Vinha das Penicas: A colocar Sicó no mapa

Vinha das Penicas

A sub-região das Terras de Sicó, localizada na Beira Atlântico, possui uma rica história vitivinícola que remonta a séculos. Esta área, que inclui partes dos concelhos de Condeixa-a-Nova, Penela, Alvaiázere, Ansião, Pombal e Soure, é conhecida pelas suas vinhas antigas e pelo cultivo de castas tradicionais. Durante a era romana, a viticultura já era uma […]

A sub-região das Terras de Sicó, localizada na Beira Atlântico, possui uma rica história vitivinícola que remonta a séculos. Esta área, que inclui partes dos concelhos de Condeixa-a-Nova, Penela, Alvaiázere, Ansião, Pombal e Soure, é conhecida pelas suas vinhas antigas e pelo cultivo de castas tradicionais.
Durante a era romana, a viticultura já era uma atividade próspera na região, em redor de Conímbriga, uma das maiores cidades romanas de Portugal, situada no coração das Terras de Sicó. O cultivo da videira e a produção de vinho sempre estiveram profundamente enraizados na economia familiar destas comunidades. No entanto, ao longo do tempo, as dificuldades económicas e a migração das populações para as cidades levaram ao abandono de muitas vinhas.

A região é marcada por um relevo cheio de encostas e vales. A Serra da Lousã, a leste, contribui para as suas amplitudes térmicas, com altas temperaturas de dia e noites frescas. A Serra de Sicó, embora seja de altitude mais baixa, oferece alguma protecção dos ventos atlânticos e cria diferentes exposições solares. De um modo geral, o clima é menos atlântico e chuvoso nas Terras de Sicó do que na Bairrada. Os solos são essencialmente argilo-calcários com afloramentos de xisto. Estes calcários, formados em antigos ambientes marinhos durante o período Jurássico e Cretácico, quando a Serra de Sicó estava submersa, são ricos em conchas fossilizadas que muitas vezes se encontram nas vinhas.

Paixão pela casta Baga

Terras de Sicó foi delimitada, em 1993, como sub-região da região das Beiras que, na altura, também enquadrava a Beira Alta e a Beira Litoral. Na reorganização institucional do sector, em 2011, passou a fazer parte da IG Beira Atlântico. Nos últimos cinco anos nota-se uma dinâmica nesta sub-região e já existem 15 produtores certificados. É esta a terra de Alberto Almeida, nascido numa pequena aldeia no concelho de Coimbra, onde desde cedo teve contacto com as práticas agrícolas. O seu pai e avô produziam vinho para consumo familiar, e foi nas vinhas que Alberto passou uma boa parte de sua infância, nos anos 70, brincando e participando nas actividades do campo. Naquela época, achava o trabalho na terra muito duro e, assim que pôde, rumou para a cidade em busca de uma vida diferente.
Alberto trabalha na área de saúde mental. É psicodramatista e conduz sessões de terapia em grupo. No entanto, ao aproximar-se dos 30 anos de idade começou a sentir uma nostalgia crescente do campo e da cultura da terra, que “já não era vista apenas na perspectiva de dureza, mas também de magia”. Essa saudade levou-o a juntar-se aos grupos de provas e visitar eventos vínicos, o que lhe ajudou a desenvolver o gosto próprio pelos vinhos elegantes e frescos. Foi neste contexto que descobriu a casta Baga, pela qual se apaixonou.

Em 1997, Alberto decidiu voltar às suas raízes e mudou-se para Podentes, onde descobriu vinhas centenárias que despertaram a sua vontade de reviver o património vinícola da região. Começou por comprar duas parcelas de vinha e agora já tem cinco, de dimensões variadas, de 0,5 até 1 ha. O minifúndio era uma realidade naquele território, e as vinhas suportavam a economia familiar outrora. As castas que tem são as da Bairrada antiga (antes de entrada de castas estrangeiras) e de uma parte do Dão, excluindo a Touriga Nacional. Normalmente estão misturadas, algumas com metade de variedades brancas misturadas com tintas, outras com 90% de castas tintas, onde predomina a Baga. Curiosamente, a Grand Noir está bastante presente nos encepamentos. Presumivelmente “terá sido trazida na altura de construção de caminhos de ferro, há 120-130 anos”, supõe Alberto.

Castas antigas predominam

Como as Terras de Sicó nunca tiveram uma grande expansão comercial, a sub-região ficou imune ao boom de castas estrangeiras, que se sentiu noutras regiões do país. Alberto valoriza muito este facto e, para preservar o seu encepamento histórico, está a fazer a enxertia com o matérial genético das próprias vinhas.
Antigamente, na época da produção familiar, era comum os pisos térreos servirem de adegas. É numa casa destas que, em 2006, começou as primeiras microvinificações. Autodidata e experimentalista, o ainda jovem produtor percebeu que “não é possível fazer vinho sem entender absolutamente nada”. Foi colhendo algum conhecimento técnico através das formações organizadas pela Estação Vitivinícola da Bairrada, para além da muita conversa com os enólogos e produtores. Experimentando diferentes métodos de extracção, tempos de cuba e de estágio, tipos de carvalho (testou, por exemplo o carvalho americano, que não o convenceu), construiu um perfil de vinhos com que se identificou.

Os processos são rudimentares, com improvisos técnicos e investimento limitado. Devido à idade avançada das vinhas não aramadas, a mecanização não é possível e muito trabalho no terreno é feito pelo próprio. A vinificação ocorre em lagar com leveduras indígenas, para o estágio usa barricas de carvalho francês usadas. O seu objetivo “não é criar vinhos excêntricos, mas sim transmitir emoção e desafiar sensações”.

Com pouca pressa e muita paciência, Alberto fez o seu percurso de mais de uma década a experimentar e ensaiar, sem perder de vista o objectivo de lançar um dia o seu próprio vinho certificado. As primeiras colheitas lançadas para o mercado foram um branco e um tinto de 2017 e um espumante de 2018. Agora também tem um branco de curtimenta que chama “À moda antiga”, com 12 dias de fermentação em lagar com películas.
O espumante resulta de uma primeira monda de todas as parcelas. As uvas para o curtimenta são vindimadas uma semana depois nas mesmas parcelas, e um pouco mais tarde colhe uvas para o vinho branco, que tem um contacto pelicular de dois dias em lagar e um estágio posterior em barricas usadas e deposito de cimento.

O projecto tem muito a ver com o seu criador, desde o perfil dos vinhos até à imagem dos rótulos singela, quase naïf, com umas conchas que parece terem saído de um livro para crianças. “Eu brincava com estas conchas na minha infância, na vinha do meu pai. O rótulo é pessoal e tem muito significado para mim. Toda a construção de imagem é pessoal”, explica Alberto.
A produção resume-se a 10 mil garrafas e, este ano, Alberto Almeida estima chegar aos 15 mil. “Não acredito ter condições para crescer pela quantidade de garrafas, o que me obrigava a ir aos limites físicos e de estrutura. Não consigo expandir a adega. Prefiro ir pelo caminho de valorização da marca. Sei que é um jogo de paciência.”
“É demasiado grande para ser um hobby e demasiado pequeno para ser um negócio”, diz o produtor na brincadeira, enquanto procura, não só alcançar os objectivos pessoais, mas também contribuir para colocar a sub-região Terras de Sicó nos mapas vitivinícolas de Portugal, sobretudo no imaginário do consumidor.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

Herdade da Lisboa: Da Vidigueira, com ambição

Herdade da Lisboa

A Herdade da Lisboa pertence à família Cardoso desde 2011. Nesta propriedade produziam-se os vinhos Paço dos Infantes, uns dos clássicos alentejanos nas décadas 80 e 90, feitos, na altura, pela mão de João Portugal Ramos. Com o tempo a propriedade e a marca passaram por uma crise, revertida a partir do momento em que […]

A Herdade da Lisboa pertence à família Cardoso desde 2011. Nesta propriedade produziam-se os vinhos Paço dos Infantes, uns dos clássicos alentejanos nas décadas 80 e 90, feitos, na altura, pela mão de João Portugal Ramos. Com o tempo a propriedade e a marca passaram por uma crise, revertida a partir do momento em que foi adquirida por João Cardoso, empresário com importante percurso em diferentes áreas de actividade, incluindo na vertente agrícola, com destaque para a olivicultura. Fez-se um trabalho extraordinário da recuperação da vinha (mais de 100 ha, com cerca de 15 castas) e do olival e construiu-se, de raiz, uma adega moderna, que se estreou na colheita 2018, com lagares e cubas de inox com controlo de temperatura, cubas de cimento de forma redonda e oval, uma cave climatizada para permitir o estágio de vinhos e espumantes em condições ideais de temperatura e humidade.

Herdade da Lisboa

Os vinhos com a marca Herdade de Lisboa são produzidos com base em uvas das castas que se comportam melhor na vinha em cada ano.

