Aveleda: O vinho entre jardins
O uso da palavra jardins no título desta peça não é ocasional. O espaço ocupado pela quinta da Aveleda é todo ele um pequeno paraíso: árvores centenárias, vegetação luxuriante, fontes e riachos que nos tranquilizam, pavões a chamar as pavoas e (menos bucólico, digamos…) cães a correr atrás de cabritos para lhes ferrarem os dentes […]
O uso da palavra jardins no título desta peça não é ocasional. O espaço ocupado pela quinta da Aveleda é todo ele um pequeno paraíso: árvores centenárias, vegetação luxuriante, fontes e riachos que nos tranquilizam, pavões a chamar as pavoas e (menos bucólico, digamos…) cães a correr atrás de cabritos para lhes ferrarem os dentes e obrigarem os primos Guedes, na liderança da empresa, a correria desenfreada para salvar o animal! Para tranquilizar o leitor, podemos afirmar que o bicho foi salvo e o cão devidamente admoestado. A jardinagem é aqui levada muito a peito. São cinco os trabalhadores que zelam para que tudo por aqui esteja devidamente cuidado, incluindo as roseiras que, trepando árvores acima, se lembraram de florir a cinco metros de altitude. Esta exuberância vegetativa também já a tínhamos conhecido na casa da família, em Avintes, onde se nota o mesmo cuidado e o mesmo empenho dos seus membros que, como comprovámos, sabem os nomes de todas as plantas e a idade, ainda que aproximada, de todas as árvores. Estamos assim num microcosmos, rodeado de muitas vinhas, quase todas pertencentes à Aveleda.
150 anos de história
A empresa, que completou já 150 anos de história e é responsável pela produção de cerca de 20 milhões de garrafas/ano, não deixou de procurar novos vinhos, novas abordagens das castas de que dispõe, e alargou mesmo a sua zona de interesse e intervenção a outras regiões do país, como a Quinta da Aguieira (Bairrada) em primeiro lugar e, mais tarde, com aquisições no Douro e no Algarve.
Alguns dos ícones da casa mantêm a sua fama e prestígio, como a aguardente Adega Velha, agora em várias versões de diferentes idades, e cujo stock repousa, tranquilamente, em armazém próprio, onde nos contemplam cerca de 300 cascos. Todos os anos se destila e, ainda que o mercado dos destilados não conheça hoje o brilho de outrora, a marca Adega Velha continua a ser uma referência. A marca Casal Garcia, rótulo emblemático dos Vinhos Verdes, ultrapassa os 10 milhões de garrafas/ano e é verdadeiramente o ex-libris da casa. Nascida em 1939 continua a ser um vinho que leva, para fora, o nome do país.
A equipa foi reforçada recentemente com a contratação de Diogo Campilho (ex-quinta da Lagoalva) para a área de enologia, onde colabora com Susete Rodrigues, que já estava na empresa. A ancestral ligação à casta Loureiro, muito forte nesta zona dos Verdes, tem vindo a ser complementada com uma aposta cada vez mais evidente no Alvarinho. Joga-se, aqui, depois um puzzle com várias componentes: como lidar com as castas em terrenos de xisto e de granito? Como combinar, no lote final, as duas variedades para que o resultado expresse o local de onde vieram? E, na adega, como poderá ser possível criar modelos diferentes, jogando, por exemplo, com as borras e respectiva percentagem dentro das cubas? E se quisermos usar barricas para fermentação ou estágio, como poderemos conseguir equilibrar o lote, não prejudicando o perfil próprio de cada casta? Nada disto é fácil, até porque actualmente trabalham com 15 parcelas diferentes de Alvarinho, espalhadas pela região e estaremos muito errados se pensarmos que lá porquanto a região seja a mesma (Vinhos Verdes) e os perfis se assemelham; até a decisão do momento de vindima pode determinar o estilo do vinho que se obtém. Por aqui estão a fazer vindimas nocturnas de algumas castas e a começar em meados de Agosto. Só assim se consegue que o vinho seja mais fiel à casta e ao território.
Seguindo as novas tendências, na Aveleda está-se a trabalhar com menores teores de sulfuroso, o que é facilitado pelo pH mais baixo e acidez mais alta características da região, no caso da vindima ser feita no momento certo. A regra de não haver regra é levada a peito. Por exemplo, há vinhos que apenas estagiam no inox, caso do Aveleda Alvarinho e o Aveleda Loureiro mas já os Solos de Xisto e Solos de Granito fermentam em inox e aí estagiam com as borras por um período mais longo, sem contacto com a madeira. O Parcela do Roseiral, por sua vez, fermenta em inox e cerca de 30% estagia em barrica.
Ventos da moda
Os ventos da moda voltaram a trazer os vinhos brancos para a ribalta e a procura mantém-se intensa, mas hoje os consumidores exigem mais precisão, melhor definição do carácter de cada vinho, mais equilíbrio entre acidez e corpo e mais pureza de fruta. Tudo somado, pode dizer-se que o desafio é enorme, mas poderá ser, cremos, muito compensador para quem tem de tomar decisões. E à refeição pudemos também usufruir de alguns vinhos muito velhos que fomos buscar às caves da casa mas… já se sabe que a célebre frase continua válida: não há bons vinhos velhos, há boas garrafas de vinhos velhos! E assim foi, mas o verdadeiro enófilo não vira a cara a uma garrafa, com ou sem rótulo!
Os anfitriões, Martim e António Guedes, que nos guiaram toda a visita, fizeram questão de apresentar também a segunda edição de um branco-homenagem que funciona como o topo de gama de todo o portefólio dos Vinhos Verdes da casa. Trata-se de um vinho que resulta de um lote entre Alvarinho e Loureiro, que combina bem a fermentação em inox com a barrica. É um branco luxuoso, a um preço que está muito longe de ser de ourivesaria. Justa homenagem a Manoel Pedro Guedes, antepassado e que herdou, em 1870, a quinta da Aveleda. Foi aí que tudo começou.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Baga Friends: Amigos da baga trazem boas novas
Reunir para agitar as águas, criar o movimento para reabilitar a Baga entre os viticultores e consumidores em Portugal e projectar a nossa casta autóctone lá fora é o objectivo dos Baga Friends, grupo de produtores que se uniram à volta desta variedade. A associação formou-se em 2012 e faz-se notar o renascimento contínuo da […]
Reunir para agitar as águas, criar o movimento para reabilitar a Baga entre os viticultores e consumidores em Portugal e projectar a nossa casta autóctone lá fora é o objectivo dos Baga Friends, grupo de produtores que se uniram à volta desta variedade. A associação formou-se em 2012 e faz-se notar o renascimento contínuo da Baga desde então.
