CASA DA RÉSSA: O espelho de Folgosa do Douro

Porquê no Douro? Pela “vinha com aquela beleza, o quadro que nos proporciona”. A justificação é dada por Alexandre Dias, o empresário que, após o regresso a terras lusas, a pouco e pouco, foi investindo na região demarcada mais antiga do mundo, mais concretamente na margem sul do rio que lhe empresta o nome, pois […]
Porquê no Douro? Pela “vinha com aquela beleza, o quadro que nos proporciona”. A justificação é dada por Alexandre Dias, o empresário que, após o regresso a terras lusas, a pouco e pouco, foi investindo na região demarcada mais antiga do mundo, mais concretamente na margem sul do rio que lhe empresta o nome, pois a Casa da Réssa está localizada na Folgosa do Douro, no concelho de Armamar, distrito de Viseu, na sub-região do Baixo Corgo.
É um projeto recente, iniciado em 2019, com a aquisição da Vinha das Lages, de três hectares, um prelúdio de uma história que, agora, reúne “40 hectares de terra, entre olival, mato e 25 hectares de vinha. É casa que abriga todas aquelas parcelas que consegui juntar”. Uma manta de retalhos constituída por mais de 50 parcelas, de diferentes tamanhos e formatos, e pela Quinta da Médica comprada na totalidade.
A admiração pelo trabalho de enologia de Paulo Nunes determinou a escolha por parte de Alexandre Dias para a Casa da Réssa. “Filho deste território do Baixo-Corgo”, nas palavras do empresário, Paulo Nunes sente-se em casa neste projeto vitivinícola, ou não fosse a Vinha das Lages avistada da casa dos pais. “Conheço este emaranhado de vinhas, de parcelas, com vertentes voltadas a nascente, a norte, a nascente e a sul”, descreve, acrescentando a riqueza de um património vinhateiro coassociado com vinhas mais recentes. A localização estende-se entre os 170 e os 700 metros de altitude, com solos de xisto, mais abaixo, e a transição para granito, mas acima na orografia.

A Casa da Réssa é um projeto iniciado em 2019, em Folgosa do Douro. Reúne “40 hectares de terra, entre olival, mato e 25 hectares de vinha. É casa que abriga todas aquelas parcelas que consegui juntar”
Vinhos de parcela
O objetivo deste projeto “é isolar cada vez mais as parcelas, para fazer vinhos de parcela”, declara Paulo Nunes, com o propósito de evidenciar a diversidade do Douro. Com a silhueta paisagística desta região como ponto de partida para a explicação, o enólogo expõe as diferenças evidentes entre as cotas, com o Vale do Douro predominantemente xistoso e sem ventilação, dando origem a mais calor e humidade; e o planalto, denominado Monte Raso, caracterizado pelos solos de granito e as noites frias. Logo, as uvas vindimadas nas cotas mais baixas apresentam uma componente mais quente, de maior extração, enquanto as que são colhidas mais acima resultam em vinhos com uma componente mais fresca e uma acidez mais marcante.
Estas diferenças querem-se vincadas nos vinhos da Casa da Réssa. “Quisemos desconstruir um paradigma que o Douro vive, o qual vem de uma era de globalização, em que houve a necessidade de criar um padrão dos vinhos do Douro. Acho que fazer vinhos do Douro, no meu entender, não é a mesma coisa que fazer vinhos do Porto. Deveria haver duas regiões demarcadas”, defende Paulo Nunes, explicando que a produção de vinhos DOC Douro difere da produção de Vinho do Porto.
Além das vinificações feitas por parcela, o enólogo enaltece o trabalho efetuado na escolha das barricas, no sentido de “reunir o máximo de tanoarias que há, com diferentes queimas, diferentes tostas e diferente grão. Não temos duas barricas iguais da mesma tanoaria”. Este trabalho de precisão deve-se à abertura de Alexandre Dias, para quem o objetivo é “criar vinhos que sejam o espelho da essência daquele território (…) de fruta pura e alma rústica”. Talvez seja este o motivo pelo qual foi eleito o nome Casa da Réssa, “palavra do Douro e do Minho, que significa réstia de sol”.
A seleção de barricas baseia-se em queimas, tostas e grãos diferentes. “Não temos duas barricas iguais da mesma tanoaria”, afirma o enólogo Paulo Nunes
Património duriense
As vinhas antigas da Casa da Réssa são um legado de enorme importância para Paulo Nunes, o qual está nas mãos de João Costa, enólogo responsável pela adega e quem zela por todo o trabalho de campo. Dão corpo a um trio DOC Douro. Para comprovar tamanha dedicação a este legado, a equipa de enologia escolheu uvas “de um conjunto alargado de castas”, segundo Paulo Nunes, como Fernão Pires, Viosinho, Verdelho, Malvasia Fina, Malvasia Rei, colhidas em vinhas velhas localizadas em altitude, para fazer o Casa da Réssa Reserva branco 2022.
Embora a Touriga Nacional, a Touriga Franca e a Tinta Barroca constem na matriz do Casa da Réssa Reserva tinto 2021, este vinho também é feito a partir de uvas colhidas em vinhas velhas. Já o Casa da Réssa Grande Reserva tinto 2021 se traduz num field blend de vinhas velhas localizadas entre os 400 e os 500 metros de altitude. Para reforçar o carácter desta referência vínica, Paulo Nunes incluiu o engaço na equação, porque “dá-me mais camadas, texturas, ângulos, que me agradam particularmente” e submeteu o vinho a estágio apenas em barricas de madeira.
Mas o portefólio da Casa da Réssa não fica por aqui. Há um Porto Vintage 2023 e um Porto Colheita branco 2022. Sobre este último, o enólogo principal destaca o facto de ser “uma oportunidade para chegar a outros mercados”, uma vez que se trata de um tipo de vinho com mais acidez e mais equilíbrio, a somar ao prestígio atribuído ao Vinho do Porto. Ambas as referências são feitas a partir de uvas próprias e a ideia é, de acordo com Paulo Nunes, “trabalhar os vinhos do Porto com indicação de idade”.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2025)
Quinta do Mourão: Caixa das relíquias do Vinho do Porto

O tal mapa do Douro feito pelo Barão data de 1845 e sabe-se que a Quinta do Mourão existe, pelo menos, desde 1843, mas… mais para trás está tudo nubloso e não há como saber a história mais antiga. Foi assim que começou a nossa conversa com Antonina Barbosa, enóloga de formação, que está à […]
O tal mapa do Douro feito pelo Barão data de 1845 e sabe-se que a Quinta do Mourão existe, pelo menos, desde 1843, mas… mais para trás está tudo nubloso e não há como saber a história mais antiga. Foi assim que começou a nossa conversa com Antonina Barbosa, enóloga de formação, que está à frente deste novo desafio, acumulando a enologia com a função de gestora, idêntica à que já tinha nos outros projectos da Falua (regiões do Tejo e Vinhos Verdes). A conversa decorreu no edifício principal da propriedade, integrado num casario que se estende por várias edificações e onde até existe, em ruínas e à espera de melhor sorte, um lagar de azeite. Há oliveiras, há um azeite muito bom (provámos), mas a produção de 1000 a 1200 garrafas de 0,5 l não é ainda assunto. “Temos muito orgulho no nosso azeite e temos condições para crescer”, dizem-nos.
Conta-se que terá sido na casa principal, edifício velho e cheio de história, que Ramalho Ortigão terá escrito “As Farpas”, corria o ano de 1885. Ali mesmo ao lado, fica a adega que concentra todas as operações de vinificação, sobretudo dos vinhos DOC Douro (marca Rio Bom). Por baixo da casa principal está a adega dos vinhos do Porto, onde estagiam os vinhos do Porto tawnies e brancos velhos, em enormes tonéis ali construídos e que dali não saem por não caberem na porta(!). Por analogia com o Fort Knox (EUA), esta adega é apelidada de Porto Knox, tais as relíquias que ali se guardam, entre grossas paredes de xisto e tonéis de madeira exótica, com idades entre os 100 e 200 anos, sensivelmente a mesma da casa principal. Apesar de tamanha antiguidade, um bom nariz poderá conseguir distinguir os aromas próprios e as notas fumadas que cada tonel confere aos vinhos. São trunfos que, cremos, Bento Amaral, ex-chefe da Câmara de provadores do Instituto do Vinho do Douro e Porto (IVDP), e agora consultor da Quinta do Mourão, poderá apreciar. Além de participar nas provas, ajuda na elaboração dos lotes. Para que tudo corra pelo melhor, Antonina Barbosa conta com a enóloga Andreia Alexandre, que já trabalhava, na Quinta de S. José, com João Brito e Cunha.

