Castelão: O príncipe de Palmela
Castelão, o resultado do cruzamento natural do Alfrocheiro e Cayetana Blanca (conhecida também como Sarigo e Mourisco Branco), é uma das variedades mais antigas em Portugal, mencionada desde 1531 na zona de Lamego. Foi também conhecida como Castelão Francês (e não tem nada a ver com Castelão Nacional, que é Camarate), entre outras sinonímias menos […]
Castelão, o resultado do cruzamento natural do Alfrocheiro e Cayetana Blanca (conhecida também como Sarigo e Mourisco Branco), é uma das variedades mais antigas em Portugal, mencionada desde 1531 na zona de Lamego. Foi também conhecida como Castelão Francês (e não tem nada a ver com Castelão Nacional, que é Camarate), entre outras sinonímias menos populares.
Actualmente, o IVV reconhece dois sinónimos com restrições regionais – João de Santarém na DO DoTejo e Periquita, que está intrinsecamente ligado à sua história na Península de Setúbal. Tem a ver com a propriedade Cova da Periquita, em Azeitão, onde foram plantadas as primeiras varas por José Maria da Fonseca nos meados do século XIX. A casta adaptou-se lindamente à região e afirmou-se como parte da sua identidade no que toca aos vinhos tranquilos. Na segunda parte do século passado, o encepamento tinto representava 90% da área total da vinha da Península de Setúbal, dos quais 95% era Castelão. Ainda hoje, a DO Palmela exige 66,7% de Castelão no lote. Tirando a DO Colares com Ramisco, é a maior expressão identitária oficialmente estipulada de uma casta tinta no seu terroir de excelência.
Entretanto, o reinado na vinha não se reflectiu no sucesso comercial, por variadíssimas razões, algumas mais objectivas e óbvias do que outras. Como sempre, nestas situações as castas estrangeiras e nacionais de outras regiões parecem uma salvação. Hoje é preciso ser um entusiasta para preferir uma casta rústica e tradicional às alternativas modernas. E felizmente há produtores que reconhecem as qualidades do Castelão e apostam na casta – Casa Horácio Simões, Quinta do Piloto, Sociedade Vinícola de Palmela (SVP) e um projecto conjunto com marca Trois. A SVP, directa ou indirectamente ligada aos outros projectos citados, organizou a masterclasse dedicada à casta.
Mesmo com significativo declínio em plantação, os dados mais recentes do IVV indicam que Castelão, com cerca de 3600 ha, é responsável por 44% das vinhas na Península de Setúbal. É a região com mais Castelão em Portugal.
Luís Mendes da Associação de Viticultores do Concelho de Palmela (AVIPE) contou que, de acordo com o registo da região, existem vinhas de todas as idades, incluindo 26 ha de vinhas velhas, com cerca de 90 anos, plantadas na década de 30 do século passado e 35 ha com idade média de 80 anos. A maior parte (quase 35%) das vinhas presentes hoje na região, foi plantada na última década do século passado, um pouco menos a partir de 2000 e daí para frente a casta perde terreno. Entretanto, se há 10 anos era típico plantar Syrah em vez de Castelão, agora esta tendência travou. Curiosamente (e é bom sinal), há mais gente na região a plantar Castelão; e alguns substituem as cepas velhas por novas, utilizando o material policlonal, exemplifica Luís Mendes.
O senhor das areias
A serra da Arrábida cria a barreira física para os ventos do Norte e canaliza-os em direcção a Palmela. Os rios Tejo e Sado contribuem com humidade nocturna. A proximidade do mar reflecte-se em nevoeiros que trazem frescura e também humidade. Luís Mendes exemplifica que no verão, por vezes, as temperaturas podem chegar aos 40°C de dia e cair até aos 18°C à noite. Juntamente com humidade isto permite a planta a equilibrar-se em termos hídricos.
Da Palmela a Pegões, a maior parte do Castelão, incluindo as vinhas velhas, encontra-se plantada nas planícies com solo de origem arenosa, onde as uvas amadurecem bem. São poucas as plantações que ocupam os terrenos de argilo-calcário nas encostas da Serra da Arrábida. A vindima normalmente ocorre na segunda-terceira semana de Setembro e dura até a primeira semana de Outubro. Na Serra da Arrábida a maturação é mais tardia 1 semana. A janela de oportunidade de vindima no caso de Castelão é relativamente confortável.
O Castelão resiste bem às amplitudes térmicas e à falta de água o que faz uma óptima correspondência com as condições da região. Muitas das vinhas velhas não são regadas, nas vinhas mais recentes a rega é comum. O solo arenoso é pobre e esvazia-se de água muito rapidamente, mas em algumas zonas as toalhas freáticas ajudam a salvar a situação, desde que a planta consiga fazer crescer as raízes (o que se verifica nas vinhas mais velhas, bem enraizadas).
Castelão é uma casta muito produtiva, sem controlo facilmente ultrapassa os 15 tn/ha. Como é natural, esta característica fica condicionada com idade da planta. As vinhas velhas produzem cerca de 3-4-5 tn/ha, dependendo dos clones envolvidos e das características do terreno. Os solos arenosos geralmente têm menos capacidade de retenção de água e nutrientes em comparação com solos argilosos, limitando naturalmente a produtividade e promovendo maior concentração nos bagos.
