Rui Nabeiro: um ser humano fora do comum

TEXTO: Luís Lopes FOTO: Gonçalo Villaverde/Adega Mayor Aos 91 anos de idade, deixou-nos uma das pessoas mais extraordinárias que conheci ao longo das minhas quase quatro décadas de jornalismo. Das diversas vezes (ainda assim, não tantas quanto desejaria) que com Rui Nabeiro tive ocasião de privar e prolongar a conversa, deixou-me sempre profunda impressão, uma […]
TEXTO: Luís Lopes
FOTO: Gonçalo Villaverde/Adega Mayor
Aos 91 anos de idade, deixou-nos uma das pessoas mais extraordinárias que conheci ao longo das minhas quase quatro décadas de jornalismo. Das diversas vezes (ainda assim, não tantas quanto desejaria) que com Rui Nabeiro tive ocasião de privar e prolongar a conversa, deixou-me sempre profunda impressão, uma impressão nascida da certeza de estar a falar com alguém absolutamente em paz consigo e com o Mundo.
Conhecido, sobretudo, pelo “império de café” que construiu em torno da Delta (marca que tem para mim o apelo emocional de ter sido criada no ano que nasci, 1961), os apreciadores tiveram oportunidade de experienciar os vinhos da família Nabeiro a partir de 2007, com a fundação da Adega Mayor. Em Campo Maior, claro, como não podia deixar de ser.
De origens humildes, aquele que se tornou um dos mais notáveis empresários que Portugal viu nascer, nunca deixou de ser um filho de Campo Maior. E contribuir para a prosperidade desta vila raiana foi certamente um dos seus desígnios de vida. A forte consciência social que sempre o envolveu, a noção de que as pessoas e o seu bem-estar são fundamentais para o sucesso do negócio, caracterizam-no enquanto gestor e empresário. E essa “cultura Nabeiro” passou intocada da Delta para a Adega Mayor e de Rui Nabeiro para sua neta Rita, administradora da vertente vitivinícola do grupo.
O vinho era paixão antiga de Rui Nabeiro. Numa entrevista que me concedeu em 2012 explicou-me o porquê de ter avançado para este sector. “Gostei sempre do campo, da terra. E em Campo Maior existia tradição de os terrenos baldios serem divididos e entregues às pessoas, uma parte para a produção de trigo e cevada, outra para olival e vinha. Quando era miúdo, toda a gente ia para a adega fazer vinho. Havia também a produção de talhas de barro. Mas, gradualmente, foram-se perdendo essas tradições, até desaparecerem, nos anos 60. E eu sempre sonhei, um dia, poder imitar um dos meus avós e fazer um vinho meu”.
Rui Nabeiro fundou a Delta em 1961 e inaugurou a Adega Mayor em 2007
Na verdade, quando Rui Nabeiro decidiu fazer vinho, podia ter escolhido qualquer local do Alentejo para plantar vinha e fazer uma adega. Mas, para ele, só faria sentido se fosse em Campo Maior. Na sua visão, acredito, quase tudo só fazia sentido se fosse em Campo Maior. Perguntei-lhe um dia, não há muitos anos, o que teria acontecido se gostasse de desportos náuticos? Procurava trazer o mar para Campo Maior? Ele sorriu, com aquele sorriso aberto, inconfundível e contagiante, e meneou a cabeça, como que admitindo a possibilidade…
A entrevista de 2012 terminou assim: “Como acha que será recordado daqui a 50 anos?” A resposta diz tudo: “Se eu acabar bem, até ao final da minha vida, talvez venha a ser recordado todos os dias. Pelo menos em Campo Maior. Pois não há ninguém na vila que não tenha um familiar a trabalhar aqui…”.
Senhor Rui Nabeiro, permita-me hoje assegurar o que a modéstia lhe não permitiu na altura. Não apenas em Campo Maior e não apenas junto das muitas famílias que trabalham para as empresas do grupo. Acredito que o seu exemplo de vida vai perdurar no tempo. E que será sempre recordado como um empresário de referência e, sobretudo, um ser humano fora do comum.