Diz-se, mas ninguém dá pormenores, que quando há interesse em comprar uma propriedade nesta região, não faltam propostas, “algumas delas até de empresas de maior volume de negócio do que esta; eram telefonemas atrás de telefonemas. Porque é que nos decidimos por esta? É fácil: uma quinta com esta história, este stock de vinhos velhos, sobretudo de brancos muito velhos, foi o que mais nos atraiu. Cremos que ninguém no Douro tem, por exemplo, algo como brancos com 50 e 80 anos nas quantidades que temos”, conta Antonina Barbosa.
O nome Quinta do Mourão, em boa verdade, não corresponde a uma única propriedade, é um chapéu genérico que inclui cinco propriedades, do Baixo ao Cima Corgo. Temos assim, não longe do Mourão, a Quinta de Barrojas, a Quinta da Marialva e a Quinta do Teles, todas localizadas no Baixo Corgo; a Quinta da Poisa, perto de S. Leonardo de Galafura, situa-se no Cima Corgo. Em várias das propriedades há casario, mas nada de vinificação ou envelhecimento; todas as uvas convergem para aqui, quer as que se destinam a DOC Douro, quer as que vão para os vinhos do Porto. Da Galafura e S. Leonardo, a empresa adoptou o nome para os seus vinhos do Porto. Lá, na Quinta da Poisa, reinam as uvas brancas, plantadas a boa altitude, rodeadas por um pequeno povoado romano de interesse arqueológico, delimitado e identificado. Ao todo, nas várias propriedades, falamos de 50 hectares de vinhas, que estiveram, até à entrada da Falua, na posse da família de Miguel Braga. A família chegou mesmo a conseguir a proeza de ter autorização do IVDP para fazer um Porto branco de 90 anos (categoria inexistente), pensado para comemorar das nove décadas da mãe de Miguel Braga. Era então habitual, na época, vender vinhos velhos para outras empresas, mas com os novos proprietários as vendas a granel terminaram.
Segredos? Nem por isso…
A Quinta do Mourão tem a mesma localização de muitas outras do Baixo Corgo – margem sul, exposições variadas, clima amenizado pela proximidade do rio, boas condições térmicas para armazenamento dos vinhos. É sempre bom recordar que foi por aqui que nasceu o Vinho do Porto e que existiam mais casas com vinhos do Porto velhos. Muito provavelmente, a mais-valia da quinta foi ter conseguido preservar os vinhos velhos. Parece óbvio, mas nem sempre é, sobretudo quando as empresas atravessam dificuldades e as famílias não se entendem.
Assim sendo, se andarmos por aqui à procura do “segredo” de toda esta qualidade, vamos ter uma desilusão. É que a produção de Porto segue a mesma metodologia de todas as quintas: pisa das uvas em lagar, passagem para cimento e posterior decisão sobre o destino de cada lote, antes de serem colocados nos cascos velhos (11 tonéis de 12 500 litros) e pipas, também elas já com muita idade. Pela dimensão, percebe-se que os tonéis foram montados dentro da adega e dali não vão sair. As especialidades, os vinhos que se destinam aos 50 e 80 anos, são religiosamente guardados em pequenas pipas e os engarrafamentos são feito a pedido, caso a caso. Não há lançamentos anuais. O ambiente fresco da adega, parcialmente enterrada, algo que comprovámos em setembro último, é uma boa razão para a forma como os vinhos velhos evoluem.
Não há segredos, mas não faltam os bons motivos para atrair visitantes, acima de tudo os que tiverem interesse em provas especiais. A proximidade paredes-meias com o hotel Six Senses, ajuda a que alguns visitantes não hesitem em aceitar a chamada Port Experience, que inclui vinhos até 90 e 100 anos, com um preço de €500 por pessoa. A este “topo” juntam-se depois provas de valores bem mais módicos. Nos vinhos do Porto branco, a gama começa nos 10 anos e nos tawnies (feitos a partir de tintos) há duas marcas abaixo dos €10, sobretudo para exportação e que a empresa não comunica. Também para exportar tem três marcas, nas quais se utilizam uvas próprias e uvas compradas.
Ter por trás o nome já bem implantado – Falua – não é garantia de boa aceitação em mercados novos de exportação. Há que trabalhar, não só nos mercados já seguros (Dinamarca, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos), como também na abertura de novos canais, na China, Canadá, Brasil e Suíça. O Reino Unido é um mercado muito difícil, uma vez que, a par de clubes especialíssimos que privilegiam os vinhos velhos, há depois a “doença inglesa” do good value for money, que obriga empresas a vender ao desbarato. “Não entramos nesse jogo”, diz-nos.
Ao sabor dos tempos e suas modas, a Quinta do Mourão também se lançou em edições especiais, verdadeiros tesouros – Mother Wine –, que são vinhos centenários, vendidos, muito propriamente, a preços de ourivesaria. Por muito que custe ao consumidor, a verdade é que só assim se valoriza o vinho e a região. E em termos de investimentos, a Falua fica por aqui? “Estamos atentos”, foi tudo o que conseguimos ouvir.
Jogar em dois tabuleiros
A entrada da empresa Falua no Douro desenvolveu-se em dois momentos: um – Quinta do Mourão – com uma aposta muito forte no vinho do Porto, sobretudo nos vinhos da categoria tawny, velhos e muito velhos, e nos vinhos do Porto brancos, com os DOC Douro em segundo plano; num segundo momento, na Quinta de S. José, situada no Cima Corgo, à beira-rio, com turismo rural implantado e a funcionar. Aqui a aposta mais forte vai para os DOC Douro e, nos casos dos vinhos do Porto, em LBV e Vintage. Antonina Barbosa separa bem as águas: “são estilos totalmente diferentes, sem qualquer ligação orgânica; em S. José, pode dizer-se que 99% é DOC Douro e 1% Vinho do Porto”. É verdade que há alguma semelhança de castas, em particular a respeito da Touriga Nacional e da Touriga Francesa, mas isso, hoje em dia, é o mais habitual na região. Além do peso daquelas duas castas, na Quinta de S. José ainda existe uma pequena parcela de três hectares, com vinha muito velha; tudo o resto resulta de plantações já deste século. Também tem adega própria. Por isso, os dois projectos estão totalmente separados e, segundo Antonina Barbosa, “foi o vinho que nos interessou, mais do que a casa, a adega ou o enoturismo”. A produção anual, aqui, ronda as 80 000 garrafas/ano.
Na quinta do Mourão, e em anos de produção normal, fazem-se 300 000 quilos de uvas, com um benefício de 200 pipas. O projecto aponta para que a produção de DOC Douro atinja as 50 000 garrafas, sempre num registo entre os €9 e os €15 por garrafa, “nem pensar que vamos entrar na loucura de matar preços”, afirma a enóloga. Para já, não houve qualquer alteração de encepamentos; apenas alguns ajustes em termos de viticultura e reposição de cepas mortas. Há, perto da casa principal, uma folha de Tinta Francisca, muito apreciada pela equipa e ainda à espera de decisão comercial.
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S. Leonardo
Fortificado/ Licoroso - -

Mother Wine of 40 anos
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(Artigo publicado na edição de Novembro de 2025)
SOUSÃO: Entre amores e ódios

Sabemos que tem história antiga e, à falta de melhor prova, acredita-se que tenha nascido no Minho, de parentesco (ainda) incerto. É a casta tinta mais plantada na região, ainda que não fosse dominante nas zonas de Monção e Melgaço. Com referências que remontam ao século XVIII, surge em finais do século XIX já como […]
Sabemos que tem história antiga e, à falta de melhor prova, acredita-se que tenha nascido no Minho, de parentesco (ainda) incerto. É a casta tinta mais plantada na região, ainda que não fosse dominante nas zonas de Monção e Melgaço. Com referências que remontam ao século XVIII, surge em finais do século XIX já como nome actual de Vinhão. No Douro ganhou o nome de Sousão, sinónimo. Ao organizarmos esta prova, resolvemos integrar só vinhos com a indicação de Sousão e, por essa razão, escolhemos apenas um da região dos Vinhos Verdes.
A sua introdução no Douro parece estar relacionada com o abandono da baga de sabugueiro usada durante décadas e décadas, para dar cor aos vinhos. De facto, muitas das mais tradicionais castas do Douro, como Bastardo, Tinta Francisca, Malvasia Preta, Cornifesto, Tinto Cão e Mourisco, entre outras, eram reconhecidamente com pouca cor e a baga de sabugueiro, introduzida nos lagares onde se pisavam as uvas, ajudava a dar cor, uma das características (ainda hoje) procurada nos vinhos que se querem transformar em Vinho do Porto. A Sousão é a rainha da cor, não pela polpa (por isso não é considerada casta tintureira), mas pela extrema intensidade corante da película.
Uma vez chegada ao Douro, a Sousão não deixou créditos por mãos alheias. Faz parte das castas que têm crescido em área, sobretudo desde que se começou a apostar fortemente nos DOC Douro; partilha algum protagonismo com a Alicante Bouschet, uma variedade que, apesar de estar presente nas vinhas velhas, é agora que conhece um alagamento do plantio, gradualmente substituindo a Tinta Barroca e mesmo a Tinta Roriz. Quem usa Sousão reconhece-lhe, além das virtudes corantes, a constância da acidez, que conserva bem mesmo em ambiente de maior calor, factor a ter em conta em tempos de alterações climáticas. “Adoro a casta, sobretudo para fazer um lote de DOC Douro, juntamente com Touriga Nacional e Tinto Cão, que é o meu lote favorito!”. Quem o diz é Luís Soares Duarte, enólogo com largos anos de experiência na região. Reconhece que além da boa acidez, tem um pH baixo, “não é raro encontrar uvas com pH de 3.1 e 14º de álcool provável”. Luís Soares Duarte não esconde que é a componente vegetal que muito o atrai na Sousão, ao lado da “cor mais bonita comparativamente à da Alicante Bouschet”. Para Vintage e LBV, a Sousão pode ser uma excelente arma, pela componente fenólica, embora não seja das mais aromáticas. Mas alerta: “às vezes extrai-se demais e perdem-se algumas das subtilezas que tem, como seja as notas de farmácia e tinta da China”, conclui.
A Sousão é a rainha da cor, não pela polpa vermelha, mas pela extrema intensidade corante da película

Já Álvaro Lopes, chefe de viticultura da Real Companhia Velha, que também usa a casta na Quinta das Carvalhas, apesar de lhe reconhecer as virtudes do factor cor, afirma o seguinte: “porta-se muito mal em vinhas de exposição sul e baixa altitude, caindo facilmente em sobrematuração, o que gera vinhos desequilibrados.” Segundo Álvaro Lopes, para fazer face às alterações climáticas a opção deverá passar por outras castas, como Donzelinho, Tinta Bastardinha (Alfrocheiro) e Tinta Francisca. Se é fundamental num lote de DOC Douro? “Não me parece, até a bairradina casta Baga (que existe dispersa nas vinhas velhas) é preferível à Sousão!”
Diogo Lopes, enólogo, só trabalha a casta no Alentejo, na Herdade Grande. No entanto, reconhece que, com o “novo” clima que temos pela frente, a casta Sousão pode ser um trunfo, não só pela acidez que conserva, como também por aguentar muito bem o impacto da madeira, mesmo nova. “A passagem na madeira ajuda a equilibrar a rusticidade da casta e estou em crer que, ainda que em extensão moderada, se pode apostar na casta aqui no Alentejo. Na Herdade Grande é mesmo o varietal com mais sucesso que temos.”
A casta, não nasceu para ser consensual, antes para provocar acesas discussões. Já não tanto quanto à questão de como deve ser bebido o vinho, se na caneca, se no copo, assunto ultrapassado entre enófilos, mas sim como casta que, cheia de manias e caprichos, pode dar direito a controvérsia. E há lá coisa que se goste mais?
A casta não nasceu para ser consensual, antes para provocar acesas discussões
Mudam-se os tempos
Nas últimas décadas, a Sousão tem conhecido uma significativa alteração de perfil. Se recuarmos até aos anos 80 e 90 do século passado, os Verdes tintos de Vinhão carregavam consigo uma verdadeira chancela “etnográfica”, pois só eram apreciados localmente, onde os consumidores gostavam daquela combinação explosiva que afasta qualquer crítico de vinhos e que inviabiliza o vinho em qualquer concurso: muita cor, excessiva carga vegetal no aroma e, consequente, ausência de fruta, muita acidez, muitos taninos espigados e, frequentemente, baixa graduação alcoólica. Não foi assim de estranhar que tenha ouvido um técnico da Comissão Vitivinícola afirmar: “não comunicamos este vinho nos mercados externos, para além do mercado da saudade.”
Entretanto optou-se por outras práticas vitícolas, os procedimentos em termos de enologia, alterou-se o clima, mudou o gosto do consumidor e, por via disso, os vinhos também mudaram. O desafio agora é, cremos, conseguir que o vinho não perca o seu ADN e, ao mesmo tempo, corresponda ao gosto actual, onde se privilegia um bom equilíbrio entre corpo, acidez e taninos. Baixar intencionalmente a acidez, retirar todos os taninos ou forçar a perda de cor não será seguramente o caminho.
Os vinhos que agora apresentamos têm uma paleta de estilos que permite recuperar o consumidor que andou de costas voltadas ao Sousão/Vinhão. Porém, dá para perceber que se está ainda em fase de “reconhecimento” do terreno: não é por acaso que, à excepção do vinho da Quinta do Vallado, todos os outros são feitos, digamos, em quantidades homeopáticas. Alargam o portefólio e não interferem com a folha Excel…

Em jeito de balanço
Atendendo a que os vinhos apresentam estilos muito variados, é possível agrupá-los pelo perfil apresentado por cada um. Praticamente todos têm uma característica comum: podem ser guardados durante alguns anos. Mas atenção a este tema: os que foram aqui provados dão a ideia (a confirmar em provas futuras) que a longevidade não deverá ultrapassar os cinco ou seis anos, sob pena de se perderem algumas das características mais marcantes da casta.
Feito o balanço, agrupamos os vinhos assim: num perfil mais simples e até, eventualmente, mais consensual – Quinta de Ventozelo e H.O –, com um estilo já um pouco mais evoluído – Quinta dos Aciprestes, Vale da Raposa e Herdade Grande Late Release – e uma versão mais clássica, se tivermos como modelo os Verdes tintos – Quinta de Santa Cristina, Maçanita e Monte Branco; se o nosso gosto apontar para um Sousão, digamos, mais “domesticado”, vamos escolher entre Vallado, Quinta do Côtto, Costa Boal e D. Graça; e se o nosso palato não se incomodar com a presença da madeira e achar que ela envolve a casta e a modela, ficamos com Quinta da Rede e Quinta de São José.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2025)
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Quinta de Ventozelo
Tinto - 2022 -