Em termos agronómicos, o calcanhar de Aquiles do Castelão é a sua grande sensibilidade ao desavinho. Também é sensível à Cigarrinha Verde, uma praga móvel, difícil de controlar que ultimamente tem dificultado muito a viticultura na região. Foi referido que, apesar de ter a película rija, os cachos sofrem bastante com escaldões. No entanto, aguenta melhor a conservação do cacho do que a Trincadeira.
Visitámos uma vinha antiga plantada entre 1954 e 1956 que pertence à Casa Agrícola Monte dos Pardais, uma das sócias da SVP. No solo tipicamente arenoso, erguem-se os troncos não aramados de vigor evidente, que mesmo na altura pós-vindima com a vinha despida se apresentavam bastante imponentes. O compasso de 2,70-2,80 m permite a passagem de um trator para fazer os tratamentos fitossanitários, enquanto outras operações não podem ser mecanizadas, devido à condução da vinha. Ao contrário das vinhas novas, onde a zona de frutificação fica a 70-80 cm do solo, nesta vinha velha, os cachos não se afastam do solo mais de 40 cm o que, obviamente, dá mais trabalho, mas afecta beneficamente a maturação. Esta vinha dá 6-8 tn/ha – nada mal para uma vinha com mais de 60 anos.
Versatilidade comprovada
A prova, comentada por Filipe Cardoso (sócio/enólogo da SVP e da Quinta do Piloto), José Nuno Caninhas (enólogo da SVP) e Luís Simões (sócio/enólogo da Casa Horácio Simões e director geral da SVP), foi bem didáctica, permitindo sentir a versatilidade de Castelão em função das proveniências e abordagens enológicas.
Começámos por provar as amostras desta vindima de 2023. As duas primeiras foram da Casa Horácio Simões, provenientes das vinhas com 60-70 anos de sítios diferentes. Uma da vinha Cachamurrão numa zona mais fresca localizada na Serra do Louro, que leva com ventos do Norte. Outra da vinha das Oliveiras junto a Palmela, de uma zona mais abrigada e mais quente. A vinificação foi igual – em lagar com pisa a pé e com 30% de engaço. O primeiro vinho é mais imediato, de grande limpeza aromática já nesta fase (ainda não finalizou a maloláctica), taninos mais verdes, mais perfumado, com menos concentração e acidez um pouco dura no final de boca. O segundo com mais tanino maduro e mais estrutura. O vinho final é sempre o lote dos dois, proporcionando o equilíbrio.
O terceiro vinho era da vinha mais nova, com 25 anos, da Quinta do Piloto, vinificado em cubas argelinas, onde durante a fermentação as remontagens são feitas aproveitando a pressão criada pela libertação do dióxido de carbono, sem o recurso a bombas. Estava um pouco reduzido, mas com óptima estrutura de tanino, equilíbrio e textura. “Temos que arriscar até ao final da fermentação maloláctica para não tirar o vinho a limpo, tem que ficar com a borra toda” – explicou Filipe Cardoso. Seguiu o Castelão das areias da vinha que vimos hoje. Tanino mais proeminente, ligeiro CO2 ainda, mais corpo, notas de fruta preta com destaque para amora.
O quinto vinho foi do projecto Trois, com um conceito próprio. É um pas de trois dos produtores, enólogos e amigos de longa data: Filipe Cardoso, Luís Simões e José Caninhas. Para além da amizade, une-os a predileção por Castelão. Tudo a multiplicar por três – três terroirs (das areias e da serra), três barricas diferentes, três vinificações, que no final resultam num vinho especial. O 2021 ainda não está no mercado e encontra-se numa fase intermédia a precisar de garrafa, consideram os produtores. Só é lançado quando estiver pronto. Bela fruta e elegância no nariz, barrica já está bem integrada, um apontamento vegetal q.b. para acrescentar a complexidade, não há muita secura de tanino. Suculento, elegante, fresco, delicioso. Percebe-se que o estágio em garrafa lhe vai dar mais integração geral.
Península de Setúbal é a região com mais Castelão em Portugal.
Os próximos dois vinhos da Sociedade Vinícola de Palmela já se encontram no mercado. No Serra Mãe 2020 o objectivo é enfatizar os aromas da casta. A influência da madeira é muito reduzida neste caso: apenas para melhorar a percepção geral do vinho, o pH é mais alto para não dificultar a prova. O produtor vê o vinho como “mais democrático, mas belo exemplo de casta”, como refere Luís Simões. Arbusto, groselha, framboesa e novamente arbusto com flores. Bem feito, não perde identidade, nem rusticidade, mas apresenta também algumas características facilitadoras. Funciona como uma porta de entrada para o consumidor menos experiente.
O Serra Mãe Reserva 2020 tem origem na vinha mais antiga, com 12-14 meses em barrica, sendo 10-20% barrica nova que o vinho aguenta bem graças à maior extracção. Aqui já exploraram a rusticidade, algumas rugas de tanino ficam-lhe bem. Notas carnudas, especiaria, estrutura, mas não há muita untuosidade, é enxuto, atlético, com óptima acidez. É claramente para outro tipo de consumidor.