ViniPortugal reelege presidente Frederico Falcão

Frederico Falcão foi reeleito Presidente da Direcção da ViniPortugal, no passado dia 17 de Março. A associação interprofissional do vinho nomeou Frederico Falcão para o triénio 2023/2025, em Assembleia Geral, nas instalações do CNEMA, em Santarém. Sobre a reeleição, Frederico Falcão — natural da Chamusca e licenciado em Agronomia, com pós-graduação em Enologia — declara: […]
Frederico Falcão foi reeleito Presidente da Direcção da ViniPortugal, no passado dia 17 de Março. A associação interprofissional do vinho nomeou Frederico Falcão para o triénio 2023/2025, em Assembleia Geral, nas instalações do CNEMA, em Santarém.
Sobre a reeleição, Frederico Falcão — natural da Chamusca e licenciado em Agronomia, com pós-graduação em Enologia — declara: “É um grande privilégio ser reeleito enquanto Presidente desta instituição que admiro e é também um voto de confiança e de reconhecimento por todo o trabalho que a anterior direcção, e a equipa da ViniPortugal, tem desenvolvido em prol da internacionalização e da distinção dos vinhos portugueses além-fronteiras. Não posso, no entanto, deixar de agradecer, também, a todos aqueles que trabalham diariamente e têm um contributo fundamental naquela que é a nossa missão de enaltecer o valor dos vinhos portugueses internacionalmente. A todos os nossos associados, CVRs e restantes entidades ligadas ao sector vitivinícola, deixo o meu profundo agradecimento por tornarem isto possível. O sector vitivinícola português pode continuar a contar com a minha total dedicação para elevar o valor dos vinhos portugueses e a acelerar o seu crescimento”.
Antes de iniciar funções na ViniPortugal em 2020, Frederico Falcão desenvolveu a sua carreira como enólogo em várias empresas de vinho, como Esporão, Companhia das Lezírias, Pegos Claros e Fundação Abreu Callado. Entre 2012 e 2018 foi presidente do IVV, Instituto da Vinha e do Vinho, tendo sido o mais jovem presidente deste instituto. Entre 2018 e 2019 foi CEO da Bacalhôa Vinhos de Portugal.
Sogrape apresenta programa de sustentabilidade “Seed the Future”

Através da divulgação de uma carta pública de Mafalda Guedes, representante da quarta geração da família proprietária da Sogrape, o grupo vitivinícola anunciou o seu Programa Global de Sustentabilidade, denominado “Seed the Future”. Mafalda Guedes elucida, no documento: “Esta é uma estrutura desenvolvida pela Sogrape para focar os nossos esforços, para que juntos possamos reformular […]
Através da divulgação de uma carta pública de Mafalda Guedes, representante da quarta geração da família proprietária da Sogrape, o grupo vitivinícola anunciou o seu Programa Global de Sustentabilidade, denominado “Seed the Future”.
Mafalda Guedes elucida, no documento: “Esta é uma estrutura desenvolvida pela Sogrape para focar os nossos esforços, para que juntos possamos reformular o modo como trabalhamos, de forma a construir um futuro mais sustentável, inclusivo e qualificado. Ao contribuirmos activamente para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, acreditamos que podemos fazer parte da solução para os desafios mais prementes do mundo”.
Numa primeira fase, até 2027, a Sogrape pretende, no âmbito do Seed the Future, reduzir as emissões em 50%, bem como criar estruturas de imobilização que irão permitir capturar o CO2 nas suas propriedades. “O uso de energia será mais eficiente e iremos envolver a nossa cadeia de abastecimento para que possamos ter um impacto material, bem como implementar práticas para proteger e desenvolver a natureza e a biodiversidade. Queremos elevar a herança do vinho através da preservação, Investimento & Desenvolvimento e inovação. Isto inclui equipar as comunidades e os viticultores com competências, conhecimento e recursos para uma produção de vinho viável e sustentável no futuro”, adianta Mafalda Guedes.