“Quando comecei o projecto em 2001, não havia produtores novos a trabalhar com Baga. Merlot e a Cabernet Sauvignon tinham mais popularidade”, conta a produtora Filipa Pato. Os amigos da Baga são muito diferentes na sua visão. Trabalham cada um à sua maneira, mas todos adoram a Baga e a Bairrada. São um núcleo duro, e mesmo não fazendo muitos eventos, conseguiram fazer uma “pequena revolução” na região. “De norte (Fogueira) até ao sul (Souselas) voltou-se a aderir à Baga. Quem já a tinha retirado dos rótulos, voltou a colocá-la em letra grossa”, repara Mário Sérgio Nuno, da Quinta das Bágeiras, que, juntamente com Filipa Pato, foi impulsionador deste movimento.
Bairradino de gema
E quem são os Baga Friends? Desde logo, o bairradino de gema, Luís Pato, sempre foi o grande defensor e promotor da Baga, mesmo quando a maioria dos produtores dava preferências às castas estrangeiras. À Baga dedicou mais de 40 anos da sua carreira e o melhor argumento a favor da casta eram os seus vinhos que mostraram elegância e longevidade da casta, quando trabalhada com sabedoria. “Baga dura 25 anos certamente, 30 talvez, 40 – quem cá estiver que veja!” –, desafia o Senhor Baga. Mário Sérgio, um bairradino incontornável com ligação à viticultura de forma geracional, respira Baga desde 1989, quando começou o seu projecto familiar da Quinta das Bágeiras, produzindo vinhos de identidade inconfundível. Paulo Sousa, o engenheiro químico com 20 anos de experiência no departamento de qualidade de uma empresa produtora de vinhos na região, dedicou-se ao projecto familiar, iniciado pelo seu pai, Sidónio de Sousa, em 1990.
Uma história de pura paixão pela Baga e Bairrada começou quando o sommelier francês e proprietário de uma garrafeira em Paris, François Chasans, provou um vinho da Bairrada pela primeira vez. Instalou-se em terras bairradinas e na sua Quinta da Vacariça produz vinhos densos e longevos, cheios de carácter. Pratica uma viticultura biodinâmica, “não como argumento de marketing, mas para obter a precisão no resultado final”, diz. Filipa Pato é tão dedicada à Baga como o seu pai, Luís Pato, mas num projecto próprio juntamente com o seu marido, o conhecido sommelier belga William Wouters. Os seus Baga, puros e autênticos, nunca passam despercebidos e mostram o lado mais feminino e delicado da casta. O irreverente e carismático Dirk Niepoort, grande produtor de vinhos do Douro e do Porto, confessa que adora a Baga e a Bairrada. Seguindo esta paixão, há mais de uma década, adquiriu a Quinta de Baixo, com 25 ha de vinha, onde tem parcelas centenárias e de onde vem o Poeirinho, num estilo bem diferente do praticado antes – mais leve, com teor de álcool baixo e acidez vincada. Agora o seu filho Daniel continua a trabalhar com a mesma filosofia. O mais recente membro do grupo é o enólogo Luís Patrão, com o seu projecto Vadio, que teve o início em 2005 com 0,5 ha de vinha da família e cresceu até ao 10 ha actuais.
Os sete ilustres amigos da Baga juntaram-se para apresentar a segunda edição do vinho feito em conjunto
Tinto para já, espumante para mais tarde
No final de abril, em antecipação ao Dia Internacional da Baga, celebrado a 4 de maio (graças ao esforço dos Baga Friends, que abrem sempre as suas adegas ao público com festa rija e eventos especiais), os sete ilustres amigos da Baga juntaram-se para apresentar a segunda edição do vinho feito em conjunto – Baga Friends 2015, de que se encheram 1135 garrafas. É um blend comunitário, que expressa o carácter de cada produtor, de cada propriedade, através de um bouquet de filosofias distintas com o denominador comum – a Baga. O carácter e a voz de cada vinho são bem fortes e ainda se sentem. Talvez seja preciso mais algum tempo para estas vozes se tornarem um coro, e para os feitios de cada vinho atingirem a integridade plena. Este pormenor também traz uma complexidade adicional. No nariz dominam os Baga mais aromáticos, enquanto na boca fica bem presente a estrutura dos contributos mais tânicos e texturados. A primeira edição do vinho Baga Friends foi da colheita de 2011, já que não têm a intenção de o fazer todos os anos, só nos de excelência. E, já agora, fica o teaser: a próxima edição dos Baga Friends será um espumante de 2023, que já está em estágio e será lançado em 2029 para brindarmos à Baga e à Bairrada. Afinal, somos todos amigos da Baga no sentido mais lato.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Vieira de Sousa: Dois “novos” Portos Colheita com 20 e 30 anos
O evento decorreu na OCCA – Oficina do Olival Contemporary Arts, em Lisboa, o local escolhido por Luísa e Maria Vieira de Sousa, co-proprietárias e rostos do projeto Vieira de Sousa, para o lançamento de duas novas referências no mercado de vinho do Porto Colheita, o Vieira de Sousa Porto Colheita 1994 e o Vieira […]
O evento decorreu na OCCA – Oficina do Olival Contemporary Arts, em Lisboa, o local escolhido por Luísa e Maria Vieira de Sousa, co-proprietárias e rostos do projeto Vieira de Sousa, para o lançamento de duas novas referências no mercado de vinho do Porto Colheita, o Vieira de Sousa Porto Colheita 1994 e o Vieira de Sousa Porto Colheita 2004.
A Vieira de Sousa é uma empresa produtora de vinhos do Douro e do Porto, proprietária de cerca de 70 hectares de vinhas espalhadas por quatro quintas, localizadas na sub-região do Cima Corgo. A Quinta da Água Alta, que reúne as quintas do Bom Dia e do Espinhal fica no Ferrão, em Gouvinhas. A Quinta da Fonte, em Celeirós do Douro. A Quinta do Fojo Velho, em Vale de Mendiz e a Quinta do Roncão Pequeno, em Vilarinho de Cotas.
As uvas usadas para a produção dos vinhos do Porto Colheita agora lançados têm origem em dois terroirs distintos, que se complementam entre si. O primeiro, o da Quinta da Água Alta, tem sobretudo exposição a sul, e vinhas com altitudes que vão dos 120 aos 412 metros de altitude. O segundo fica na Quinta do Fojo Velho, e está encaixado no vale do rio Pinhão. Tem exposição a poente, numa zona protegida do calor escaldante tradicional da região duriense durante o verão.
O encepamento é semelhante nas duas propriedades e é dominado casta Tinta Roriz, “que é determinante no envelhecimento fresco dos nossos tawnies”, contou Luisa Vieira de Sousa durante a apresentação dos Portos. A ela juntam-se, entre outras, a Touriga Francesa e a Tinta Amarela. Após a vindima, as uvas são pisadas pé e fermentam em lagares antigos de granito, nas adegas de cada uma das duas quintas até à paragem da fermentação, o que aconteceu para os dois vinhos lançados.