Esta vinha dá origem ao Botelharia 2017, com o estágio mais prolongado em garrafa. Foi engarrafado em 2019. Mentol, eucalipto, esteva bem presentes no aroma para além da fruta. O volume de boca corresponde à textura, não peca por falta de frescura, musculado, mas não é difícil, até é bem sedutor e envolvente.
O Trois 2015 está no momento óptimo para beber, um Castelão feito propositadamente para ser consumido mais tarde. Tanino domesticado; complexo, mentol, cânfora, ainda fruta fresca (ameixa e cereja), cominhos, terra. De grande polimento e ainda com muita pujança. Secura elegante do tanino a pedir proteína, mas não a encortiçar a boca.
O Horácio Simões Reserva 2014, de um ano difícil com chuva na vindima, mostrou-se distinto e cheio de carácter com mentol, fruta negra, ameixa, ervas aromáticas, manjericão, tabaco e chá na vertente aromática; tanino com certa dureza, mas com os ângulos já arredondados, o que sabe bem com a frescura que o vinho apresenta. Não é pujante, sabe a vinho com certa rusticidade, bonita e bem-vinda. Óptima acidez. Clássico.
O Quinta do Piloto Reserva 2014, também feito em cubas argelinas, com 40% de engaço para fixar as antocianas, por isso a cor ainda está muito viva. Castanhas, notas mentoladas e terrosas. Contido no sabor, sendo bem vocacionado para comida.
O Quinta do Piloto Reserva 2012, foi o primeiro vinho com a marca desta propriedade. As temperaturas no verão foram sem excessos, vindima normal a partir da segunda semana de Setembro. Vinhas velhas. Barrica nova 100%. Este vinho resultou também num late release como Garrafeira 2012. Nos bons anos guardam-no para mostrar a capacidade de envelhecimento do Castelão. Muito especiado, com cravinho, tabaco, couro, eucalipto e alecrim. Tanino a agarrar as gengivas, bem seco, menos fruta, mais vegetal, couro e especiaria no final.
O Serra Mãe 2012, feito em balseiro e barricas usadas. Não foi dos mais harmoniosos no nariz, apresentando algumas notas de ferrugem; acidez bem marcante coloca o vinho fora do consenso. O Serra Mãe 2005 era o quarto vinho desde o início do projecto em 1999. Antigamente só o faziam em anos de topo. Tem bela complexidade aromática, mirtilo, mentol, eucalipto, tabaco. Vivo, denso, impetuoso, com tanino potente, rústico e robusto, com uma elegância própria que ganhou com idade.
Dentro da versatilidade da casta, deve existir uma segmentação clara e uma mensagem correcta ao consumidor.
O que fica do Castelão?
A masterclasse proporcionada pela SVP-Sociedade Vinícola de Palmela a um grupo de jornalistas e profissionais HoReCa cumpriu por inteiro, oferecendo uma visão abrangente sobre o passado, presente e futuro da casta, na vinha, na adega, no mercado.
Historicamente, enquanto o Castelão mais polido e com menos cor levava ao desinteresse do consumidor e do produtor, o Castelão mais rústico e com carácter chegava ao mercado cedo demais. No entanto, a casta é tremendamente versátil e, quando plantada nos locais certos, muito consistente na sua qualidade. Mas dentro da sua versatilidade, deverá existir uma segmentação clara desde a vinha à abordagem enológica, pois para conquistar novamente o consumidor é necessário ter foco na mensagem. Quem procura vinhos mais fáceis, prontos e confortáveis tem de os ter, até porque a casta presta-se muito bem para isto. E quem busca os tintos sérios, personalizados, estruturados e longevos, mas sem nunca perder elegância, frescura e sofisticação, tem no Castelão de Palmela uma variedade com imenso potencial. Os vinhos estão aí a demonstrá-lo.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2024)
Periquita Clássico regressa, após 10 anos
A José Maria da Fonseca lançou, recentemente, o vinho Periquita Clássico, desta vez da colheita de 2014. Até agora, este tinto do melhor Castelão do produtor teve apenas seis edições: 1992, 1994, 1995, 1999, 2001 e 2004. Domingos Soares Franco, enólogo, conta: “Dez anos separam a última colheita do Periquita Clássico desta que lançamos este […]
A José Maria da Fonseca lançou, recentemente, o vinho Periquita Clássico, desta vez da colheita de 2014. Até agora, este tinto do melhor Castelão do produtor teve apenas seis edições: 1992, 1994, 1995, 1999, 2001 e 2004.
Domingos Soares Franco, enólogo, conta: “Dez anos separam a última colheita do Periquita Clássico desta que lançamos este ano. São já seis as colheitas apresentadas deste vinho, que se distingue pelo seu potencial de guarda tremendo. É um vinho que faz lembrar os Periquitas que se bebiam quando comecei a trabalhar no início da década de 80”. E explica: “Com a apresentação da colheita de 2014 do Periquita Clássico, retomamos este vinho, a sua marca e o estilo dos Periquitas de há cinquenta anos, quando as uvas eram fermentadas com engaço e a temperatura pouco controlada. Este vinho foi envelhecido em toneis de madeira usada durante 24 meses e estagiou durante quatro anos em garrafa”.
O Periquita Clássico tinto 2014 tem um p.v.p. recomendado de €25.