Aliando as características do terroir com o meio de produção, foi criada uma gama premium com três vinhos em 2021 que, para além de feitos com extremo cuidado, permanecem em cave o tempo necessário para mostrar o seu potencial na altura de lançamento. Ficou também definido conceptualmente que, em cada ano, se elege uma casta com o melhor desempenho que dá origem a um vinho varietal de excelência. Assim, em cada ano cria-se uma colecção única que expressa a casta, o ano, o terroir e a casa. O branco e o tinto são vendidos em pack de dois, com o PVP do conjunto de €67,50. Em 2019 as castas escolhidas foram Viognier e Trincadeira e, em 2020, Alvarinho e Cabernet Sauvignon. O rosé surgiu um pouco por feliz acaso, não sendo planeado de início, mas a Touriga Nacional mostrou-se tão bem em 2019, que em 2020 foi repetida a experiência com a Baga. As castas protagonistas da colheita 2021, lançada agora, são Arinto, Alicante Bouschet e Syrah na versão rosé.

O Arinto estagia parcialmente em barricas novas de carvalho francês de 500 litros, onde permanece oito meses. O Alicante Bouschet passa 18 meses em barricas de 500 litros. O rosé também estagia em barrica, mas de 300 litros, novas, durante oito meses. Para todos os vinhos, até para o rosé, não é dispensado o estágio em garrafa, o que confere integridade e a sensação de harmonia na altura do lançamento.

De colheita 2021 resultaram 1100 packs de dois, mais 120 garrafas de 1,5 litro de cada. O rosé é engarrafado apenas em magnum, o que faz todo o sentido, tendo em conta que é lançado com mais de dois anos de estágio.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

Quinta do Ataíde: A nova estrela da Vilariça

Quinta do Ataíde

A Vilariça tem de tudo para nos fazer felizes. Aqui é o vinho, ali o azeite mas também as frutas, os produtos da horta, as amêndoas. Ninguém passa fome e está mesmo autorizado a “embebedar-se” com a paisagem, tranquilizadora e cada vez mais amiga do ambiente, proliferando por aqui as vinhas em modo bio. Para […]

A Vilariça tem de tudo para nos fazer felizes. Aqui é o vinho, ali o azeite mas também as frutas, os produtos da horta, as amêndoas. Ninguém passa fome e está mesmo autorizado a “embebedar-se” com a paisagem, tranquilizadora e cada vez mais amiga do ambiente, proliferando por aqui as vinhas em modo bio.
Para se saber onde fica a Vilariça há várias maneiras. Pode-se, por exemplo, dizer que não é muito longe de Torre de Moncorvo, local mítico de peregrinação gastronómica para os amantes da carne, já que ir à Taberna do Carró é como ir a Fátima: há que ir, dê por onde der! Não come carne? Ali também há bons produtos hortícolas, frutícolas e frutos secos. Ok, então a Vilariça é um vale onde se chega via A4 e IP2, a caminho do Pocinho.

Esta era zona conhecida por ser uma planície em plena zona montanhosa, resultado de uma falha geológica. Tal como acontece com outras zonas muito marcadas por falhas geológicas (como a Alsácia, por exemplo), os solos estão “embrulhados e encavalitados” uns nos outros, originando que, na mesma parcela de vinha, se possam encontrar tipos diferentes e consequente desenvolvimento desigual das cepas, umas a produzir muito bem, ao lado de outras de produção diminuta. Podemos assim falar de micro-terroirs, algo que deixa muitas mentes de winefreaks em estado de excitação máxima.

Negócio a explorar

Nos anos 80 e, sobretudo 90, a Vilariça suscitou muito interesse de vários produtores, que ali reconheceram virtudes para a produção de vinhos Douro. Estávamos na época em que estavam a dar os primeiros passos, o mesmo período que levou várias empresas do vinho do Porto a perceberem que era uma área de negócio por explorar, uma vez que a região do Douro era rica de castas e vinhos que, por falta de benefício (o direito de produzir Porto), tinham um destino incerto. A Vilariça foi também uma das zonas onde a Cockburn’s, que era nos anos 80 um dos gigantes do vinho do Porto, lançou um programa de plantio em larga escala da casta Touriga Nacional. Pode mesmo dizer-se que foi dali que se expandiu, inicialmente para o restante Douro e, depois, para todo o país.

A família Symington adquiriu a Quinta do Ataíde em 2006 e, em 2014, plantou um campo ampelográfico com 53 castas, procurando assim saber o potencial das diferentes variedades face aos novos tempos de alterações climáticas. Aos poucos, algumas das parcelas vizinhas foram sendo adquiridas e incorporadas na Quinta do Ataíde. É também por isso que é difícil a Symington responder à simples pergunta: “quantas quintas têm?” Acontece que no Douro se chama muitas vezes “quinta” a uma parcela, uma vinha, na maior parte das vezes sem casa e/ou adega. Diga-se, como exemplo, que hoje, quando falamos da Quinta do Ataíde, estamos a falar dos 80 ha originais da propriedade, a que depois temos de acrescentar as áreas de vinha das parcelas Assares, Canada, Carrascal e Macieira que perfazem os actuais 112,4 ha de vinha, dos quais 80 em modo biológico. Quanto à pergunta “quantas quintas”, é provável que a resposta ainda se mantenha quando este texto vir a luz do dia, 27, mas onde se contam algumas das parcelas atrás referidas! Quintas de toda a família, algumas da própria empresa e outras que pertencem a membros da família, que entregam as uvas à empresa. Temos vindo a assistir ao crescimento enorme do património da empresa e o consulado de Paul Symington como CEO – entre 2003 e 2018 – foi especialmente prolífico, com a área de vinha a aumentar 482 ha nesse período. Temos, assim, que o “universo” Symington em termos de vinha está como segue: Douro (1,043 ha), Alentejo (41,5 ha), Monção & Melgaço (27,5 ha). A área efectiva de vinha plantada situa-se nos 1,112 hectares.

Uma adega para DOC Douro

Até à construção da adega que iniciou a laboração nesta vindima, a Symington tinha toda a produção dos vinhos DOC Douro na Quinta do Sol. O crescimento da procura dos vinhos Douro obrigou à decisão da construção desta nova adega. Ainda que o Porto continue a ser o responsável pela maior fatia da facturação da empresa, a verdade é que, se em 2009 os vinhos tranquilos apenas representavam 1% da facturação, em 2023 essa percentagem subiu para 14%. E se juntarmos os vinhos Douro com os do Alentejo, o que se verifica é que actualmente se está a produzir 24 vezes mais do que em 2010 e, nos últimos cinco anos, a facturação (Douro e Alentejo) cresceu 50%, situando-se agora nos 13 milhões de euros. No peso global da facturação da Symington, nos anos de declaração clássica de Vintage ou das edições especiais de Porto, podem os valores ter variações significativas, aumentando então o peso do vinho do Porto.
Nesta nova adega são então elaborados os vinhos Quinta do Ataíde e Vinha do Arco (num total de 36.000 garrafas), Quinta do Vesúvio (132.000 garrafas) e Altano Bio. No total falamos de 760.000 garrafas.

No Vesúvio mantêm-se os lagares com pisa a pé para a produção de vinho do Porto. Esses lagares “à antiga”, mandados fazer por Dona Antónia Adelaide Ferreira, são mesmo os únicos que a Symington mantém em funcionamento. E todo o Porto Quinta do Vesúvio é ali feito. Todas as outras quintas que têm vinificação – Cavadinha, Bomfim, Senhora da Ribeira, Malvedos e Quinta do Sol (esta para os Porto “correntes”) usam lagares robóticos. A gama Altano é a que representa maior volume, com 1.754.400 garrafas.
A Touriga Nacional é a rainha da Vilariça, ocupando 38% da área de vinha. Lá longe, em 1995, a Symington teria uns cinco ou seis hectares desta casta. Como nos diz Pedro Correia, enólogo, “eram os tempos em que dominava a Touriga Francesa e a Tinta Barroca nos encepamentos e, mesmo a Alicante Bouschet, que aqui na Vilariça já tem 21 ha, era uma casta que só existia nas vinhas velhas e pouco mais”.

Na visita à adega torna-se óbvio que há uma sensação de orgulho no trabalho feito. Charles Symington, que coordena a equipa de produção, disse, por várias vezes que o que mais lhe agradava era que tudo tinha sido feito “in the house”, como que a dizer “com a prata da casa”.
Ensombrada pela pandemia, com os materiais a falharem, os prazos a estenderem-se e os orçamentos a terem de ser constantemente refeitos, a adega conseguiu estar totalmente operacional para a vindima de 2023, com todas as valências para se poder considerar uma adega modelo pelos princípios da sustentabilidade. Com as placas fotovoltaicas “o edifício produz mais energia do que consome. Só na vindima é que precisamos de comprar”, revela o arquitecto Luis Loureiro, responsável pelo desenho da obra. Também há utilização intensiva da gravidade, sem recurso a bombas e mangueiras; resíduos tratados e águas residuais usadas para rega de jardins; orientação da adega com muitos dos equipamentos de apoio a serem colocados no exterior, junto às paredes viradas a norte; uma rede de fibra de coco onde trepadeiras irão crescer e “tapar” todos os equipamentos; cobertura vegetal da adega e preocupação com todo o arranjo exterior que, “dentro de três anos, mostrará tudo o que tivemos em mente”, como nos confirmou o arquitecto.