Intermarché tem novo conceito para a marca Selecção de Enófilos

O Intermarché lançou, recentemente, um novo conceito para a sua marca de vinhos Selecção de Enófilos, com nova imagem e design. O objectivo, segundo a insígnia alimentar do grupo Os Mosqueteiros, foi uma maior aproximação “aos princípios de biodiversidade, ecologia e sustentabilidade”. Ainda de acordo com o Intermarché, “a nova identidade visual dos vinhos Selecção […]
O Intermarché lançou, recentemente, um novo conceito para a sua marca de vinhos Selecção de Enófilos, com nova imagem e design. O objectivo, segundo a insígnia alimentar do grupo Os Mosqueteiros, foi uma maior aproximação “aos princípios de biodiversidade, ecologia e sustentabilidade”.
Ainda de acordo com o Intermarché, “a nova identidade visual dos vinhos Selecção de Enófilos faz alusão às regiões vitivinícolas através de plantas e aves enquanto agentes biocontroladores”.

A marca Selecção de Enófilos inclui vinhos de várias Denominações de Origem portuguesas, como Tejo, Lisboa, Dão, Alentejo, Bairrada, Douro, Palmela, Vinho Verde, Setúbal, e brevemente, vinho do Porto. Foi destacada com o selo Escolha do Consumidor 2023, na categoria “Melhor Oferta em Vinhos de Marca Própria”, tendo o seu rebranding merecido destaque em publicações internacionais como o Packaging of the World, o World Brand Design Society e a Favourite Design.
«No Show», o maior pesadelo dos restaurantes

A expressão é inglesa mas o fenómeno é bem português, a avaliar pelas estatísticas apresentadas pela plataforma de reserva TheFork que coloca Portugal como um dos países em que este problema mais se faz sentir. Falamos das reservas feitas em restaurantes em que o cliente depois nem aparece nem se dá ao trabalho de cancelar […]
A expressão é inglesa mas o fenómeno é bem português, a avaliar pelas estatísticas apresentadas pela plataforma de reserva TheFork que coloca Portugal como um dos países em que este problema mais se faz sentir. Falamos das reservas feitas em restaurantes em que o cliente depois nem aparece nem se dá ao trabalho de cancelar quando decide não comparecer. Como é evidente, esta situação acarreta graves prejuízos para os restaurantes que não só deixam de ter disponível uma quantidade de mesas e lugares que ficam sem ser utilizados, como leva a um desperdício de comida, de mobilização de recursos humanos e de perdas económicas. Segundo aquela plataforma, a par da Espanha, Itália, e Reino Unido, Portugal é um dos países mais afectados por estas faltas de comparência sem aviso que atingirá mais de 4% do total das reservas efectuadas.
Segundo TheFork, que realizou um estudo sobre este assunto em Outubro de 2021, as razões apontadas pelos clientes para a não comparência são “os imprevistos de última hora” (47%), “esquecimento” (21%), mudanças de opinião (5%), reservas em múltiplos restaurantes (3%) e “vergonha em cancelar” (2%).
A plataforma TheFork, do grupo Tripadviser, quer ajudar a combater esta prática através da adopção de medidas que ajudem os restaurantes a combater este flagelo. Estão entre estas, um sistema de reconfirmação de reservas por email, sms ou pela aplicação, o impedimento do utilizador em fazer mais que uma reserva para o mesmo dia e serviço e por ultimo na atribuição a cada utilizador da plataforma de um índice de confiança, uma espécie de lista negra com a informação sobre o histórico das now shows realizados nos últimos meses. Outra hipótese consiste em permitir que os clientes possam avisar previamente a desistência da reserva através da plataforma, uma vez que uma percentagem significativa deles revelou ser constrangedor ligar para o restaurante a cancelar.