As uvas usadas para a produção dos vinhos do Porto Colheita agora lançados têm origem em dois terroirs distintos
Condições ideais
O da colheita de 1994 teve origem num ano que foi declarado para vintage clássico. O ciclo no campo iniciou-se com muita chuva e humidade, que originou rendimentos baixos na vinha. Mas, no período restante, as temperaturas nunca excederam os 38ºC e o clima manteve-se predominantemente seco, apenas entremeado com algumas chuvas oportunas. As vindimas decorreram em condições ideais, com as uvas no melhor estado sanitário e de maturação possível. Após a vinificação, foram escolhidos os lotes para o engarrafamento de Porto Vintage e, além destes, António Vieira de Sousa Borges, pai de Luísa e Maria, fez um outro que destinou para o envelhecimento a longo prazo em pipas, que foram sempre atestadas com vinhos de 1994. O lote do Porto Colheita deste ano teve origem nelas.
As uvas que originaram o Porto Colheita de 2004 também foram produzidas num ano particularmente favorável. No verão, as vinhas estavam em boas condições, mas já perto do stress hídrico. Mas decorreu alguma precipitação, num período de temperaturas relativamente baixas que originou uma maturação lenta. A vindima foi realizada sem chuva, nas melhores condições possíveis para o final do ciclo e do ano de trabalho na vinha. Após um inverno de estabilização e afinamento, António Vieira de Sousa Borges seleccionou também um lote para ser envelhecido em tonel, para guarda de longo prazo, que deu origem ao Porto Colheita 2004 agora lançado.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Barcos Wines: A Revolução do Loureiro
Se, há uns anos, por uma questão de justiça e equidade, a, até então, Adega Cooperativa de Ponte da Barca consagrou na sua designação social a sua vila contígua, Arcos de Valdevez, hoje, por força da importância dos mercados externos e de uma comunicação mais fluída e perceptível, a cooperativa assume o “naming” de Barcos […]
Se, há uns anos, por uma questão de justiça e equidade, a, até então, Adega Cooperativa de Ponte da Barca consagrou na sua designação social a sua vila contígua, Arcos de Valdevez, hoje, por força da importância dos mercados externos e de uma comunicação mais fluída e perceptível, a cooperativa assume o “naming” de Barcos Wines. Com 36 mercados externos onde coloca os seus vinhos, a Barcos Wines foca-se cada vez mais numa missão de internacionalização, assumindo-se como uma instituição de vertente essencialmente exportadora, colocando o nome Vinho Verde nos quatro cantos do mundo. Uma aposta que o Director Geral, José Antas Oliveira, reputa de muito positiva, contribuindo para a notoriedade do produto e da Adega.
Fundada em 1963, a cooperativa tem como associados os agricultores de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, contribuindo, cada uma destas povoações, equitativamente e em percentagens idênticas com as uvas que elaboram os seus vinhos.
Num território de minifúndio, a Adega possui cerca de 800 associados, os quais representam 900 hectares de vinha em produção de uva. A média por agricultor não ultrapassa o hectare e meio. Uma realidade que se vem alterando perante uma nova visão de obtenção de maior rentabilidade da vinha. O crescente abandono da actividade por agricultores mais idosos tem levado à alienação dessas propriedades a produtores mais jovens e profissionais, que concentram agora propriedades mais extensas, diminuindo custos e aumentando os rendimentos. São estes novos produtores, com áreas que podem ultrapassar os seis hectares, que representam o futuro do Vale do Lima e a maior profissionalização dos procedimentos da Adega. A última década trouxe também uma política sistemática de valorização do preço pago pela uva, sobretudo motivada pelo aumento substancial dos custos de produção e pelo incentivo à continuidade da atividade económica, através da angariação de novos viticultores. Neste campo, o contributo do departamento de viticultura da Adega tem sido fundamental, quer no acompanhamento às novas plantações, com submissão dos projetos VITIS, quer no aconselhamento na escolha das videiras a plantar, análise de solos ou definição das melhores exposições solares na plantação. As próprias videiras são adquiridas na Adega, seguindo um critério de escolha prévio feito pelo departamento de viticultura. Essa definição conjunta da planificação tem dado bons frutos. No âmbito dessa cooperação de proximidade, e só nos últimos 10 anos, a Adega submeteu ao VITIS mais de 500 hectares de vinha a plantar.
Num território de minifúndio, a Adega possui cerca de 800 associados, que representam 900 hectares de vinha. Os vinhos brancos representam cerca de 80 a 85% da produção, cabendo 10% a rosados e apenas 5% aos vinhos tintos.
Loureiro “on”, Vinhão “off”
Há actualmente um fenómeno paradigmático e que representa uma mudança significativa do encepamento que, não obstante a maior rentabilidade económica, está a causar o definhamento daquela que já foi a casta mais importante do Vale do Lima, Vinhão.
Sabemos pela história que o Vinhão, nos séculos XVIII e XIX, dominava a paisagem vinhateira e representava o grosso das exportações, sobretudo para o Reino Unido. O director geral e responsável de enologia, José Antas de Oliveira, não precisa ir tão longe e recorda que, ainda há 20 anos, as castas tintas eram maioritárias na sub-região, com as brancas a terem uma expressão menor. Hoje, os vinhos brancos na Adega representam cerca de 80 a 85% da produção, cabendo 10% à produção de rosados e apenas 5% aos vinhos tintos. Dir-se-á que é a procura que demanda as regras e, nesta cooperativa virada para o exterior, é a crescente busca de vinhos brancos leves e frescos que define, não apenas as estratégias da Adega, mas igualmente de todo o Vale do Lima. Os números são claros e não permitem visões apenas emocionais: a Barcos Wines exporta 75% da sua produção e, no primeiro trimestre do ano corrente, perante a contração do mercado nacional, o volume de exportação já subiu para os 88% da produção global. E, aqui, são os brancos quem mais ordena, seguidos ainda de longe pelos rosados que se vão impondo com uma quota ascendente.
São 6,5 milhões de unidades, entre vinho engarrafado e Vinho Verde certificado em lata, tendo a região percebido a importância destes novos formatos, criando regulamentação específica.