Vale da Raposa
Tinto - 2021 -

H.O.
Tinto - 2019 -

Costa Boal
Tinto - 2018 -

Vallado
Tinto - 2021 -

Quinta dos Aciprestes
Tinto - 2017 -

Quinta do Côtto
Tinto - 2022 -

Quinta de S. José
Tinto - 2019 -

Quinta de Santa Cristina Cave
Tinto - 2019 -

Quinta da Rede
Tinto - 2023 -

Monte Branco
Tinto - 2021 -

Maçanita Letra A
Tinto - 2022 -

Herdade Grande Late Release
Tinto - 2017 -

D. Graça
Tinto - 2021
TINTOS DO ALENTEJO: A plenitude de uma região

O Alentejo estende-se da fronteira com Espanha até à Costa Vicentina, desce a Serra de São Mamede, em Portalegre, e propaga-se até ao Algarve. A região, amplamente banhada pelo sol, é moderada por influências marítimas no litoral e pela continentalidade no interior, proporcionando amplitudes térmicas diárias. Apresenta a maior diversidade de solos do país – […]
O Alentejo estende-se da fronteira com Espanha até à Costa Vicentina, desce a Serra de São Mamede, em Portalegre, e propaga-se até ao Algarve. A região, amplamente banhada pelo sol, é moderada por influências marítimas no litoral e pela continentalidade no interior, proporcionando amplitudes térmicas diárias. Apresenta a maior diversidade de solos do país – xistosos, graníticos, argilosos e arenosos, sobretudo –, o que se reflete diretamente no perfil dos vinhos. Portanto, é natural que revelem expressões muito diferentes.
Da herança romana à excelência atual
Habituamo-nos a pensar que o Alentejo é uma região vitivinícola recente, porque confundimos o boom de crescimento com a história do próprio território, que já vai longa. O cultivo da vinha remonta à época romana, como comprovam vestígios arqueológicos encontrados na região, entre eles, grainhas de uva nas ruínas de São Cucufate, localizadas junto à Vidigueira, e antigos lagares atribuídos a esse período. As talhas de barro usadas para fermentar e conservar o vinho também são uma herança romana na região.
O Alentejo viveu várias épocas de ouro e crises profundas: a invasão muçulmana; a aposta do Marquês de Pombal no desenvolvimento do Douro; a praga de filoxera; a primeira guerra mundial e a campanha cerealífera do Estado Novo.
Embora já existissem as referências emblemáticas de Mouchão, Tapada do Chaves, Quinta do Carmo ou José de Sousa, o verdadeiro impulso dos vinhos alentejanos deu-se nas duas últimas décadas do século passado, com a demarcação da região em 1988/89. As grandes marcas, que então surgiram, conquistaram o consumidor através dos vinhos redondos e macios, com fruta madura, muita presença e consistência.
Em 1985, nasceu a marca Esporão. A empresa também viria a ser pioneira no enoturismo, abrindo as portas ao público em 1997. A Fundação Eugénio de Almeida lançou, por sua vez, duas marcas representativas do Alentejo: Cartuxa (1986) e Pêra-Manca (1990). Ambas alcançaram grande sucesso em Portugal e no Brasil, e não só mantiveram a fama, como se tornaram clássicas, competindo, hoje, lado a lado, com as novas estrelas em ascensão.
Na década de 90 aconteceram mudanças significativas no estilo de vinhos alentejanos, com a contribuição de dois grandes enólogos: João Portugal Ramos, que iniciou depois o próprio projecto, e o australiano David Baverstock, que assumiu a responsabilidade de enologia no Esporão em 1992. Antigamente, os vinhos alentejanos ou não passavam por madeira, ou estagiavam em vasilhas usadas, normalmente barricas de 500 litros ou tonéis de maior capacidade. Utilizava-se, sobretudo, carvalho português e, por vezes, até castanho. Com estes dois enólogos, introduziu-se o uso de madeira nova e de meias barricas de carvalho francês e americano. Os vinhos tornaram-se mais estruturados e texturados, com notas de especiaria e a doçura subtil da madeira.
Na primeira década de 2000, surgiram, entre muitos outros produtores, a Herdade do Rocim, a Fitapreta e a Herdade da Malhadinha, que actualmente estão bem consolidados e são amplamente reconhecidos.
Habituamo-nos a pensar que o Alentejo é uma região vitivinícola recente, porque confundimos o boom de crescimento com a história do próprio território, que já vai longa
Investimento na terra
As características do Alentejo e o sucesso junto do consumidor motivaram produtores de outras regiões e até empresários estrangeiros a investir neste território vitivinícola. Apenas alguns exemplos: em 2010, o casal suíço Erika e Thomas Meier adquiriu a Herdade da Cardeira, localizada a Norte de Borba; em 2015, o casal brasileiro Alberto Weisser e Gabriela Mascioli comprou a histórica Tapada de Coelheiros, em Arraiolos; empresário alemão Dieter Morszeck investiu na Quinta do Paral, na Vidigueira, onde reabilitou e ampliou a vinha existente, e comprou parcelas com mais de 70 anos, na zona de Vila de Frades; David Baverstock, em parceria com o empresário inglês Howard Bilton, inaugurou a adega Howard’s Folly, em Estremoz.
Nos últimos cinco a oito anos, produtores do Douro, cientes do potencial do Alentejo, começaram a investir na região. Foi o caso da Symington Family Estates que, em 2017, expandiu as operações para o Alentejo, dando início ao projecto da Quinta da Fonte Souto, em Portalegre, com 43 hectares de vinha entre os 490 e 550 metros de altitude. No mesmo ano, a empresária Luísa Amorim, responsável pela duriense Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo e pela Taboadella, no Dão, com o cunho pessoal e familiar, fez renascer a Herdade da Aldeia de Cima, na Serra do Mendro, junto à Vidigueira. Em 2021, António Boal, conhecido pelos vinhos do Douro e de Trás-os-Montes, expandiu a Costa Boal Family Estates para o Alentejo, através da aquisição da Herdade dos Cardeais, perto de Estremoz. Na mesma época, o enólogo duriense Manuel Lobo uniu duas propriedades da família sob a marca Lobo de Vasconcellos Wines.
As sub-regiões do Alentejo: 8 + 1?
A Denominação de Origem Alentejo inclui oito sub-regiões oficialmente reconhecidas: Borba, Évora, Granja-Amareleja, Moura, Portalegre, Redondo, Reguengos e Vidigueira. Contudo, há um território que reúne todas as condições para se tornar a nona sub-região: Beja. Numa área tão vasta e diversa em solos, relevo e clima como o Alentejo, esta possibilidade não é de todo improvável.
Nos arredores de Beja, faz-se vinho há mais de mil anos. Porém, durante o Estado Novo, os agricultores foram obrigados a dedicar-se ao cultivo do trigo, tornando este distrito o principal produtor de cereal do país. Entretanto, à volta de Beja nasceram projectos de referência, com volumes de produção interessantes, consistência na qualidade, notoriedade e forte aposta no enoturismo, contribuindo para o novo dinamismo vitivinícola da zona. Referimo-nos à Herdade da Malhadinha Nova (1998), Santa Vitória (2002), Herdade dos Grous (2004) e Herdade da Mingorra (2004), que já atingiram massa crítica suficientes para justificar a criação de uma nova sub-região DOC no Alentejo.
Segundo os dados mais recentes do IVV, a Alicante Bouschet assumiu a liderança no Alentejo, com 17,6% da área plantada
Alicante Bouschet e Co.
Aquando da demarcação da região, a área de vinha do Alentejo registava 11 510 hectares. Desde então, não parou de crescer, atingindo, em 2014, 26 066 hectares. Não há dúvida de que hoje a Alicante Bouschet define a identidade dos vinhos alentejanos, especialmente quando falamos de topo de gama. A casta, de origem francesa, chegou a Portugal no final do século XIX. Pela sua longa história e méritos comprovados, conquistou a “cidadania” na região, onde tem mais tradição do que no país de origem.
Segundo os dados mais recentes do IVV, a Alicante Bouschet assumiu a liderança no Alentejo, com 17,6% da área plantada, ultrapassando a Aragonez, que ocupa, agora, o segundo lugar, com 17,2% (embora nos cadastros da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, esta variedade ainda surja em primeiro, devido a um método de contagem diferente).
Produz generosamente, ultrapassando, facilmente, 15 toneladas por hectare, obrigando a controlar a produção (através da poda curta e monda em verde) entre as sete e oito toneladas por hectare, no máximo, para preservar a identidade. Amadurece tarde, mas a maturação completa é de extrema importância, porque tem película e polpa rica em compostos fenólicos. Não estando bem madura, exprime rusticidade, taninos duros e notas vegetais. Plantada no sítio certo, com produção controlada e ao atingir o ponto óptimo de maturação, revela a essência mais nobre: concentração, volume de boca, força, elegância e longevidade. A intensidade corante é o cartão de visita, já que se trata de uma casta tintureira (com polpa corada). Contribui com isto tudo no lote e não se intimida a solo. Só nesta prova de 36 vinhos, a Alicante Bouschet marcou presença em 25, dos quais três são monovarietais.
Líder nacional em área plantada, a Aragonez também está omnipresente no Alentejo. Confere grande estrutura tânica, mas peca por falta de acidez, sendo combinado, geralmente, com castas que entreguem outras qualidades ao lote. As parceiras mais frequentes são Trincadeira, Alicante Bouschet, Touriga Nacional e, por vezes, Cabernet Sauvignon.
A Trincadeira ainda ocupa o terceiro lugar em área plantada, mas não goza da popularidade de outrora, estando em franco declínio. É uma casta antiga, referida desde 1711, e uma das mais tradicionais do Alentejo. Gosta de condições quentes e preserva bem a acidez, mas apresenta algumas vulnerabilidades. Os cachos compactos, combinados com uma película fina e frágil, tornam-na susceptível às podridões. Além disso, a película não a protege do calor excessivo, fazendo com que os bagos se desidratem, enquanto chuvas abundantes podem fazer os bagos inchar e rebentar. Paulo Laureano descreve-a com carinho: “É uma casta muito feminina: se fizermos tudo bem, cada pequena coisinha, ela é extraordinária; se nos enganarmos numa coisa insignificante, é um desastre.” A Trincadeira continua a ter um papel importante nos lotes tradicionais do Alentejo, frequentemente em parceria com Aragonez e Alicante Bouschet. Aromaticamente, apresenta notas vegetais, herbáceas e apimentadas, para além da fruta.
A Syrah é a quarta casta mais plantada neste vasto território e continua em expansão. Há 35 anos, praticamente ninguém a conhecia e não constava na lista das castas autorizadas da região. Entrou “incognitamente” nos encepamentos e nos vinhos alentejanos pela Cortes de Cima, em 1991, e logo conquistou a atenção e o entusiasmo. Hoje, é uma das paixões gerais dos produtores e consumidores da região.
Para a Touriga Nacional, o Alentejo não é o habitat de eleição, mas a maturação longa traz vantagens na adaptação ao clima regional. Suporta bem a seca, mantendo os bagos túrgidos. Aromaticamente expressiva, é muito apreciada nos lotes, embora, por vezes, se torne um pouco dominante.
Há outra casta do Norte que conquista cada vez mais adeptos na região: Touriga Franca. De ciclo longo, adaptou-se bem às condições alentejanas: não perde folhas basais durante a seca e apresenta bom desempenho tanto em lotes, como em vinhos monovarietais, nos anos mais favoráveis. Nesta prova, esteve presente um monovarietal de Touriga Franca da Plansel.
A Castelão, casta tipicamente alentejana dos tempos passados, tem vindo a perder, literalmente, terreno, e a Cabernet Sauvignon, que chegou ao Alentejo antes da Syrah, nunca atingiu o mesmo protagonismo, mantendo-se relativamente estável nas plantações. Esperava-se que, por ser tardia, se adaptasse ao calor da região, mas o clima é demasiado quente para a casta. O enólogo e produtor Hamilton Reis explica que a Cabernet Sauvignon passa rapidamente “de carácter vincadamente verde a sobremaduro”. Na primeira situação, “os taninos mostram dureza e amargor” e, na segunda, “ficam flácidos e com doçura”, comprometendo o equilíbrio. Pedro Batista, da Fundação Eugénio de Almeida, acrescenta que a célebre casta francesa no Alentejo não apresenta consistência, produzindo “vinhos extraordinários dois anos em cada dez”.
Mais duas castas francesas procuram, no Alentejo, condições melhores do que as da sua origem: Petit Verdot e Petite Sirah. A primeira é uma variedade de ciclo longo e muito tardia, que precisa de sol para amadurecer os taninos; em Bordeaux, não teria qualquer hipótese para brilhar, mas, na referida região portuguesa, encontrou o clima favorável. A segunda, Petite Sirah, sinónimo da casta francesa Durif, foi criada, no século XIX, por François Durif, a partir do cruzamento de Syrah com Peloursin Noir. Quase desapareceu em França, mas alcançou grande sucesso na Califórnia e está presente em alguns países do Novo Mundo. No Alentejo, já começa a afirmar-se, superando castas como Tinta Caiada, Tinta Miúda e Tinta Grossa. Amadurece relativamente tarde e revela preferência por climas quentes e secos. Com cachos compactos e bagos pequenos de casca espessa, rica em antocianinas, produz vinhos muito concentrados e estruturados.
Entramos agora nas castas de nicho. Algumas já tiveram grande representatividade na região, mas, agora, estão fora de moda. A Moreto é uma casta antiga, presente no Alentejo desde o século XIX. Vigorosa e bastante produtiva, revela melhor o carácter quando provém de vinhas mais velhas ou é implantada em solos pobres, onde o vigor e a produtividade são naturalmente controlados. É rústica e muito resistente ao calor, o que explica a sua presença histórica na região, acima de tudo nas zonas mais quentes. Amadurece lentamente e tarde, sendo uma das últimas a ser vindimada, mas nunca atinge teores de álcool elevados. Aromaticamente, não é muito intensa, apresentando fruta vermelha delicada e tem vocação especial para vinhos de talha, mas raramente entra nos topos de gama.
A Alfrocheiro é uma das variedades mais antigas de Portugal. Progenitora de Moreto, Castelão e muitas outras castas, é uma casta muito produtiva, se não for controlada, delicada e tem capacidade para produzir vinhos entusiasmantes. Normalmente, entra nos lotes e raramente chega aos vinhos topo de gama. Nesta prova, esteve presente em dois vinhos provenientes de vinhas velhas: Vinhas da Ira, da Mingorra, e Os Paulistas Chão dos Eremitas, de António Maçanita.
A Tinta Caiada é originária do Nordeste de Espanha, onde é conhecida como Parraleta. Em 1900, Cincinato da Costa descrevia-a, na obra O Portugal Vinícola, como “uma casta de grande produção e rendimento, cultivada em larga escala no Alentejo e geralmente apreciada por dar muito vinho”. Referia ainda que “acomoda-se a todos os terrenos, não chegando, no entanto, a amadurar bem nos terrenos baixos e húmidos”. A casta terá recebido o nome Tinta Caiada, devido ao “enfarinhado abundante” que reveste os bagos, lembrando uma poeira branca. Actualmente, são poucos os produtores a apostar nesta variedade, destacando-se a Herdade da Cardeira, a Adega Maior e João Portugal Ramos, nos quais assume protagonismo em vinhos monovarietais.
A Tinta Miúda (conhecida por Graciano, em Espanha, tem muito mais expressão, sobretudo no Norte), existe na região de Lisboa, onde tem dificuldade em amadurecer bem, além de que se revela sensível à podridão. No Alentejo, apresenta bons resultados, com maturação tardia e capacidade de preservar acidez natural sem ganhar muito açúcar (a Baga também tem um pouco este papel no Alentejo). É um componente importante de lotes e Luís Duarte, enólogo na Herdade dos Grous, é fã assumido desta casta. Os vinhos Reserva da casa tinham, inicialmente, no lote Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Syrah, mas, a partir de 2007, esta última foi substituída com sucesso por Tinta Miúda. Torre da Palma é outro topo de gama com Tinta Miúda no lote.
Aquando da demarcação da região, a área de vinha do Alentejo registava 11 510 hectares. Desde então, não parou de crescer, atingindo, em 2014, 26 066 hectares
O típico blend do Alentejo
A Alicante Bouschet é, hoje, a espinha dorsal do blend típico do Alentejo, muitas vezes em parceria com outras castas que também conferem estrutura e até complexidade ao vinho, como a Syrah, a Aragonez e a Touriga Nacional. Às vezes, surge Trincadeira e Cabernet Sauvignon, para mostrar outras facetas e, muito raramente, as castas mais delicadas, como Alfrocheiro, Castelão, Tinta Caiada, Tinta Miúda e Moreto, na qualidade de “sal e pimenta”.
Nos vinhos clássicos é possível acompanhar a evolução do perfil da região ao longo do tempo. Os primeiros Cartuxa Reserva, produzidos desde 1987, eram feitos a partir de Trincadeira, Aragonez e Alfrocheiro, e não se repetiam todos os anos, como recorda o enólogo Pedro Batista. No final da década de 1990, início dos anos 2000, a Alicante Bouschet começou a ganhar protagonismo, geralmente acompanhada por Trincadeira ou Aragonez. No Cartuxa Reserva, apresentado nesta prova, a base é Alicante Bouschet e Aragonez, com um toque de Cabernet Sauvignon.
Outro exemplo clássico é o Garrafeira dos Sócios da CARMIM, criado em 1982 como oferta premium exclusiva para os associados da cooperativa. Os primeiros lotes eram elaborados com castas tipicamente alentejanas, como Castelão, Moreto e Tinta Caiada, entre outras. Mais tarde, o destaque passou para Aragonez e Trincadeira, e a Cabernet Sauvignon começou a integrar o lote. Nos vinhos mais recentes, a Alicante Bouschet assume a maior responsabilidade, como nesta edição, em que a casta predomina, com 55% do lote, tendo a Aragonez um papel secundário, com 30%, e a Cabernet Sauvignon a assumir-se como figurante, com 15%.
A grandeza nasce da precisão
É natural que as castas que retratam uma região estejam sujeitas a modas e tendências, mas também à evolução. Podemos recordar, com um toque de nostalgia, os grandes alentejanos de outrora, que as novas gerações provavelmente nem chegarão a conhecer, a menos que os entusiastas, como António Maçanita, que apostam na preservação das vinhas velhas e nas castas ancestrais, se encarreguem de manter viva essa memória e assegurem que a identidade vínica do Alentejo não se dilua na modernidade. Convém também lembrar: o que ontem foi inovador, amanhã torna-se clássico.
As formas de vinificação também evoluem com o tempo e estão sujeitas às mesmas modas e tendências. Se, nos anos 90, se introduziu a barrica nova de carvalho francês e de capacidade mais reduzida, hoje nota-se o regresso a depósitos de maior volume, não necessariamente de carvalho, e o betão está novamente em destaque. Não estamos perante um ciclo fechado, mas sim de uma nova volta de espiral. Afinal, o grande vinho é sempre uma triangulação de casta, sítio e enologia.
O Esporão Private Selection surgiu, em 1987, como Garrafeira de uma selecção de barricas do Esporão Reserva. Na década de 1990, com David Baverstock, então enólogo responsável, foram plantadas as castas Syrah e Alicante Bouschet, com o objectivo de criar um topo de gama “mais forte, firme e estruturado”. Em 2000, apresentaram oficialmente o Esporão Private Selection. Ao longo dos anos, o lote foi composto por Alicante Bouschet, Aragonez e Syrah; em 2016 entrou a Touriga Franca e, na colheita de 2019, incluíram a Touriga Nacional. Mais importante do que as castas, é o facto de representarem o lote de vinhas, sendo, o vinho, pensado na raiz. A abordagem enológica é ajustada a cada casta e parcela. A Aragonez, a Touriga Franca e a Touriga Nacional fermentaram em lagares de mármore com pisa a pé, mas estagiaram em vasilhames distintos: a Aragonez em balseiros de 5000 litros, a Franca em barricas de 500 litros e a Nacional em barricas de 225 litros. A Alicante Bouschet fermentou em cubas de betão e estagiou em barricas novas de 500 litros.
Este é apenas um exemplo de como a precisão na vinha e na vinificação cria um vinho de grande afinação e complexidade. Os vinhos podem ser feitos das mesmas castas, enaltecendo o traço de uma região, mas a diferença está nas pinceladas finas, na interligação de todos os componentes. Enfim, na precisão.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2025)
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Torre de Palma Reserva da Família
Tinto - 2017 -