Herdade de Pegos Claros: Um hino ao Castelão
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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Pegos Claros é um produtor clássico com uma gama completa – branco, rosé e três tintos – assente na variedade Castelão. É, todavia, no seu tinto Reserva que se concentra a melhor relação preço-qualidade, com um vinho de muito bom nível que mantém um inegável perfil regional.
TEXTO: Nuno de Oliveira Garcia
FOTOS: HPC – Herdade de Pegos Claros
Já em tempos me referi a Pegos Claros é um dos símbolos da casta Castelão. Falamos de uma vinha velha (facto agora orgulhosamente realçado em alguns dos rótulos da marca), com solos de areia pobre e sem rega, sita em Santo Isidro de Pegões, Palmela, quase em transição para o Alentejo. Ali se produz vinho pelo menos desde 1920, sendo que foi só no início da década de ’90 do século passado que o nome Pegos Claros ficou gravado no coração dos enófilos. A herdade, bastante extensa e maioritariamente florestal (como é apanágio na região), passou por vários proprietários nos últimos 30 anos, e só recentemente a adega começou a ter as condições que o enólogo Bernardo Cabral pretende. Actualmente, a herdade está numa fase de velocidade de cruzeiro, com uma produção total de 100 mil garrafas, podendo crescer entre 20% a 30% nos próximos 5 anos, em parte devido à reconversão de uma área de 6 hectares de vinha em 2013.
Em provas recentes efectuadas, foram vários os vinhos dos anos ’90 que me marcaram – 1993, 1995 e 1996, todos da autoria de João Portugal Ramos, então enólogo consultor da propriedade – e, já nos anos mais recentes, o mesmo sucedeu com o Garrafeira 2005 elaborado por João Corrêa (ao serviço da Companhia das Quintas que tinha passado a gerir a herdade). Com a passagem, em 2010, da gestão da propriedade para a ‘Terra Team’ e mais concretamente para o veículo constituído para o efeito – ‘HPC’ –, a marca consolida-se e o portefólio expande-se.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_gallery type=”nectarslider_style” images=”45662,45663,45677,45675,45680,45665,45678,45679,45664,45676,45666″ bullet_navigation_style=”scale” onclick=”link_no”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
Vinha mesmo muito velha
À frente da HPC encontra-se José Miguel Gomes Aires e a enologia, conforme referido, está a cargo de Bernardo Cabral. A par de um rosé e de um Castelão vinificado em branco, e bem assim de um novo topo de gama denominado Primo, o projeto alicerça-se nos tintos Reserva e Grande Escolha. Toda a vinha da propriedade é muito velha, sendo o Grande Escolha produzido a partir de uvas de cepas com mais de 90 anos, e o Reserva com as uvas de vinhas com “apenas” 70 anos… Ambos os vinhos são feitos de forma tradicional, com recurso a lagar e uma pequena percentagem de engaço, e um prolongado estágio em garrafa.
O Reserva é, e pretende continuar a ser cada vez mais, o porta-estandarte do projecto. Com o centenário de Pegos Claros à porta (1920-2020), a imagem do vinho foi sujeita a um restyling, mantendo o rótulo negro, mas agora com nuances e margens douradas, destacando-se ainda a referência expressa a “Vinhas 70 anos”. Dir-se-á que a imagem está hoje mais consentânea com a qualidade do vinho, que é muita, e só o preço – a cerca de 10€ por garrafa – é que parece destoar, demasiado acessível (mas mais vale assim, dirá o consumidor…). O vinho disponível no mercado é o da colheita 2015, pronto a beber, mas podendo evoluir muito bem em garrafa.
Um vinho que perdura…
Para o comprovar, provámos algumas colheitas anteriores, todas em grande forma, com fruto muito vivo, álcool a não ultrapassar os 13,5%, e incrivelmente jovens! As colheitas de 2011 a 2014, foram todas já engarrafadas sob a supervisão de Bernardo Cabral, sendo que o lote de 2011 (ano em que não se produziu Grande Escolha) foi elaborado por Frederico Falcão, na data enólogo da propriedade. Muito bem o 2011, balsâmico e especiado, fruto maduro, perfil sério e gastronómico (17 pontos). Belíssimo o 2012, com fruto encarnado vivo, chá preto e casca de árvore, complexo e muito ágil e leve em boca (17,5). Muita qualidade também no 2013, com perfil mais exuberante e fresco, toque a verniz e ligeira barrica (17). Finalmente, provámos o 2014 (ano em que não houve Grande Escolha), com fruto ainda jovem, nota a alcaçuz, balsâmico; bom corpo em boca tendo em consideração o ano chuvoso e muito sabor no final (17). No conjunto, estes vinhos reforçam a consistência de qualidade e perfil da marca Pegos Claros, e evidenciam a complexidade e carácter que as vinhas velhas de Castelão implantadas em solos de areia imprimem. Elegância, frescura, longevidade, belos vinhos que honram a região que os viu nascer.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]
Edição nº 35, Março de 2020
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Castelão: Patinho feio ou cisne maravilhoso?