O futuro dos tintos
E que futuro se avizinha para o Vinhão? A preocupação existe e a consciência de que, no futuro, esta casta outrora bandeira de toda a região, pode tornar-se rara e, numa abordagem alarmista, até desaparecer do encepamento minhoto, faz soar os alarmes. O Vinhão tradicional é, cada vez mais, um lampejo do passado. De forte pendor rústico, o seu consumo cinge-se à região e a um consumidor mais velho e saudosista. Os jovens já não lhe mostram a devoção dos antigos e o seu consumo retrai-se. A Adega está consciente dessa viragem e pretende assumir as rédeas do renascimento da casta. Se o perfil tradicional não atravessa fronteiras, há que o subjugar a novas formas de vinificação que, não lhe retirando a identidade aromática e gustativa do “verde tinto”, retiram-lhe a rusticidade, subtraindo-lhe o mais intenso contacto com as películas no processo fermentativo, criando vinhos de cor menos retinta, menos extraídos, com menor teor alcoólico e, sobretudo, mais elegantes e contemporâneos. Esta nova abordagem nasce em 2017, com as referências Reserva dos Sócios Vinhão, com estágio em barricas de carvalho francês, ou o espumante Naperão Vinhão Bruto, este elaborado pelo método charmat. Esta abordagem diferenciada do Vinhão tem permitido, num contexto internacional, e perante a sua exuberância de fruta, juventude e cor mais aberta, compará-lo aos Beaujolais ou Gamay. E, é nesta perspectiva de encontrar outro modo de abordar a vinificação do Vinhão que se tentará, presente e futuramente, combater a sua cada vez menor expressão nas vinhas, encontrando nas suas potencialidades, novas formas de o preservar. Aliado a esta nova abordagem, a Adega assumiu também a responsabilidade cultural da sua preservação, aumentando o preço pago pela uva, superior ao pago pela Loureiro, como forma de incentivar o incremento da produção e desmotivando o seu arranque para produção de uvas brancas. Os dados estão lançados para assegurar o futuro desta casta cheia de autenticidade e potencial. E a Adega assume essa responsabilidade de a fazer renascer.
Contudo, o Loureiro veio para ficar e reinar. A sua elegância, a frescura dos vinhos que dela nascem, o forte pendor mineral, para além de ser “amiga” do produtor graças à sua graciosidade para produzir em quantidade e qualidade, tornam-na hoje rainha absoluta e incontestada de todo o Vale do Lima.
A espumantização na Adega já leva 8 anos, tendo-se optado pelo Método Charmat, de modo a vincar o perfil das castas e da tradição de vinhos jovens, frescos, frutados e de consumo mais rápido.
Lata, pet nat, curtimenta, premium…
A Adega tem sido um foco de pioneirismo e inovação, antecipando tendências e desbravando mercados. Actualmente produz 6,5 milhões de unidades, entre vinho engarrafado e vinho verde certificado em lata, tendo a região, e bem, percebido a importância destes novos formatos, criando regulamentação que permite a sua certificação, levando o nome “Vinho Verde” a todo o mundo. Com meio milhão de latas produzidas, a Adega vê neste segmento de negócio já não um nicho, mas uma realidade económica muito significativa nas contas. A certificação marca o compromisso inalienável com a região e é mais uma bandeira que se hasteia nos melhores mercados brasileiros e americanos, denotando-se um crescimento acentuado noutros, como a Alemanha, Polónia, Estónia ou México.
Brasil e Estados Unidos levam hoje a dianteira nos mercados preferenciais da Adega. O “país irmão” tem, nos últimos anos, liderado as exportações e, acredita a Direcção, com uma tendência de crescimento absolutamente notável.
José Antas Oliveira não deixa de salientar a vertente experimentalista e inconformada que existe nas equipas de viticultura e enologia que lidera. A potenciação do Loureiro, nos últimos 10 anos passou não apenas pelo cada vez maior conhecimento e rigor técnico no volume, mas igualmente pela séria aposta no segmento Premium. Do pensamento ao acto foi apenas um piscar de olhos. Hoje o Loureiro veste-se com diferentes roupagens e surge em versões espumantizadas, nos Pet Nat, em vinhos com maceração pelicular ou vinhos de curtimenta. Dentro desta vertente experimental, surgem também os diferentes estágios em madeira, utilizando diversos materiais – carvalho, castanho português e acácia – com resultados distintos, revelando a plasticidade da casta e, também, o seu potencial de longevidade com imensa qualidade e sem perda de singularidade e distinção. Não obstante a Adega privilegiar o volume, a robustez financeira tem permitido criar produtos diferenciados, em pequena escala, também eles destinados a nichos, até agora, com pleno sucesso, aportando maior notoriedade à Cooperativa e permitindo-lhe reforçar as posições nos mercados internacionais habituais e, ao mesmo tempo, entrar em novos e mais exigentes espaços.
A espumantização na Adega já leva oito anos, tendo-se optado pelo Método Charmat de modo a vincar o perfil das castas e também as práticas tradicionais da região de criar vinhos mais jovens, mais frescos, frutados e de consumo mais rápido. A identidade da Sub-Região, que dá os primeiros passos na produção de espumantes, passa pelos monovarietais de Loureiro e Vinhão. A categoria espumante já representa entre 20 a 30 mil garrafas de venda anual, e com foco no mercado nacional, sendo um segmento que está em crescimento e que pode ser mais uma alternativa na afirmação da versatilidade desta Adega que já completou 60 anos desde a sua criação.
A dinâmica de criatividade e sensibilidade ao futuro próxima está solidamente reflectida na Adega. Necessidades dos mercados, lançamento de novos produtos, antecipação de tendências, de hábitos de consumo, nomeadamente, de redução do teor alcoólico dos vinhos e redução da pegada ecológica, são constantes do seu quotidiano. Entretanto, e porque o mundo continua a girar a uma velocidade estonteante, a Adega continua a realizar investimentos avultados, mantendo-se na linha da frente da inovação e vanguarda que a tornam ponta de lança da valorização e promoção do verdejante território do Vale do Lima.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
Casa de Saima: Um clássico inovador
A Casa de Saima começou a produzir vinhos engarrafados há 41 anos. Primeiro apenas com o perfil clássico da Bairrada, que obriga os tintos a estágio prolongado antes de atingirem todo o potencial de proporcionar prazer a quem os bebe, sobretudo porque são feitos com base na casta rainha da região, a Baga. Com o […]
A Casa de Saima começou a produzir vinhos engarrafados há 41 anos. Primeiro apenas com o perfil clássico da Bairrada, que obriga os tintos a estágio prolongado antes de atingirem todo o potencial de proporcionar prazer a quem os bebe, sobretudo porque são feitos com base na casta rainha da região, a Baga. Com o tempo e a chegada ao mercado de vinhos de outras regiões, a concorrência e a evolução dos gostos dos consumidores levaram a casa a inovar e a criar uma gama de vinhos tintos do ano, mais frescos e apetecíveis a algumas faixas de consumidores. Agora, a equipa da casa procura novos caminhos para os seus espumantes, com estágios mais longos em garrafa e já estão também na calha dois novos espumantes de Pinot Noir e Chardonnay. Mas foi sobretudo a teimosia e o bom senso de manter o encepamento tradicional e a produção dos vinhos clássicos que celebrizaram a casa nos anos 90, com base nas castas tradicionais da Bairrada, que contribuiu para que a Casa de Saima mantivesse o rumo e o seu sucesso sustentado.
