Rosés heróicos do Douro

rosés douro

“Era uma vez uma improvável e quase casuística história de sucesso”. Bem que podia iniciar-se assim a história que levou a Provença francesa a tornar-se, nas duas últimas décadas, a região produtora dos rosés que todos admiram e tantos pretendem imitar o sucesso. Um mimetismo tão massivo, que são os próprios produtores da região a […]

“Era uma vez uma improvável e quase casuística história de sucesso”. Bem que podia iniciar-se assim a história que levou a Provença francesa a tornar-se, nas duas últimas décadas, a região produtora dos rosés que todos admiram e tantos pretendem imitar o sucesso. Um mimetismo tão massivo, que são os próprios produtores da região a recear que a inovação tecnológica permita a um mundo cada vez mais global produzir, em qualquer território vínico, rosés de cor rosa suave, secos, com nuances de fruta vermelha madura e afeiçoados a uma pungente mineralidade, tornando-se vítimas do seu próprio sucesso.

Historicamente, os rosés são produzidos desde a antiguidade. No século VI A.C., por iniciativa dos fenícios, foram trazidas as uvas para Massalia, actual Marselha, tornando-se os vinhos de cor rosada pálida uma escolha por toda a bacia do Mediterrâneo. A Provença, como primeira província do Império Romano, era o espelho de uma policultura fértil em quintas nas proximidades dos rios e do mar, para facilitar o transporte e comercialização, e onde a vinha tinha já uma importância fundamental.
A cultura da vinha manteve-se até aos dias de hoje, conhecendo épocas bem-sucedidas, sobretudo a partir do nascimento do conceito de turismo, já no século XIX, impulsionado pelo Grand Tour. No início dos anos 80 do século passado, os rosés provençais eram elaborados maioritariamente a partir das castas Grenache, Cinsault e Carignan, com adição de uma parte, usualmente 10%, de Cabernet Sauvignon, que dava origem a vinhos de um vermelho translúcido, secos, ligeiramente terrosos, herbáceos, suculentos e com acidez acentuada. Em 1985, dá-se a inusitada revolução rosa.

Um acaso de sucesso

Régine Summeire, do Château La Tour de l`Éveque e Château Barbeyrolles, ambas da Côte de Provence, visita, em 1985, o seu amigo Jean-Bernard Delmas, do Château Haut Brion, em Pessac, nas cercanias de Bordéus. Na adega, viu que Delmas usava uma velha prensa hidráulica para esmagar suavemente os cachos inteiros de uvas brancas, aconselhando-o este a usar o mesmo processo. Regressado à Provence, Summeire fez a experiência com as primeiras uvas de Grenache e o resultado foi um mosto mais fresco, com elevada acidez, muito menos carácter vegetal e uma cor rosa pálido. Após esta casuística descoberta e vencido o controlo das temperaturas de fermentação, um mundo abria-se, inicialmente tímido, aos rosés delicados, então denominados pétale de rose.
O resto da história é de todos conhecida, e é o sucesso deste conceito, que gera receitas de centenas de milhões de euros em vendas, que nos traz à questão de um milhão de dólares: pode o Douro tornar-se uma relevante região produtora de rosés, competindo em notoriedade com outras grandes regiões do mundo?
E se a resposta à derradeira pergunta é positiva, muitos de nós irão fazer muitas outras perguntas, designadamente sobre o caminho a trilhar para alcançar o êxito global. Os primeiros passos serão necessariamente a partir da identidade duriense.

Rosés do Douro

De portas abertas aos rosés

A resposta começou a ser desenhada há três anos, numa iniciativa desenhada num pequeno município duriense, Mesão Frio, que teve o arrojo de querer ser o centro do debate dos vinhos rosados da região do Douro, criando o evento “Douro em Tons de Rosé”, o qual trouxe para a mesa produtores, enólogos, jornalistas, opinion makers, bloggers e a mais reputada especialista mundial de rosés, Elizabeth Gabay, a Master of Wine britânica, ela própria residente na Provença.
Na mais recente edição deste evento, entre outras matérias, discutiu-se a viticultura tradicional na mais imponente região vitivinícola de montanha do Mundo, com mais de 40 mil hectares, e os seus benefícios para apurar a qualidade da matéria-prima para vinhos rosados, valorizando-se a singularidade humana num território onde a mecanização é uma miragem. Rui Soares, produtor e responsável de viticultura da Real Companhia Velha, alertou para a necessidade de protecção de um património único, de vinhas em patamares que selam indelevelmente a imagem de marca da região, constituindo, a par das vinhas velhas onde pontificam, tantas vezes, mais de 50 castas autóctones durienses, uma imagem que ajuda na projecção dos vinhos rosados como uma das maiores riquezas da identidade do Douro.
Para além da abordagem do terroir, características de viticultura duriense e prova de mais de três dezenas de rosés, houve lugar a uma palestra conduzida por Paulo Russel Pinto, wine educator e responsável de marketing e promoção do IVDP, cuja temática era, até há muito pouco tempo, uma matéria desconhecida e inusitada, o envelhecimento de rosés.

 

Para a afirmação dos rosés do Douro, há um facto incontornável: a paisagem duriense é de uma beleza inigualável

 

O lugar ao sol do Douro

Do mais verdejante e fresco Baixo Corgo, até ao inóspito e vasto Alto Douro, há uma imensidão de perspectivas a considerar para produzir, não apenas rosés leves, frescos e frutados, mas igualmente vinhos de elevada complexidade e capacidade de guarda. Para lhes dar um cunho de identidade regional, escolhem-se algumas das castas que melhor identificam o Douro, com a Touriga Nacional ainda a colher a primazia, seguida da Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Tinta Francisca e o cada vez mais entusiasmante Tinto Cão. Não perdendo a noção de contemporaneidade e universalidade, surgem também exemplos de grandes rosés elaborados a partir da Pinot Noir ou mesmo Cabernet Sauvignon, sobretudo nas cotas mais altas do Alto Douro vinhateiro. Não esquecendo o valor inimitável e não replicável das vinhas velhas, algumas centenárias, também aptas a criar, se assim se entender, rosés únicos desenhados para mercados super premium, habituados a pagar a exclusividade.

Os perfis podem e devem ser marcadamente varietais e, sobretudo, absorver as características do terroir, preocupação a não descurar no momento da sua vinificação. As tendências emergentes não descuram as práticas orgânicas e sustentáveis na produção de rosés, matéria que, actualmente, fará necessariamente parte da estratégia de comunicação dos vinhos direcionados para um consumidor com forte consciência ambiental. Estas práticas não apenas se tornam mais protetoras do ambiente, mas valorizam a qualidade do vinho. A agricultura de base orgânica que elimina o uso de pesticidas e fertilizantes sintéticos, protege não apenas os solos, mas todo o ecossistema circundante às vinhas, criando uma vida mais saudável. É hoje uma tendência em franco crescimento. Associados a estas práticas incluem-se a redução do uso dos recursos hídricos, o recurso a fontes de energia renováveis, reciclagem e diminuição do desperdício. Formas de encarar a produção de vinho que, comunicadas a um consumidor moderno, aumentam as vendas pela associação ao estar a cuidar do ambiente.

