pata roxa ou caneja e tamboril ou xarroco, são tão gloriosas quanto copiosas, repletas de sabor e valor. A cozinha de pescador tem mil recursos e tudo o que dela sai tem sabores intensos e únicos. Massas secas e arroz são componentes vezeiros nas suas preparações, pimento, tomate e batata menos, mas mesmo assim vai-se encontrando, aqui e ali.

Feijoada de sames
O prato e os vinhos
A riqueza do prato em colagénios, de que os sames de bacalhau são copiosos, mereceu a interpretação do chef Vítor Sobral, da Peixaria da Esquina, em Lisboa, semelhante à de uma feijoada tradicional. Extracção no bom ponto, ligação com a leguminosa impecável, é um hino à arte de bem comer e aos antigos, que no tempo da míngua nela se apoiaram. São bem vindos os brancos com acidez pronunciada, para o corte do prato que é contundente, assim como os tintos da proximidade atlântica, pela aparente salinidade e parceria feliz.

[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40388″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Cozinha de pastor, o processamento mais cândido”][vc_column_text]Se quisermos ser literalistas, é a pastorícia que dá origem a esta cozinha, mas trata-se de uma cozinha bem mais abrangente, que quase remonta ao tempo dos antigos gregos e romanos, a coroar a sedentarização. A vaca deixa de ser força motriz apenas, nos campos e terras lavradas e no transporte pela via terrestre, para se tornar ela própria alimento central, incluindo o maravilhoso leite de que ainda hoje fazemos mais alimento directo do que transformamos em queijo. Queijo que é, diga-se, pedra de toque para revolução grande sentir quase universal de um povo que é queijeiro, mas de leite de ovelha, a maior transumância portuguesa, os rebanhos em excursão de longa duração, assistidos pelo venerável pastor, este por sua vez a recolher o que de imediato vai tendo à sua volta. Nascem do talento e do momento os ensopados, que no tempo das favas e das ervilhas orlam vitela, borrego, cabrito e leitão. A beldroega rasteira, folha insubstituível na que pode bem ser a melhor sopa do mundo, aqui a pontificar, com a adição de um quejinho de ovelha que leva dentro e coze no caldo. É um dos muitos pratos nacionais que transforma água em ouro, e merece conferência sempre que surge numa carta do Portugal profundo. Tudo o que é à pastor tanto pode ser feito em tacho em casa, como em lume de chão ao ar livre. E quando é feito em casa, o espírito autêntico do prato é conseguido apenas quando a manipulação é mínima e quando leva cogumelos, ervas, leguminosas ou hortícolas da estação.

Jardineira de vitela
O prato e os vinhos
A cozinha do Bem-Haja, em Lisboa, é de inspiração da Beira Alta e tem o condão de atrair tanto os locais das terras altas do granito e da geada como os gourmets mais urbanos, orientados para os sabores simples. Prato de base muito simples, no processamento e na apresentação, é dos mais consensuais em toda a cozinha portuguesa.

[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40387″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][divider line_type=”Full Width Line” line_thickness=”1″ divider_color=”default”][nectar_animated_title heading_tag=”h6″ style=”color-strip-reveal” color=”Accent-Color” text=”Cozinha de hortelão, a chave do futuro”][vc_column_text]Sabemos hoje que é quase inevitável o regresso aos primórdios da alimentação, quando a proteína animal era rara ou inexistente, frutos, legumes e sopas, normalmente ponteadas por grão de bico ou feijão, foram a base da mantença da espécie humana. Passaram milhares de anos sem que a dieta fosse sequer beliscada e sem dúvida por isso, a horta, quadradinho dourado adjacente à casa do português da província, é ainda hoje a garantia de que a fome não vai levar a melhor. Pastinaca, tomate, abóbora, cenoura, pepino e tantos outros formam a base da alquimia que vai abençoar a sopa que a fervura ligeira vai aprimorar. O gaspacho é uma preparação a frio, sem lume, que é profilático da desidratação a que na canícula estamos expostos e queremos que fique à porta. O gaspacho andaluz, de base de tomate triturado, é muito utilizado em Portugal, mas o alentejano, com os legumes migados em brunesa média e condimentados com orégãos secos, é genuinamente nosso. As sopas de legumes caem nesta categoria e por serem acompanhadas normalmente por pão são refeição completa, por isso as devemos ter a um tempo como chave do futuro e regresso ao passado. Ao contrário do que se pensa, a sopa não tem temperatura ideal de consumo e foi pensada pelos nossos antepassados para estar pronta na cozinha à nossa espera, e tanto a podemos comer gelada como a escaldar, o conforto pretendido é que dita o modo de usar. Por uma questão de pureza e salubridade, não devemos utilizar batata, pois o amido é um açúcar e altera sabor e composição em tudo o que compõe.