A casa foi fundada por Carlos Almeida e Silva e Graça Maria da Silva Miranda, a sua mulher na altura, a partir de um negócio herdado pelos pais do primeiro, de produção de vinhos para venda a granel. A mudança resultou do incentivo do enólogo bairradino Rui Moura Alves, quando este lhes demonstrou as vantagens da venda com marca própria em garrafa.
A iniciativa, de Paulo Nunes e Paulo Cêpa, o enólogo e o gestor operacional da Casa de Saima, de produzir vinhos menos graduados, leves e elegantes permitiu, à empresa, alcançar mercados que os preferem no Brasil e Estados Unidos.
Vinhas herdadas
Carlos Almeida e Silva já tinha, na altura, algumas vinhas herdadas da família, que ainda hoje integram a área produtiva da Casa de Saima. Mas o negócio foi sendo alargado, a partir da década de 90, com novas plantações e vinhas, que foram compradas nos melhores terroirs da Bairrada. Um dos objectivos era “agrupá-las para ter propriedades um pouco maiores, mais fáceis de gerir”, conta Paulo Cepa, 44 anos, gestor operacional da empresa. Exemplo disso é a Vinha da Corga, que começou por ter dois hectares e actualmente tem seis, de um total de 20 que constitui o património vitícola da empresa. Inclui, entre as castas tintas, a rainha da região, a Baga, as variedades nacionais Touriga Nacional e Castelão, e internacionais Merlot e Pinot Noir, este inicialmente plantado para dar origem à produção de espumantes. Mas apenas foi usado no blend de tinto e, mais recentemente, dá origem à produção de um monocasta do ano. Nas brancas predominam as variedades tradicionais da região, Maria Gomes, Bical e Cercial, mas também há Chardonnay, casta que também foi plantada para dar origem a espumantes.
Num processo que decorreu ao longo de vários anos, sempre com o objectivo de fazer bem e com qualidade, “foi dada prioridade às castas regionais e tradicionais portuguesas”, conta Paulo Cepa. As internacionais foram escolhidas porque os seus proprietários queriam alargar o potencial comercial da empresa. “Permitiram-nos fazer outros blends e introduzir inovações que enriqueceram o nosso portefólio”, explica.
Após a Casa de Saima ter começado a produzir vinhos engarrafados, “feitos com muita paixão e qualidade”, nos anos 90 do século passado, numa altura em que a região da Bairrada estava na berra, os seus vinhos começaram a surgir nos restaurantes de Lisboa e a ficar na moda. De tal forma que o actual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu os rótulos da marca, em visita à região num evento de vinhos recente. “Era uma época em que o Alentejo ainda não estava na moda e não tinham surgido os vinhos do Douro no mercado”, explica Paulo Cepa, defendendo que a marca ficou na memória dos portugueses, apesar de o início do segundo milénio ter corrido menos bem para o seu negócio, devido à separação do casal fundador.
Novos caminhos
A época que se seguiu, “foi uma altura em que se procurou encontrar caminhos”, explica Paulo Cepa, salientando que “o rumo acabou por surgir, como acontece com tudo o que se faz com empenho e paixão”.
Entretanto a responsabilidade pela enologia da casa transitou das mãos de Rui Moura Alves para as de Paulo Nunes, ou seja, “de uma filosofia mais tradicional para outra mais inovadora”, o que contribuiu para melhorar a visibilidade de uma empresa que passou a ter, para além da sua gama clássica, outros mais experimentais.
“Mesmo quando vivemos momentos menos bons, tal como aconteceu com o resto da Bairrada, nunca arrancámos a casta Baga, como o fizeram outros produtores da região e foi essa teimosia de manter tudo como está, mesmo com algum sacrifício, para produzir vinhos clássicos de qualidade, que levou o nosso barco a tomar de novo o rumo”, conta Paulo Cepa, salientando que a sua casa “é um pequeno produtor de vinhos de quinta, comercializados num número restrito de mercados”.
Para Paulo Nunes, o enólogo consultor da Casa de Saima, esse tem sido o seu principal desafio, de “uma jornada gratificante”, desde que começou a trabalhar nela em 2003, ou seja, há 20 anos: “manter o seu classicismo e ser mesmo o seu guardião e, ao mesmo tempo, criar um lado irreverente através da procura de novas abordagens e caminhos”. Para o enólogo, o percurso tem sido, ao mesmo tempo, de “uma aprendizagem fabulosa, porque não há duas vindimas iguais em lado nenhum, e muito menos na Bairrada, onde há uma condição edafoclimática e uma casta, a Baga, desafiantes”, o que tem contribuído para a empresa ser o que é hoje.
A marca é só uma, Casa de Saima, que inclui 13 referências. São quatro espumantes, um branco e um rosé, e um Chardonnay e um Pinot Noir monocastas que ainda estão em fase experimental, dentro do espírito de uma casa que vai procurando novos caminhos sem perder a sua identidade. Há, também, um branco Vinhas Velhas, o base de gama, e um Garrafeira, “com uma escolha mais apurada da matéria prima e fermentação em madeira avinhada”. O rosé, referência que existe na casa há muitos anos, é feito agora com uvas das castas Baga e Pinot Noir, “refresh dado porque este tipo de vinho está um pouco mais na moda”, o que se reflectiu também numa mudança do design do rótulo e da garrafa. Depois existem dois vinhos que surgiram de uma procura de colocar, no mercado, vinhos mais experimentais, inovadores, o Baga Tonel 10 e um Pinot Noir, ambos monocastas, ambos vinhos do ano, feitos com menos extracção e a gama mais clássica de tintos.
Lufada de ar fresco
A inovação, que já tem alguns anos, foi uma lufada de ar fresco na Casa de Saima, que lhe permitiu colocar vinhos da empresa em mercados que preferem aqueles que são menos graduados, leves e elegantes. “Começámos, primeiro com a venda do Pinot Noir e do Baga Tonel 10 para o Brasil, e depois para os Estados Unidos em 2018”, conta Paulo Cepa, realçando que este último foi destacado pelo crítico Eric Azimov, do New York Times”, aquele que é, afinal “um vinho despretensioso, um Baga do ano, em que muito gente não acreditou”, salienta o gestor.