Quinta do Ataíde

A produção em bio é muito exigente em procedimentos dentro da adega porque todo o equipamento tem de ser alocado apenas para os vinhos bio, desde as caixas de transporte das uvas até às cubas. Charles está consciente que a produção em bio exige muito mais intervenção na vinha (com prejuízos em termos de pegada de carbono) e estão a equacionar o uso de drones para a pulverização, algo que é tema ainda em desenvolvimento, mas que poderá ser uma excelente opção de futuro. Uma coisa é certa: “visitámos muitas adegas lá fora e não temos qualquer dúvida em dizer que aqui incorporámos todo o know how e todos os detalhes que fomos recolhendo das experiências nas nossas adegas; temos o que de melhor a ciência e a prática aconselham em termos de equipamento e funcionamento da adega”. O sorriso na cara da Charles diz tudo…

Por aqui vindima-se à mão e à máquina e há duas câmaras frigoríficas para recepção das uvas. “Com as que chegaram no dia anterior podemos começar bem cedo a vinificar, enquanto as uvas que vão chegando vão enchendo a outra câmara, já que só serão processadas no dia seguinte”, lembra Pedro Correia. Todo este trabalho continua a ter um quê de experimental: barricas de tanoarias diferentes para estágio, tostas diversas, madeiras de florestas distintas, uso de cimentos que facilitam a micro-oxigenação.

À volta da adega é um mar de vinhas quase todas pertencentes à família Symington. A quinta produz dois vinhos: Quinta do Ataíde, um tinto que resulta de um blend de castas e o Quinta do Ataíde Vinha do Arco, um varietal de Touriga Nacional. Foram alguns dos tintos da Vinha do Arco de provámos, todos eles ainda em comercialização pela empresa. A produção varia entre 12 e 18 000 garrafas. Os próximos a serem colocados no mercado, em 2025, serão os tintos de 2018 e 19, já com nova imagem. Concluída a vindima de 2024, ficámos a saber que tudo correu sobre rodas. Melhor ainda, que há vinhos muito bons. Como diria o actor: what else?

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

São José do Barrilário: Dois vinhos e uma janela aberta para o Douro

São José do Barrilário

A história da Quinta São José do Barrilário começa oficialmente em 1747, quando foi reconhecida como tal. Reza a lenda que, há muitos anos, ainda antes dessa data, um dos trabalhadores da quinta, ao lavar um dos barris, caiu acidentalmente dentro dele e rolou até ao ribeiro. Quando finalmente parou, agradeceu a São José, o […]

A história da Quinta São José do Barrilário começa oficialmente em 1747, quando foi reconhecida como tal. Reza a lenda que, há muitos anos, ainda antes dessa data, um dos trabalhadores da quinta, ao lavar um dos barris, caiu acidentalmente dentro dele e rolou até ao ribeiro. Quando finalmente parou, agradeceu a São José, o santo padroeiro da capela. Assim nasceu a Quinta São José do Barrilário e, em homenagem a esse acontecimento, todo o hotel foi inspirado nos barris de vinho.

Chegados ao Douro Wine Hotel & Spa fomos recebidos pelos administradores Maria do Céu Gonçalves e Álvaro Lopes, que nos proporcionaram uma visita guiada pelo espaço, que conjuga tradição com sofisticação, com um olhar na sustentabilidade. Adquirida pelo Grupo Terras & Terroir em 2017, a quinta, localizada em Armamar foi alvo, de um profundo e dedicado processo de revitalização, reabrindo ao público em agosto de 2024.

O projeto, com assinatura do arquiteto Henrique Gouveia Pinto, envolveu a construção de um hotel de cinco estrelas, o Douro Wine Hotel & Spa, com 31 unidades de alojamento (27 quartos e quatro suites, com áreas entre os 28 e os 50 metros quadrados), infinity pool exterior, Spa panorâmico, restaurante e loja de vinhos, assim como a reconversão da casa, a recuperação da capela dedicada a São José e o lançamento da marca de vinhos São José do Barrilário.

Herança e sustentabilidade

O respeito pela história da Quinta São José do Barrilário é comprovado com a recuperação da casa senhorial, convertida em palco privilegiado para a realização de eventos, e da capela dedicada a São José, verdadeiramente um dos ex-libris da propriedade.
A oferta é diversificada e focada na sustentabilidade, com uma cuidadosa seleção de materiais que refletem a autenticidade, a tradição e a profunda ligação com a região do Douro, enquanto proporcionam conforto e sofisticação aos hóspedes:  “Acreditamos que o Douro ainda tem muito para crescer, que tem potencial para desenvolver a sua proposta de valor. Pretendemos contribuir para essa evolução com uma oferta de qualidade superior, dentro do segmento de luxo, apostando num hotel de cinco estrelas que tem uma vista fantástica sobre o rio Douro, e na revitalização das estruturas já existentes na Quinta, cumprindo a missão do grupo, de valorizar o património de Portugal”, frisa a administração do Grupo Terras & Terroir”.

Apenas a título de exemplo, é possível degustar mel na propriedade, proveniente de 10 colmeias já instaladas que, no futuro, farão parte da oferta diferenciada de serviços disponíveis, pois está prevista a construção de um apiário que poderá ser visitado pelos hóspedes. A breve prazo, o mel colhido será também comercializado pelo grupo Terras & Terroir. O mesmo se passa com o azeite obtido das 400 oliveiras do olival da propriedade ou o pomar em crescimento, ofertas verdadeiramente diferenciadas para quem procura luxo e diversificação na região duriense.

São José do Barrilário
Álvaro Lopes e Maria do Céu Gonçalves, administradores do Grupo Terras & Terroir

Um terroir de eleição

Após a visita à propriedade, foi tempo de provar os novos reserva São José do Barrilário – um branco e um tinto. As garrafas apresentam o logotipo da quinta, inspirado na iconografia da Companhia de Jesus, também conhecida como Ordem dos Jesuítas, exibindo três pregos estilizados que representam os usados na crucificação de Cristo. O rótulo com relevo evidencia igualmente os losangos perpetuados na capela do século XVIII, dedicada a São José, que foi restaurada.

A Quinta São José do Barrilário perfaz um total de 28 hectares, dos quais 15 são de vinha, 11 dos quais com idades compreendidas entre os 25 e os 50 anos, três hectares com cerca de cinco anos e um hectare com cerca de dois anos. Predominância, nas variedades tintas, para a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca e Tinta Barroca nas vinhas mais velhas, e Tinto Cão e Sousão nas vinhas novas. As uvas para o branco, maioritariamente de Gouveio e Viosinho provêm de uma vinha localizada em altitude, em Carrazeda de Ansiães, no Douro Superior.
“O facto de estarmos localizados numa encosta exposta a nascente implica menos sol após o meio-dia, resultando numa maturação equilibrada, sem calor excessivo, produzindo vinhos tintos muito frescos, com boa acidez. Nos brancos, a altitude da vinha localizada no Douro Superior é determinante para a sua frescura”, refere Hugo Fonseca, diretor de Produção do Grupo Terras & Terroir.

Os vinhos – 4500 garrafas de branco e 6600 garrafas de tinto – são produzidos em Lamego, a curta distância, no centro de vinificação da Quinta da Pacheca, com a assinatura da dupla de enólogos da principal unidade do Grupo Terras & Terroir: Maria de Serpa Pimentel e João Silva e Sousa. Será sempre uma produção limitada, focada na qualidade, estando na forja apenas mais um tinto, um Grande Reserva a sair em breve.
Para a dupla de enólogos o objetivo foi criar vinhos “com longevidade em garrafa” e cujo mote é “frescura, frescura, frescura”. Pudemos comprová-lo na prova efetuada e posteriormente à mesa, ao almoço, no restaurante do hotel, com o traço distintivo da carta criada pelo chef Luís Guedes.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

Sogrape: Quinta de Azevedo, Vinhos assentes na história

Quinta de Azevedo

Muito provavelmente, a primeira recordação de qualquer português sobre a história do nosso território, anterior à nacionalidade, está ligada à palavra da antiga professora ou professor da escola primária, hoje denominada primeiro ciclo de escolaridade. Atualmente, os manuais digitais e os quadros multimédia substituíram os livros com magras ilustrações e o quadro negro com letras […]

Muito provavelmente, a primeira recordação de qualquer português sobre a história do nosso território, anterior à nacionalidade, está ligada à palavra da antiga professora ou professor da escola primária, hoje denominada primeiro ciclo de escolaridade. Atualmente, os manuais digitais e os quadros multimédia substituíram os livros com magras ilustrações e o quadro negro com letras gordas desenhadas pela letra irrepreensível da professora. Ainda assim, dependendo do maior ou menor virtuosismo profissional e da atenção dos alunos, há algo que não mudou: a boca semiaberta ou os olhos bem despertos pela surpresa e admiração dos discentes quando ouvem falar pela primeira vez dos tempos do Conde D. Henrique, do Condado Portucalense e da sua descendência. Os edifícios deste período histórico nem sempre são de fácil acesso a todos os alunos de Portugal. Mas o Norte do país continua a apresentar inúmeros pontos de referência dos tempos que ficaram perdidos nos interstícios da história de Portugal. Um magnífico exemplo é a Casa-solar dos Azevedo, datada do século XI, localizada na freguesia de Lama, próximo de Barcelos, que foi utilizada pela primeira vez por D. Guido Viegas de Azevedo, rico-homem do tempo do conde D. Henrique.