Para uma afirmação dos rosés do Douro há um facto incontornável, que será fundamental na forma como o transmitiremos ao Mundo: a paisagem duriense é de uma beleza inigualável e, dentro dela, nascem unidades de enoturismo que valorizam a região, oferecendo comodidades cheias de glamour, piscinas panorâmicas sobre o rio, gastronomia autêntica polvilhada de contemporaneidade, estradas que serpenteiam as margens e, claro, uma história antiquíssima, associada à mais antiga região demarcada do Mundo, profundamente rica em tradição e elegância clássica.
Mais que um vinho consumido no Verão, o rosé tornou-se parte da vida quotidiana e da cultura iminentemente visual e cénica. Hoje é símbolo de sofisticação e modernidade. O social media tomou conta dos rosés, sendo factor preponderante na sua ascensão e exponencial aumento do seu consumo. Actualmente, no Instagram, o rosé surge não apenas como um vinho, tornando-se um elemento identificador de um modo de vida. As marcas mais reputadas e aquela rede social impulsionaram as vendas e o seu consumo. Esta categoria que, ainda não há muitos anos, era considerada inferior, surge hoje no topo das preferências dos consumidores, sendo olhada, cada vez mais, como um produto vínico exclusivo e exigente, com potencial de envelhecimento.
Hoje, segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), e pela primeira vez, o somatório do consumo de vinhos brancos e rosés representa mais de metade do consumo de vinhos no mundo, retirando a supremacia aos vinhos tintos, até agora hegemónicos. Julgando pela qualidade da amostra de vinhos rosados durienses provados, diremos que o Douro terá, para si, guardada uma parte relevante de afirmação neste mundo cada vez mais cor-de-rosa.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Os vinhos apresentados não estão por ordem de pontuação

 

Anúncio de resultados do Concurso Escolha da Imprensa

escolha da imprensa

Já estão disponíveis AQUI os resultados do Concurso Escolha da Imprensa 2024. Conheça os Grandes Prémios e os Premiados desta edição que contou com perto de 500 vinhos a concurso nas categorias de Espumantes, Brancos, Rosés, Tintos e Fortificados. Concurso a escolha da imprensa 2024 – Grandes Escolhas

Já estão disponíveis AQUI os resultados do Concurso Escolha da Imprensa 2024.

Conheça os Grandes Prémios e os Premiados desta edição que contou com perto de 500 vinhos a concurso nas categorias de Espumantes, Brancos, Rosés, Tintos e Fortificados.

Concurso a escolha da imprensa 2024 – Grandes Escolhas

Quinta de Ventozelo, 10 anos depois

Ventozelo

Existe desde 1500, data em que se verificam os primeiros registos da quinta como fazendo parte do património do mosteiro de São Pedro das Águias. Desde aí, a propriedade passou por várias épocas, umas prósperas, outras desafortunadas, mudando os proprietários e modelos de gestão, até que, em 2014, foi adquirida pela Gran Cruz (agora Granvinhos), […]

Existe desde 1500, data em que se verificam os primeiros registos da quinta como fazendo parte do património do mosteiro de São Pedro das Águias. Desde aí, a propriedade passou por várias épocas, umas prósperas, outras desafortunadas, mudando os proprietários e modelos de gestão, até que, em 2014, foi adquirida pela Gran Cruz (agora Granvinhos), empresa do grupo francês La Martiniquaise. Esta aquisição foi estratégica, permitindo um grande investimento na propriedade para explorar todo o seu potencial. Por outro lado, esta que é uma das maiores empresas nacionais de produção do Vinho do Porto (cerca de 30 milhões de litros segundo o seu director de enologia, José Manuel Sousa Soares) obteve condições para produzir vinhos Douro DOC de alta qualidade. Dos 15 milhões de euros investidos, 75% foram destinados ao turismo e 25% ao ambiente.

Tudo o que se faz na Quinta de Ventozelo faz-se com amor. E não apenas no sentido do bom gosto, mas também da responsabilidade ambiental. A sustentabilidade na quinta é transversal. Não se limita à produção de vinho, pois abrange toda a intervenção feita na Quinta, onde se pretende proteger e enriquecer os recursos naturais e a biodiversidade.
Todas as parcelas com vinha têm um coberto vegetal constituído pela flora autóctone espontânea ou resultante da sementeira de mistura de gramíneas e leguminosas. Esta técnica tem efeitos benéficos na protecção contra a erosão hídrica, principalmente em vinhas ao alto, na formação e estabilidade da estrutura do solo, no aumento da porosidade e na conservação da água durante o verão, sendo ainda abrigo da biodiversidade e de auxiliares no combate a pragas e doenças. As leguminosas ainda ajudam a fixar o azoto no solo.
Com a redução de utilização de agroquímicos em mais de 30%, criou-se espaço para crescerem espécies autóctones e restauraram-se habitats naturais nas galerias ripícolas. Na Quinta já foram identificadas um total de 224 espécies de plantas, sendo mais de 20% caracterizadas como RELAPE (Raras, Endémicas, Localizadas, Ameaçadas ou Protegidas) e 185 espécies de animais, parte delas também ameaçadas ou consideradas criticamente em perigo.

Enoturismo de referência

Enquanto projecto de enoturismo, Ventozelo Hotel & Quinta oferece o conforto de um hotel num ambiente rural de uma quinta do Douro.
O restaurante da quinta chama-se Cantina de Ventozelo, por ter sido uma cantina para os trabalhadores em tempos idos. Um amplo terraço oferece uma sombra compacta, que permite relaxar enquanto se observa a vista deslumbrante sobre as vinhas. A ementa, construída pelo Chef José Guedes, tem por base os produtos cultivados nas hortas da quinta, alguma caça e funciona num conceito “quilómetro zero”, o que significa trabalhar com fornecedores de proximidade, dando preferência a produtos regionais.
O Centro Interpretativo, aberto ao público já há alguns anos, é uma espécie de museu vivo e interactivo, que oferece uma espectacular experiência sensorial (incluindo efeitos visuais, sons e aromas) na descoberta de Ventozelo e da sua história.