A Casa de Saima exporta hoje cerca de 40% das suas vendas, principalmente para o Brasil, Estados Unidos e Canadá, e Macau mais recentemente. Na Europa está presente em Espanha, França, Suíça, Luxemburgo e Alemanha. Mas também no mercado da saudade, o dos portugueses que emigraram e estão um pouco por todo o mundo, através de vendas pontuais incentivadas sobretudo pela comunicação feita através da redes sociais. “Têm contribuído muito para isso, sobretudo pela proximidade e facilidade com que se pode comunicar através delas”, explica Paulo Cepa, acrescentando que, na maior parte das vezes, isso acontece “quando alguém vê um post numa plataforma como o Facebook ou Instagram, se interessa e contacta, perguntando como pode comprar os nossos vinhos, por vezes até para o resto da família e amigos”. E explica que foi este mercado que segurou as vendas da empresa quando o nacional estava parado devido à pandemia de Covid-19. Hoje, “ver os posts dos nossos consumidores lá fora, a fazerem coisas como churrascos na companhia do nosso Baga Tonel 10, dá-nos grande orgulho”, afirma o gestor.
A perseverança, desde os primeiros dias, na produção de vinhos clássicos da região da Bairrada, com base nas castas tradicionais e, um pouco mais tarde, a aposta em vinhos mais experimentais para alargar o mercado da empresa a outros consumidores, têm contribuído para diversificar mercados e sustentar melhor o negócio de uma casa que tem apostado sempre, e quase teimosamente, na manutenção da sua identidade. O mais fácil teria sido, há 15-20 anos, quando a Bairrada atravessou uma fase difícil e os seus produtores procuraram outros caminhos que não o da Baga, com a plantação de outras castas, a Casa de Saima ter optado por esse caminho. Mas felizmente manteve-se no certo, procurando, em simultâneo, espicaçar o mercado inovações como um Pinot Noir e um Baga do ano, no início da década passada, sem perder a matriz que identifica a casa. Segundo Paulo Nunes, “foram vinhos que nasceram de alguma inquietude e da necessidade de despertar a consciência do mercado para a nossa presença”. Mas, para Paulo Cepa, isto ainda não chega, porque é difícil, para um produtor como a Casa de Saima, ter um negócio estável e sustentado apenas com base na produção de 20 hectares de vinha, garantindo, em simultâneo, que os seus vinhos bairradinos mais clássicos só são colocados nos mercados após o período de estágio necessário, de cerca de oito anos. Nesta empresa é a venda de vinhos do ano, brancos e tintos, que gera a liquidez que garante o pagamento dos custos correntes e tem sustentado, até agora, o investimento em tempo a armazém para isso. Mas Paulo acredita que um pouco mais de área de vinha, até aos 25 hectares irá assegurar definitivamente uma gestão sem sobressaltos e a sustentabilidade definitiva do negócio da sua empresa. Para já estão 2,5 hectares em estudo, com plantação aprovada, onde irão ser plantadas castas tintas e brancas. “É uma parcela muito boa, onde já houve vinha”, diz ainda Paulo Cepa. Outras se seguirão.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
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Casa de Saima Garrafeira
Tinto - 2015 -
Casa de Saima Grande Reserva
Tinto - 2016 -
Casa de Saima Vinhas Velhas
Tinto - 2018 -
Casa de Saima Tonel 10
Tinto - 2022 -
Casa de Saima
Tinto - 2022 -
Casa de Saima
Rosé - 2022 -
Casa de Saima Garrafeira
Branco - 2021 -
Casa de Saima Vinhas Velhas
Branco - 2022 -
Casa de Saima
Espumante - 2021
Grande Prova: Douro de Ouro …por menos de €15
Se calhar sou eu que sou velho e os tempos mudaram a mil-à-hora, mas lembro-me de anos (1980s, 1990s) em que a inflação era alta a sério e os vinhos não aumentavam assim tão depressa. Então, aconteceram outras coisas, e não têm a ver com a inflação apenas. Em vez disso, penso que o que […]
Se calhar sou eu que sou velho e os tempos mudaram a mil-à-hora, mas lembro-me de anos (1980s, 1990s) em que a inflação era alta a sério e os vinhos não aumentavam assim tão depressa. Então, aconteceram outras coisas, e não têm a ver com a inflação apenas. Em vez disso, penso que o que aconteceu foi uma mudança nos padrões de consumo. Já se sabe que os apreciadores que procuram vinhos com interesse acrescido fogem das categorias de entrada de gama, que ocupam bem mais de 90% do consumo de vinho em Portugal. É para esses que escrevo, mas não é fácil obter as estatísticas (sou matemático) que reforcem estas opiniões. As médias escondem as verdades. Então vamos pela via do diálogo.
Frescura natural
Fiquei muito impressionado pelo estilo do Crasto, e falei com o enólogo Manuel Lobo de Vasconcellos sobre o vinho. Lembro, como se fosse preciso, que este senhor confeccionou o melhor tinto do país em 2023, vindo da Vinha Maria Teresa. Falamos de “a different beast”, mas nem por isso menos impressionante. É que este Crasto tem apenas 15% de madeira, e mesmo assim tem uma dinâmica em boca impressionante, com suavidade e profundidade. Então, o Manuel disse-me que este vinho é pensado não só como um cartão de visita da Quinta do Crasto, mas também como um cartão de visita dos tintos do Douro. Tendo bem presente a prova de 30 tintos que tinha acabado de fazer, não posso deixar de concordar. O Douro afirma uma identidade e uma qualidade ímpares, mesmo nesta gama, que se já não é de entrada, é a gama de entrada para os consumidores mais interessados, como confirmei mais tarde com Patrícia Santos. Já lá vamos. Segundo Manuel, esta suavidade e profundidade não aparecem por acaso. Cada vez há um trabalho mais cuidado com as madeiras, as vinhas entretanto envelheceram e estão a fornecer uvas com mais qualidade todos os anos, a enologia evoluiu para perceber melhor o seu terroir e ir cada vez mais ao encontro dos desejos dos seus clientes. Esses desejos são cada vez mais vinhos frescos, macios e bebíveis, já se sabe que poucos vinhos serão guardados para um consumo mais tardio. Em especial nesta gama.