A Casa-solar dos Azevedo foi, literalmente, o berço ancestral desta família que governou um vasto território que se estendia desde o além Cávado até Braga e Lanhoso. Desta família despontaram cavaleiros que ajudaram a construir e consolidar o reino de Portugal, depois em África e na Índia. Mais tarde, geraram altos embaixadores que firmaram alianças e tratados nas várias cortes europeias. No século XX, o brilho histórico começou a desvanecer-se e, em 1936, o Solar foi vendido em hasta pública.

De ruína, a quinta imponente

Em 1982, a Sogrape adquiriu o Solar, pela mão de Fernando Guedes. Estava praticamente em ruínas, e compreendia a torre do século XI, reedificada no primeiro quartel do século XVI, o corpo residencial do século XVIII, com a varanda colunada sobre o jardim e o edifício do século XIX.
Durante quatro anos, Fernando Guedes e a sua mulher, auxiliados pelo arquiteto Eduardo Rangel, dirigiram as obras de restauro e decoração do solar utilizando mobiliário e peças do século XVII e XVIII. O esforço e o desvelo aplicados na requalificação do imóvel pela família Guedes foram de tal ordem que este rapidamente se transformou, como referiu Fernando da Cunha Guedes, neto de Fernando Guedes e atual líder da Sogrape, “na menina dos olhos do meu avô que manteve e obrigava a manter em perfeito estado de conservação”.

Foi igualmente realizado um estudo profundo sobre a adaptação das castas aos 23 hectares dos terrenos iniciais da propriedade, tendo-se optado por um primeiro encepamento alicerçado nas castas Loureiro e Arinto que, em 2007, contabilizava 11,7 hectares. Atualmente, e depois de várias replantações, a Quinta de Azevedo tem 24 hectares de vinha, de um total de 34, alicerçada em duas castas: Loureiro e Alvarinho. A primeira ocupa a maior área de plantação, 23 hectares, e a segunda apenas 10 hectares. Existe ainda um campo experimental com cerca de um hectare que congrega, nas palavras do enólogo Diogo Sepúlveda, “um lote de seis castas mais aptas a resistir às alterações climáticas: Arinto e Sauvignon Blanc, entre outras”.

Curiosamente, a aquisição da propriedade, em 1982, e posterior requalificação da Quinta do Azevedo marcou o início de uma longa e famosa lista de compras de inúmeros projetos vínicos nacionais e internacionais. Pouco tempo depois, em 1987, a Sogrape adquiriu, num sonante e muito mediatizado negócio, a empresa A. A. Ferreira, marcando a entrada no setor do vinho do Porto e passou a integrar, no seu portefólio os vinhos, já muito reconhecidos e ambicionados pelos consumidores, da simbólica e histórica Casa Ferreirinha. Em 1995, a Sogrape integrou a Forrester, detentora da marca Offley, reforçando a sua presença no setor do Vinho do Porto e guindando-se a uma das maiores empresas exportadoras do setor. Dois anos depois completa a aquisição da Herdade do Peso, no Alentejo e da Finca Flichman, localizada na Argentina, mais propriamente na região de Mendoza. Com este último passo iniciou-se uma estratégia aquisitiva de cariz verdadeiramente internacional. O novo milénio consolidou a presença da empresa no setor do vinho do Porto e a sua estratégia internacional com a aquisição da marca Sandeman, que incluía vinhos do Porto, Jerez e Brandy. Em 2008 adquiriu a Viña Los Boldos, no Chile e, em 2012, estendeu as operações a Espanha com a aquisição das Bodegas LAN que, para além da operação principal, na região de Rioja, se estendeu às Rías Baixas, Rueda e Ribera del Duero.

Diogo Sepúlveda, líder dos departamentos de enologia de Mateus, Vinhos Verdes, Dão e Lisboa da Sogrape

 

Uma nova imagem e filosofia para os novos vinhos da Quinta de Azevedo

A apresentação dos novos vinhos da Quinta de Azevedo decorreu, como não podia deixar de ser, no piso térreo da torre original do atual solar, onde tínhamos à nossa espera Fernando da Cunha Guedes, diretor executivo da Sogrape. Este apresentou o enólogo Diogo Sepúlveda como alguém que “detém um conhecimento de mais de 15 anos do setor, com percurso profissional que inclui vasta experiência internacional, com projetos desenvolvidos em Portugal e no estrangeiro” e, por isso, assumiu a liderança dos departamentos de enologia de Mateus, Vinhos Verdes, Dão e Lisboa.

Os novos vinhos apresentados representam um reposicionamento para a marca Quinta de Azevedo, dotando-a de maior ambição, e possuem diversas características em comum. Em primeiro lugar, as uvas utilizadas em todas as referências foram produzidas em conformidade com as diretrizes de produção integrada de agricultura sustentável, definidas pela Organização Internacional de Luta Biológica contra Organismos Nocivos. A segunda característica é ostentarem a classificação Regional Minho. “Esta nomenclatura foi muito debatida internamente e acabou por ser a adotada”, referiu Diogo Sepúlveda. Por último, as referências apresentadas revelaram uma nova rotulagem mais cuidada e apelativa para o consumidor.

Começámos a prova pelo Quinta de Azevedo Loureiro Escolha, da colheita de 2022. O enólogo relembrou que “foi um ano com acumulados de precipitação inferiores à média dos últimos três anos e com uma primavera e verão muito quentes”. As uvas foram prensadas suavemente a baixas temperaturas e o vinho estagiou durante seis meses sobre as borras com batonnage frequente. Parte do lote estagiou em barricas usadas de carvalho francês.

Em seguida provou-se o Quinta do Azevedo Escolha Alvarinho, do ano 2023 que, segundo as palavras do enólogo, “foi fruto de um inverno bastante chuvoso, que depois se revelou muito seco, conduzindo a uma vindima muito precoce”. Uma pequena parte do lote estagiou em toneis e barricas usadas de carvalho francês.
Para o final estava reservada a estrela do trio. Trata-se de um vinho de lote composto por 70% de Alvarinho e 30% da casta Loureiro, do ano de 2023. Após a fermentação alcoólica, estagiou durante oito meses em toneis de 1200 litros e barricas de 500 litros de carvalho francês de primeira e segunda utilização. Uma pequena parte do lote estagiou sobre borras em depósito de inox para preservação de toda a frescura. Este verdadeiro topo de gama (€30), até agora inexistente no portefólio Quinta de Azevedo, mostra-se um vinho ainda muito jovem, seco e revela um perfil capaz de compaginar untuosidade e frescura.

Os vinhos agora chegados ao mercado espelham a ambição da Sogrape na região dos Verdes onde, com a marca Gazela, é um “player” de referência nos vinhos de maior volume e pretende claramente sê-lo também nas categorias mais exclusivas. Assim, a vetusta Casa-solar dos Azevedo, agora renovada e vestida de vinhedos, volta a inscrever o seu nome na história, desta vez na narrativa vínica do país e do mundo pela mão da maior empresa nacional do setor.

*Nota: O autor escreve de acorno com o novo acordo ortográfico.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

Grande Prova: Douro Superlativo

Douro

Já não imaginamos o Douro sem os vinhos “de mesa” (não como categoria, mas para os distinguir dos fortificados e espumantes). Longe vão os tempos quando os “vinhos de pasto” ou “vinhos de consumo” serviam apenas para o consumo caseiro ou para providenciar o pessoal de trabalho agrícola. Em 1982 foi reconhecida a Denominação de […]

Já não imaginamos o Douro sem os vinhos “de mesa” (não como categoria, mas para os distinguir dos fortificados e espumantes). Longe vão os tempos quando os “vinhos de pasto” ou “vinhos de consumo” serviam apenas para o consumo caseiro ou para providenciar o pessoal de trabalho agrícola. Em 1982 foi reconhecida a Denominação de Origem Controlada Douro, o que mudou o estatuto destes vinhos e abriu o caminho para a afirmação da região como também produtor de grandes vinhos tintos, primeiro, e brancos, mais tarde. Os primeiros Barca Velha, produzidos antes desta altura eram simplesmente “vinho tinto de mesa”. E havia outros exemplos, muitos dos quais continuam a sua existência, embora não sejam hoje tão conhecidos como na altura, pois milhares de marcas surgiram, entretanto.