T Quinta da Terrugem
Tinto - 2015 -

Rocim Crónica #328
Tinto - 2022 -

Reguengos Garrafeira dos Sócios
Tinto - 2021 -

Quinta do Paral
Tinto - 2019 -

Quinta da Fonte Souto Vinha do Souto
Tinto - 2019 -

Mingorra Vinhas da Ira
Tinto - 2018 -

Marias da Malhadinha Vinhas Velhas
Tinto - 2021 -

Howard’s Folly Cristina
Tinto - 2019 -

Herdade do Sobroso Élevage
Tinto - 2023
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Quinta da Viçosa Single Vineyard
Tinto - 2021 -

Quetzal Família
Tinto - 2017 -

Plansel
Tinto - 2023 -

Marmelar
Tinto - 2019 -

Mainova Matremilia
Tinto - 2020 -

Herdade do Peso Parcelas
Tinto - 2020 -

Havendo Tempo
Tinto - 2021 -

Conde d’Ervideira Private Selection
Tinto - 2021 -

Comendador Leonel Cameirinha
Tinto - 2018 -

1808 Field Blend
Tinto - 2017
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Aldeia de Juromenha Signature
Tinto - 2021 -

Abegoaria dos Frades
Tinto - 2022 -

Tapada da Fonte
Tinto - 2023 -

Santos da Casa Fazem Milagres
Tinto - 2021 -

Santa Vitória
Tinto - 2023 -

Herdade Paço do Conde
Tinto - 2018 -

Herdade dos Grous
Tinto - 2023 -

Tapada de Coelheiros
Tinto - 2021 -

Ravasqueira Premium
Tinto - 2014 -

Quinta dos Cardeais
Tinto - 2019
Os retratos da vindima

Na CARMIM, em Reguengos, Tiago Garcia e Rui Veladas confiam na longevidade dos tintos de 2025 + Uvas extremamente sãs, com óptimo estado sanitário. Brancas vindimadas mais cedo, com bela acidez e equilíbrio, resultando em vinhos citrinos, frutados e delicados. Nas uvas tintas, destaque para as castas mais tradicionais, como Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet, […]
Na CARMIM, em Reguengos, Tiago Garcia e Rui Veladas confiam na longevidade dos tintos de 2025
+ Uvas extremamente sãs, com óptimo estado sanitário. Brancas vindimadas mais cedo, com bela acidez e equilíbrio, resultando em vinhos citrinos, frutados e delicados. Nas uvas tintas, destaque para as castas mais tradicionais, como Aragonez, Trincadeira e Alicante Bouschet, com muito boa maturação fenólica, concentração e taninos de qualidade, condições ideais para potenciar o estágio dos vinhos nas barricas.
– As elevadas temperaturas na primeira semana de Agosto e a elevada humidade noturna das semanas seguintes resultaram em maturações menos homogéneas para algumas castas, como a Touriga Nacional e a Touriga Franca, dando origem a alguns vinhos menos equilibrados.

Na Cooperativa Agrícola de Pegões, a experiência e conhecimento de Jaime Quendera são determinantes
+ Muita chuva entre Janeiro e Maio, deixando os solos bem nutridos e permitindo um ciclo vegetativo equilibrado, praticamente até às vindimas. Uvas de excelente qualidade em todos os aspectos enológicos: bom fruto significa bom vinho. Vindima em condições secas, possibilitando colheita faseada, sem stress e sem o risco de podridões ou outros problemas que habitualmente surgem com a chuva nesta fase.
– Menos 25% de uvas face à média dos últimos cinco anos. As chuvas abundantes causaram a ocorrência de míldio nas vinhas menos cuidadas, originando alguma perda da matéria-prima. Este cenário foi agravado pela fraca nascença, inferior ao habitual, e ainda por episódios de escaldão no final de Julho e início de Agosto, coincidentes com a onda de calor que afectou Portugal durante mais de 20 dias.