E a gama acaba por ser a de entrada. Segundo Manuel Lobo, do Crasto já se fazem 500 a 600 mil garrafas por ano. O vinho na gama abaixo, Flor de Crasto, nem é vendido em Portugal. Uma outra observação que Manuel me fez é que o vinho já não se chama “Quinta do Crasto,” mas apenas “Crasto.” O que significa isto: é óbvio, nem todas as uvas provêm da quinta, algumas vêm da quinta da família no Douro Superior, a Cabreira, onde a altitude assegura uma frescura natural suave e integrada. Mão de mestre na arte dos lotes, e temos cada vez mais vinhos que vão ao encontro dos nossos anseios à mesa. Isto mesmo fui validar falando com quem encara diariamente o consumidor. Patrícia Santos (“filha do Boss” — mítico Arlindo Santos — da Garrafeira de Campo de Ourique) confirmou que esta é uma categoria muito forte nos dias de hoje. São os novos vinhos baratos. Por vezes, se for uma grande quantidade, por exemplo para um casamento, podem lá procurar vinhos abaixo de €10. Já se for um vinho para oferta, os clientes procuram preços mais altos, de €20 ou €30 para cima. Mesmo que para o dia-a-dia os clientes procurem vinhos mais baratos, fazem-no nos supermercados, não procuram o comércio especializado. Neste ponto de preços, o Douro é a região mais forte. O Dão compete com vinhos de grande qualidade por volta de €10, enquanto Lisboa mantém este nível de preços mas oferece um outro estilo, mais leve, para pessoas que procuram diferença. Já no Alentejo, os vinhos de qualidade estão mais caros, e o cliente facilmente gasta mais de €20.
O Douro afirma uma identidade e uma qualidade ímpares, mesmo nesta, que é a gama de entrada para os consumidores mais interessados.
Cultura de vinho
Quem visita o Douro compreende porque é que esta região se tornou, em poucas décadas, tão forte comercialmente em Portugal e com um impacto impressionante na imagem dos vinhos portugueses no mundo. Começou logo por beber da fama dos vinhos do Porto, um dos nossos vinhos tradicionalmente mais conhecidos e uma das nossas marcas mais fortes. A seguir vem o facto de a região, sendo pequena, ter uma impressionante área de mais de 40 mil hectares de vinha. Praticamente é uma mono-cultura, e isso transvasa para as pessoas que habitam no Douro. Há ali verdadeira cultura de vinha e de vinho, onde cada duriense é um guardião do seu terroir, que acaba por ser o seu tesouro.
Acertando as agulhas com a enologia, com a fortíssima aposta em formação universitária que as últimas décadas viram, com os holofotes do país e do mundo para ali voltados, com produtores-estrelas a atrair as atenções de todos, com as casas mais fortes do sector do vinho do Porto cada vez mais apostadas em comprar propriedades para controlar a produção das uvas desde a origem, a qualidade acabou por ser o padrão e a exigência de toda uma região. Temos muita sorte, como consumidores, em ter um tal farol a liderar o sector. Mas esta é uma liderança partilhada, porque temos outras regiões que também fizeram o mesmo, galgando passos nos casos em que a cultura de vinho não era tão tradicional, ou porfiando em recuperar o tempo nos casos em que as estratégias eram orientadas para outros critérios.
Hoje vemos, em muitas regiões, fortíssimas apostas em qualidade, e produtores independentes a procurar caminhos alternativos para recuperar estilos antigos ou experimentar caminhos novos. Isso também se vê no Douro, e um dos vencedores deste painel afirma claramente essa diferença. Vou ser claro, este foi um painel muito fácil, porque todos os vinhos tinham belíssima qualidade. Mas também foi muito difícil, porque o estilo era quase sempre muito parecido. Binómio Touriga Nacional e Touriga Franca, com acompanhamento e/ou tempero das outras castas usuais, maturação e extracção elevadas, embora mantendo boa frescura ácida e taninos civilizados, trabalho ajuizado com a madeira, para amaciar e temperar o vinho sem o marcar com doçuras ou especiarias demasiado óbvias. Descrevi 95% do painel. As diferenças de classificação prendem-se com detalhes, seja a integração, seja a maciez, seja o apelo guloso, seja, raras vezes, uma questão de estilo e preferência pessoal. Pormenores. Convido o leitor a experimentar todos estes vinhos, faça o seu próprio painel com qualquer subconjunto deles. Vai deleitar-se, em particular, se no fim da prova da cozinha sair um assado fumegante e acabar à mesa em festa.
(Artigo publicado na edição de Junho de 2024)
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Prazo de Roriz
Tinto - 2021 -
H.O
Tinto - 2018 -
Herédias
Tinto - 2020 -
Gaivosa Primeiros Anos
Tinto - 2021 -
Duorum
Tinto - 2020 -
Cortes do Reguengo
Tinto - 2019 -
Casa Ferreirinha Vinha Grande
Tinto - 2021 -
Vallado Superior Organic
Tinto - 2021 -
Terras do Grifo
Tinto - 2019 -
Terra a Terra
Tinto - 2021 -
Borges Quinta da Soalheira
Tinto - 2021
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Vale D. Maria
Tinto - 2021 -
Quinta dos Aciprestes
Tinto - 2021 -
Pôpa
Tinto - 2021 -
Piano
Tinto - 2017 -
Pacheca
Tinto - 2021 -
Murças Minas
Tinto - 2022 -
Zom
Tinto - 2021 -
Três Bagos
Tinto - 2020 -
São Luiz Douro Sublinhado
Tinto - 2021 -
Quinta do Ataíde Biológico
Tinto - 2018 -
Quatro Ventos Superior
Tinto - 2019
Herdade da Amada: Da Vinha, com amor…
No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, […]
No ano 2018 a Herdade da Amada, situada em Elvas, foi adquirida pelo grupo empresarial da família Marvanejo (Armazéns Marvanejo), um grossista que se dedica à comercialização de inúmeros produtos do ramo alimentar, com especial incidência nas carnes de porco preto “Patanegra”, vinhos e destilados. Helena e Luís Marvanejo apostaram nas tradições seculares da herdade, ao plantarem 14 hectares de vinha, o resultado de uma aspiração e de um sonho familiar.
“Quisemos fazer algo diferente do que já existia no mercado, e apresentar, ao mundo, vinhos que reflectissem, na nossa ideia, um novo e renovado Alentejo. Não queríamos produzir vinhos sobre-maduros, com excesso de álcool ou madeira a mais, mas antes apostar num perfil claro de elegância e frescura, vivacidade e autenticidade”, referiram Luís e Helena Marvanejo.
Bacelos bravos
E foi com esta ideia de vinho que, começando as coisas pelo princípio, como deve de ser, decidiram tomar a opção de, ao contrário do habitual, plantarem em bravo, talvez a primeira manifestação de amor para com a futura vinha, lembram-se da frase do Poeta?
Plantar bacelos bravos, por si só, não resulta em nada. É necessário, posteriormente, enxertar neles as videiras das castas que se pretendem criar. O processo começa pela escolha dos porta-enxertos. Os da Herdade da Amada foram seleccionados em vinhas velhas da região, recuperando assim a genética das vinhas velhas de sequeiro. Foram, depois, plantados na terra, tendo ficado a criar raízes durante um ano, um sistema radicular com maior profundidade para que a planta aguente melhor as altas temperaturas do Alentejo, garantindo, assim, um vinha durante mais anos, e, ao mesmo tempo, dando alguma resposta ao problema das alterações climáticas
Adicionalmente, este método, segundo Luís Marvanejo, permite que, a longo prazo, se poupe dois terços da água geralmente usada nas regas de uma vinha normal.