As vinhas

A vinha ocupa metade da área da quinta. Dos 200 ha cerca de 40 ha foram reabilitados recentemente. Andar de jipe pelos trilhos da Quinta de Ventozelo, com mais ou menos emoção em função do percurso escolhido, é uma actividade tão hedonística como intelectual. Enquanto se desfruta a beleza paisagística das vinhas, testemunham-se as suas variadíssimas condições, moldadas pelas altitudes que vão desde o rio (a 100 metros) até aos 500 metros; pelos solos com diferentes níveis de evolução, textura e capacidade de retenção de água e nutrientes; e pelas exposições, que se apercebem melhor sobretudo ao aproximar-se o pôr-do-sol, quando algumas vinhas já se encontram ensombradas e outras ainda iluminadas pelo astro rei.
Pelo caminho, o director geral da Granvinhos, Jorge Dias conta as aventuras com as pragas dos javalis que, sobretudo nos anos quentes, vão à vinha à procura de água, mordem e estragam os cabos de rega gota-a-gota e servem-se à vontade de uvas. O problema resolve-se com 1000 euros por mês, através da colocação de comedores com milho em três lugares estratégicos para desincentivar os animais de irem às vinhas.

10 anos numa prova

A melhor forma de comemorar os primeiros 10 anos é ver o tempo a passar pelos vinhos numa prova vertical, desde 2014. Das 28 referências de vinhos produzidos na Quinta de Ventozelo, foram escolhidas duas – o branco monovarietal de Viosinho e o tinto Essência.
A casta mais emblemática da Quinta de Ventozelo é o Viosinho, sem dúvida. É a casta do Douro “com maior volume de boca” e bem expressiva; “aguenta o escaldão e tem uma janela de oportunidade na vindima bastante grande”. “As notas tropicais que surgem nos vinhos novos, desaparecem ao fim de dois anos em garrafa”. 10 vinhos numa prova vertical mostram bem a história, a aprendizagem e a variação anual.
O 2014 (em magnum) apresenta notas apetroladas e amendoadas, ervas aromáticas, fruta contida e algo terroso também. Muito bom no volume, acidez não impositiva, que dá frescura suficiente. Termina com notas citrinas e leve amargo (17,5). O 2015 (em magnum) mostra-se mais tropical no nariz marcado pelo aroma de ananás e manga, não tão fino e ligeiramente mais amargo no final (17). O 2016 revela fruta mais evoluída e menos finesse em expressão de nariz e de boca (16). O 2017 está em grande forma com aroma muito apelativo, vivo e complexo a revelar lima, laranja e kumquat, ervas aromáticas e nuances apetroladas também; grande volume de boca, expressão e prolongamento (17,5). O 2018 parece mais novo, tem uma nuance floral a lembrar madressilva e fruta delicada; quase crocante, cristalino e delicado, textura e corpo muito equilibrado com frescura persistente (17). O 2019 é exuberante, tropical, com ananás, manga e laranja, muito jovem ainda, de corpo amplo e muita vida (16,5). O 2020 é intenso, com alguma expressão tropical, aipo, manga, pêra, estragão e uma nota floral, com bastante corpo e acidez bem inserida, termina com leve nota amarga (17). O 2021 é jovem e exuberante com notas de tília, tisanas, funcho, vertente tropical, muito ananás (16,5). 2022 parece mais tímido no nariz, talvez por contraste com o super terpénico 2021, com fruta branca a lembrar pêra (16,5).

Essência no topo

Essência é o topo de gama tinto da Quinta de Ventozelo – a melhor expressão da quinta, que varia conforme a quantidade e proporção de Touriga Franca e Touriga Nacional, as duas castas responsáveis pelo lote. É produzido em anos que a uva entrega a qualidade pretendida. Por exemplo, em 2021 e 2022 optaram por não o fazer. A vinificação ocorre em lagar. Depois vai para as barricas de 500 litros de carvalho francês, novas e usadas, onde passa 18 meses. Por ser o vinho mais importante, ainda estagia bastante tempo em garrafa antes de ser lançado para o mercado. É por isto que os três vinhos mais recentes da prova vertical não se encontram ainda em comercialização, permanecendo em cave, onde evoluem potencializando as suas qualidades.
O 2019 (amostra da cave) tem nariz muito apelativo com um floral de violetas, cereja preta e ameixa madura, louro. Tem ainda muito da juventude, mas a complexidade está presente com promessa de ainda maior afinação com o tempo. Mastigável, tanino maduro e textura aveludada, macio na boca, com bom volume, mas não pesado. O tanino fica mais evidente no final, mas não tem secura. É suculento. Termina com especiaria doce (18). O 2018 (amostra da cave) tem menos corpo e mais frescura, menos exuberante na fruta, com cereja contida e tanino suculento (18). O 2017 (amostra da cave) revela nariz elegante com fruta vermelha, pimenta preta, louro e tomilho, ligeiramente terroso. Menos corpo, mais seco no fim, tanino bem firme e menos suculento, boa acidez e bonitos nuances de framboesa (17,5). O 2016 está ligeiramente fechado e terroso, a lembrar terra húmida, em combinação com louro, caruma e nuances de bergamota. Agradece arejamento, mais austero na boca, denso, compacto e especiado, com tanino ainda bem presente (17,5). O 2015 mostra-se lindamente no nariz, complexo, com muita fruta ainda a lembrar cereja preta e amora para além das notas de couro, caruma, especiaria e violetas. Óptima performance em boca, longo, suculento com tanino maduro e polido pelo tempo, austero q.b. e envolvente ao mesmo tempo (18,5). O 2014 nariz com notas de esteva, alcaçuz, resinas, eucalipto e reminiscência de fruta. Maior percepção de acidez transmite maior grau de frescura ao conjunto (17,5).
Ao jantar provámos outra bela amostra de cave, que será uma estreia absoluta em Setembro – o Quinta de Ventozelo Essência branco 2019, feito de Viosinho e Malvasia Fina. Que vinho! Fino e cativante, elegante com fruta branca séria e lindas notas citrinas, tudo bem proporcionado. Fantástico na prova de boca, com barrica certa, filigrano, com frescura natural, um vinho cheio de finesse, que mostra já uma super afinação (18,5). Segundo Jorge Dias, a Quinta de Ventozelo foi uma aventura de 10 anos e o projecto que deu um enorme gozo de fazer. “Que venham mais 10!” – resumiu com regozijo e confiança.