Gaspacho
O prato e os vinhos
Batemos à porta do Galito, em Lisboa, onde pontifica Henrique Galito, que aprendeu com sua mãe, a nossa Dona Gertrudes, que já não está entre nós, praticante indefectível da simplicidade desarmante dos sabores e processamentos directos. Estamos na época do tomate, o hortícola que tem a duplicidade vocacional de ser o fruto com mais água e o legume com mais açúcar e que tem o dom da saciedade plena no tempo do Verão. Tomate, pimento verde, pepino, alho e cebola em brunesa média, depois azeite vinagre e orégãos secos, está o gaspacho feito.

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Edição Nº26, Junho 2019

O que é que se come, confrades?

O livro Confrarias de Portugal é um retrato dos melhores produtos portugueses e de quem os defende. TEXTO Ricardo Dias Felner Tudo começou com uma reportagem na revista Sábado, em 2017. Ana Catarina André, jornalista, e Marisa Cardoso, repórter fotográfica, haviam visitado quatro confrarias, espalhadas pelo Interior do país e voltaram à redacção encantadas. Na […]

O livro Confrarias de Portugal é um retrato dos melhores produtos portugueses e de quem os defende.

TEXTO Ricardo Dias Felner

Tudo começou com uma reportagem na revista Sábado, em 2017. Ana Catarina André, jornalista, e Marisa Cardoso, repórter fotográfica, haviam visitado quatro confrarias, espalhadas pelo Interior do país e voltaram à redacção encantadas. Na memória, estavam chícharos, rojões, grelos — e uma quantidade de histórias saborosas de um país que Lisboa conhece mal.
“Ainda durante a viagem começámos a perceber o potencial disto”, conta Ana Catarina André, responsável pela escrita de Confrarias de Portugal, livro lançado recentemente. Desse instante até à apresentação do projecto à Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas foi rápido. Quase 14 mil quilómetro depois, com 56 confrarias visitadas, em 47 localidades de Portugal Continental e dos Açores, ganhava forma aquele que é, hoje, o documento mais completo sobre as confrarias nacionais.
Ao folhear-se o livro percebe-se que o diagnóstico é positivo. “As confrarias estão muito activas. E tiveram um crescimento grande a partir de 2000. Estão sempre a aparecer confrarias novas”, diz Ana Catarina André que, não se assumindo como uma gourmet, descobriu verdadeiros pitéus durante as suas incursões.
“Em Vagos, por exemplo, comi um arroz doce, feito só com gemas, que destronou o da minha mãe. A senhora fê-lo à minha frente, tudo a olho, com ovos caseiros e um sabor muito intenso”, conta a jornalista. Outra surpresa foi a pescada poveira, servida num prato de barro, com legumes e batata. “Nunca tinha comido uma pescada tão boa”, admite, recordando ainda a rabanada da Póvoa do Varzim que se lhe seguiu, do restaurante Leonardo.
Os exemplos de descobertas boas, todavia, são às dezenas. Da Confraria do Butelo e da Casula, à do Melão de Casca de Carvalho até à do Caldo de Quintadona ou à brejeira — mas muito procurada — Confraria da Foda Pias-Monção, há de tudo um pouco. A nomenclatura designa ou um produto específico ou uma receita típica ou uma região gastronómica, como são as do Ribatejo ou do Alentejo.
Neste momento, o livro só está à venda através da página do Facebook Livro Confrarias de Portugal, custando 25 euros.[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color=”rgba(221,130,138,0.66)” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Mais Havai em Lisboa” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23777777″][vc_column_text]De fininho, sem alarido, a Multifood abriu mais um restaurante em Lisboa, desta feita com outro conceito internacional. O Big Fish Poke Bar aposta no poke, um tipo de prato havaiano, onde entram peixes crus e arroz, que podem ser acompanhados de legumes, frutas e molhos. O espaço tem como bancada central o balcão, que senta 20 pessoas, e aos comandos estará Filipe Narciso (ex-Mini Bar), que contará com a assessoria e receituário de Luís Gaspar, chef residente da Sala de Corte, mas que se desdobra por outros projectos da Multifood.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color=”rgba(221,130,138,0.66)” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Ex-Noma no Erva” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23777777″][vc_column_text]O restaurante Erva tem agora Artur Gomes à frente da bonita cozinha aberta. Este algarvio regressou o ano passado do Noma, o restaurante de Copenhaga, para muitos ainda o mais influente do mundo. Esta é a primeira vez que vai estar como chef executivo, mas, no Noma, Artur Gomes participou num dos departamentos mais dinâmicos e inovadores, o dos fermentados. Entre os novos pratos da carta há ouriço-do-mar, dashi e natas azedas ou caranguejo com consommé de flores e morango verde lacto-fermentado.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color=”rgba(221,130,138,0.66)” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/3″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_custom_heading text=”Cantinho do Avillez em Cascais” font_container=”tag:h3|text_align:left|color:%23777777″][vc_column_text]E aí está mais um Cantinho do Avillez. Depois das delegações no Parque das Nações e no Porto, o restaurante nascido no Chiado viaja agora para a Linha, terra natal do chef José Avillez. “Nasci e cresci em Cascais. Para mim, estar em Cascais com o Cantinho — o meu primeiro restaurante — tem um significado especial: é como voltar a casa”, disse a propósito desta nova abertura do Grupo Avillez. O conceito é o mesmo, cozinha portuguesa e pratos do mundo, onde não faltam os peixinhos da horta ou a icónica vitela de comer à colher.