Em Valle Pradinhos, um ícone de Trás-os-Montes, Rui Cunha faz vinhos desde 1997
+ Início da vindima, a 1 de Setembro, com a Tinta Roriz para rosé, antes da Gewürztraminer, algo inédito em 27 anos! Maior quantidade de uvas brancas que em 2024. Nas castas tintas, bagos mais pequenos (em média menos 10% do peso de 200 bagos quando comparado com 2024), o que originou vinhos tintos com muito boa cor e uma belíssima estrutura.
– Menor produção nas castas tintas, com menos cerca 15% face a 2024. Maior percentagem de uvas-passas, o que obrigou a uma menor velocidade do tapete de escolha, para permitir uma selecção da uva em condições. Número elevado de mão de obra estrangeira, implicando menor velocidade no corte e necessidade de explicação diária sobre o que não vindimar (netas).

Director de enologia do grupo Bacalhôa, Francisco Antunes seguiu a vindima em várias regiões
+ No Douro, a excelente maturação, a qualidade dos taninos, a intensidade aromática e estrutura da Touriga Nacional. Em Setúbal, as maturações faseadas, com bela acidez e concentração, e destaque para Chardonnay, Fernão Pires, Merlot e Cabernet. No Alentejo, brancos exuberantes e frescos, e tintos poderosos de Alicante Bouschet. Na Bairrada, óptimas bases de espumante a partir de 11 de Agosto e tempo seco, que permitiu esperar pela Baga até final de Setembro, para excelentes tintos de guarda.
– Florações complicadas e menor produção no Douro e na Merlot da Bairrada. Vaga de calor, com alguma desidratação em certas castas tintas do Douro e Setúbal, e maturação precoce da Cabernet no Alentejo. Quebra de produção na Moscatel de Setúbal, devido ao escaldão. No Alentejo, forte chuvada com granizo, na primeira semana de Agosto, afectou alguns talhões virados a norte.
A casta Alicante Bouschet é estruturante na Reynolds Wine Growers e nos tintos criados por Nelson Martins
+ Boa maturação fenólica, com bela acidez e teores alcoólicos moderados, originando vinhos elegantes, frescos e de taninos maduros. Nos brancos, destaca-se a fresca exuberância citrina da Arinto. Nos tintos, a elegância da Trincadeira e a fruta e intensidade da Syrah. A chuva de 7 de Setembro e a descida das temperaturas proporcionaram à Alicante Bouschet uma das melhores maturações dos últimos anos, assegurando tintos de notável estrutura e longevidade.
– A vinha registou uma baixa frutificação devido à recuperação da tempestade de granizo ocorrida em 2024. O final de Julho e o início de Agosto, com temperaturas máximas acima dos 40º C e médias acima dos 30º C, prejudicaram o bom enchimento do bago, resultando numa perda de 40% da produção esperada.

David Guimaraens, da Fladgate Partnership, está contente com os vinhos, mas zangado com os responsáveis durienses
+ A qualidade geral dos vinhos do Porto tintos. Considerando as temperaturas altas do verão e a ausência total de chuva a partir de Maio, produziram-se, ainda assim, vinhos fortificados, com uma intensidade de cor tremenda, mas mantendo uma exuberância aromática frutada, que lhes confere bastante elegância e os torna muito atractivos.
– A falência económica dos viticultores durienses de média dimensão, que se dedicam à produção e comercialização de uvas. A incompetência colectiva do sector, desde as associações de comerciantes e produtores aos órgãos governativos do Douro. A conivência, que beneficia alguns e permite que a mesma videira possa, enganosamente, manifestar duas Denominações de Origem na mesma colheita.
Na Quinta das Bágeiras, Frederico e Mário Sérgio Nuno estão seguros de que 2025 será ano memorável de tintos
+ Apesar de estar abaixo de um ano médio, a produção foi significativamente superior a 2024. Vindima sem chuva, com maturação plena, originando uvas sãs, equilibradas e de excelente qualidade. As condições climatéricas proporcionaram às uvas tintas, e em especial à Baga, um desempenho extraordinário. Tudo indica que será uma das melhores colheitas de tintos da última década.
– Ano desafiante no controlo do míldio, devido às chuvas persistentes até final de Maio. Pouca chuva e temperaturas muito elevadas em Julho e Agosto, conduzindo a vindima precoce nas castas brancas. Algumas castas brancas com acidez menor do que o habitual na região, ainda que a consistência de outras castas tenha equilibrado os lotes.
Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva fizeram da Wine & Soul uma referência no Douro
+ Excelente maturação fenólica, após o arrefecimento das noites a partir da segunda semana de Setembro. Maturações suaves, vinhos extremamente frescos e com excelente equilíbrio. Vinhas velhas em perfeita harmonia, mostrando a sua resiliência e aptidão para superarem anos desafiantes. Vinhos muito surpreendentes, vibrantes, com frescura e elegância.
– Primavera com elevada precipitação e grande pressão fúngica, o que levou a uma ligeira quebra de produção, principalmente associada ao míldio. Quebra de produção acentuada pelas três vagas de calor em Junho, Julho e Agosto. Em Agosto, tivemos 10 dias consecutivos acima dos 40º C, o que, no caso das vinhas mais novas, foi muito impactante em termos de produção.
As vinhas velhas da serra de São Mamede são um tesouro para Tiago Correia e Diogo Vieira, da Altas Quintas
+ Disponibilidade hídrica nos solos, com as chuvas da Primavera e início do Verão. Apesar do calor de Julho e Agosto, não houve escaldão acentuado. Início da vindima a meio de Agosto, com uvas brancas de excelente equilíbrio ácido. Alicante Bouschet mais precoce que o habitual, com excelente maturação fenólica e frescura impressionante. Castelão obteve maturação fenólica com teores de álcool perto dos 12%.
– O Verão começou mais tarde, no entanto com temperaturas médias mais altas e amplitudes diárias menores. Algumas castas tintas tiveram dificuldade na maturação, apenas desbloqueada após as chuvas que ocorreram no início de Setembro.

A vindima sem chuva deu a Paulo Nunes as condições ideais para tomar decisões atempadas
+ 2025 foi um dos raros anos em que o clima de Setembro e Outubro permitiu a decisão de vindima não condicionada pelas chuvas típicas do equinócio, especialmente gravosas em regiões como a Bairrada e o Dão. O tempo seco em Setembro e Outubro possibilitou sanidade inequívoca da uva e vindima orientada pela qualidade polifenólica. Excelente equilíbrio entre acidez e açúcares, esperando-se grandes vinhos.
– Chuvas intensas até Abril provocaram quebras de produção significativas, com problemas na floração que levaram a vingamento menos positivo. O calor intenso de Julho e Agosto provocou algum stress hídrico, especialmente em vinhas mais novas e de exposição solar mais intensa. Alguma atipicidade no ciclo natural de maturação, levando o local a ser mais importante do que a casta na decisão de vindima.

Na Quinta da Gaivosa, Domingos e Tiago Alves de Sousa fazem balanço muito positivo
+ Reservas de água acumuladas fizeram face ao calor estival, com o calendário vitícola a recuperar consideravelmente. Uma das vindimas mais serenas de sempre, sem qualquer condicionamento, aguardando o momento de cada vinha. DOC Douro equilibrados, frescos, sólidos, com imensa qualidade e longevidade. Breve pico de calor na segunda quinzena de Setembro, que trouxe a concentração e intensidade para os vinhos do Porto.
– Nascença em contra-ciclo face à bem mais abundante colheita anterior, quebra acentuada por primavera extremamente chuvosa, com impacto na floração, elevada pressão fitossanitária e algum atraso nas etapas iniciais do ciclo vegetativo. A quantidade ressentiu-se, com produção 17% abaixo da média dos últimos 5 anos e 29% abaixo de 2024.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2025)
RIBEIRO SANTO: Um quarto de século para celebrar