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[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O mundo está em constante estado de mudança. Certas coisas acontecem com tal rapidez que é difícil adaptar-nos, outras ocorrem tão lentamente que não são imediatamente perceptíveis. No mundo do vinho não é diferente. Castelão já foi a casta tinta mais plantada de Portugal e é interessante observar sua transformação ao longo dos anos, analisar o que acontece actualmente e ponderar possibilidades futuras.
TEXTO DIRCEU VIANNA JUNIOR MW
FOTOS ARQUIVO
Devido sua capacidade de adaptação, a uva Castelão é encontrada desde as regiões mais frescas e húmidas do norte do país até áreas mais ensolaradas e áridas do sul. A Castelão espalhou as
suas raízes pela maioria das regiões portuguesas incluindo Trás-os-Montes, Douro, Távora-Varosa, Beira interior, Lisboa, Tejo, Alentejo e Algarve.
Encontrou condições ideais na região de Península de Setúbal onde na década de 60’s chegou a cobrir mais de90% da área plantada.
Apesar de ser extensivamente cultivada, a aceitação em termos comerciais nem sempre foi fácil. Pedro Simões, administrador da Casa Agrícola Horácio Simões, recorda quando a empresa decidiu lançar um DOC Palmela no princípio da década de 2000. Naquela época a casta era mal vista, mal compreendida e mal-amada. Lembra de suas primeiras visitas ao mercado quando havia pouco interesse e frequentemente não o permitiam nem abrir a garrafa. O tempo passou e felizmente o comportamento mudou. Hoje a casta começa gradualmente a receber mais atenção dos profissionais do sector e consumidores.
No campo, a casta possui alto poder de adaptabilidade e durabilidade. Na adega, Castelão é versátil, capaz de produzir múltiplos estilos de vinho desde espumantes, brancos, rosés e até fortificados. Os vinhos tintos podem ser leves, elegantes e fáceis de beber quando jovens ou encorpados, concentrados e com estrutura firme para envelhecer por décadas. Na opinião de Luís Simões, enólogo da Casa Agrícola Horácio Simões, a Castelão, quando bem trabalhada, pode ser uma das castas portuguesas de maior longevidade.
Documentos descrevendo terras ao redor da cidade de Lamego em 1531 são as referências mais antigas onde menções sobre Castelão podem ser encontradas. Sua subsequente popularidade deve-se ao empenho de José Maria da Fonseca, natural da freguesia de Vilar Seco do conselho de Nelas no Dão, que ao se fixar em na Península de Setúbal no início do seculo XIX decidiu plantar Castelão na sua vinha da Cova da Periquita. O vinho obteve enorme sucesso comercial e passou a ser associado a esse local de origem, tanto que o nome da vinha, Periquita, acabou por tornar-se um dos sinónimos populares da casta. Castelão é conhecida por mais de uma dezena de nomes distintos dependendo da região onde é cultivada, mas somente Periquita e João de Santarém são sinónimos oficialmente reconhecidos pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e mesmo assim, apenas em determinadas pressupostos legais.[/vc_column_text][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][vc_text_separator title=”CONTROLAR A PRODUÇÃO É ESSENCIAL”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Os dados do IVV mostram que a casta ocupa 9,079 hectares sendo atualmente a terceira variedade tinta mais plantada do país, atrás de Tinta Roriz e Touriga Franca. Após anos de recessão, produtores e enólogos estão gradativamente recuperando o interesse e existem exemplos recentes de áreas cujos vinhedos estão sendo replantados.
A Castelão, que é um cruzamento natural entre Cayetana Blanca e Alfrocheiro, abrolha precocemente, tem vigor médio, porte erecto e adapta-se a diversas formas de condução, principalmente cordão bilateral e guyot. Uma desvantagem é a sensibilidade ao desavinho e a bagoinha. Os maiores desafios, de acordo com Bernardo Cabral, enólogo da Herdade Pegos Claros, estarão relacionados com a gestão de rega e o controlo da produção das vinhas novas. Um dos principais motivos de sua popularidade é sua resistência a doenças criptogâmicas, sendo pouco sensível à podridão. Para António Saramago (filho), enólogo da casa António Saramago Vinhos, a vantagem de ter uma pelicula rígida é essencial para resistir os efeitos negativos que as chuvas trazem em épocas críticas do ciclo vegetativo. Já Domingos Soares Franco afirma que é uma das castas mais resistentes ao escaldão. Apesar de ter sofrido com a vaga de calor do verão de 2018, foi a casta que melhor resistiu às temperaturas elevadas que numa estação meteorológica de Azeitão atingiram 46ºC na sombra.[/vc_column_text][/vc_column][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/2″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][divider line_type=”No Line” custom_height=”20″][image_with_animation image_url=”37223″ alignment=”” animation=”Fade In” border_radius=”none” box_shadow=”none” max_width=”100%”][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]A grande atracção para muitos é sua produtividade elevada, podendo facilmente atingir rendimentos em torno de 15 toneladas por hectare. A qualidade do produto final e variável e inversamente proporcional ao rendimento, sofrendo uma queda acentuada de qualidade à medida que o volume de produção excede cerca de sete toneladas, na opinião de Bernardo Cabral. Quando o vigor não é controlado, podem resultar em vinhos com pouca cor, magros, acídulos, agressivos e demasiadamente rústicos. A produtividade, e consequente qualidade, depende do material vegetativo. Existem várias opções de clones como 5, 25 e 26 JBP e 27-33 EAN. No entanto, na opinião de Luís Simões, a pressão comercial frequentemente leva produtores a optar por clones excessivamente produtivos, o que não é compatível com vinhos de qualidade. O segredo, segundo, Luis Simões, está na preservação das vinhas velhas com maior diversidade genética e volume de produção menor.