(Artigo publicado na edição de Setembro 2024)

Grande Prova: A Bairrada em grande com barro, Baga e muito mais

grande prova bairrada

A Bairrada raramente é a primeira paragem numa viagem de descoberta enófila pelas regiões do nosso país. Inicia-se pelos vinhos mais acessíveis e regiões mais sonantes e presentes no imaginário do consumidor e nas prateleiras das garrafeiras. A Bairrada revela-se aos enófilos com alguma maturidade. É uma das poucas regiões em Portugal (e no mundo) […]

A Bairrada raramente é a primeira paragem numa viagem de descoberta enófila pelas regiões do nosso país. Inicia-se pelos vinhos mais acessíveis e regiões mais sonantes e presentes no imaginário do consumidor e nas prateleiras das garrafeiras. A Bairrada revela-se aos enófilos com alguma maturidade.
É uma das poucas regiões em Portugal (e no mundo) que facilmente pode apresentar, para uma prova, um vasto conjunto de vinhos com mais de uma década de idade, com grande qualidade e personalidade marcante. Nesta prova tivemos vinhos de colheitas mais antigas, como 2016, 2015, 2014, 2012 e até Marquês de Marialva Confirmado Baga de 1995 da Adega Cooperativa de Cantanhede e Aleixo Grande Reserva de 1997 da Real Cave do Cedro, todos eles correntemente no mercado e em óptimo estado de saúde.
Dos 26 tintos, 16 eram exclusivamente de Baga, quatro da parceria de Baga e Touriga Nacional, e mais uns vinhos com castas estrangeiras, um lote com 96% Baga, 3% de Maria Gomes e 1% de Bical e um “rol” de oito castas não misturadas na mesma vinha, mas covinificadas, onde entram Baga, Castelão Nacional, Trincadeira, Bastardo, Sousão, Tinta Pinheira e Alfrocheiro.
E impressionante que os grandes vinhos da Bairrada de hoje sejam produzidos tanto pelas Caves históricas ou uma Adega cooperativa, quanto pelos produtores mais antigos e outros bem recentes, em estilos completamente distintos, desde os mais clássicos até aos mais modernos.

Bairrada de outrora, de hoje e de sempre
A história da vinha na Bairrada remonta ao aparecimento do homem nestas terras. Desde os tempos alto-medievais, há documentação que assinala a presença significativa da vitivinicultura na região, destacando a sua importância na vida e na economia local.
A proximidade de Coimbra e da região de Aveiro, aliada à relativa navegabilidade dos rios, permitiu à Bairrada desenvolver a sua agricultura e viver um período de prosperidade. Contudo, após o Tratado de Methuen, em 1703, o aumento descontrolado da plantação de vinhedos, em detrimento das áreas destinadas aos cereais, chamou a atenção do Marquês de Pombal. As medidas severas por ele decretadas incluíram o arranque das vinhas e a proibição de comercialização dos vinhos. Foi apenas no reinado de D. Maria I, a partir de 1777, que o plantio de cepas foi novamente autorizado.
Na segunda metade do século XIX, graças a alguns factores internos e externos (tendência para o consumo de vinhos menos alcoólicos e palhetes, prémios de vinhos da Bairrada nas exposições internacionais e a abertura de novos mercados no Brasil e países do Norte da Europa), a Bairrada afirmou-se como região e os seus vinhos ganharam identidade própria. E não podemos esquecer que, em 1890, foi iniciada, em Anadia, a produção dos primeiros vinhos espumantes, que se tornaram um ex-libris da Bairrada graças ao pioneirismo de Tavares da Silva.
Na década de 1920 começam a proliferar as Caves, que basicamente eram negociantes. Não possuindo vinha própria, compravam vinho feito, loteavam, estagiavam e comercializavam-no. Muitas destas caves continuam a fazer história na região, como as Caves São João, Caves do Solar de S. Domingos e Caves Messias, entre outras. Os anos 1950 foram marcados pela criação de várias adegas cooperativas, dos quais apenas sobreviveu, e com boa saúde, a Adega de Cantanhede.

Na década de 1990, com o fim do mercado das ex-colónias e da saudade, os vinhos mais frutados e redondos do Alentejo, seguidos, pelos do Douro, com a sua potência e complexidade, por contraste com os vinhos tânicos e ácidos da Bairrada, conquistaram os consumidores. Foi neste período que surgiram os primeiros produtores-engarrafadores na região.
Os produtores com visão, como Luís Pato, Casa de Saima, Carlos Campolargo, Sidónio de Sousa, Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, e João Póvoa (primeiro na Quinta de Baixo, depois na Kompassus) começaram a engarrafar com a marca própria e trouxeram a inovação necessária, tanto na vinha quanto na adega, para alterar o paradigma dos vinhos bairradinos.
Começou-se a fazer monda dos cachos que, naquela época, era considerada uma heresia, mas permitia controlar a produção. Outra alteração foi o desengace, que retirou os taninos mais duros. Hoje o uso de engaço pode variar em função do ano e do estilo do vinho que se pretende produzir. Luís Pato foi o primeiro a usar pipas de 650 litros ao contrário dos habituais tonéis velhos, o que tornou os vinhos mais polidos.

O renomado e carismático produtor dos vinhos do Porto e Douro, Dirk Niepoort, ao expandir os seus projectos à Bairrada, atraiu ainda mais atenção para a região. Hoje produz vinhos com o seu filho Daniel na Quinta de Baixo e faz parte do grupo “Baga Friends”.
Curiosamente, a nova geração dos produtores, que têm surgido nos últimos 10-15 anos, como Nuno do Ó e João Soares (V Puro) e Luís Gomes (Giz) adoram vinhas velhas e mostram a sua interpretação da Bairrada, valorizando a tradição e o legado vitícola da região.

O terroir da Bairrada
A Bairrada fica numa plataforma litoral de baixa altitude (entre os 40 e 120 metros), fortemente influenciada pelo Atlântico e limitada a leste pelos maciços do Bussaco e Caramulo. No sentido Norte-Sul situa-se entre as cidades Águeda e Coimbra e os rios Vouga e Mondego. Caracteriza-se por um clima ameno, com invernos suaves e verões moderados e alta humidade relativa ao longo do ano. Os dois/três meses mais secos no verão conferem ao clima uma nuance mediterrânica. A abertura para o oceano permite a entrada da nortada, que sopra regularmente durante o verão, especialmente à tarde, trazendo ar húmido do Atlântico para o interior. A frequente ocorrência de nevoeiros matinais origina a redução de insolação que, em combinação com as temperaturas amenas, facilita a proliferação dos fungos que dificultam a maturação das uvas, mas favorecem o desenvolvimento da sua componente aromática.
Enquanto no Douro e no Dão as variações no comportamento das videiras são principalmente atribuídas à exposição e altitude das vinhas, na Bairrada estas diferenças decorrem do solo. A Bairrada é um verdadeiro mosaico geológico, com solos que variam desde margas, argilas e calcário a areias. Se no lugar dos bairradinos fossem os franceses a explorar a região, cada pedaço de terra da Bairrada seria transformado em Premier Cru e Grand Cru, tanto para brancos quanto para tintos, como na Borgonha. Temos terroirs excepcionais, mas ainda nos falta o desenvolvimento de um conceito que permita classificá-los de acordo com a geologia e a tipologia dos solos.