Carlos Lucas, natural de Coimbra, enólogo e produtor vitivinícola, tem motivos para comemorar. A Ribeiro Santo completa 25 anos e o filho, Diogo Lucas, com a mesma idade, integra, desde este ano, a equipa desta casa pertencente à região vitivinícola do Dão. Mas o nosso anfitrião volta um pouco atrás no tempo, para explicar a […]
Carlos Lucas, natural de Coimbra, enólogo e produtor vitivinícola, tem motivos para comemorar. A Ribeiro Santo completa 25 anos e o filho, Diogo Lucas, com a mesma idade, integra, desde este ano, a equipa desta casa pertencente à região vitivinícola do Dão. Mas o nosso anfitrião volta um pouco atrás no tempo, para explicar a origem da designação que abrange as sub-marcas da empresa, mais concretamente a 1995, ano da compra da propriedade da casa da família, a Quinta do Ribeiro Santo, situada em Oliveira do Conde, no concelho de Carregal do Sal. De acordo com as palavras do proprietário, o nome advém do copioso ribeiro, que nunca seca.
Esta quinta mantém o núcleo vinhateiro de Carlos Lucas, enquanto produtor de vinho, que, além da vinha ali existente, preparou a terra para, em 1997, plantar mais videiras, com base no rigor apreendido na juventude, em França. “A primeira colheita foi, portanto, em 2000”, da qual o enólogo detém uma dezena de garrafas de vinho feito a partir da casta Encruzado. A vinha totaliza, atualmente, dez hectares.
No próximo ano vão passar a ter 70 hectares de vinha. Graças à compra de 10 Hectares, em Tábua, onde vão plantar apenas a casta Encruzado.
Sobre a identidade da Ribeiro Santo, já naquela época, matéria sensível aos olhos do produtor, revela que foi criada pela empresa inglesa Amphora Design. “O primeiro rótulo da primeira colheita foi feito por esta empresa de design, hoje famosíssima no mundo”, enfatiza. Quanto ao lançamento da referência vínica, feita a partir da casta-rainha do Dão, Carlos Lucas optou por fazê-lo na The Wine Society, espaço de venda de vinhos a retalho mais antigo do Reino Unido. “Ainda hoje é nosso cliente”, acrescenta.
As colheitas sucederam-se e contribuíram para o crescimento do portefólio da Ribeiro Santo. Numa primeira fase, os tintos registam maior número de garrafas, sobre os quais Carlos Lucas destaca as colheitas de 2003 e 2005. “Mas também temos brancos e, nessa altura, só tinha Encruzado”, avança.
Novo capítulo
O ano de 2011 simbolizou o começo de uma nova era da Ribeiro Santo, com a fundação da Magnum Wines. Para além da revitalização do nome Ribeiro Santo, Carlos Lucas reforçou a aposta no portefólio da casa e materializou, em 2014, a construção de uma adega na Quinta do Ribeiro Santo. Em 2018, comprou a Quinta de Santa Maria. A propriedade, de dez hectares, situada em Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, próximo do rio Dão, mantém a vinha plantada, em finais dos anos 90 do século XX, pelo próprio, a qual ocupa cinco hectares.
“Em 2020, 2021, a Ribeiro Santo passou a ser uma das mais importantes da região vitivinícola e de seis hectares crescemos para 60 hectares de vinha.” De dois funcionários passou para 40 e a pequena empresa tornou-se uma média empresa. “É assim que a queremos manter, porque eu não quero ser o maior produtor de vinhos do Dão”, enfatiza o empresário, que se define como “profissional desta área a tempo inteiro”, trabalhando de corpo e alma para a Ribeiro Santo, desde 2019. “No próximo ano, passaremos a ter 70 hectares de vinha, porque compramos dez hectares, em Tábua, só para plantar Encruzado”, informa.
Entretanto, Carlos Lucas adquiriu uma propriedade com 40 hectares de vinha, em Oliveirinha, concelho de Carregal do Sal, próximo do rio Mondego, na confluência entre a IC 12 com a EN 234, a dois passos do caminho de ferro da Beira Alta e a cerca de 300 metros do apeadeiro, uma mais-valia para os clientes do futuro restaurante instalado na casa original. Segundo o empresário, o foco estará na cozinha tradicional, com o bacalhau e o cabrito a receberem o devido protagonismo.
Além deste espaço de restauração, este imóvel irá acolher a sede da empresa, uma loja de vinhos e tapas, com esplanada na varanda, e terá um túnel subterrâneo de acesso à nova unidade de vinificação do projeto Ribeiro Santo. De arquitetura contemporânea e desenhada em prol da eficiência energética, foi construída de raiz este ano e acaba de ser estreada nesta vindima. A referida passagem subterrânea vai facilitar a visita à sala de barricas e a dinamização da sala de provas da adega dividida, ainda, por um extenso espaço reservado às cubas e ao armazém, cuja capacidade dará resposta à produção anual de vinho da empresa. Sem esquecer os vinhos de nicho. “São muitas referências e todas elas com muito tempo de guarda”, revela Carlos Lucas.
É nesta fase que entra Diogo Lucas. Embora faça parte da equipa, o empresário esclarece que a empresa não é de cariz familiar. “Estes 25 anos traduzem a minha filosofia de vida e de trabalho, que é fazer bem feito. Desde o dia em que nasceu, o objetivo da Ribeiro Santo é ser distinta, não se massificar e não se banalizar.” Neste contexto, enaltece a importância da parte social da empresa, dando como exemplo o almoço confecionado diariamente para todos, sem descurar a qualidade de vida em Carregal do Sal.
Tudo pela região
A carreira profissional de Carlos Lucas está intrinsecamente ligada à região do Dão. Começou como enólogo na Adega Cooperativa de Nelas, em 1991. “Fazia oito milhões de litros” e foi “o primeiro enólogo a tempo inteiro numa adega cooperativa do Dão”, declara. No ano seguinte, implementou uma reforma marcante nesta instituição constituída por associados: decidiu disponibilizar um dos tegões só para a Touriga Nacional, no sentido de valorizar a casta, um tegão só para brancos e um outro para as restantes castas tintas, “onde entrava 80% das uvas”.
Encetou a visita aos produtores, que evidenciou a valorização das castas tintas em detrimento das brancas. “Ainda tenho garrafas de tintos da Adega Cooperativa [de Nelas], vinhos com trinta e pouco anos e que fazem as delícias de quem os bebe. O Dão é o que me corre nas veias”, sublinha o empresário, que faz uma leitura mais positiva a respeito deste território vitivinícola, outrora “muito massificado”, mas que, “agora, voltou a encontrar-se”, graças a “muito bons produtores, porque “uma região não se faz com um produtor. Uma região faz-se com um conjunto de produtores que regula uma qualidade média-alta. Neste momento, o Dão tem muita regularidade na qualidade do seu vinho”.
A mesma opinião é partilhada por Diogo Lucas, que assume a gestão da Magnum Wines, bem como a responsabilidade dos departamentos comercial e de comunicação dentro da empresa, sendo o elo entre a equipa de produção e os mercados: “O Dão é único em Portugal e até fora do contexto português. Muitas vezes, tendemos a classificar os territórios pela distância do Atlântico, em que os vinhos das zonas costeiras são mais frescos, com menos álcool e mais acidez, e os mais distantes são de clima continental, mais intensos. Mas, se pensarmos no Dão, o Dão é uma região que foge à norma nesse aspeto, porque tem a proteção das serras”, como a da Estrela, do Açor, Caramulo, Buçaco, de Leomil, da Lapa, de Montemuro… Para o mais recente elemento desta casa, formam uma proteção, que “acaba por mitigar o efeito do Atlântico e o efeito continental vindo de Espanha”.
Por exemplo, em Cabanas de Viriato, a Quinta de Santa Maria, inserida num planalto, com uma altitude média a rondar os 500 metros, beneficia de boa exposição solar e ventilação constante, fatores determinantes para um ciclo vegetativo positivo. “Os solos são graníticos, brancos, rochosos e pouco férteis, com presença frequente de afloramentos de quartzo, resultantes de filões quartzíticos que cruzam a zona”. A textura é rígida e “a drenagem é excelente”. Tudo junto, favorece “a produção de uvas com alta concentração fenólica e boa acidez, ainda que com baixos rendimentos”, continua. Face a este cenário, Diogo Lucas adianta que as castas tintas são as mais indicadas nesta zona. “A exposição solar e o ciclo de maturação permitem boa evolução fenólica, sem comprometer a frescura nem o equilíbrio dos vinhos.”
Nas localidades de Oliveira do Conde e Oliveirinha, onde as altitudes oscilam entre os 500 e os 650 metros, as vinhas estão plantadas, muitas vezes, em zonas “com exposições a norte, que ajudam a moderar a intensidade solar”. A amplitude térmica é mais reduzida quando comparada a Cabanas de Viriato, “a pluviosidade ronda os 700 milímetros anuais e a humidade relativa é elevada nos meses frios, embora com boa circulação de ar, o que evita excesso de pressão de doenças”, condições que contribuem para o equilíbrio entre acidez e maturação. Já os solos “são graníticos de textura franco-arenosa, com alguma profundidade e presença moderada de matéria orgânica (…). Apresentam boa drenagem, mas também alguma capacidade de retenção de água, uma mais-valia em anos mais secos. A composição revela baixos níveis de potássio disponível, o que ajuda a manter a acidez das uvas brancas”. Como tal, é, de acordo com Diogo Lucas, uma “zona especialmente indicada para castas brancas, como o Encruzado, que aqui expressa frescura, mineralidade e boa estrutura”.
Em suma, estão reunidas as condições para o enrelvamento natural e a supressão de herbicidas em qualquer uma das vinhas de Carlos Lucas.
A plenitude da casta-rainha
Dos vários anos dedicados ao Dão, Carlos Lucas dedicou-se a fazer um trabalho de seleção das castas, no sentido de conferir mais-valias na produção vínica do território. A variedade de uva Encruzado é representativa da identidade do Dão e eleita como protagonista no universo da Ribeiro Santo. “O meu pai também teve um trabalho importante nesta seleção, com a seleção e a divulgação da Encruzado em vinho extreme”, realça Diogo Lucas.
“Parte da minha vida enológica e da minha equipa tem sido dedicada a fazer cada vez melhores vinhos brancos, em que o Dão nunca apostou muito, porque os outros produtores dedicaram-se sempre muito aos tintos”, revela o empresário à Grandes Escolhas. A crescente aposta neste tipo de vinho reflete-se no aumento de área destinada à casta-rainha deste território vitivinícola por parte do nosso anfitrião, ou seja, Carlos Lucas reúne 17 hectares de vinha reservados à Encruzado, a qual vai passar para 27 hectares em 2026. Aliás, “metade das nossas referências são vinhos brancos”, reforça.
“Gostamos mesmo muito de vinhos brancos e de Encruzado. Vou ao restaurante e 90% dos vinhos que bebo são brancos. Para mim, a Encruzado podia ser um Premier Cru. Faço pelo Encruzado, pelo que a casta me dá. Aprendi a gostar de brancos, assim como aprendi a gostar de tintos”, expõe Carlos Lucas. Para Diogo Lucas, esta variedade de uva branca é de extrema importância no Dão. A afirmação é feita com base numa prova cega de vinhos feitos a partir de “castas históricas do Dão”. Esta missão foi realizada, há pouco tempo, no Centro de Estudos de Nelas. “Facilmente, toda a gente concordou que o vinho com maior equilíbrio, o mais prazenteiro, era, sem sombra de dúvidas, o Encruzado. É a única casta do Dão que, consistentemente, apresenta resultados de vinhos de qualidade superior. Depois também tem a ver com o lado vitícola, pois é uma casta muito resistente ao calor.”
Embora não considerem que seja ainda um problema no âmbito da Ribeiro Santo, as alterações climáticas vão ser um desafio, daí que o caminho seja apostar nas castas mais resistentes ao calor, “e o Encruzado tem essa particularidade”, remata.