Edição Nº26, Junho 2019

Codornos e outras iguarias na mesa de Cabeceiras

O restaurante A Cozinha, em Guimarães, foi palco de um jantar especial onde se descobriu a gastronomia de Cabeceiras de Basto. TEXTO Ricardo Dias Felner O jantar já vai a meio e eis que o presidente da câmara de Cabeceiras de Basto tem um desabafo. “Em Cabeceiras, de facto, falta-nos uma sobremesa típica”. A declaração […]

O restaurante A Cozinha, em Guimarães, foi palco de um jantar especial onde se descobriu a gastronomia de Cabeceiras de Basto.

TEXTO Ricardo Dias Felner

O jantar já vai a meio e eis que o presidente da câmara de Cabeceiras de Basto tem um desabafo. “Em Cabeceiras, de facto, falta-nos uma sobremesa típica”. A declaração sai-lhe como uma confissão trágica, uma vergonha pública. A iniciativa serve para mostrar a força da gastronomia do concelho a personalidades da região, no âmbito da iniciativa Mesa de Cabeceiras. Mas há este entrave. “Não há doces em Cabeceiras de Basto”.
À mesa estão outras pessoas da vila, do distrito de Braga. Alguém estranha a falha. E questiona: “E fruta, não há uma fruta tradicional?” Os olhos do autarca reluzem, como se de repente lhe surgisse uma iluminação providencial. “Há, sim! Os codornos!” Toda a gente se entusiasma com a revelação. O codorno é uma fruta antiga, da família das pêras, “dura como cornos, mas muito doce”. Da conversa, renasce comida.
O relato do episódio serve apenas para mostrar como há tanto para se redescobrir a Norte (e a Sul) de Portugal; e como por vezes não se dá valor ao que está mesmo à mão ou em cima da Mesa de Cabeceiras, para usar o feliz trocadilho que dá nome à campanha de promoção da gastronomia da vila.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40373″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text]Os codornos são um fruto de Inverno, ainda presente em grande parte das mesas de Natal dos cabeceirenses e citados em documentos medievais, como um fruto da realeza. “Podem ainda ser encontrados em alguns mercados de rua, mas é raro”, diz a vereadora da cultura, Carla Lousada. As árvores, algumas centenárias, estão espalhadas por pomares caseiros — mas seria fácil recuperar sementes. O debate continua e Rafael Oliveira, especialista em marketing na área do Enoturismo, lembra a propósito o trabalho feito pelo Banco Português de Germoplasma Vegetal, em Braga, instituição que há mais de 40 anos preserva sementes portuguesas.
Por esta altura, António Loureiro está na cozinha, longe da conversa, mas fez o trabalho de casa. O chef do recém-estrelado restaurante de Guimarães, desenhou um menu com epicentro em Cabeceiras, com base em pesquisas pessoais e no levantamento feito pela investigadora Anabela Ramos, especialista em culinária conventual beneditina.
Entre os produtos mais tradicionais do concelho estão o vinhão tinto, o mel de Basto, as talhadas de presunto, mas também as carnes, da barrosã à minhota, da maronesa até à ovelha churra (com que António Loureiro fez um prato extraordinário, juntando num mesmo cubinho assado vários peças do animal, do cachaço à perna). No final, o chef repescou para sobremesa os ovos reais, aqui em forma de canudos, típicos da doçaria conventual.
A acompanhar desta vez veio bolo de laranja. Mas é possível que numa próxima edição em vez do citrino surjam… codornos.