Dos tempos idos, existe apenas a informação de que, no século XIX, existiam dois tipos de vinho: de Consumo, de qualidade inferior, e de Embarque, que eram os melhores, destinados à exportação. A melhor zona para os tintos de Embarque foi limitada, a Norte, por Horta, Tamengos e Aguim; a Nascente por Grada e Barrô; a Sul por Travassô, Lendiosa e Silvã e, a Poente, por Murtede, Escapães e Póvoa do Garção. Isto foi considerado nos primeiros contornos da Bairrada vitivinícola propostos, em 1867, por António Augusto de Aguiar.
A Bairrada fazia parte da Beira Litoral, que era uma sub-região das Beiras. Apesar do seu legado vitivinícola, só obteve o estatuto de denominação de origem em 1979. A DOC Bairrada insere-se na geograficamente mais vasta IG Beira Atlântico.

Encepamento – para além da Baga
No final do século XVIII, o encepamento da Bairrada era dominado por castas brancas. Esta realidade começou a mudar devido a vários factores. O primeiro foi o surgimento do oídio em 1852, que levou à preferência por castas mais resistentes à doença. Isto facilitou a disseminação da Baga, uma casta menos susceptível ao oídio e altamente produtiva, o que representava uma vantagem significativa para os viticultores da época. Mais tarde, a globalização também influenciou esta transformação, ampliando o leque de castas autorizadas na região.
No primeiro documento oficial de demarcação, os “direitos” da Baga eram vincados com 50% do total. As castas Castelão, Moreto e Tinta Pinheira também eram autorizadas, enquanto Alfrocheiro Preto, Bastardo, Preto de Mortágua (o nome antigo da Touriga Nacional), Trincadeira, Jaen e Água Santa não podiam exceder 20% do encepamento. Em 2003, entendeu-se que a abertura a outras castas iria ser benéfica para a região e na DO Bairrada foram autorizadas, em termos de tintas, algumas variedades nacionais (Aragonez, Tinta Barroca, Tinto Cão, Touriga Franca) e estrangeiras (Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir, Petit Verdot e Syrah).

Simultaneamente, para preservar a tradição, foi introduzido o termo “Clássico” que, embora se refira ao mesmo território demarcado, limita as castas às tradicionais Baga, Camarate, Castelão, Jaen, Alfrocheiro e Touriga Nacional. Além disto, para que um vinho seja certificado como “Clássico”, deve cumprir requisitos adicionais: o rendimento não pode exceder 55 hl/ha (em comparação com os 80 hl/ha permitidos para outros vinhos tintos), e o vinho deve passar por um estágio mínimo de 30 meses, sendo 12 desses em garrafa (praticamente como um Garrafeira tinto).
A Camarate, também bastante cultivada na Bairrada, é conhecida localmente como Castelão (mas nada tem a ver com a Castelão “oficial”) e ainda Moreto, ou Moreto de Soure em Cantanhede. Carlos Campolargo considera-a “mais bairradina do que a Baga, que vem do Dão.” Luís Pato observa que a Camarate produz cachos e bagos grandes, o que originava altos rendimentos, dava muito sumo e suavizava os taninos da Baga. Paulo Nunes, o enólogo na Casa de Saima e com grande experiência no Dão, vê a casta como um componente de lote para os vinhos de entrada, pois confere uma fruta mais imediata, contrastando com a Baga, que tende a ser mais vegetal e austera. No entanto, a Camarate apresenta certos desafios devido ao seu vigor e sensibilidade ao oídio.
O Castelão, também conhecido como Periquita, Castelão Francês ou João de Santarém, tem uma expressão reduzida na Bairrada, onde é chamado de Trincadeira (e, de novo, nada tem a ver com a Trincadeira “oficial”…). Conta Luís Pato que o Castelão suavizava a Baga e acrescentava riqueza aromática, pois um bom Castelão cultivado nos solos arenosos pode ter um perfil semelhante ao da Baga, combinando características aromáticas com uma acidez vincada.

A Touriga Nacional, apesar de se adaptar bem a diversas condições, desperta sentimentos díspares na região. Segundo Paulo Nunes, a casta não apresenta aqui as camadas e a complexidade que exibe no Dão. Mário Sérgio Nuno salienta que a Touriga Nacional resiste melhor à podridão e mantém um equilíbrio ácido satisfatório, amadurecendo quase sempre antes da Baga. Luís Pato acrescenta que, quando plantada em solos argilo-calcários, a Touriga Nacional tende a perder acidez, como aconteceu em Ois de Bairro, na parcela Cândido, onde acabou por substituí-la pelo Cercial. No entanto, em solos argilo-arenosos, a Touriga Nacional mostra-se fantástica e, ao contrário da Baga, neste tipo de solo não corre o risco de entrar em desidratação e, com chuva, inchar e ter rupturas na película. O mestre também observa que, enquanto o rendimento da Baga não pode ultrapassar quatro tn/ha para entregar a qualidade, a Touriga Nacional pode oferecer bons resultados com rendimentos de oito a nove tn/ha. Basicamente, a Touriga Nacional na Bairrada é utilizada para arredondar os ângulos da Baga e contribuir com componente aromática, oferecendo vinhos com um apelo rápido.
Entretanto, a Aveleda, na sua Quinta de Aguieira, dá muito mais protagonismo à Touriga Nacional, plantada propositadamente após a aquisição da quinta em 1997. O responsável de enologia, Diogo Campilho, e o responsável de viticultura, Pedro Prata, contam que a propriedade está situada na parte norte da Bairrada, no concelho de Águeda, perto do rio Vouga. A Touriga foi plantada numa parcela mais quente, em solo de aluvião, em cima do calhau rolado, areia grosseira e alguma argila. Dá algum trabalho na vinha, não só pelo seu porte prostrado, como também pela necessidade de desfolhas e mondas, em função do estilo de vinho e dos anos vitícolas. Os nevoeiros são bem presentes, dada à proximidade do Atlântico e do rio. Há dias que só se dissipam por volta das duas da tarde. Nestas condições, neste extremo norte da Bairrada, dificilmente a Baga resistiria tão bem quanto a Touriga Nacional.