Kranemann Wine Estates inaugura enoturismo

A Quinta do Convento de São Pedro das Águias, com raízes no Séc. XII, passa a receber experiências em torno da vinha e do vinho. Visitas e provas incluem uma “Masterclass” com a enóloga Susete Melo e estão disponíveis por marcação. Propriedade icónica do Douro, a Quinta do Convento de São Pedro das Águias foi […]
A Quinta do Convento de São Pedro das Águias, com raízes no Séc. XII, passa a receber experiências em torno da vinha e do vinho. Visitas e provas incluem uma “Masterclass” com a enóloga Susete Melo e estão disponíveis por marcação.
Propriedade icónica do Douro, a Quinta do Convento de São Pedro das Águias foi adquirida em 2018 pelo enófilo Christoph Kranemann, que descobriu em Portugal os vinhos nacionais e, mais tarde, esta quinta no Vale do Távora. “Existe sítio mais perfeito do que este? As vinhas, o rio, toda esta paisagem fantástica… A arquitetura… Tenho raízes alemãs e sempre me interessei muito por arquitetura e história. Então este convento do século XII, com estes claustros e toda esta memória, é uma espécie de sítio perfeito, que reúne aquilo de que mais gosto. É um sítio mágico!”, afirma Christoph Kranemann, lembrando o porquê da sua escolha.
O projeto vitivinícola arrancou em 2018, com a enologia a cargo de Maria Susete Melo e Diogo Lopes, trazendo ao mercado vinhos DOC Douro e Porto diferenciadores, bem como um azeite, produtos marcados pelo terroir de altitude onde surge a propriedade. A produção de vinho esteve sempre presente, desde o séc. XII, quando os monges da Ordem de Císter se estabeleceram, introduziram a prática agrícola e as bases do convento que hoje existe. E é este mesmo convento, um miradouro que se ergue perante o vale, conhecido pelos seus claustros e antiga capela, que acolhe as experiências de enoturismo agora disponíveis.
Consulte toda a informação e programação AQUI.
As marcações e esclarecimentos fazem-se através do email info@kranemannestates.com e do telefone 254782070.
Quinta das Areias Country House – O novo Turismo Rural do Solar da Pena

O produtor de vinhos verdes Solar da Pena inaugurou a sua unidade de turismo rural denominada “Quinta das Areias Wine Country House”. Situado junto ao Rio Cávado, este empreendimento está implantado numa antiga propriedade agrícola totalmente recuperada onde permanece no edifício a traça tradicional do Minho que esteve na sua origem. A Quinta das Areias […]
O produtor de vinhos verdes Solar da Pena inaugurou a sua unidade de turismo rural denominada “Quinta das Areias Wine Country House”. Situado junto ao Rio Cávado, este empreendimento está implantado numa antiga propriedade agrícola totalmente recuperada onde permanece no edifício a traça tradicional do Minho que esteve na sua origem.
A Quinta das Areias Wine Country House é composta por cinco quartos, dos quais 3 duplos e dois familiares, equipados com todas as comodidades para proporcionar uma estadia memorável. Contíguo ao edifício principal, existe também um sequeiro de arquitectura tradicional do Minho transformado numa suite familiar totalmente independente com localização e exposição solar privilegiadas. Existe ainda um bungalow com uma varanda privada suspensa sobre a vinha com jacuzzi. A inauguração do alojamento serviu ainda para apresentação da gama de vinhos do Solar da Pena, actualmente com sete referências: 4 brancos, um tinto, um rosé e um espumante.