A Castelão adaptou-se em vários cantos do país, desde solos tipo podzol na zona de Pegões, solos de areia pliocénica encontrados na sub-região de Charneca no Tejo ou argilo-calcários da região de Lisboa. Nos solos arenosos de Palmela, as videiras afundam suas raízes à procura de água, e consequentemente ajudam conferir estrutura e concentração ao vinho. Além disso, no auge do verão, em terrenos de areia a planta consegue fugir do calor excessivo que se concentra na superfície. Nos solos argilo-calcários, da zona da Arrábida, as raízes distribuem-se lateralmente
fixando-se mais perto da superfície e geram vinhos mais leves, elegantes, com mais frescor e menor teor alcoólico.
Devido à alta relação entre pele e polpa, os vinhos frequentemente possuem estrutura tânica particularmente firme, razão pela qual muitas vezes é preferível fazer lotes com outras varietais como Tinta Roriz, Moreto e Trincadeira. Luis Simões afirma que a casta se relaciona muito bem com o Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon, no entanto na Casa Agrícola Horácio Simões a preferência é trabalhá-la como monovarietal. Para Domingos Soares Franco, um dos principais desafios durante a vinificação é fixar a cor. Na opinião de António Saramago (filho), é recomendável o lote com castas menos ácidas e com menos estrutura quando o objetivo é elaborar vinhos mais económicos, pois atingem equilíbrio mais cedo. Já Bernardo Cabral alerta que a mistura com outras castas pode facilmente ofuscar a tipicidade e o carácter do Castelão.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_text_separator title=”UMA CASTA, DIFERENTES PERFIS”][vc_column_text]Luis Simões defende que Castelão responde positivamente quando vinificada em lagar (de preferência de pedra), gosta de pisa à pé e macerações longas. António Saramago concorda com as propriedades positivas da vinificação em lagar e favorece o uso de engaços quando maduros para dar mais estrutura e adicionar complexidade.
Prefere controlar fermentações para que não ultrapassem 28ºC, ao contrário de Bernardo Cabral que não teme fermentações com temperaturas mais elevadas.
Acidez natural elevada e estrutura firme torna a casta facilmente compatível com estágio em madeira, preferencialmente barricas de carvalho francesas, afirma Bernardo Cabral. Na Casa Agrícola Horácio Simões a preferência é usar madeira nova na primeira fase do envelhecimento seguida por madeiras usadas subsequentemente.
A exemplo de Baga, Sangiovese e Nebbiolo, a casta responde positivamente quando envelhecida em tonéis de madeira de grande porte. O clima ameno do Algarve, cujas amplitudes térmicas entre o dia e noite não variam radicalmente, transmite aos vinhos boa intensidade aromática. Para Ana Matias Chaves, administradora da Herdade Barranco do Vale, os vinhos mostram-se mais abertos, são mais redondos e estão prontos para beber mais cedo, mas não possuem grande capacidade de envelhecimento. Domingos Soares Franco é categórico no que diz respeito à origem dos melhores vinhos de Castelão, citando os solos arenosos que abrigam vinhedos velhos de baixo rendimento na Península de Setúbal como origem não somente dos melhores vinhos, mas também os mais longevos, sendo possível encontrar garrafas de Castelão com mais de meio século que ainda estão na sua plenitude.
Na opinião de Bernardo Cabral, a casta mostra características similares ao Sangiovese da Toscana e ao Nero d’Ávola da Sicília. Tanto António Saramago (filho) e Ana Matias Chaves fazem comparações com Pinot Noir enquanto Luís Simões descreve a com perfil similar ao Grenache. Não resta dúvida que a casta exibe diferentes perfis e é extremamente versátil. Dependendo do estilo pode ser harmonizado com pratos mais delicados, como risoto de cogumelos, frango grelhado e massas. Pode combinar com pratos de sabores moderadamente fortes como atum grelhado, sardinhas e certos tipos de queijo. Alguns vinhos são capazes de enfrentar pratos com sabores fortes como churrasco, ensopados guarnecidos com ervas aromáticas, feijoada, bem como pratos da culinária mexicana.
Para assegurar que a transformação da casta continue sendo positiva é vital proteger os vinhedos velhos. Além de favorecerem a qualidade, fazem parte do património vitícola nacional. Esse diferencial é importante e não deve ser sacrificado à favor de castas alternativas como Cabernet Sauvignon, Merlot ou Shiraz. Além de fácil gestão vitícola e resistência à doenças, a Castelão consegue reter acidez em condições mais quentes o que certamente será uma vantagem na batalha contra alterações climáticas. Com atenção voltada ao futuro, é necessário explorar a possibilidade
de instalação de rega para evitar repetição do que aconteceu na última vindima pois a tendência é que fenómenos parecidos se repitam. Novas plantações devem ser feitas em solos propícios, especialmente solos arenosos, e com material vegetativo orientado para vinhos de qualidade, não quantidade. Como a tendência actual está voltada para vinhos mais leves, elegantes e menos alcoólicos, a vinificação de vinhos para consumo imediato deveria seguir uma abordagem enológica moderna, indo ao encontro do que o consumidor deseja sem extrair taninos em excesso, mas protegendo a tipicidade da casta. Na verdade, já existe um conjunto de vinhos 100% varietais de excelente qualidade. Para que a casta atinja um patamar ainda mais alto e ganhe maior notoriedade é necessário que os produtores mostrem ainda mais convicção, lançando os seus topo de gama 100% Castelão.