As Caves Vale do Rodo (reunião de várias adegas cooperativas) em 1959 lançou um vinho tinto com marca Cabeça de Burro. A Quinta do Côtto nos anos 60 e 70 produzia alguns vinhos monovarietais, o que era verdadeiramente inovador na altura e nos anos 80, os vinhos desta quinta granjearam merecida fama, sobretudo o Quinta do Côtto Grande Escolha, estagiado em madeira nova, também pouco comum naquela época. Nesta prova essa referência mostrou-se em belíssima forma.
Mas tudo isto eram ainda casos esporádicos. O despertar do gigante começou a partir dos anos 90 e na viragem do milénio. Alguns grandes grupos internacionais reconheceram o potencial do Douro, investindo em propriedades durienses. O grupo Roederer adquiriu a Ramos Pinto em 1990 e nesta colheita também foi criado o Duas Quintas. A AXA Millésimes investiu na famosa Quinta do Noval em 1993 e o primeiro DOC Douro foi da colheita de 2004. O Grupo Vranken Pommery Monopole em 1997 comprou a Rozès.

Esta época coincide com uma nova geração de enólogos e produtores, bem formados, talentosos e ambiciosos, como Jorge Moreira, Francisco Olazabal, Jorge Borges, Sandra Tavares da Silva, Manuel Lobo, Francisco Ferreira e Tiago Alves de Sousa entre outros. Surgem projectos da Quinta do Vale Meão, Poeira, Quinta do Vallado, Wine&Soul. As empresas produtoras do Vinho do Porto começam a fazer as suas experiências nos vinhos de mesa, como a Symington Family Estates, fazendo uma parceria com Bruno Prats, formando a Prats&Symington que apresenta o Chryseia 2000, o vinho ambicioso com um polimento típico de escola de Bordeaux. E a partir de colheita de 2007, na Quinta do Vesúvio, adquirida pela Symington Family Estates em 1989, começam a nascer vinhos DOC Douro para além dos vinhos do Porto.

Ao longo dos 25-30 anos de existência dos DOC Douro, os produtores tiveram uma boa dose de aprendizagem, aperfeiçoando as formas de trabalhar a vinha, de vinificar as uvas, no uso de barrica (cada vez com mais parcimónia e em função de casta, da vinha e do ano). Foi uma afinação contínua e hoje os vinhos do Douro têm uma qualidade geral altíssima, os melhores deles impressionam pela sua finesse e carácter, mesmo variando em estilo. Deixando à parte as questões de carácter político e social e, focando, exclusivamente na prova de mais de 40 vinhos, podemos afirmar que são realmente grandes vinhos em qualquer parte do mundo.
Segundo o IVDP, a produção do vinho DOC Douro foi, em 2023, de 72.431.045 litros, quase igual de vinho do Porto, que foi de 72.436.084 litros.

Excelência nas três sub-regiões

Embora as condições edafo-climáticas variem à medida que nos afastamos do litoral e aproximamos da fronteira com Espanha, em todas as três sub-regiões se fazem grandes vinhos.
O Baixo Corgo é a sub-região mais ocidental e próxima do oceano Atlântico, embora não sofra influência directa devido à protecção da Serra do Marão, que bloqueia grande parte dos ventos frios e húmidos. O clima é mais ameno e com maior índice de precipitação em comparação com as outras sub-regiões do Douro. Os vinhos tendem a ter teor alcoólico moderado e maior acidez. Se antigamente ter vinhas nesta sub-região se considerava menos prestigiante, agora, com os efeitos do aquecimento global, é cada vez mais procurada pela sua maior frescura. Temos aqui belíssimos exemplos como o Vallado Vinha da Granja e Vinha da Coroa, Quinta do Côtto e Quinta da Gaivosa, de Alves de Sousa.

O Cima Corgo, situado no centro da região do Douro, ao redor de Pinhão, é mais seco e quente que o Baixo Corgo e com menor precipitação. O clima favorece vinhos complexos e intensos. Saem desta sub-região vinhos incríveis como o Quinta da Manoella VV, Poeira, Quinta do Crasto, Quinta do Noval, Quinta da Romaneira, Quinta de La Rosa e Quinta das Carvalhas da Real Companhia Velha, só para dar alguns exemplos.

O Douro Superior é a sub-região mais próxima da fronteira com a Espanha, sendo a mais distante do Atlântico. Tem o clima mais continental entre as três regiões, com verões muito quentes e secos e invernos rigorosos e secos também. Recebe pouca chuva, e a aridez é um factor distintivo. Produz vinhos muito concentrados, potentes e encorpados, de grande estrutura e às vezes teor alcoólico elevado. A sub-região é responsável por muitos nomes sonantes, como Quinta do Vale Meão, Quinta da Leda (Sogrape), Quinta do Vesúvio (Symington), Quinta da Ervamoira (Ramos Pinto) e Quinta Vale D. Maria (Aveleda).

Vinhas, castas e tendências

De acordo com os dados recentes do IVDP, a vinha na região do Douro ocupa mais de 43.000 ha, com a maior parte na sub-região de Cima Corgo, onde estão plantados mais de 20.000 ha. Cerca de 13.000 ha encontram-se no Baixo Corgo e cerca de 10.000 ha ficam no Douro Superior.
O lote “moderno” duriense baseia-se na tríade de Touriga Nacional, Touriga Francesa (designação mais rigorosa do que Touriga Franca, sendo cada vez mais utilizada pelos produtores) e Tinta Roriz.

Seria difícil de subestimar a importância da Touriga Francesa no Douro, onde é a espinha dorsal dos lotes quer nos vinhos do Porto quer nos vinhos Douro. É por isso que é a casta mais plantada na região, representando 28,1% da área da vinha. Está perfeitamente adaptada à região, tem uma película mais espessa, a folha é mais rugosa, o que permite aguentar melhor o stress hídrico e térmico. Aos vinhos confere dimensão, estrutura e aromas finos, embora menos exuberantes que os da Touriga Nacional. Esta representa 11,6% de área plantada e está em crescimento. Exige algum cuidado na vinha com a exposição solar para evitar que as folhas de base sequem e que fique com aromas sobremaduros. É muito flexível na adega e confere frescura, elegância e também alguma estrutura aos vinhos para além de contribuir com a complexidade aromática. Juntas, estas duas castas fazem uma base consistente de muitos vinhos durienses, incluindo os topos de gama.

A Tinta Roriz, embora esteja muito presente nas plantações, ocupando 15,5% da área, não é consensual e nos vinhos de topo de gama, salvo raras excepções, entra em proporções mais modestas. É muito dependente do terroir, tem taninos bastante agressivos, peca por falta de acidez, é muito produtiva e por isso nem sempre amadurece bem.
A Tinta Barroca, embora represente 6,6% das plantações, está em decréscimo. É utilizada mais para os vinhos do Porto, sobretudo para os Tawny, enquanto que para os vinhos Douro falta-lhe o equilíbrio. É uma casta precoce, rapidamente acumula açúcar e perde acidez e, então, para os vinhos de topo o seu uso é reduzido, a menos que esteja presente nas vinhas velhas, mas ali é outra história.

A Tinto Cão, embora não ultrapasse 1% de plantação, está a ganhar importância pelas suas qualidades enológicas. É o oposto da Tinta Barroca, sendo uma casta muito tardia, de ciclo longo. Preserva bem a acidez, tem tanino notável, produz vinhos com frescura e algum potencial de envelhecimento. Nos lotes contribui com acidez. A par da Tinto Cão, também muitas vezes entra a Sousão para temperar o lote com a frescura.
A Alicante Bouschet também presente nas vinhas velhas no Douro, não tem muita expressão, mas ultimamente tem ganho alguns adeptos. “É precoce no Douro Superior, amadurece bem, tem alguma rusticidade, mas menos do que o Sousão” – define a casta Francisco Ferreira, director de produção da Quinta do Vallado.

Douro

Vinhas Velhas, património e expressão do Douro

Verdadeiramente fascinante no Douro são as vinhas velhas. A Quinta do Crasto foi a primeira a introduzir o conceito Vinhas Velhas no rótulo, nos anos 90, e foi ainda mais longe, produzindo dois vinhos de vinhas centenárias, as famosas Vinha da Ponte e Vinha Maria Teresa (desde a colheita de 1998). Para esta nossa prova veio o Quinta do Crasto Vinha da Ponte, originado de apenas 1,96 hectares de vinha que supera os 100 anos.
Em 2020, o IVDP regulamentou a menção “Vinhas Velhas” no rótulo, considerando as vinhas com mais de 40 anos (idade média das videiras mais velhas da parcela), plantadas com densidade de pelo menos 5.000 cepas por hectare (com tolerância de 30% para falhas – videiras mortas – e excepção das parcelas com armação pré-filoxérica, com menor densidade). Para justificar a menção, o vinhedo tem de apresentar um mínimo de 4 castas, devendo 3 delas representar um mínimo de 25% do total. O rendimento por hectare não pode exceder 50% do máximo fixado anualmente para DOC Douro.