Quem é Diogo Lucas
Confessa que, desde cedo, iniciou as tarefas associadas ao trabalho vitivinícola e à produção de vinho. Tendo em conta a época em que a Ribeiro Santo se consolidou ainda mais no mundo do vinho, Diogo Lucas revela que desde jovem procurou ajudar, conjugando a escola com o tempo livre, para se dedicar ao negócio do pai. No currículo, a experiência vitivinícola é muito ampla, vai do engarrafamento à rotulagem, passando pela poda e pela vindima, pela carta de trator e manuseio da empilhadora, e pelo trabalho dedicado às barricas. “As novas tinham uma risca vermelha e o meu filho lixava-as, para ficarem bonitinhas. Comprei duas ou três lixadeiras, mas tu estragaste tudo [risos]”, conta Carlos Lucas, com orgulho.
Sem descurar a importância da vinha, o gestor da empresa denota preferência pela adega, como o momento de decisão mais interessante deste universo, desde a receção da uva, “que cria expectativa” à feitura do vinho. Mas, “tentei ‘fugir’, porque não tinha a certeza se seria esta a minha vocação”. Galgou a fronteira de Portugal, para estudar uma área que nada tinha a ver com enologia, mas “não estar, em setembro, nas vindimas, fez-me uma confusão enorme”. Paralelamente, incrementou o gosto pelas provas de vinhos. “Em casa bebemos vinho de várias regiões do mundo e cultivamos muito a vontade de conhecer coisas novas.”
Nos tempos da pandemia, trabalhou, em Londres, com Lance Foyster, Master of Wine, que importa vinhos. “Foi quando percebi que queria trabalhar na área dos vinhos, enquanto produtor e, neste momento, aliado ao meu pai. Regressei de Londres com outra visão. Investi mais nos estudos.” Fez o mestrado em Gestão, na Nova SBE, em Lisboa, e, agora, dedica-se à gestão da empresa. “Gerir uma empresa é fundamental, principalmente hoje em dia, com o mercado incerto e muito dinâmico”, justifica, dizendo que está de volta a 100% à Ribeiro Santo. “Está a ser uma oportunidade de muita aprendizagem – o meu pai é o meu grande mentor – e há um investimento muito grande na futura geração. Aliás, também estou a ajudar a empresa a viver uma nova etapa”, remata.
Equipa jovem
“Faço parte de uma geração que ajudou a mudar o setor do vinho em Portugal, a qual começou um pouco antes, com João Portugal Ramos, no Alentejo. Depois, apareceram o Anselmo Mendes e o Paulo Laureano, bem como o Jorge Moreira…”, assevera Carlos Lucas, que expressa felicidade de cada vez que prova colheitas com 30 anos. “Dediquei-me, de alma e coração, ao sector do vinho. Sempre fui enólogo, nunca fiz outra coisa na vida.” Afinal, esta não era de todo uma área que estava associada à atividade da família e o melhor retorno que tem é ouvir os comentários positivos da parte dos filhos. “Na altura, não sabia se era assim tão bom, porque não havia bitola, não tive um mestre. Fui responsável por milhões de garrafas desta região e por muitas outras de outras regiões do país”, conta. E do mundo, com Montpellier, no sul de França, Piemonte, no norte de Itália, ou Priorat, na Catalunha.
Sobre o percurso profissional, que soma 34 vindimas, Carlos Lucas revela o gosto de trabalhar em equipa. “Ao contrário de muitos enólogos, que não se lhes conhece gente à volta, nunca quis trabalhar sozinho. Formei muitos jovens. Um deles é o Tiago Macena”, enólogo candidato a Master of Wine. “Esse legado, essa riqueza eu procuro passar para os jovens”, frisa Carlos Lucas, que também se assume como criativo e “essa parte criativa é o que eu quero e estou a transmitir a esta juventude”, diz, referindo-se não apenas a Diogo Lucas, mas também ao enólogo Bernardo Santos, natural de Leiria e que, desde há sete anos, trabalha com Carlos Lucas, e a Natacha Barreto, engenheira química nascida em Aveiro, responsável pela vertente da investigação relacionada com os vinhos e que, no âmbito do protocolo estabelecido entre a empresa e a instituição de ensino, faz a ponte com a Universidade de Aveiro. Sem esquecer o enólogo bairradino Carlos Rodrigues, um dos grandes alicerces da casa, e “que trabalha comigo desde sempre”. Porém, todo o trabalho na adega é assegurado pelos mais novos. “Não poderia ter escolhido melhor professor”, remata Diogo Lucas.
A prova de uma vida
Uma viagem pela história da marca Ribeiro Santo contada em vinhos. Foi isso que foi proposto a Carlos Lucas, um desafio que o produtor abraçou com entusiasmo, quase como a prova de uma vida. As garrafas vieram da sua coleção e foram abertas no momento, com todos os riscos inerentes, pois a grande maioria destes vinhos não era provada há muitos anos, ninguém sabia em que estado se encontravam. Misturámos brancos e tintos, conceitos, perfis e segmentos de preço, indo dos entrada de gama aos mais raros e ambiciosos. A viagem teve o seu início, como deve ser, pelo princípio, com um vinho de 2000, Encruzado, por sinal. E terminou com alguns vinhos já engarrafados e que só irão para o mercado daqui a alguns anos.
Enquanto as garrafas desfilavam, percebemos os vários estádios do projecto Ribeiro Santo: a busca da afirmação inicial, com vinhos vigorosos e concentrados, a barrica bem presente; a procura de novos caminhos, com referências como E.T. e Envelope; e a busca da perfeição, do rigor, com alterações de perfil nas referências mais clássicas. São 25 anos de vinhos que nos mostram muito de um projecto, de uma marca, de uma pessoa. Vamos lá, então.
Ribeiro Santo Encruzado branco 2000. Era um vinho de gama média, sem madeira (“não havia dinheiro…”), dourado na cor, amendoado no nariz, seco e austero, com perfeita acidez a segurá-lo; muito citrino e limonado. Ainda um belo vinho, com bastante alma, a entregar muito prazer (18 pontos). Ribeiro Santo Escolha branco 2007. A marca viria a dar origem, mais tarde, ao Vinha da Neve. Encruzado, com 5% de Cerceal, agora já com barrica. Sente-se a madeira fumada, num registo, muito avelanado, expressando o estilo da época. Excelente acidez, firme, salino, largo, vibrante (18). Ribeiro Santo Escolha branco 2009. A barrica está bem mais moderada do que no 2007 (já não eram novas…), num registo perfumado, floral, muito elegante, fino. Tem excelente textura e cremosidade, de final citrino, vibrante, seco, longo (18,5). Ribeiro Santo branco 2010. É o entrada de gama dos brancos, custava então 2,50 euros. Mais evoluído que os anteriores, com notas de folha de chá, mas ainda vivo, graças à boa acidez; muito interessante como branco com idade (17).
Ribeiro Santo Vinha da Neve 2014. Já da era moderna da casa, com uma nova adega. Os topos passaram a barricas de 500 litros. Jovem ainda na cor e no aroma, com fruto delicado, especiaria, barrica perfeitamente integrada. Textura cremosa, num perfil bem encorpado, mas com acidez fina e incisiva, de final citrino, vibrante, longo (18,5). Envelope branco 2016. Um branco definidor, em vários sentidos. A nova marca, posicionada acima do Vinha da Neve, pressupunha classe e singularidade, através de vinificações diferentes, nomeadamente o trabalho com borras de decantação guardadas do ano anterior. A cor é incrível, parece ter três anos e não nove. Fantástico nariz, austero, com imensa pederneira, casca de laranja e limão, erva do campo, flores silvestres. Boca finíssima (a barrica não se sente) fresca, elegante, cremosa; um branco fantástico (19).
Ribeiro Santo Grande Escolha branco 2019. A diferença para o Vinha da Neve é que este pretende ser um “Garrafeira do Dão”, com muito tempo de barrica (incluindo carvalho americano, ao estilo Rioja) e garrafa. Encruzado, com 5% de Cerceal, tem imensa especiaria proveniente da barrica, mas esta não se sobrepõe, deixando surgir a fruta citrina, num vinho profundo e rico, com notas de manteiga cortadas por toque salino (18,5). Ribeiro Santo Encruzado Dourado branco 2020. O primeiro desta referência, um Encruzado com curtimenta completa. Tem menos cor do que seria de esperar de um curtimenta, imenso brilho no aroma, pederneira, casca de uva, citrinos de limão e toranja. Seco, sério, com amargos de casca e algum tanino, enorme garra, um branco incisivo, tremendo, com muito para crescer na garrafa (19).
Ribeiro Santo Grande Escolha branco 2023. Muito menos barrica (e menos textura…) do que o 2019, reflectindo o ar do tempo, e sem carvalho americano. Elegante, muito citrino, sério e afinado, um belo vinho branco, com alma do Dão, mas muito jovem ainda (está em estágio), precisa de tempo para crescer (18). Ribeiro Santo Encruzado branco 2024. O Encruzado “de entrada” (são 85 mil garrafas!) é um vinho muito bonito, com uma certa austeridade típica da casta, citrino, boa fruta de laranja e lima, um toque fumado de madeira quanto baste, tudo no sítio, uma verdadeira referência nesta categoria (17).
Ribeiro Santo tinto 2003. O vinho mais simples da marca. Mais de duas décadas depois, mostra o passar do tempo, com evolução notória no aroma, mas ainda com alma na boca, com taninos suaves, acidez equilibrada, mato e caruma (16). Ribeiro Santo Escolha 2005. Na época ainda não tinha madeira, o que terá, talvez, contribuído para a excelente cor que mostra, ainda com fruta no aroma e tanino bem presente na boca. Muito curioso, num perfil pouco comum para aqueles anos, com bastante garra, bela acidez, vibrante, sólido, longo; grande surpresa (18). Ribeiro Santo Grande Escolha 2008. Mais ambicioso, mas bem mais cansado do que o 2005, com evolução notória, toque amargo na boca, muito seco de taninos, em queda. Outra garrafa poderá estar diferente (15,5).
Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2009. O primeiro Vinha da Neve. Grande nariz, exótico, flores silvestres, fruto negro, menta. Muita estrutura e densidade, bastante extração, representando bem a época; um tinto que se mastiga (18). Ribeiro Santo Grande Escolha tinto 2011. Um ano marcante para Carlos Lucas, com a criação da Magnum Wines. Um tinto “ao estilo de Rioja clássico”, com muita barrica e garrafa. Escuro ainda na cor, imenso no nariz, profundo e rico, fumados e especiaria. Notável textura de boca, num perfil carnudo, mas com bastante frescura, fantástica acidez a equilibrar tudo. Tremendamente jovem, para crescer em garrafa. Claramente, um vinho de afirmação pessoal (19,5). Ribeiro Santo tinto 2012. Na altura, custava 2,50 euros, mas vê-se que era bem mais ambicioso do que isso (a marca precisava de ganhar notoriedade). Muito limpo, ainda com fruto, amora, groselha, muito boa textura, sumarento, com nota de cacau amargo, grande surpresa (17).
Ribeiro Santo E.T. tinto 2013. O primeiro E.T., feito de Touriga e Encruzado, foi um vinho disruptivo, a marcar o início dos produtos diferenciadores na casa. Algo aberto de cor, está contido de aroma, muito elegante, muito delicado, num registo sofisticado, polido, ainda cheio de fruto, com imensa frescura e persistência (18,5). Ribeiro Santo Carlos Lucas/Carlos Rodrigues tinto 2015. Um vinho de reconhecimento ao trabalho “na sombra” de Carlos Rodrigues, está cheio de cor, com aromas complexos de fruto maduro, terra, húmus, cogumelos. Muita textura, muito corpo e densidade, mas muita frescura também, sólido, profundo, vibrante, sério, imensa garra e tensão. Muito jovem ainda, grande vinho (19).
Ribeiro Santo Touriga Nacional tinto 2017. Muito boa cor, madeira em primeiro plano, a fruta madura mais escondida, um curioso lado mentolado. Na boca, sente-se mais o lado de fruta madura, num perfil extraído e concentrado, mas com boa acidez a dar equilíbrio. Firme e seguro, um “Tourigão” (17,5). Ribeiro Santo Envelope tinto 2018. Os tintos Envelope começam a fermentar com engaço e, a meio da fermentação, saem das massas, acabando em barrica. Algo aberto de cor, muito elegante e frutado, framboesa e bagos silvestres, alguns fumados e especiarias. Tem volume e cremosidade, associada a tanino muito fino e discreto. Notável frescura de boca, sofisticado, longo, distinto. Imenso sabor, mas com leveza. (19).
Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2019. Ainda se pode encontrar em algumas lojas. Bem escuro na cor, como é típico da marca, barrica e fruta de grande qualidade no aroma, imensa garra na boca, potente sem ser bruto, texturado e concentrado, mas ao mesmo tempo muito elegante, preciso, com um lado quase citrino que lhe confere imensa frescura e persistência. Um grande vinho, jovem ainda, a pedir tempo (19).
Ribeiro Santo Grande Escolha tinto 2020. Barrica, tosta, fumo, especiaria, muita riqueza de aroma e sabor, intenso, profundo, sempre com a acidez a equilibrar tudo. Largo, denso, opulento, rico, para durar (18). Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2021. Menos barrica do que o 2019, mais evidência de fruta, groselha e framboesa, bagas vermelhas, um leve floral, mais elegante e menos potente do que o habitual. Apimentado, muito harmonioso, com tudo no sítio, muita especiaria, precisa de esperar uns anos (18,5). Ribeiro Santo Reserva tinto 2022. Custa entre sete e oito euros e mostra-se bem sumarento, com tostados de madeira bem integrados, taninos polidos, bastante equilibrado, saboroso, largo, muito bem feito (16,5).
Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2023. Ainda em estágio, há ano e meio em garrafa. Mais Touriga do que o habitual, consuma a viragem iniciada com o 2019, para um estilo mais elegante, mais fino, mais fruta e menos barrica. Excelente fruta silvestre, imensa precisão, notável textura, discreta barrica, mas de superior categoria, mato e caruma, perfeita definição. Um tinto belíssimo que o tempo dirá onde vai chegar (19).
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)
QUINTA DA ROMANEIRA: Vinhos de origem