O Solar da Pena situa-se em Braga na Rua de Areias, nº 185
Castas Minoritárias por Luís Antunes

Portugal possui, como é sabido, um património genético vitícola de valor incalculável, em boa parte preservado, graças ao trabalho de entidades como a PORVID e ao esforço individual de muitos produtores. Já Espanha “afunilou” as suas variedades quase até alcançar o ponto de não retorno. Felizmente, também do lado de lá, alguém se chegou à […]
Portugal possui, como é sabido, um património genético vitícola de valor incalculável, em boa parte preservado, graças ao trabalho de entidades como a PORVID e ao esforço individual de muitos produtores. Já Espanha “afunilou” as suas variedades quase até alcançar o ponto de não retorno. Felizmente, também do lado de lá, alguém se chegou à frente (ITACyL) para evitar a perda irreparável. Portugueses e espanhóis juntaram-se à mesa, com copos e conversa. Na ementa, Negro Sauri, Puesta en Cruz, Cornifesto, Tinta da Barca, Malvasia Preta ou Cenicienta.
Temos muitas castas de vinhos em Portugal. Muitas, muitas, e com nomes difíceis de pronunciar e de explicar. O nosso vinho é de lote, com raras excepções: Bucelas-Arinto, Bairrada-Baga, Monção e Melgaço-Alvarinho, generosos de Setúbal-Moscatel, mais os Madeiras, onde a casta é também um estilo de vinho e um nível de doçura. Simplificando, é isto. No resto do país vinho, impera o lote. E o lote, na viticultura antiga, começava logo na vinha, com cada casta adequada ao tipo de chão, exposição solar, pendência do terreno, profundidade do solo, etc. Na viticultura mais moderna plantaram-se talhões de castas, e o lote é feito na adega, pelos enólogos. Sempre perseguindo um ideal: o equilíbrio do vinho, o seu respeito pelo estilo tradicional de cada lugar, muitas vezes respeitando uma bonita co-evolução com a gastronomia local. Talk about terroir, na essência é isto mesmo.
As modas que afectaram os sítios deixaram rasto, com mudanças na estrutura dos lotes. Em particular, a febre da Touriga Nacional gerou uma certa invasão do país, e a Touriga, originária do Dão e que tinha muito pouca expressão nas vinhas, galgou degraus e rapidamente entrou no top 10 das castas mais plantadas. Mas já antes Portugal tinha sobrevivido a uma febre parecida, a do Cabernet Sauvignon, nada autóctone, mas que gerou um certo medo de perda de identidade. Talvez esse medo primordial nos tenha defendido mais tarde das febres invasoras e/ou unitárias.
O mesmo não aconteceu em Espanha. Talvez por causa do nosso atávico e tradicional atraso (de vida, vejam lá, somos pobrezinhos blá blá blá, conversa que detesto…), conseguimos sobreviver com muito mais variedade genética de castas e clones do que nos países mais avançados. Vejamos, a Borgonha de tintos tem Pinot Noir e um pouco de Gamay, optimizaram. Também optimizaram os brancos, com Chardonnay e um pouco de Aligoté. Bordéus tem Cabernet Sauvignon, Merlot, e temperam isto com Cabernet Franc e Petit Verdot.

As regiões mais conhecidas de Espanha também estreitaram as castas até ao “óptimo”. Jerez com Palomino, só Palomino. Rioja, Ribera del Duero ou Toro com Tempranillo. Só Tempranillo. Mas temprano quer dizer cedo, e com o aquecimento global esta casta de ciclo curto começou a trazer ansiedades. Os produtores tentaram adaptar-se trazendo castas internacionais (ou francesas) como Cabernet Sauvignon ou Syrah. Foi aí que investigadores como Alberto Martín, do ITACyL (Instituto Tecnológico Agrario de Castilla y León) decidiram estudar as velhas tradições, as velhas vinhas, o que estava antes, e que alguns velhos ainda conheciam. De vinha em vinha, de cepa em cepa, foram descobrindo, classificando e catalogando 130 castas de uvas. Destas, seleccionaram 29 para salvar e explorar, verificar o seu potencial enológico. De uma destas, havia apenas três cepas, a Cenicienta. Ou seja, este era um trabalho de heróis. Desde 2002 até hoje, estas 29 foram multiplicadas, salvas, estudadas com microvinificações, até chegarem a 100 cepas de cada uma, o suficiente para 40 garrafas de vinho anuais. As microvinificações levantam sempre problemas técnicos, não são uma boa fotografia do potencial de uma variedade. Por isso algumas foram mais exploradas, para fazer já vinificações de dimensões dignas. Os vinhos foram entregando as suas promessas e o ITACyL foi fazendo o seu trabalho não só de investigação, mas também de transferência de tecnologia para o sector vitivinícola, e propondo alterações aos regulamentos das denominações de origem, para incluir estas novas castas que vão ao encontro dos objectivos dos produtores, mas também dos desejos dos consumidores.