Mas não basta colocar no rótulo “Vinhas Velhas” para que o vinho passe a ter uma qualidade superior. As vinhas velhas não trazem benefício só por serem velhas ou por se tratar de uma mistura de castas. São boas quando estão no local certo, a composição é boa, quem as plantou fez bem o seu trabalho e as vinhas são bem mantidas ao longo do tempo. Por outras palavras, as vinhas velhas são boas se já o eram quando novas.
As vinhas velhas têm algumas características importantes. As raízes são bem desenvolvidas o que permite a planta chegar à água e aos nutrientes vitais para o seu metabolismo e aguentar o stress hídrico com relativo conforto. Os seus troncos grossos acumulam carboidratos, criando assim as reservas energéticas que a planta utiliza durante períodos de maior necessidade como fonte de energia. Outra característica das vinhas velhas é a produção baixa, por vezes apenas 300-500 g por planta, o que permite a videira amadurecer os cachos com muita concentração e equilíbrio (numa vinha nova isto consegue-se com uma monda em verde).

Entretanto as vinhas velhas dão muito trabalho aos produtores. Primeiro, são pouco rentáveis em termos de produção. Segundo, a sua manutenção ao longo do tempo exige decisões estratégicas a serem colocadas em prática. À medida que as vinhas velhas vão envelhecendo, algumas videiras morrem e aí o produtor opta, ou por substituição das videiras mortas (muitas vezes com a mesma casta), ou por deixar como está, assumindo que a produção vai diminuindo ainda mais, mas assim não é desvirtuada a composição e a idade da vinha. “Não quero fazer de uma vinha velha uma vinha nova” – explica Francisco Ferreira. E acrescenta que a retancha (a tal substituição das videiras mortas) também não é fácil nas vinhas velhas porque as raízes das videiras antigas são muito desenvolvidas, ocupam praticamente todo o espaço subterrâneo e o enraizamento de uma videira nova é difícil.

A preparação da vindima numa vinha velha é outra “dor de cabeça”. A heterogeneidade natural dificulta a definição da data de vindima. Muitos enólogos concordam que a avaliação analítica das amostras com 20-30 castas nem sempre reflecte a realidade e tem uma significativa margem de erro. Carlos Agrellos, enólogo da Quinta do Noval e da Quinta da Romaneira, conta que para definir a data de vindima nas vinhas velhas, se foca nas 4-5 castas que são mais populosas. “Tem de se olhar de cima para a vinha e ir provar os bagos nas zonas mais críticas”. Manuel Lobo, responsável pelos vinhos da Quinta do Crasto, concorda que “é preciso uma sensibilidade muito grande para não perder o equilíbrio”. A empresa tem na equipa uma pessoa responsável só para acompanhar as parcelas antigas. A selecção rigorosa no tapete de escolha também faz parte, para retirar as uvas sobremaduras. A vindima das vinhas velhas na Quinta do Crasto é praticamente uma operação cirúrgica em que os próprios directores de enologia e viticultura lideram um pequeno grupo de experientes trabalhadores para colher à mão apenas as uvas que atingiram o nível ideal de maturação.

Entretanto, não basta colher as uvas das vinhas velhas para conseguir fazer grandes vinhos, a sua abordagem enológica também exige uma sensibilidade quanto à extracção e ao uso de barrica. Muitas vezes as vinhas velhas não têm uma estrutura poderosa devido a castas mais delicadas na sua composição e uso de barricas novas, neste caso, pode desvirtuar a personalidade da vinha, marcando demasiado.
Carlos Agrellos conta que fermentam em inox, só com remontagens suaves e na prensagem separam a fracção de prensa e depois avaliam: caso o mosto de gota não tenha estrutura suficiente para ir para à barrica, acrescentam o mosto de prensa. Conhecer a composição das vinhas velhas é fundamental porque vai ter impacto na vinificação. Por exemplo, Francisco Ferreira relata que na Vinha da Coroa entre as 20 castas, a Tinta Roriz corresponde a 50%. Neste caso optam por uma extracção mais cuidada, enquanto no caso da Vinha da Granja, plantada em 1929, esta questão não se põe, porque entre as 32 castas, as maioritárias são Tinta Roriz 19%, Tinta Amarela 19%, Touriga Francesa 18%, Touriga Nacional 8% e Moreto 7%.

Os vinhos a partir das vinhas velhas, quando bem feitos, são absolutamente fascinantes, transmitem uma forte identidade que se reconhece em provas sucessivas colheita após colheita, uma complexidade mais entrelaçada, a lembrar uma pintura de pinceladas muito finas.

Por isto a preservação das grandes vinhas velhas do Douro é quase uma questão de honra. É um património insubstituível. Imaginem o mundo sem os vinhos Maria Teresa, Vinha da Ponte, Vinha da Granja, Vinha da Coroa, Pintas, Quinta da Manoella e outros. O panorama do Douro seria incompleto. E este património merece ser preservado e valorizado.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

 

Caves da Montanha: A arte de bem empreender

Caves da Montanha

As Caves da Montanha são, hoje, o maior produtor da Bairrada e um dos maiores nacionais de espumante, com cerca de 10 milhões de euros de facturação anual. Para Alberto Henriques, o seu proprietário e administrador, só falta agora à sua empresa se tornar numa casa de referência de espumantes na mente dos portugueses. “Seguramente […]

As Caves da Montanha são, hoje, o maior produtor da Bairrada e um dos maiores nacionais de espumante, com cerca de 10 milhões de euros de facturação anual. Para Alberto Henriques, o seu proprietário e administrador, só falta agora à sua empresa se tornar numa casa de referência de espumantes na mente dos portugueses. “Seguramente que só precisamos desse reconhecimento”, afirma, salientando que apenas outra empresa nacional consegue oferecer, ao mercado, uma variedade tão grande de espumantes, com um leque tão abrangente de anos de estágio, algo que levou mais de 20 anos a construir. “E nós fazemos lotes de dezenas de milhar de garrafas com as mesmas características e qualidade, o que é muito mais difícil”, salienta.

É preciso ser bom

As Caves da Montanha foram fundadas em 1943 por Adriano Henriques, empresário de sucesso no sector industrial da cerâmica, que quis ter uma cave de vinho “porque os outros também tinham”, conta Alberto Henriques, 47 anos, proprietário e administrador das Caves da Montanha, sobre o seu bisavô, acrescentando que ele se apercebeu cedo que não era um grande negócio. Revela, também, que quando este faleceu, o seu avô, Adriano Henriques Júnior, era ainda muito novo e “ficou com aquilo que os outros herdeiros não queriam, como parte do capital das Caves da Montanha e uns pinhais para o lado de Lisboa”. Fez a vida e fortuna como investidor no sector imobiliário, mas manteve sempre as Caves da Montanha, à base de suprimentos. Ou seja, todos os anos metia dinheiro na empresa.

Segundo Alberto Henriques, o seu avô dizia, a propósito, que o que era preciso é que o espumante fosse bom e que, se não se vendesse, bebia-se. “Hoje ainda seguimos essa filosofia”, revela, salientando que após o avô ter morrido, em 1993, a sua avó, Teresa Henriques, continuou a injectar dinheiro na empresa todos os anos. No entanto, não deixou de tentar mudar o seu rumo, fosse através da contratação de uma nova equipa de enologia, que passou a ser chefiada por António Selas (que ainda hoje se mantém como consultor) ou mudando os seus administradores.
Pouco após o ano 2000, na altura em que entrou um novo gestor na empresa, Alberto Henriques começou a trabalhar numa consultora norte-americana, após se ter licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa. Mas como sentiu que “não estava a aprender nada”, decidiu começar a trabalhar com o pai na Portax, empresa do sector de componentes de móveis com sede em Oliveira de Frades. “Gostei de trabalhar com ele, porque era fácil e a empresa funcionava bem”, conta, revelando que, a certa altura, começou a trabalhar também nas Caves da Montanha, até que um desentendimento com o gestor da empresa o levou a assumir a sua gestão. Decorria o ano de 2003. “Eu fui criado pela minha avó, e vivia em casa dela, e senti a obrigação de assumir as rédeas das Caves da Montanha”, revela, salientando que foram muitos os problemas que teve de resolver desde o primeiro dia.
“Na primeira semana queriam fechar as caves porque não havia electricidade”, conta como exemplo, referindo também que, “na segunda semana, a responsável da produção foi em peregrinação a Fátima a pé e morreu atropelada” e que parte da equipa da altura “tinha entrado na empresa por cunhas”, ou seja, por diversas influências que não o mérito profissional.

Caves da Montanha

O trabalho de toda a equipa das Caves da Montanha tem sido essencial ao sucesso da empresa

 

Trabalho em equipa

Entretanto foi contratando uma nova equipa para a gestão do dia a dia da empresa, incluindo o actual director de Enologia e de Qualidade, Bruno Seabra, e João Moreira, o gestor de Operações e de Exportação, entre outros, “equipa que se manteve até aos dias de hoje”. E apesar das vicissitudes iniciais, Alberto Henriques foi recuperando a pouco e pouco a sua empresa, que dois anos depois já estava a dar lucros. Mas salienta que nunca esteve só nesse caminho, porque o apoio da avó Teresa foi essencial nos primeiros anos, e o de toda a equipa, “que abdicou, muitas vezes da sua vida pessoal em prol da empresa”, desde o primeiro dia até hoje. “São pessoas que passam cá ao fim de semana para consertar isto e aquilo, a fazer facturas para as encomendas saírem mais cedo ou remuages”, explica.