Quando os porta-enxertos já revelam a circulação da seiva, são colocadas, então, as videiras, meticulosamente identificadas e colhidas durante o Verão, uma a uma, tendo ficado armazenadas numa câmara frigorífica até Março-Abril, altura em que são colocadas nos porta-enxertos. O terreno foi dividido em parcelas identificadas, tendo sido enxertada, em cada uma delas, a casta que previsivelmente melhor se adaptará, depois de previamente estudados e analisados os respectivos solos.
Este método de plantação em bacelo bravo, para além de ser uma prática muito antiga, é também mais morosa e dispendiosa, existindo sempre a opção alternativa de adquirir porta enxertos já prontos. No entanto, a opção pelo método de enxertia tradicional constitui um forte motivo de orgulho para Luís e Helena Marvanejo, razão pela qual lhe é dada menção de destaque no rótulo dos vinhos da casa, ou não fosse a Herdade da Amada um dos maiores vinhedos da região inteiramente plantado com enxertia no local.
A vinha está entregue ao viticólogo José Luís Marmelo, e a enologia conta com as contribuições do enólogo residente Bruno Pinto da Silva e o conhecimento e experiência da enóloga consultora Susana Esteban que, por si só, dispensa grandes apresentações.
Produção integrada
A viticultura da Herdade da Amada, certificada pelo Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, é baseada no modo de produção integrada e segue o princípio da intervenção mínima, no respeito pela natureza das castas e do seu terroir. Este tipo de viticultura tem, como base, a prevenção aliada a uma forte monitorização e acompanhamento. Por seu lado, a enologia segue também o princípio da intervenção mínima. Trata-se de uma enologia subtractiva, de forte base científica, que trabalha ao máximo com a química da uva e o factor tempo, quase sem recurso a produtos enológicos, exceto quando estritamente necessário. E este será, provavelmente, o segundo momento de demonstração de amor para com a vinha.
Resta saber se o termo “intervenção mínima” será o verdadeiramente correcto, pois toda a atenção, constante monitorização e acompanhamento da vinha, aliado ao forte trabalho científico com a química da uva e factor tempo, não serão antes uma verdadeira e salutar “intervenção máxima”? Mas isso são contas de outro rosário…
Com solos argilo-calcários, clima tipicamente Mediterrâneo, caracterizado por verões quentes e secos e invernos chuvosos, foram escolhidas dez castas a serem plantadas, após selecção massal. Nas brancas, Arinto, Fernão Pires de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Roupeiro e Verdejo de Rueda DO. Nas tintas, Alicante Bouschet, Castelão, Syrah do Rhône, Grand Noir de vinhas velhas da Serra de Portalegre, Touriga Nacional do Crasto e Tempranillo (Aragonez) de Toro DO. De momento, para a vinificação, ainda se recorre aos serviços de uma adega em Arronches, mas está já em andamento o projecto para a construção da própria adega na Herdade da Amada.
A primeira vindima foi em 2022, tendo resultado vários vinhos, um branco e um tinto de lote, com produção de 6898 e 11630 garrafas, respectivamente, ambos já disponíveis no mercado, e ainda três monocastas, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet, que deverão sair durante a Primavera de 2024, em virtude de precisarem de mais tempo depois de um curto estágio em madeira.
E eis-nos chegados ao momento em que podemos constatar a frase inicial do Poeta, será que a vinha correspondeu a tanto amor, cuidado e dedicação? A resposta é francamente positiva. Brindemos pois!
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)
CASA DOS ESPÍRITOS: William Hinton, a estrela do rum da Madeira
O rum começou por ser conhecido como aguardente de cana da Madeira e usado para fazer a poncha, a versão local da caipirinha brasileira. Mas, já neste século, tudo mudou. A alteração da designação de aguardente de cana para Rum Agrícola visou tornar a vida mais fácil aos muitos turistas que visitam a ilha e […]
O rum começou por ser conhecido como aguardente de cana da Madeira e usado para fazer a poncha, a versão local da caipirinha brasileira. Mas, já neste século, tudo mudou. A alteração da designação de aguardente de cana para Rum Agrícola visou tornar a vida mais fácil aos muitos turistas que visitam a ilha e a quem aguardente de cana, não só é difícil de pronunciar, como de identificar o produto como o Rum que de facto é. Bares e cocktails agradeceram e a elaboração de produtos distintos e de gama superior ganhou nova dimensão.
A cana-de-açúcar foi introduzida, na ilha, ainda no séc. XV, pouco tempo após a sua descoberta e foi muito importante na economia local, antes ainda do vinho ter assumido um papel de relevo. Dela a plantação do açúcar foi levada para as Antilhas e para o Brasil, onde a técnica foi replicada e onde assumiu um papel de enorme importância. O solo, a exposição, a disponibilidade, quer de água quer de material para os engenhos, foi determinante para o sucesso das plantações.
A primeira referência à produção de aguardente de cana data de 1649. Com o sucesso da produção na América, a produção local declinou (sem desaparecer) e foi aí que o vinho ganhou mais preponderância. A originalidade do rum agrícola e a diferença para um rum vulgar é-nos explicada por Américo Pereira, especialista local de destilados: “cerca de 95% do rum mundial é industrial, feito com restos de cana, melaço (que neste caso é um subproduto da destilação) e, na Madeira, apenas usamos o sumo fresco que depois fermenta durante 48 horas, muitas vezes sem leveduras ou, com frequência, com um pão em massa fresca da padaria, que aqui serve de levedura. No final, a grande diferença em relação ao rum da Venezuela ou Cuba é que o nosso tem mais acidez, é mais puro e tem muito pouco açúcar”.
Existem actualmente seis engenhos activos na ilha, onde se processa a produção de uma miríade de pequenos produtores de cana. A produção tem direito a IGP (Indicação Geográfica Protegida), e é obtida exclusivamente por fermentação alcoólica do sumo de cana-de-açúcar.A destilaria William Hinton foi fundada em 1845. Por volta de 1920, assumindo uma posição dominante na ilha, chegou a processar 600 toneladas de cana-de-açúcar por dia. O negócio interrompeu-se em 1986 e foi retomado em 2006 e a empresa, além do rum com indicação de idade tem também edições especiais, os Single Cask que utilizam cascos de variadas origens, como Madeira, Whisky, Carcavelos, Sauternes, entre outros. Deve ser apreciado a solo, com um cubo de gelo ou um pouco de água mineral e em cocktail, sendo que o mais simples é a adição de uma casca de laranja ao rum. Pode-se, no clássico cocktail Old Fashioned, substituir o whiskey por rum agrícola envelhecido.
(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)