Em Portugal começámos de uma situação menos grave, na verdade, uma situação confortável em termos de variedade de castas, mas os nossos técnicos perceberam cedo o problema e não perderam tempo. A PORVID é uma associação do sector (público e privado em associação estreita) que mantém uma vinha em Pegões onde tem exemplares de todas as castas conhecidas, e não só isso, focando na maximização do número de clones de cada casta. Um tesouro para os investigadores em vitivinicultura, mas acima de tudo um seguro de vida para o sector, e uma garantia de que o foco da nossa produção de vinhos não é a optimização de um tipo ou estilo de vinhos que esteja correntemente na moda. Em vez disso, como afirmou António Graça (I&D da Sogrape e PORVID), é a enologia que abraça a nossa variedade genética e encontra os vinhos que optimizam as castas e clones existentes em cada local. António deu um exemplo simples: se não tivesse sido criado o Champagne, o Pinot Noir e o Pinot Meunier já estariam possivelmente extintos.
Contou-me ainda o António Graça que em Bordéus já perceberam o drama de estreitar demasiado as opções nas castas e nos clones “melhores” e começaram a plantar outras castas, inclusive a nossa Touriga Nacional. Mas fazem-no com a mesma atitude de outrora: encontrar a nova superstar, a panaceia, que vai resolver todos os problemas. A atitude deve ser outra: olhar para o que se tem, tentar entender as razões antigas da escolha dessas castas/clones, e preservar a variedade genética como a manutenção de opções abertas para o futuro.
Em Espanha, 20 anos depois, são já os vignerons que recorrem ao ITACyL para os ajudar a encontrar as tais castas que podem apontar aos vinhos do futuro. Aproveitando a visita de Alberto Martín a Lisboa, organizei um jantar onde provámos vinhos de castas raras de um e outro lado da fronteira. É que em Portugal, se não estreitámos tudo só a uma casta, também fizemos apostas num número pequeno de variedades. No Douro, de um estudo preliminar de José António Rosas e João Nicolau de Almeida, tiraram-se conclusões definitivas: Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão. Mas as vinhas velhas fizeram de almofada, e seguraram boas quantidades de um grande número de castas. Algumas que tiveram sempre apostas para as cinco seguintes, como a Tinta Amarela (Trincadeira), Sousão, Alicante Bouschet, Tinta da Barca, Tinta Francisca e muitas outras. Mas também outras que, permanecendo nas vinhas, estão hoje disponíveis para vinhos de estilos mais leves e onde a cor é menos premente. Rufete, Cornifesto, Malvasia Preta, Bastardo.
De umas e outras provámos na Manja#Marvila, para nos maravilharmos perante um mundo novo de castas que nos dão vinhos deslumbrantes para desfrutar à mesa. Os nomes espanhóis por vezes contrastam com os nossos, mas a sinonímia sempre será fonte de conversa: Bastardo-Negro Sauri-Merenzao; Rabigato-Puesta en Cruz; Cornifesto-Gajo Arroba. Adivinho que a Tinta da Barca vai explodir em breve como uma grande casta, primeiro do Douro e depois nacional. A seguir, quem sabe? Do que provei, Malvasia Preta e Cornifesto. São grandes dias para os amantes de vinho.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2023)