Algumas pessoas foram-se reformando, depois de trabalharem na empresa a vida toda, que foi fazendo o seu caminho tentando “vender bons produtos a preços competitivos”, e mantendo um controlo de custos “muito apertado”, que contribuiu para a sua saúde financeira actual. “Nós trabalhamos por paixão, e não por dinheiro”, salienta Alberto Henriques, acrescentando que os acionistas não retiram dividendos da empresa. Pessoalmente, andou, no início do seu caminho nas Caves da Montanha, a vender vinhos nos restaurantes de Faro a Monção e apostou também na distribuição.

Ainda se lembra que telefonou 35 vezes para o comprador do Feira Nova, cadeia do Grupo Jerónimo Martins, na altura, até ele o ter atendido, e que teve de esperar bastante tempo que o responsável da Sonae dessa área descesse do quarto de hotel, antes de uma feira do sector, para lhe vender os primeiros vinhos. Foi preciso muito empenho e perseverança, numa “luta dura” com muitas dificuldades. Mas “hoje as coisas são mais fáceis”, revela Alberto Henriques, explicando que a empresa já é conhecida “e oferece produtos que poucos ou nenhum dos concorrentes tem e as portas abrem-se mais facilmente”.
Hoje, para além das suas, as Caves da Montanha fazem as marcas de espumante do Pingo Doce, Lidl, Sonae, Auchan, E-Leclerc, Makro e Minipreço. Desde o início que começaram a sentir o mercado, as tendências dos consumidores, e adaptar os produtos ao tipo de procura. “Essa foi a nossa estratégia, muito apoiada nos nossos clientes”, revela o gestor.

As Caves da Montanha produzem lotes de dezenas de milhar de garrafas com as mesmas características e qualidade

10 milhões de euros

Hoje as Caves da Montanha facturam mais de 10 milhões de euros. Já passaram mais de 20 anos desde que Alberto Henriques assumiu a sua gestão. Das cerca de 150 mil garrafas de espumantes comercializadas na altura em que chegou, passou para as actuais 2,5 milhões, numa empresa que também vende vinhos tranquilos de várias regiões nacionais, para além de licores e destilados, que comercializa em Portugal e na exportação, para países como o Brasil ou Canadá, Japão ou do norte da Europa.
Mas vender espumantes para os mercados externos não tem sido trabalho fácil, segundo o gestor, “porque não temos preços para combater os espumosos e porque também não existe um nome que distinga os nossos de todos os outros, como acontece com as cavas, os prossecos ou o champanhe”. O gestor defende que o espumante produzido em Portugal, pelo método clássico, ou champanhês, deveria ter um nome que o diferenciasse. “É um país pequeno, com quatro produtores com volume e deveria ter um nome diferente para ajudar a promover as exportações”, explica, contando que já houve tentativas nesse sentido, e que até havia concordância entre as casas maiores, mas “os trâmites burocráticos” dificultaram o processo.

Recentemente, as Caves da Montanha lançaram um espumante para comemorar os 80 anos de uma empresa que é, hoje, gerida pela quarta geração da família Henriques, e um vinho de celebração da filha de Alberto Henriques, ainda bebé. O primeiro “é um vinho que também pretende demonstrar que, na empresa, nós somos uma equipa que está bem, entende-se bem e rema toda para o mesmo lado, uma família”. O segundo “é a celebração da chegada da quinta geração da família ligada às Caves da Montanha, que ajudará à sua ligação com o futuro da empresa” diz ainda Alberto Henriques.

À procura do espumante perfeito

Nas Caves da Montanha tudo nasce nas vinhas. “Para fazer espumante é preciso direcioná-las para a sua produção, que é completamente diferente da de vinhos tranquilos”, explica Bruno Seabra, director de Enologia e Qualidade das Caves da Montanha. Na adega, as uvas têm, assim, de chegar com as características certas para serem prensadas de forma a separar o mosto de lágrima, que se destina às gamas mais altas, do de prensa, que vai para o resto das gamas.

Durante a fermentação, Bruno Seabra gosta de provar de dois em dois dias, para verificar como o processo está a decorrer, “porque só conseguimos fazer grandes vinhos se soubermos actuar nos seus processos chave”. Depois são escolhidas as bases para cada tipo de produto: Montanha Real, Cá da Bairrada, etc., seguindo-se a sua colagem, processo feito com o adjuvante do Instituto Enológico de Champanhe, selecionado após um estudo comparativo realizado pelo enólogo, “pela limpidez que origina e rapidez do processo”.

Conforme as suas características, as bases são depois analisadas e o seu processamento é orientado tendo em conta o tempo de estágio previsto para os espumantes que originam. “A acidez é essencial na sua produção, mas os lotes têm de ter também em conta objectivos como a longevidade, volume e complexidade”, explica Bruno Seabra. Os vinhos com mais fruta e frescura dão melhor resultados para a produção de espumantes mais novos, onde isso é importante. Nestes é preciso que a bolha não rebente tão facilmente, “que não seja agressiva e bruta”. Por isso são espumantes onde o licor de expedição leva menos açúcar, que têm uma bolha mais fina também por causa das fermentações serem mais lentas nas caves, onde decorrem a uma temperatura de 16/17ºC.

Durante o estágio, os espumantes vão sendo provados para se perceber qual aa sua evolução. “Começo a fazer isso a partir dos seis meses, para perceber qual o caminho a traçar e decidir o licor de expedição, que é importantíssimo na finalização do espumante, sobretudo para definir a sua identidade, pois temos várias marcas e uma gama alargada, que têm de ter, cada uma, as suas características”, explica Bruno Seabra. “Não basta pôr vinho base, um pouco de sulfuroso e goma”, salienta, acrescentando que “é necessário criar outro tipo de sensações, que só podem ser acrescentadas através do licor de expedição”. Depois, é preciso algum tempo de estágio em garrafa, essencial para que o efeito do licor de expedição se se sinta no espumante, “que só actua realmente dois a quatro meses depois”. Para os mais evoluídos, “quanto mais tempo melhor”, defende o enólogo, garantindo ainda que “as características da fermentação, do estágio sobre borras e do licor de expedição são beneficiados no estágio após o dégorgement”.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)

 

Quinta d’Amares: Um verde com dez séculos…

Quinta D`Amares

Conta a história que as primeiras edificações do lugar de acolhimento e estudos religiosos que abrigaram, durante séculos, os monges beneditinos de Cluny e Cister, surgem em 1090, fundadas pelo nobre Egas Pais de Penagate, um dos mais importantes senhores da época, proprietário de vastas propriedades de Entre Homem e Cávado. Intimamente ligado à reconquista […]

Conta a história que as primeiras edificações do lugar de acolhimento e estudos religiosos que abrigaram, durante séculos, os monges beneditinos de Cluny e Cister, surgem em 1090, fundadas pelo nobre Egas Pais de Penagate, um dos mais importantes senhores da época, proprietário de vastas propriedades de Entre Homem e Cávado.
Intimamente ligado à reconquista cristã, o Mosteiro de Rendufe é uma das principais edificações religiosas do Norte do país, passando por diversas transformações ao longo dos séculos. Até ao século XVI, a pecuária e a agricultura dominavam a paisagem e eram as principais fontes, não apenas da autossustentabilidade dos eclesiásticos, mas, igualmente, um rendimento. De origem francófona, crê-se que ali plantaram extensas manchas de vinha, tornando a propriedade numa das mais vastas e ricas de todo o Norte, alcançando maior dimensão e produtividade que o próprio mosteiro de Tibães.
Após o século XVI, o Mosteiro continua a ser uma das mais relevantes Escolas de Estudos Superiores em Teologia. Contudo, com a introdução do milho na Europa, a cultura da vinha torna-se secundária, diminuindo consideravelmente a sua área, cingindo-se apenas às bordaduras.

Não obstante a construção da nova igreja, dependências conventuais e a Capela do Santíssimo Sacramento, o declínio do Mosteiro começa a ocorrer a partir de 1755. A divisão da imensa propriedade torna-se inevitável num país depauperado após Terramoto de Lisboa e o maremoto que se lhe seguiu, causando a quase total destruição da cidade. O comércio das especiarias já era praticamente inexistente e o ouro que nos chegava do Brasil era escasso. Os grandes comerciantes das cidades do Porto e Lisboa, perante o peso da carga fiscal imposta, radicam-se na Flandres.

Parte do património do mosteiro, seus edifícios e fontanários, são destruídos para aproveitamento da pedra para construção de muros de delimitação e outras edificações. Após a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, parte da propriedade e edificações são alienadas a privados. Um grande incêndio acaba por consumir parte do Mosteiro e, hoje, aquilo que nos é dado a conhecer é apenas um vislumbre da sua dimensão original, mantendo, no entanto, a imponência do seu estilo barroco e rococó.

Quinta D`Amares

Um negócio de família

Albino Pedrosa, pai do atual proprietário, José Pedrosa, sempre esteve ligado ao negócio dos vinhos. Radicado no Porto, fazia da compra e venda a granel, em larga escala, a sua atividade principal, comercializando vários milhões de litros mensalmente, mantendo a atividade em todas as regiões vitivinícolas do país. Na cidade invicta detinha, igualmente, uma destilaria onde destilava 50 mil litros semanalmente, produto que, nos anos 60 e 70 do século passado, era quase exclusivamente escoado para as colónias africanas com quem mantinha relações comerciais privilegiadas.

