Lançamento: Os Calços da Dona Matilde
São calços e são largos. Foram criados após a filoxera e mantiveram-se até hoje. Correspondem a uma forma de implantação da vinha ainda hoje muito vulgar no Douro e que veio permitir plantar mais cepas com menor presença dos patamares e respectivos muros. Nasceu assim o tinto Vinha dos Calços Largos. Texto: João Paulo Martins […]
São calços e são largos. Foram criados após a filoxera e mantiveram-se até hoje. Correspondem a uma forma de implantação da vinha ainda hoje muito vulgar no Douro e que veio permitir plantar mais cepas com menor presença dos patamares e respectivos muros. Nasceu assim o tinto Vinha dos Calços Largos.
Texto: João Paulo Martins Fotos: Quinta Dona Matilde
A quinta Dona Matilde é uma propriedade histórica, já centenária e localizada no coração do Douro, entre a Régua e o Pinhão. É nas velhas quintas que encontramos as vinhas mais antigas da região, muitas delas seculares. Hoje, ao contrário da “voragem arrancativa” dos anos 80 e 90, em que substituíram muitas vinhas velhas para plantar segundo novos moldes, hoje dizia, há uma tendência para conservar estas vinhas antigas e tirar delas o melhor proveito, nomeadamente em termos de preço de venda. Hoje todos sabemos que um vinho de vinha velha só é mesmo bom se a vinha for mesmo boa, bem localizada e se foi sendo bem tratada ao longo das décadas de vida. Na quinta Dona Matilde elas também existem, a par de vinhas mais recentes, e foi daqui, desses bardos das vinhas velhas em calços que nasceu o tinto ora apresentado.
Foi com as uvas destes calços que o produtor resolveu engarrafar pela segunda vez um tinto exactamente com esse nome, Vinha dos Calços Largos. A originalidade deste tinto assenta em dois planos: por um lado estamos a falar de vinhas muito velhas e, por outro, o vinho não teve estágio em madeira, o que é raro num vinho de topo ou que pretende mostrar as qualidades das vinhas muito antigas. Para o enólogo João Pissarra é desta forma que melhor se podem perceber as pequenas nuances que, de ano para ano, os vinhos vão tendo. Pouca intervenção na vinificação (pouca extracção, leveduras indígenas) e ausência de madeira são então os trunfos. O enólogo salientou ainda que “o equilíbrio da matéria-prima é muito mais evidente nas vinhas velhas e acho, por isso, que as vinhas velhas vão vencer a guerra das alterações climáticas”. Manuel Ângelo Barros neto do fundador e durante 30 anos administrador da empresa Barros Almeida, esteve de novo presente no evento, também para apresentar o Porto Colheita, um vinho que lhe diz muito, ele que toda a vida esteve ligado à produção e prova de vinhos do Porto. Filipe Barros, seu filho, assegura a continuidade familiar do projecto. A quinta, com uma localização espectacular e vista para o rio, tem 93 ha mas uma boa parte é de mata mediterrânica. Além da vinha possui olival, horta e pomar e tem instalações de enoturismo. Para lá do tinto agora apresentado a quinta tem outro tinto de destaque, o Vinha do Pinto, a que acrescem dois tintos e dois brancos, ente colheitas e reservas.
Dona Matilde-O privilégio das vinhas históricas
Nesta bonita propriedade na margem do rio Douro têm sido vários os ensaios que procuram espelhar melhor as virtudes das vinhas. Sobretudo as que têm mais passado e muito que contar, as vinhas históricas. Texto: João Paulo Martins Foto: Quinta Dona Matilde Começam agora a chegar à verdadeira velhice as vinhas que resultam das plantações […]
Nesta bonita propriedade na margem do rio Douro têm sido vários os ensaios que procuram espelhar melhor as virtudes das vinhas. Sobretudo as que têm mais passado e muito que contar, as vinhas históricas.
Texto: João Paulo Martins
Foto: Quinta Dona Matilde
Começam agora a chegar à verdadeira velhice as vinhas que resultam das plantações pós-filoxéricas que se fizeram no Douro. Para combater a praga usaram-se porta-enxertos resistentes e a lógica do plantio seguiu os ensinamentos que vinham de há séculos: misturar as castas na vinha porque num ano em que não davam umas davam outras e, por outro lado, a vindima não distinguia variedades e todas eram colhidas em simultâneo; provavelmente umas mais maduras que dariam mais álcool e outras mais verdes que confeririam mais acidez. Era este o conceito que hoje chamamos de field blend, em que o lote já vinha feito da vinha, não era necessário fazer ensaios na mesa de provas.
São estas vinhas, comummente chamadas de “vinhas velhas” que José Carlos Oliveira, o técnico de viticultura da quinta prefere, e bem, apelidar de “vinhas históricas”. Elas ainda existem no Douro, apesar das maldades e perfeita destruição de património que se operou nos anos 80 quando se replantaram vinhas com o patrocínio do Banco Mundial, se arrancaram vinhas velhas (e com elas perdeu-se muito do património genético) e se afunilou a selecção das castas a plantar. Estava na mente de todos a produção de uvas para Vinho do Porto mas o que ninguém imaginava era que, passados 40 anos, o DOC Douro fosse mais importante que o Vinho do Porto. Hoje andamos a tapar as feridas, a tentar recuperar estas vinhas muito velhas e a procurar conservar clones e genes. A verdade é que o apreço pelas vinhas históricas é hoje bem maior do que então era e a região só tem a ganhar com isso. O conceito de vinha histórica prende-se também com o facto de não haver duas iguais, quer pela localização de cada uma (exposição, altitude) quer pela malha de castas que torna cada vinha única e irrepetível. Na vindima de 2017 a empresa tinha apresentado o tinto Vinha dos Calços Largos e, agora, surge da vindima de 2019, o Vinha do Pinto.
O tinto da Vinha do Pinto procura expressar essa complexidade da vinha histórica com uma ousadia ainda pouco tentada no Douro: fazer um tinto topo de gama sem que tenha tido qualquer contacto com barrica, nova ou usada. Este vinho apenas estagiou em inox e o que perdeu (eventualmente) em complexidade e mistério ganhou (seguramente) em elegância, precisão e aptidão gastronómica. A vinha tem 30 castas e à entrada da adega foram retiradas as uvas brancas que a vinha também tinha e que estavam lá para ajudarem no ajuste da cor, sobretudo para a produção de Porto tawny. A produção deste primeiro “tinto sem madeira” limitou-se a 2800 garrafas numeradas. João Pissarra, enólogo, optou por uma intervenção minimalista em termos de adega e daí deriva também a ausência da madeira.
O branco, menos ousado, é também um field blend de uma vinha com 25 anos e com estágio de 6 meses em barrica. Na vinha encontramos Arinto, Viosinho, Gouveio e Rabigato, quatro das mais emblemáticas variedades da região.
A quinta de 93 ha, com larga frente de rio entre a Régua e o Pinhão, tem 28 ha de vinha e uma alargada área de mato e floresta; está na posse da família Barros desde 1927 e integrava o património da empresa de Porto Barros Almeida. Aquando da venda da empresa à Sogevinus (2006) a família Barros recuperou a posse desta quinta, agora dirigida por Manuel Ângelo Barros e seu filho Filipe. A quinta também produz Vinho do Porto.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2021)
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