Castas de menos expressão
A Jaen tem mais expressão no Dão do que na Bairrada, onde, segundo Paulo Nunes, “não funciona, só se aproveita nos rosés” porque degrada os ácidos sem atingir maturações fenólicas. É uma casta muito sensível ao terroir e, na Bairrada, não é o lugar dela, embora faça parte das castas permitidas no Bairrada Clássico. Já o Alfrocheiro não tem muita expressão na Bairrada e, segundo a experiência de Paulo Nunes, é muito inconstante: há anos que funciona, outros que não, sem uma razão aparente. Na Casa de Saima deixaram de trabalhar com ela.
O Rufete, conhecido na Bairrada como Tinta Pinheira, pode não ser a melhor escolha para vinhos tintos, mas é excelente para a produção de rosés, segundo Paulo Prior, enólogo com a experiência de mais de 20 anos no sector, agora com responsabilidade na Global Wines. Quanto ao Bastardo, que amadurece extremamente cedo, Paulo comenta que a casta carece de expressão e ressalta: “Ninguém quer iniciar as vindimas a 10 de agosto…”

Entre as castas bairradinas consta também a Água Santa, um cruzamento entre Touriga Nacional e João de Santarém. Paulo Prior relata que esta casta foi criada nas décadas de 1960-70, numa época em que a grande parte do vinho produzido era destinado às ex-colónias, e havia uma demanda por vinhos de maturação mais rápida e perfil macio. A Água Santa é altamente produtiva, mas tem pouca cor e é extremamente susceptível ao oídio e míldio. Hoje, está praticamente abandonada. Embora possa ainda ser encontrada em vinhas velhas, ninguém a planta actualmente. Carlos Campolargo também menciona que, no início, tinha um talhão com Água Santa em São Mateus, mas acabou por reenxertar a vinha por falta de interesse na casta.
De uma forma ou de outra, as castas tintas, e também brancas presentes na Bairrada, são usadas com o propósito de limar as arestas da Baga. Há quem diga que, antigamente, “para três pés de Baga plantava-se um pé de Maria Gomes”, que aumentava grau, amaciava tanino e também ajudava a fixar a cor e conferir mais complexidade aromática.

Relativamente às castas estrangeiras, parece que já tiveram o seu auge. Houve quem as plantasse por moda e quem o fizesse por convicção. Os últimos continuam a fazer um bom trabalho com elas, como é o caso de Carlos Campolargo. Sempre achou que, na Bairrada, existem condições climáticas semelhantes a Bordeaux, pela influência atlântica. Embora na Bairrada o oceano esteja mais perto, em compensação tem mais horas de sol e as típicas castas bordalesas na Bairrada amadurecem bem sem experienciar o calor em demasia. Desde cedo apostou no Cabernet Sauvignon e no Merlot. Mais tarde plantou Petit Verdot. Normalmente utiliza estas castas para blends, com excepção de Petit Verdot, que em alguns anos sai como monovarietal. Carlos Campolargo dá um exemplo: se adicionar 15% de Touriga Nacional à Baga, a primeira marca muito o vinho, enquanto o Merlot não tem este efeito supressor. “É uva perfeita. No início de Setembro já está pronta, antes das chuvas”. Também foi pioneiro em lotear Pinot Noir e Baga ainda em 2000, porque as duas castas se desenvolvem na mesma direcção. Luís Pato corrobora esta opinião, confirmando que se juntar Pinot Noir à Baga, ninguém nota. No início, Luís Pato também experimentou trabalhar com Cabernet Sauvignon para facilitar a venda de Baga no mercado dos Estados Unidos, Mas depois abandonou esta ideia, após ter concluído que não é através do Cabernet que a Bairrada vai construir a sua identidade nos mercados estrangeiros.
Paulo Prior considera o Merlot uma casta essencial, destacando a sua viticultura fácil e maturação precoce. Diferente da Baga, que tem um porte mais retumbante, o Merlot cresce de forma direita e pode-se vindimar logo após as uvas brancas. Paulo também observa que o Merlot e a Baga funcionam bem juntos, criando uma combinação harmoniosa. Já o Cabernet Sauvignon atua como “sal e pimenta” no blend, adicionando um toque extra.

A saga da Baga
Embora originária do Dão, e parecendo que a união entre a Baga e a Bairrada fosse por conveniência, esta acabou por evoluir para uma relação profunda e duradoura.
No século XIX, António Augusto de Aguiar descreveu a Baga como “uma casta de qualidade inferior”, reconhecendo, porém, que “podia tirar-se dela mais algum partido se fosse vindimada no tarde, mas, como isto não sucede, quase sempre entra para o lagar sem estar bem madura”. Entretanto, Cincinnato da Costa, no seu “O Portugal Vinícola”, de 1900, referia-se à Baga, dizendo que “são notáveis os seus vinhos tintos de magnífica coloração, bem equilibrados e de qualidades muito apreciáveis para o comércio de exportação, pela sua solidez e fácil conservação”, acrescentando que a casta era “muito apreciada pela viva cor e forte adstringência que dá aos vinhos”.

O grande calcanhar da Baga é a sua susceptibilidade à podridão. Com os seus cachos compactos, “como nem uma pinha” e película bastante fina, na Bairrada, com a alta humidade e pluviosidade que torna a região num resort para a Botrytis, quase que se poderia pensar que não há hipótese de fazer grandes vinhos. Percebe-se, assim, o abandono da casta e a antiga “crença” de que só há grandes tintos na Bairrada uma vez por década.
Luís Pato, Mário Sérgio e Paulo Nunes estão de acordo com a ausência de sentido nesse pressuposto. É óbvio que ocorrem anos muito difíceis, que levam a perdas significativas de produção (como, por exemplo, este ano, devido ao míldio). No entanto, uma viticultura adequada, a começar por clones e porta-enxertos certos, gestão da parede vegetativa e mondas qualitativas, pode combater ou atenuar as adversidades de um ano mais complicado. Antigamente era impossível convencer o viticultor a fazer três vindimas na mesma vinha. Agora, com outro entendimento e dedicação, é possível gerir bem a vindima e não culpar sempre a casta ou São Pedro. Mário Sérgio salienta que a casta se afirmou por si, com resultados evidentes: “de norte a sul da região voltou-se a aderir à Baga e, quem já tinha retirado “Baga” dos rótulos, voltou a colocá-lo em letra grossa”.

Por muitos desafios que a casta e a região apresentem mutuamente, a Baga é e sempre será a variedade identitária da Bairrada. É um dos binómios mais fortes no mundo vitivinícola português. Os grandes vinhos da Bairrada podem não ser feitos exclusivamente de Baga, mas os grandes vinhos de Baga (quase) só podem ser da Bairrada.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Os vinhos apresentados não estão por ordem de classificação

 

O Enoturismo na feira Grandes Escolhas Vinhos & Sabores

Enoturismo

Tendo o Enoturismo assumido cada vez mais uma importante fatia do negocio do vinho, a organização da feira Vinhos & Sabores fez um esforço no envio de convites e de assegurar a presença na feira de muitos profissionais desta área, tal como DMC’s (Destination Management Company), e outros agentes de turismo. Por outro lado, dada […]

Tendo o Enoturismo assumido cada vez mais uma importante fatia do negocio do vinho, a organização da feira Vinhos & Sabores fez um esforço no envio de convites e de assegurar a presença na feira de muitos profissionais desta área, tal como DMC’s (Destination Management Company), e outros agentes de turismo.

Por outro lado, dada a presença de milhares de visitantes, muitos deles ávidos de vivenciarem experiências marcantes no turismo do vinho,  esta é uma excelente oportunidade de divulgação das ofertas disponíveis de enoturismo.