A Quinta da Romaneira é uma das maiores do Douro, com nada menos que 412 hectares de área, estendendo-se por três quilómetros de frente de rio. A propriedade atingiu esta dimensão através da sucessiva compra de quintas vizinhas, a partir dos anos 40 do século XX. No entanto, foi apenas desde a sua aquisição, em […]
A Quinta da Romaneira é uma das maiores do Douro, com nada menos que 412 hectares de área, estendendo-se por três quilómetros de frente de rio. A propriedade atingiu esta dimensão através da sucessiva compra de quintas vizinhas, a partir dos anos 40 do século XX. No entanto, foi apenas desde a sua aquisição, em 2004, por um grupo de investidores liderados por Christian Seely, que este património vinhateiro entrou na sua “idade moderna”. Mas o grande momento de viragem viria a ocorrer em 2012, quando o empresário brasileiro André Esteves assumiu a maioria do capital, dando, a Christian Seely e ao enólogo Carlos Agrellos, as ferramentas necessárias para tirar o máximo partido do gigantesco potencial da propriedade.
Essa viragem implicou, entre outros, vários investimentos na viticultura, com destaque para a crescente atenção aos vinhos brancos, aproveitando as zonas mais altas da Quinta da Romaneira. Nos 86 hectares de vinha, a componente de branco tem vindo a aumentar, frequentemente à custa dos tintos, com várias replantações orientadas por Adelino Teixeira, o viticultor da Romaneira. A mais recente implicou o arranque de 6,5 hectares videiras tintas, plantadas junto ao rio, para serem substituídas por novas vinhas de castas brancas em altitude. Assim, a área de branco totaliza, hoje, 12,5 hectares, com exposições várias, de Nordeste e Sul-Poente, em patamares e vinha ao alto.
No que a brancos respeita, a vinha Pulga (outrora uma quinta autónoma com o mesmo nome) é a mais relevante. As uvas do Pulga Branco provêm de diferentes parcelas situadas entre os 200 e 550 metros de altitude, com exposições predominantes de Poente e Nascente-Sul, permitindo uma diversidade que favorece o equilíbrio e a complexidade do lote final. As vinhas estão implantadas em solos de matriz xistosa, típicos do Douro, com presença de áreas de franco-argiloso, que contribuem para a retenção hídrica e o equilíbrio nutricional das plantas. A casta mais representativa é a Boal do Douro (a Semillon francesa, bastante precoce no clima duriense, exigindo ser colhida cedo), seguida de Rabigato, Viosinho e Gouveio, em videiras plantadas entre 1997 e 2006, com operações de reenxertia entre 2011 e 2021, assegurando, deste modo, a continuidade do potencial produtivo e qualitativo. Segundo Carlos Agrellos, “as altitudes elevadas e as exposições a Poente potenciam a frescura e a acidez natural, enquanto as parcelas a cotas mais baixas e orientadas a Nascente-Sul proporcionam maturação equilibrada e expressão aromática.”
O Quinta da Romaneira Pulga começou a ser ensaiado em 2019 e 2020, mas a colheita de 2021 foi a primeira a chegar ao mercado. Na apresentação do 2024, tive ocasião de provar os anteriores, e a evolução em garrafa destes vinhos, 100% fermentados em barrica, é surpreendente, crescendo bastante com o tempo. Assim, o 2021 (50% Boal, 33% Viosinho, 17% Rabigato) revela leve evolução, mostrando-se gordo e cremoso, mas com imensa frescura e um final longo e salino (18 pontos); já o 2022 (80% Boal, 10% Viosinho, 10% Rabigato), apesar do ano quente, revela um sabor crocante, tenso, muito jovem ainda, com bastante classe (18); com lote muito semelhante ao 2022, o 2023 tem, curiosamente, mais evolução e menos frescura, mas, ainda assim, bastante equilibrado, amplo, convidativo (17,5).
A linha de brancos da Romaneira inicia-se agora no Dona Clara (substitui o anterior varietal de Gouveio e inclui mais castas), seguindo-se o Reserva, terminando, no topo com o Pulga. Carlos Agrellos diz-me que o objectivo é crescer na qualidade do Reserva, diminuindo a quantidade produzida, de forma a posicioná-lo num lugar central do portefólio, mais longe do Dona Clara e mais próximo do Pulga. Um trio de respeito, sem qualquer dúvida.
E os tintos
No entanto, a Quinta da Romaneira é, sobretudo, tintos, numa paleta de castas onde se destaca a Touriga Nacional e que inclui Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinto Cão, Syrah e Petit Verdot. E também aqui quase tudo (tirando o vinho entrada de gama Sino da Romaneira e os Dona Clara e Reserva) está “arrumado” por castas e parcelas. O Touriga Francesa vem da Carrapata, o Tinto Cão da Liceiras, o Petit Verdot do Mirante, por exemplo. Já o Syrah divide-se em duas referências, de tão distintas são as vinhas onde tem origem: Apontador e Malhadal. E a Touriga Nacional vem de três parcelas muito específicas, justificando o nome Três Parcelas. Carlos Agrellos sugeriu uma vertical de Apontador e Três Parcelas, proposta, naturalmente, irrecusável. Antes, algumas notas sobre estes vinhos e a sua origem.
A primeira vinha de Syrah foi plantada em 2005. A casta aguenta bem o calor, mas precisa de muito acompanhamento na maturação. Refere o enólogo que “tem quatro dias para vindimar. Depois disso, vira compota”. É por isso colhida, quase sempre, em final de Agosto ou início de Setembro. O Apontador tinto resulta de duas parcelas localizadas entre os 210 e 340 metros, com exposição Nascente-Sul, favorecendo, nas palavras de Carlos Agrellos, “uma maturação solar directa e consistente, ideal para vinhos tintos de estrutura e concentração.” As vinhas de Syrah foram plantadas em 2005 e o enólogo faz questão de realçar o porta-enxerto (1103P) “resistente e adaptado a condições de seca” e o clone (470), “conhecido pelo seu baixo rendimento e elevado potencial qualitativo. Estas condições resultam em uvas de excelente concentração fenólica, taninos maduros e perfil aromático complexo”, descreve Carlos Agrellos.
Provadas três colheitas, o vinho revelou grande homogeneidade, com o 2019 a evidenciar o lado carnudo da casta, com bela textura, polido e envolvente, rico, afirmativo, saboroso e longo (18); no 2020, sente-se o ano seco e quente, mas, ainda assim, está bem equilibrado, com taninos maduros, apesar de ser menos vibrante no final (17,5); grande nariz tem o 2021, cheio de fruta, com imensa alma, frescura, tanino e leves amargos a dar garra ao final impositivo e apimentado (18,5).
O Três Parcelas é um 100% Touriga Nacional, proveniente, como o nome indica, de três parcelas específicas da Romaneira: Tomba Chapéus, Apontador e Mina. Estas estão localizadas em diferentes altitudes e exposições solares. “As altitudes variam entre as cotas médias e elevadas, proporcionando frescura e elegância, enquanto as diferentes orientações solares permitem uma maturação completa dos compostos fenólicos”, explica Carlos Agrellos.
Aqui pude provar quatro colheitas, a começar pelo 2017, um tinto de excelente aroma, profundo e fino, com apontamentos florais elegantes, menta e especiaria, um vinho requintado, complexo e fresco ao mesmo tempo, e com muito para crescer na garrafa (18,5); no 2018, sente-se um ano fresco, vibrante, com a casta bem evidente, num estilo mais leve, elegante, sofisticado, perfumado e floral, um lado Touriga pouco comum no Douro (18,5); o 2019 foi o primeiro a levar a identificação Três Parcelas e mostra-se um vinho profundo, concentrado, cheio de fruto, com notas de amora madura, sólido, texturado, bem jovem ainda (18); no mercado está o 2020, ainda fechado, concentrado, com taninos gordos e polidos, sente-se o ano, mas, apesar do álcool elevado (15%) tem belo equilíbrio e presença (18).
A diversidade de castas, altitudes, exposições e solos da Quinta da Romaneira, aliada ao conhecimento vitícola e enológico de quem ali trabalha, permite a produção de vinhos que expressam, de forma autêntica, este território, e isso é bem evidente nestas provas. Nas palavras de Carlos Agrellos, “Pulga branco, Apontador Syrah e Três Parcelas Touriga Nacional representam o compromisso da Romaneira com a qualidade, o equilíbrio e a identidade dos vinhos do Douro.”
(Artigo publicado na edição de Outubro 2025)
AXA MILLÉSIMES: Pichon Baron e Suduiraut, esplendor bordalês

Quando se fala da AXA Millésimes em Portugal, a memória recai quase inevitavelmente sobre a reputada Quinta do Noval, um nome de peso no Douro. Alguns lembrar-se-ão também da Quinta do Passadouro. Porém, esta divisão da seguradora francesa está na origem de um portefólio internacional de propriedades vitivinícolas históricas, adquiridas numa altura menos favorável, revitalizadas […]
Quando se fala da AXA Millésimes em Portugal, a memória recai quase inevitavelmente sobre a reputada Quinta do Noval, um nome de peso no Douro. Alguns lembrar-se-ão também da Quinta do Passadouro. Porém, esta divisão da seguradora francesa está na origem de um portefólio internacional de propriedades vitivinícolas históricas, adquiridas numa altura menos favorável, revitalizadas e elevadas novamente à excelência.
Nesse conjunto cintilam dois nomes maiores de Bordéus: Château Pichon Baron e Château Suduiraut, ambos presentes na famosa Classificação de 1855. Aos vinhos destas duas propriedades foi dedicada a masterclasse organizada pela Vinitrust e conduzida por Ana Carvalho, embaixadora global da AXA Millésimes.
Pichon Baron, a majestade de Pauillac
Quem percorre a Estrada D2, ao longo do Médoc, conhecida como “Route des Châteaux”, dificilmente passa sem reparar no Château Pichon Baron. Trata-se de um castelo de arquitectura renascentista francesa do século XIX, com duas torres e pináculos simétricos. A sua silhueta, digna de um conto de fadas e reflectida num lago artificial em frente, faz dele um dos postais mais reconhecíveis e fotografados da região.
Fundado no final do século XVII por Jacques de Pichon, barão de Longueville, o château permaneceu nas mãos da família por mais de duzentos anos. Em 1850, uma partilha familiar deu origem ao Château Pichon Baron tal como o conhecemos hoje, erguido por Raoul de Pichon, herdeiro da casa. À sua frente, do outro lado da estrada, fica o Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande que outrora pertencia à mesma família.
O século XX trouxe as inevitáveis oscilações da fortuna. Foi em 1987 que a história ganhou novo impulso: a aquisição pela AXA Millésimes marcou o renascimento da propriedade. O Director Técnico Jean-René Matignon, que entrou praticamente na mesma altura, conduziu a transição com sabedoria até 2022, ano em que passou o testemunho a Pierre Montégut, também responsável pela enologia no Château Suduiraut.
Os 75 hectares de vinha, que é uma dimensão média para a região, representam o encepamento clássico de Pauillac com 66% de Cabernet Sauvignon, 27% de Merlot, 5% de Cabernet Franc e 1% de Petit Verdot, sendo que as últimas duas variedades nunca entram no Grand Vin. No passado utilizavam Petit Verdot e Cabernet Franc, mas hoje não, pois “o Cabernet Franc tem manias e o Petit Verdot confere rusticidade ao vinho”. Ainda têm cerca de 1% Semillon, o resultado da selecção massal “importada” do Château Suduiraut, do qual fazem um vinho branco seco. A idade média das videiras ronda os 35 anos, fruto de uma política de replantação anual de cerca de 1% de encepamento.
A vindima é feita manualmente e de forma muito selectiva, ao contrário de um período menos feliz da propriedade, quando a uva era colhida à máquina. A fermentação ocorre separadamente, por parcelas e castas, para isso contam com depósitos de variadíssimas dimensões.
Nos anos 1990, o Grand Vin superava as 300 mil garrafas. Hoje, em busca quase obsessiva pela qualidade, esse número foi reduzido para metade através dos critérios da selecção mais exigentes. Les Griffons de Pichon Baron, criado em 2012, junta-se ao já conhecido Les Tourelles de Longueville, como segundo vinho, mas com perfis distintos. O primeiro espelha a seriedade tânica do Grand Vin; o segundo, mais dominado pelo Merlot, revela-se pronto mais cedo. O uso de barrica nova no Grand Vin corresponde a 80% e é mais moderada nos restantes.
Château Suduiraut, a doçura repensada
A história de Château Suduiraut começou em 1580, por meio do casamento entre Nicole d’Allard e Léonard de Suduiraut. Os jardins do château, desenhados por André Le Nôtre, o mesmo de Versailles, ainda hoje testemunham grande ambição estética. Ao longo dos séculos, o Château Suduiraut foi passando de mão em mão, até mudou de nome durante algum tempo. A propriedade encontrou novo fôlego, quando foi adquirida, em 1992, pela AXA Millésimes.
Sob a direção técnica de Pierre Montégut, a casa soube adaptar-se à nova realidade: o Sauternes doce, outrora símbolo de luxo e longevidade, nas últimas décadas ia perdendo o terreno na mente do consumidor. O caminho foi claro — manter o grande vinho em doce, mas abrir espaço para a frescura dos brancos secos, também mais económicos em termos de produção e menos dependentes das condições climatéricas. Estes, não podendo levar o nome de Sauternes por imposição legal, surgem sob o rótulo genérico de Bordeaux Blanc Sec. Uma injustiça, talvez, mas uma realidade, por enquanto.
O primeiro branco seco, S de Suduiraut, foi lançado em 2004. Rebaptizado como Lions de Suduiraut, em 2021, assumiu outra ambição. É um blend de Sémillon, Sauvignon Blanc e Sauvignon Gris (casta que Pierre Montégut aprecia bastante por ser menos aromática do que o Sauvignon Blanc e conferir mais corpo), feito com maceração pelicular e fermentação parcial em barrica. A produção ronda as 70 mil garrafas.
Num patamar acima surge o Château Suduiraut Vieilles Vignes, com primeira colheita em 2020, feito a partir das vinhas mais velhas (45 anos) de Sémillon e Sauvignon Blanc. Sujeito a uma prensagem longa, extraindo alguns polifenóis, com fermentação e estágio em barrica (12% nova) de 9 meses.
No capítulo doce, o Château Suduiraut 2010 que provámos tinha 90% Sémillon e 10% Sauvignon Blanc. Em anos recentes, optaram por fazer o vinho exclusivamente com Sémillon, numa afirmação de identidade. A colheita, em várias passagens entre setembro e novembro, antecede um estágio de 20 meses, com 50% de barrica nova.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)


















