A Castelão é uma variedade de grande potencial capaz de gerar vinhos de qualidade diretamente proporcional à atenção que lhe é dada.
Uma casta que tem tudo para se transformar em algo verdadeiramente especial. Basta ser bem tratada.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_text_separator title=”EM PROVA”][vc_column_text]
Edição Nº24, Abril 2019
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António Saramago: 56 anos de Castelão
É o mais antigo enólogo em actividade, em Portugal. Com 56 anos de dedicação ao vinho, António Saramago é artífice da uva Castelão, bandeira da Península de Setúbal, conhecendo-a como a palma da sua mão. Agora, foca-se somente no seu próprio projecto, na terra que o viu nascer, sem planos para cessar. TEXTO Mariana Lopes […]
É o mais antigo enólogo em actividade, em Portugal. Com 56 anos de dedicação ao vinho, António Saramago é artífice da uva Castelão, bandeira da Península de Setúbal, conhecendo-a como a palma da sua mão. Agora, foca-se somente no seu próprio projecto, na terra que o viu nascer, sem planos para cessar.
TEXTO Mariana Lopes
NOTAS DE PROVA Mariana Lopes e Luís Lopes
FOTOS Ricardo Gomez
António Saramago tem 70 anos. O andar sereno e o olhar plácido não deixam esconder a bagagem que traz, nem transparecer o que lhe vai na mente. Quem o conhece, sabe que é mesmo assim, a postura não fraqueja. Mas a sua casa, em Azeitão, na Península de Setúbal, tem sempre a porta aberta. Afinal, Saramago tem muito para contar.
Foi com apenas quatorze anos que entrou para a José Maria da Fonseca (JMF), a cinco de Maio de 1962. Teve de o fazer tão cedo, pois a vida não era folgada. Sob a orientação de António Porto Soares Franco viu, ouviu, aprendeu, ajudou e executou, mostrando apetência para as coisas do vinho e capacidade de trabalho. Na altura, com o apoio António Francisco Avillez, a JMF enviou António Saramago para Bordéus quando este tinha 24 anos, para uma formação em enologia. Também um curso de francês, em Setúbal, foi incentivado pela empresa. A aposta era óbvia, e o jovem aprendiz sentia-se acarinhado. À data, Domingos e António Soares Franco (actuais proprietários e administradores da JMF), eram bastante novos, e o enólogo consultor era Manuel Vieira (pai), acabando Saramago por se estabelecer como chefe de serviço de enologia, cargo hoje comummente apelidado de enólogo residente. António Francisco Avillez, Manuel Vieira e António Porto Soares Franco são, assim, nomes que António Saramago não deixa de mencionar quando conta a sua história: “São as pessoas que mais me marcaram na profissão. Primeiro, porque gostavam de mim, depois, porque achavam que eu tinha jeito para isto. Tive sorte de ter trabalhado numa casa como aquela, que mesmo hoje continua a ser uma verdadeira escola”, confessou. Saramago acabou por sair da JMF em 2001, após uma longa estada na casa.
Curiosamente, a emancipação enológica do azeitonense ocorreu no Alentejo e não na região de origem. Nos anos 80 era já consultor da Adega do Fundão e da Granja Amareleja e, um pouco mais tarde, da Herdade de Coelheiros e Adega Cooperativa do Redondo. “Quando comecei no Alentejo, ninguém lá trabalhava com barricas novas, fui pioneiro nisso. Incentivei, na Granja Amareleja, que se começasse a usar e acabámos por adquirir dez barricas de carvalho novo de 225 litros”, contou. Foi daqui que nasceu a marca, criada por José Leal Sobrado e António Saramago, chamada Terras do Suão, que acabou por “explodir” nos restaurantes de Lisboa. É também curioso que o vinho Tapada de Coelheiros, tenha surgido em seguimento isto: Joaquim Silveira, então proprietário da Herdade de Coelheiros, costumava ir almoçar ao Gambrinus todos os fins-de-semana. Pelo sommelier do restaurante lisboeta, foi-lhe apresentado o Terras do Suão como sendo um dos melhores vinhos do Alentejo. A verdade é que, na altura, os vinhos alentejanos de elevada qualidade contavam-se pelos dedos de uma mão. Aí, Silveira abordou Saramago para que este criasse em Coelheiros um vinho que estivesse ao mesmo nível, e este aceitou o desafio. Apesar de já tratar a uva Castelão por “tu”, António sabia bem que esta, mesmo sendo a casta mais plantada no Alentejo naquela década, não era ideal naquele terroir de Arraiolos, e começou por arrancar todo o que lá havia. Plantou mais Cabernet Sauvignon (incentivado pela paixão bordalesa de Joaquim Silveira), um pouco de Trincadeira e Aragonez, e reforçou a área de Chardonnay. Por esta última opção, foi apelidado de várias coisas. Mas não era António Saramago se não mantivesse a sua posição, sem vacilar. “Coelheiros foi o projecto que mais me marcou, a seguir a José Maria da Fonseca. Foi-me dada toda a liberdade de actuação, e isso é o sonho de qualquer enólogo”, revelou Saramago.