À época, o comércio de vinhos da região dos Vinhos Verdes fazia-se quase exclusivamente de tintos. Do mesmo modo, no encepamento da região dominavam as castas tintas, com o Vinhão à cabeça, cabendo às uvas brancas uma presença e comercialização bastante discreta.
Em 1986, prevendo um abrandamento do comércio a granel e cumprindo um desejo de possuir um negócio de vinho da base até ao topo, Albino Pedrosa, já com o seu filho José Pedrosa ao lado, inicia a aquisição da Quinta D`Amares, num processo complexo de negociação, uma vez que a propriedade dentro de muros estava, à data, dividida em oito parcelas, de outros tantos proprietários.

Após a primeira parcela, foram adquirindo as restantes, terminando a operação global já no início deste século. A conversão da propriedade, que nos anos 80 estava destinada essencialmente à pecuária, inicia-se logo a partir de 1986, requerendo uma intervenção total, dado o estado de abandono a que estava votada há muitos anos. A vinha era uma miragem do passado, existindo apenas nas bordaduras, preenchendo a cultura de cereal e floresta a quase totalidade da Quinta. Com toda uma vida dedicada ao grande volume, a família Pedrosa percebeu que os mercados exigiam agora qualidade e identidade. Fazer vinhos de quinta era agora o propósito, associando essa nova vertente à potenciação do património constituído pelo Mosteiro e pelo Aqueduto, este do século XVII, sob a tutela e manutenção da Quinta.

O VITIS foi a alavanca essencial para transformar a paisagem de toda a região dos Vinhos Verdes. Nela estão também os 55 hectares que compreendem a totalidade da propriedade entremuros da Quinta D`Amares. O tempo dos tintos havia chegado a um fim anunciado. As castas brancas impuseram-se e, na propriedade, no processo de restruturação, a Loureiro levou a melhor, ocupando, hoje, cerca de 75% de toda a área de vinha, tornando-a, provavelmente, uma das maiores áreas de vinha contínua da casta, que é rainha nesta sub-região do Cávado. A formação em engenharia química de José Pedrosa foi fundamental para a forma como se olhou para a composição dos solos, relevo, sistema de rega e plantação da vinha em cordão simples.

Quinta d'amares

Abundância de água

Não obstante a sub-região do Cávado beneficiar de níveis pluviométricos muito elevados no Inverno, os verões quentes, cujas temperaturas facilmente atingem os 40 graus em Agosto, exigem que a vinha possua um sistema de rega gota a gota. Afortunadamente, o engenho dos monges beneditinos, desde o século XI, salvaguardou a abundância de água, construindo o Mosteiro de Rendufe numa zona muito rica em recursos hídricos, possuindo a atual propriedade seis minas com nascentes, que providenciam toda a água utilizada nas regas, assim como para todas as operações na adega, desde a refrigeração até às limpezas. Erigido no século XVII, o Aqueduto que desemboca no Mosteiro encontra-se hoje perfeitamente funcional e ativo, recolhendo água numa das minas existentes no seu topo, transportando-a para o interior do Mosteiro e vários reservatórios existentes no interior da Quinta.

Rentabilidade e otimização de processos estiveram na base da decisão de criar um projeto de envergadura. Posicionar as vinhas com diversas orientações, permitindo diferentes estágios de maturação, foi fundamental para organizar uma vindima espaçada no tempo. Nos primeiros anos, durava aproximadamente um mês e era realizada por uma centena de pessoas. Hoje, a escassez de mão de obra é transversal a todo o país agrícola, razão pela qual é inevitável o recurso à vindima mecanizada, sobretudo quando há risco de pluviosidade próxima.
A propriedade, atualmente já se estende fora dos muros, prolongando-se em várias outras parcelas externas. Se o Loureiro predomina, constatou-se que o Alvarinho encontra neste terroir condições de exceção para se exprimir, granjeando virtudes próprias, distintas das que lhe são aportadas em Monção e Melgaço. Aposta mais recente tem sido o Arinto, localizado numa parcela mais alta, fresca e ventosa. A sua espumantização pelo método clássico já não é um mero alargamento do portfólio, tornando-se um caso de sucesso comercial entre e fora de portas. Essa perceção leva já a idealizar-se criar referências mais exigentes e ambiciosas de modo a solidificar a Quinta D`Amares também como produtor de espumantes de qualidade evidente.

Nas parcelas externas aos muros, o Vinhão coexiste com o Espadeiro. A influência do Vinhão, à semelhança do que ocorre em toda a região, é cada vez menor, representando uma ínfima parte da produção. Na vindima de 2024, prevê-se apenas a produção de 5000 litros de Vinhão, num universo de um milhão de litros produzidos. Despertos para esta redução drástica de produção de vinhão, também forçada pela diminuição do seu consumo, a Quinta d`Amares procura novas abordagens à casta, experienciando diferentes formas de vinificação, com menos extração, maior leveza que, de algum modo, lhe retire a componente de rusticidade sem lhe mascarar a autenticidade.

Quinta D`Amares
Diogo Schartt, o enólogo residente da empresa, acompanha o dia-a-dia da adega e das vinhas.

Os vinhos de parcela

A equipa de enologia e viticultura mantém-se desde o primeiro dia, estando a enologia entregue ao enólogo consultor António Sousa, tendo o jovem Diogo Schartt como enólogo residente a acompanhar o dia-a-dia da adega e vinhas. É de um triângulo coeso que resultam todas as ações e estratégias da empresa. José Pedrosa, Diogo Schartt e Tiago Ferreira, o diretor comercial, reúnem-se diariamente nos escritórios, debatendo os novos desafios e tendências, baseados nas experiências e viagens de cada um. O surgimento dos Pét-Nat no portefólio da Quinta D`Amares nasce de uma visita do diretor comercial ao Canadá, onde estes espumantes de “método ancestral” alcançaram um sucesso notável, sobretudo nos wine bars e junto de um público mais jovem.

Regressado, e em troca de ideias com a equipa, não houve dúvidas que aquele era um produto digno de se apostar, desde que se elevassem os patamares de qualidade em relação ao que, à data, existia no mercado. O Quinta D`Amares Pét-Nat é hoje uma realidade e peça importante do portefólio constituído por 12 vinhos, já esgotando com as compras feitas, sobretudo, pelo mercado norte-americano.

O curso do tempo, e a realização de mais de uma vintena de vindimas, trouxe, à equipa, um maior conhecimento das características dos solos e dos vários microclimas existentes nos 55 hectares de vinha. Os solos arenosos e graníticos de várias densidades predominam, ainda que com índices de nutrição diferentes, sendo as cotas mais elevadas e inclinadas mais pobres, por contraponto às parcelas mais nutridas, situadas, sobretudo, ao redor do Mosteiro. Aliás, é na cercania de edificado religioso que se situa a mais incomum parcela da Quinta, bastante mais fresca, sobretudo por se encontrar no interior de um corredor de vento de Norte, daí advindo temperaturas bastante mais amenas que nas restantes parcelas da vinha. É desta parcela sui generis que nasce o Quinta D`Amares Claustrum, vinho monovarietal de Loureiro. Ao invés de se definir um perfil jovem, frutado, fácil e para beber jovem, pretendeu conferir-se maior complexidade ao vinho, tornando-o mais exigente em termos de prova, sem a exuberância aromática usual e com potencial sério de guarda.

Quinta D`Amares

 

 

Enoturismo como desígnio

José Pedrosa tem a perfeita consciência que todo o património histórico circundado pelas vinhas é um diamante por lapidar, com um potencial enoturístico de monta. Atualmente, parte do Convento, que corresponde aos antigos aposentos dos monges, foi adjudicada a privados pelo Estado, proprietário do imóvel, para criação de unidade hoteleira de luxo, desejando-se que a sua execução se inicie a breve trecho.

A par disso, irá abrir, já em 2025, o Centro de Provas e Espaço de Eventos, atendendo à necessidade que a região possui de espaços que possam acomodar várias centenas de pessoas, num edifício construído de raiz, com dois pisos. Um edifício sustentável que aproveitará os recursos hídricos em abundância na propriedade para refrigeração dos espaços, com reutilização dessa mesma água para a rega.

O constante crescimento das exportações, com novos mercados a despontarem para além dos clássicos, nomeadamente, o forte crescimento na Suécia e Japão, pressupõe que, a breve trecho, tenha que se aumentar o número de litros produzidos e engarrafados com marca própria. Vinificando um milhão de litros anualmente, correspondendo apenas a metade da uva produzida, possuindo, ainda, a adega, capacidade para uma maior vinificação, prevê-se que o volume de venda de uva a granel diminua em prol do aumento da quantidade vinificada. Sem passivos e com ativos vultuosos, a Quinta D`Amares não se atemoriza com os ventos de uma crise anunciada e olha para o futuro com um sorriso confiante.

Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)