 

Edição Nº26, Junho 2019

O novo miúdo do Esporão

O restaurante da herdade alentejana mudou de conceito, mas está em boas mãos. Carlos Teixeira é o chef que se segue. TEXTO Ricardo Dias Felner O almoço acabou e o jovem chef da herdade guia-nos pelas escadas até ao piso de baixo, onde ficam os bastidores do restaurante, espécie de parque infantil para foodies. Num […]

O restaurante da herdade alentejana mudou de conceito, mas está em boas mãos. Carlos Teixeira é o chef que se segue.

TEXTO Ricardo Dias Felner

O almoço acabou e o jovem chef da herdade guia-nos pelas escadas até ao piso de baixo, onde ficam os bastidores do restaurante, espécie de parque infantil para foodies. Num frigorífico, mais de uma dúzia de kombuchas — cereja, laranja, alperce. Na prateleira ao lado, aparece um boião de molho picante fermentado, outro de kimchi caseiro, logo seguido da secção de especiarias, meia centena delas arrumadas em pequenas caixinhas transparentes devidamente etiquetadas: “garam masala caseiro”, “pó de iogurte”, “lima persa pó fino”, “levístico”, “katsoboshi”, “karela”.
Carlos Teixeira faz a visita guiada com o entusiasmo de um hacker a entrar na área restrita da CIA. Tem apenas 26 anos, mas já anda em cozinhas profissionais desde os 15, idade com que se estreou no SANA Lisboa. Nessa altura, podia ter optado pelo hóquei em patins, mas virou-se antes para a culinária, onde era já hábil “em bifes e arrozes”, arte que aperfeiçoou desde os oito anos. “Eu vivia só com o meu pai, que chegava do banco tarde, e tinha de preparar o jantar”, diz.
Muito depois disso, haveria de estagiar no The Clove Club, em Londres, eleito o 33º melhor restaurante do mundo, na lista dos 50’s Best de 2018, para depois de se juntar à equipa do Esporão em 2015. Aqui, iniciou-se como braço direito de Pedro Pena Bastos, assumindo a liderança em 2018.
A passagem de testemunho não terá sido fácil. Na altura, entre a comunidade gastronómica, muita gente olhou para esse processo como uma desistência da estrela Michelin por parte do Esporão. Não se querendo alongar sobre o assunto, António Roquette, responsável pelo enoturismo da herdade, admite a ideia de se fazer “uma cozinha mais informal”, “com outro conceito”; mas recusa que isso tenha significado baixar a fasquia. Em todo o caso, nessa altura, aos olhos de alguns, Carlos Teixeira surgiu como uma espécie de solução caseira e barata.[/vc_column_text][vc_gallery type=”nectarslider_style” images=”40365,40366″ bullet_navigation_style=”see_through” onclick=”link_no”][vc_column_text]Juventude com disciplina e rigor
Hoje, todavia, não se tem essa sensação quando o conhecemos ou quando comemos da sua cozinha. Apesar de muito novo, tem uma energia pura, domada por disciplina e rigor.
À nossa frente, abre-se agora a porta de uma câmara frigorífica e surgem vários lúcios-perca enganchados à maneira da pescada arrepiada. “Primeiro secamo-los um pouco e depois maturamo-los por dez dias”, conta o chef. O resultado é extraordinário, como tínhamos podido comprovar minutos antes. O prato de lúcio-perca, pescado no Alqueva, é um lombo grelhado, magnífico de lascas, banhado numa espécie de piso alentejano, feito do caldo das espinhas com poejos, coentros, alho e azeite. A acompanhar, migas de alho e cebola, no topo pele de porco insuflada e crocante — um prodígio de produto, técnica e sabor, tridente estrutural da filosofia Esporão, seja na adega, no lagar de azeite ou na cozinha.