Conhecer bem a casta; ter grande experiência em como ela deve ser trabalhada na adega; aceder a uvas de uma vinha já com alguma idade. Estas são as premissas do versado em Castelão. António Saramago dedicou a sua vida a conhecer a uva: “É das mais difíceis do cardápio português. É muito sensível a doenças na vinha, gera muita “bagoinha” (pequenos bagos verdes que não vingam) e as suas maturações fenólicas são bastante irregulares”, explicou. Quando o enólogo iniciou a actividade, a Castelão representava 95% nas plantações da Península de Setúbal. No entanto, com o tempo os produtores e os agricultores foram preferindo uvas de trato mais fácil, como a Syrah, por exemplo, e o protagonismo da Castelão foi-se perdendo.
Podemos separar a Castelão em dois “tipos”: a de solo argilo-calcário, da zona da Arrábida, que origina vinhos mais leves, frescos e elegantes, com menos concentração e menos álcool, e a de solos arenosos, de Palmela, que dá vinhos mais estruturados e concentrados. Com o passar dos anos, a parte da Arrábida foi praticamente diluída, mas na zona de Palmela isso não se verificou tanto. Neste momento, até já se começou a replantar Castelão, também porque os jovens produtores e enólogos recuperaram o interesse na casta. “A Castelão é a nossa identidade”, afirmou António Saramago, que usa nos seus vinhos uvas dos solos de areia de Palmela. Quando interrogado sobre a razão da preferência, foi peremptório na resposta. “Para mim, não há lugar para Castelão dos dois solos. A Castelão deve ser plantada em solos arenosos. No solo argilo-calcário, a videira não tem estrutura para se aguentar, pois em vez de as raízes afundarem, acabam por se encaminhar lateralmente e a escassa profundidade, onde encontram a água pouco abaixo da superfície. Nos arenosos, as videiras afundam muito as suas raízes à procura de água, o que lhes dá mais estrutura e concentração ao vinho. Além disso, no pico do Verão, em terrenos de areia é mais fácil fixar o calor à superfície”.
Aqui há uma questão que se coloca: Numa altura onde começa a haver mercado para vinhos menos concentrados, mais leves e com menos álcool, não será possível fazer um Castelão de perfil diferente, mais na linha da elegância? Foi aqui que António Saramago nos surpreendeu com um plot twist. “Há lugar para esses vinhos de Castelão, mas acredito que eles possam surgir dos solos de areia e não dos argilo-calcários”, disse. Aliás, está nos planos do enólogo a criação de um vinho com esse perfil, das vinhas velhas em areia que explora, apenas com uma abordagem enológica diferente. “Será um dos meus últimos trabalhos”, declarou, um novo desafio nesta fase mais avançada da vida profissional.
Azeitão é a sua terra e a Península de Setúbal a sua região e, por isso, Saramago sempre quis criar vinhos ali, onde se sente em casa, com a casta da sua vida. Assim, iniciou o seu projecto pessoal em 2002, a pequena empresa familiar António Saramago Vinhos. “O objectivo foi fazer coisas boas, em pequenas quantidades”, contou. O filho António está também envolvido, trabalhando a enologia e a área comercial, bem como a esposa Ausenda. São referências como Risco (base de gama) António Saramago Reserva, António Saramago Superior, A.S. (topo de gama), JMS Moscatel de Setúbal Superior e António Saramago Moscatel de Setúbal Reserva. Também produz no Alentejo, onde se destaca a marca Dúvida. São 150 mil garrafas no total, cerca de metade em cada região. Incansável, Saramago criou agora um vinho de edição única, o Sucessão, dedicado aos seus três netos e dividido em partes iguais pelos mesmos. Em breve, entrará na Beira Interior e em Lisboa.
Não tem adega própria (alugando espaço de vinificação em Catralvos), nem vinhas próprias, mas explora em regime de arrendamento e compra uvas e vinho, utilizando a sua experiência para escolher o que há de melhor. Algumas dessas vinhas, de Palmela, são tão velhas e têm produções tão baixas que tem de pagar valores muito elevados pelas uvas, sob risco de o proprietário desistir da vinha e decidir arrancá-la. Visitámos uma delas. A paisagem é impressionante, uma planície de areia com cepas velhas imponentes e deixadas em liberdade, onde o sol mostra uma luz mais brilhante e onde o vento nos fustiga o cabelo. António Saramago coloca a sua mão sobre um dos braços de uma videira, como se fosse sua amiga: “Terei em breve 71 anos, mas enquanto estiver nas minhas plenas faculdades, vou continuar. Ao fim destes anos todos, continuo a gostar muito daquilo que faço. É paixão. E isso é uma coisa que nasceu comigo e que comigo vai morrer”.
Edição Nº23, Março 2019