Os expositores presentes na feira foram convidados a prestarem uma particular atenção a esta área e de disporem de pessoal destacado no seu stand, com formação no Enoturismo ou que pelo menos tenham suficiente informações sobre as ofertas disponíveis em cada casa nesta área nesta actividade, de forma a responderem às previsíveis questões e pedidos de informações que vierem a ser solicitados.

Sara Matos é a nova cara dos Vinhos do Alentejo

Sara Matos

A atriz Sara Matos é a nova embaixadora dos Vinhos do Alentejo, o rosto da campanha Tesouros do Alentejo, que será lançada oficialmente na semana de 21 de Outubro. A sua selecção reflete, segundo a CVR Alentejo, “a ligação da marca com figuras autênticas e inspiradoras, para representar a excelência, sustentabilidade e singularidade que caracterizam […]

A atriz Sara Matos é a nova embaixadora dos Vinhos do Alentejo, o rosto da campanha Tesouros do Alentejo, que será lançada oficialmente na semana de 21 de Outubro. A sua selecção reflete, segundo a CVR Alentejo, “a ligação da marca com figuras autênticas e inspiradoras, para representar a excelência, sustentabilidade e singularidade que caracterizam os vinhos desta região”.

A campanha “Tesouros do Alentejo” é uma iniciativa da Comissão Vitivinícola Regional, que culmina com um evento que decorre no dia 25 de Outubro no Museu do Tesouro Real, Lisboa, onde 15 grandes vinhos da região serão harmonizados com gastronomia de inspiração alentejana, enquanto os convidados desfrutam de performances de Cante Alentejano e de um concerto Candlelight, num ambiente inusitado e intimista, à volta de um dos maiores cofres fortes do mundo.

Para Francisco Mateus, presidente da CVRA, “este evento e a campanha que o acompanha são uma forma de mostrar a diversidade e o compromisso dos nossos produtores com a sustentabilidade e a autenticidade dos vinhos do Alentejo. Ter a Sara Matos como embaixadora permite-nos aproximar o público da nossa história e dos nossos vinhos.”

A campanha será acompanhada de uma série de ações ao longo do ano, com destaque para visitas a quintas e provas de vinhos exclusivas, desenhadas para aproximar o público ao legado vinícola alentejano.

Estive Lá: Ilha da Armona, mais próximo do paraíso

Estive Lá

Assistir ao movimento das marés na barra da Ilha da Armona proporciona uma sensação muito agradável. E não só para mim. Sente-se na forma de estar das pessoas que passam a pé pela beira de água, nas que se banham nela e nas que apenas se sentam a apreciar a vista, como gosto de fazer […]

Assistir ao movimento das marés na barra da Ilha da Armona proporciona uma sensação muito agradável. E não só para mim. Sente-se na forma de estar das pessoas que passam a pé pela beira de água, nas que se banham nela e nas que apenas se sentam a apreciar a vista, como gosto de fazer por vezes. À medida que a maré baixa vários bancos de areia vão surgindo, convidando a um mergulho nas águas límpidas das lagoas que se vão formando ou a apanhar conquilhas e berbigões. Mais uma vez não resisti ao convite aos mergulhos. Quanto às conquilhas, este ano só as encontrei no prato, como se verá adiante.

É pelo prazer que me dá que volto à Armona todos os anos, mesmo que isso me obrigue a dar pelo menos 12 mil passos ida e volta, desde o lugar onde costumo deixar o automóvel até ao cais onde apanho o barco e, depois, pelo interior da ilha até à barra. Tal como é habitual o meu dia começou com uma tosta mista num dos cafés do mercado de Olhão, aquele onde vou sempre, na companhia de um sumo de laranja algarvia bem-apessoado, e de um café para acordar. A verdade é que não há melhor tosta mista para mim, principalmente pelos sabores e aromas irresistíveis e inimitáveis do pão, ligeiramente barrado, por fora, com manteiga, onde se aconchegam molemente o queijo e o fiambre. É impossível deixar de repetir.

Enquanto espero a encomenda, vou sempre ao mercado do peixe porque me sabe bem fazê-lo e me ajuda a manter o olhar treinado. No verão, se se for cedo, há quase sempre sardinha, carapau de todos os tamanhos, safia, dourada e sargo, pescada, robalo, salmonete, chaputa, raia, cação, atum e muitos outros peixes e mariscos. Por isso, vou sempre lá abastecer-me, o melhor que consigo, antes de voltar para Lisboa. Mas se, for sábado, tem de ser cedo, porque, a partir das 10h, a oferta já rareia. A frescura, os sabores e aromas e a relação qualidade/preço valem sempre o investimento.

A ida mais recente à Armona levou-me, na volta, ao Restaurante Grupo Naval de Olhão. Estava a apetecer-me lá voltar e fica mesmo perto do cais de embarque para as ilhas. Foi um lanche ajantarado que se iniciou perto das 4h30 da tarde, na esplanada, composto por ostras da Ria Formosa, como não podia deixar de ser, conquilhas à Bolhão Pato que ainda souberam melhor na companhia do pão fresco, cheiroso e gostoso que só se consegue arranjar no Algarve, tal como a salada de polvo de cores vivas e os carapaus alimados. Tudo na boa companhia do vinho Sebastião, da casta Chardonnay, que seleccionei entre as cerca de duas dezenas de sugestões de uma carta com opções para todos os gostos e bolsas. A sua frescura, a fruta discreta mas presente e o ligeiro toque de madeira e de especiarias contribuíram para que fizesse boa companhia a todos os petiscos. Foi um belo final de tarde de beira ria neste verão.

Restaurante Grupo Naval de Olhão
Morada: Av. 5 de Outubro, Olhão
Tel.: 289 050 543

Mercados de Olhão
Morada: Av. 5 de Outubro, Olhão
Tel.: 289 817 024
Site: www.mercadosdeolhao.pt

Bilheteira Olhão – Ferry para as Ilhas
Morada: Av. 5 de Outubro 2A, Olhão

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2024)

Domínio do Açor: Ano 2

Domínio do Açor

Aqui são as Terras de Senhorim, uma das sub-regiões do Dão. Estamos numa quinta que outrora se chamou Mendes Pereira, que foi adquirida por um grupo de investidores brasileiros, apostados em conseguir produzir vinhos tão originais quanto possível. O grupo, que tem em Guilherme Corrêa (Temple Wines, distribuidora) o seu representante permanente em Portugal, é […]