Este foi, no entanto, apenas um dos destaques num almoço de grande nível. Começou no pão, feito na casa com massa mãe, e nas manteigas: de cabra com pó de louro e de banha de porco temperada; ao lado, um pratinho de azeite dos Arrifes, topo de gama da casa, vivíssimo, feito da varietal Cobrançosa, produzida em modo biológico, apanhada a escassas centenas de metros e espremida ainda mais perto, no moderno lagar da herdade. Houve ainda umas ervilhas com silarcas laminadas e gema de ovo, depois o borrego da Quinta das Dúvidas (vizinhos e “amigos” do Esporão), e por fim a laranja da Torre (apanhada na zona dos laranjais da torre, também da herdade) com iogurte de cabra.
Do que se pode ver, com ou sem Michelin no horizonte, usa-se cada vez mais o que vem da horta da quinta (65 por cento do valor total dos hortícolas usados na carta, diz Carlos Teixeira) e parece haver uma aproximação à culinária tradicional portuguesa, com a introdução semanal de pratos resultantes do projecto A Cozinha Portuguesa a Gostar dela Próprio. Tudo sempre refinado pelos sabores que Carlos Teixeira vai produzindo na sua cave de experiências misteriosas.[/vc_column_text][image_with_animation image_url=”40364″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][vc_column_text css=”.vc_custom_1576234412378{background-color: #ddadb1 !important;}”]Como se prova um azeite?
A experiência gastronómica no Esporão só fica completa com uma visita guiada à adega, remodelada pelo ateliê Skrei, mas também com a experiência do azeite. Ana Carrilho, oleóloga residente, leva-nos primeiro ao olival da quinta, onde se produz já em modo sustentável e orgânico, seja em formato intensivo ou tradicional. Na antiga pista de avião, perto do olival dos Arrifes, avistam-se grandes pilhas de compostagem, feita com os desperdícios da quinta, adubo precioso para as árvores de cobrançosa que hão-de frutificar em breve. Enquanto isso não acontece, pode-se sempre beber o sumo de azeitona da colheita anterior, na sala de provas.
É isso que faz quem entra nas visitas guiadas da quinta, depois de ir ao lagar onde a extracção acontece. Numa sala lateral, está uma mesa comprida à nossa espera, com vários copos, todos tapados com um vidro de relógio, todos da mesma cor. “O azul cobalto é a cor usada oficialmente nas provas”, explica Ana Carrilho. A cor do azeite, ao contrário do que sucede com os vinhos, “não deve influenciar o julgamento do provador”.
Começa tudo no nariz. A ideia é rodar suavemente os copos tapados, depois tirar o vidro de relógio e inspirar profundamente. Como se faz com o vinho. O nariz dá-nos coisas fantásticas, como aromas da água da salada de tomate ou de relva verde. Na boca, devemos deixar que o líquido chegue a todos os cantinhos. Na garganta, sentimos notas mais picantes e intensas (Azeite Virgem Extra Bio, do Olival dos Arrifes) ou mais doces e verdes (como nos monovarietais de Galega e nos blends do Norte Alentejano). Importante é ir intercalando cada golo no azeite com lâminas de maçã verde, dispostas no pratinho ao seu lado, para limpar o palato. Beba sem moderação.[/vc_column_text][vc_column_text]

Edição Nº26, Junho 2019