Aqui são as Terras de Senhorim, uma das sub-regiões do Dão. Estamos numa quinta que outrora se chamou Mendes Pereira, que foi adquirida por um grupo de investidores brasileiros, apostados em conseguir produzir vinhos tão originais quanto possível. O grupo, que tem em Guilherme Corrêa (Temple Wines, distribuidora) o seu representante permanente em Portugal, é constituído por confessos amantes da Borgonha. E a paixão é de tal monta que, desde o início do projecto, se procurou identificar as características do solo que permitissem pensar em fazer vinhos Grand Cru, Premier Cru e vinhos Villages, tudo terminologia muito cara à célebre região francesa. Para essa identificação foi contratado o chileno Pedro Parra, uma sumidade no que toca à identificação e análise de solos. Prevenidos pelo próprio que na análise a fazer não haveria nem “paninhos quentes” nem “palmadinhas nas costas”, o grupo brasileiro ficou radiante com as conclusões do técnico, que identificou 55% da área da vinha como podendo gerar vinhos Grand Cru, 40% Villages e 5% Premier Cru. Esta conclusão foi como “música celestial” que ainda mais incentivou a continuação do projecto. Curiosidade: as opiniões de Parra corroboraram a ideia empírica sobre a qualidade dos vinhos das várias parcelas!
Este ano a novidade técnica prendeu-se também com a contratação de um especialista em poda (assunto bem mais complicado do que se imagina), o italiano Marco Simonit, com larga experiência na Borgonha onde, como nos informaram, dirige a poda do Domaine Leroy há mais de uma década. A identificação precisa do que se deve podar, a forma de o fazer e o que se pode esperar de um trabalho feito em bases científicas, são assuntos para os próximos anos. A paciência também tem aqui o seu lugar. Cativo!
O projecto, que conta com sete trabalhadores em permanência, poderá conhecer algum alargamento. Por um lado, irão, a partir de 2024, usar as instalações da adega contígua à quinta, que foram adquiridas a Carlos Lucas (Magnum Vinhos) e, por outro, Guilherme Corrêa não descarta a hipótese de serem adquiridas parcelas de vinhas velhas que possam ser consideradas interessantes para aumentar a capacidade produtiva.

Domínio do Açor

 

Vão ser plantadas onze castas antigas da região, algumas presentes numa parcela da quinta usada pelo Centro de Estudos de Nelas para testes de porta-enxertos.

 

Valorizar, descartar, modificar

Com os trabalhos de análise de solos feitos e já com algumas vindimas no activo, o grupo de enologia, que integra Luis Lopes (consultor e também enólogo na vizinha Quinta das Marias) e João Costa como enólogo residente, começam a ter uma noção daquilo que há a valorizar e das dificuldades/vantagens das castas aqui presentes. A casta mais difícil é a Tinta Roriz, muito atreita a doenças do lenho; a mais surpreendente é a Bical porque aqui beneficia de um solo de limo com boa profundidade acima do granito partido e gera vinhos de boa acidez e álcool, “o que não acontecia na Pellada”, comentou Luis Lopes que foi enólogo na propriedade de Álvaro Castro. Entre re-enxertos, arranque e novas plantações, irão trabalhar com Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alvarelhão, Tinta Pinheira, Baga, Castelão Nacional, Barcelo, Uva Cão, Terrantez, Alvar Roxo e Douradinha, no fundo as velhas castas da região, muitas delas presentes na parcela de vinha velha, plantada em 1961 e que tinha servido de campo ampelográfico para o Centro de Estudos de Nelas, nomeadamente para o teste dos porta-enxertos. O vinho feito com as uvas desta parcela ainda não está no mercado. Para já estagia em barricas oriundas da região italiana de Barolo.
O conceito vitícola aponta claramente para uma conversão em bio, processo lento que obriga a muitos cuidados na vinha e a muita intervenção (este ano os tratamentos contra o míldio foram semanais), combinando o uso do cobre (que não deixa de ser metal pesado que permanece no solo…) com outros compostos associados autorizados em agricultura bio. Desde 2021 que estão a fazer a mobilização do solo para evitar a compactação, plantando leguminosas e cereais na entrelinha, como cevada, centeio, favas e ervilhaca.
O ano de 2022 foi o mais seco em toda a Europa mas, aqui no Dão, alguns solos, nomeadamente com maior percentagem de limo (é o solo mais fino a seguir à argila, que pode aparecer misturado com granito), conservam a frescura mesmo a alguma profundidade. O granito degrada-se em areia e limo – solos de rochas frias que depois transmitem frescura e leveza os vinhos. O limo retém água e por isso não há stress hídrico. Vantagem da região. A verdade é que é da degradação da pedra que podem nascer vinhos onde se sente alguma mineralidade, não do solo ser apenas pedra.

Domínio do Açor

 

Barrica sim, mas com tino
O uso das barricas é aqui permanente. Mas a percentagem de barricas novas é moderada. A ciência do fabrico das barricas permite estudar as aduelas que compõem a barrica para, por cromatografia, escolher as que têm menos lactonas (ou seja, que dão menos aromas de madeira), uma sofisticação que sublinha os cuidados na produção. Como nos lembra Luis Lopes, “quando compramos barricas novas usamos primeiro no vinho de Encruzado, porque é casta que não se deixa dominar pela madeira. A casta Bical, ao contrário, dá-se muito mal com a barrica nova. Temos de nos ir ajustando”.
As novidades ora apresentadas contemplam os brancos de 2022 e tintos de 2021. Os vinhos têm os nomes alterados porque, lembrou Guilherme, “no mercado brasileiro era importante ter um nome associado à parcela” e desta forma temos vinhos com novos nomes; os de lote de várias parcelas mantêm a grafia original. Assim “nasceram” o Vila Romana, o Vinha Ruína e o Vinha Celta Bical. Este último, após um dia de maceração pelicular, o mosto fermenta em barrica e estagia 11 meses sobre borras. Depois ainda passas seis meses em inox antes do engarrafamento sem filtração. O Domínio do Açor branco tem, nesta edição, uma maior percentagem de Encruzado. Fermenta em ovo de cimento, inox e barrica, com maloláctica completa; 11 meses sobre borras sem bâtonnage, em ambiente redutor para que o gás final da fermentação funcione como protector, evitando alguma oxidação e possibilitando menor uso de sulfuroso.
Os tintos tiveram 18 meses de estágio em madeira, jogando entre barricas nova e usadas. No segundo semestre deste ano sairão mais três tintos: Jaen, Tinta Pinheira e o Vinhas Velhas, todos da colheita de 2022.
Os Grand Cru ainda não chegaram, enquanto resultado de todo o trabalho feito na vinha e na poda, mas os cuidados postos em todas as etapas, da vinha ao copo, são indicadores seguros de que o projecto ainda vai ter muito para dar. Curioso mesmo é ouvir falar em “vinhos com pouca intervenção”, como sendo um facto valorativo da nova tendência. Alguém anda muito mal informado. Aqui, tal como noutros produtores que trabalham com profissionalismo, a intervenção não é “pouca”, é “hiper” e contínua…

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2024)