A nova revolução dos Verdes

Desde a sua criação em 1908, a região dos Vinhos Verdes passou por diversos impulsos de rotura com o passado que possibilitaram saltos importantes no seu desenvolvimento. Actualmente, um conjunto de produtores, grandes e pequenos, está a liderar um desses momentos, criando condições para mudar a forma como olhamos o Vinho Verde. TEXTO Luís Lopes […]
Desde a sua criação em 1908, a região dos Vinhos Verdes passou por diversos impulsos de rotura com o passado que possibilitaram saltos importantes no seu desenvolvimento. Actualmente, um conjunto de produtores, grandes e pequenos, está a liderar um desses momentos, criando condições para mudar a forma como olhamos o Vinho Verde.
TEXTO Luís Lopes
Comecei a escrever sobre vinhos em 1989, no início do movimento dos chamados “Verdes de Quinta”. Foi uma verdadeira revolução na região, uma revolução romântica, se quisermos, protagonizada por proprietários de casas e solares minhotos (alguns com muitos séculos de história) que queriam evidenciar a sua singularidade e, ao mesmo tempo, dar um cunho mais pessoal a um vinho assente quase exclusivamente em grandes marcas “sem rosto”.
Solar das Bouças, Casa de Sezim, Paço d’Anha, Casa de Cabanelas, Casa de Compostela, Casa da Senra, Casa de Vila Boa, Casa de Vilaverde, Quinta de S. Cláudio, Quinta do Tamariz ou Quinta de Azevedo foram alguns dos mais de 20 produtores que decidiram romper com o paradigma tradicional do Vinho Verde – vinhos simples, baratos, com gás e doçura – e ambicionar ir mais além, com vinhos secos e mais sérios, que transportavam uma identidade e o conceito de “produtor-engarrafador”. A vaga dos vinhos de quinta, que alastrou depois ao resto do país, teve na região dos Vinhos Verdes a sua locomotiva e hoje poucos se lembram disso. Mas o mercado dos Verdes não estava ainda suficiente maduro para acolher a ousadia e vários destes pioneiros ou desapareceram ou, a dada altura, tiveram que se adaptar a um estilo mais comercial para se manterem no activo. O conceito e o propósito, porém, ficaram.
Hoje, os tempos são outros, o consumidor também e, não menos importante, a viticultura da região está muito melhor preparada para responder aos desafios qualitativos. Ou seja, ao contrário do que a revolução das quintas pensava, para fazer um Verde mais ambicioso na qualidade e no preço não basta tirar o gás e o açúcar, é preciso que esse vinho exprima o melhor das mais nobres castas regionais (Loureiro, Avesso, Arinto e, cada vez mais, Alvarinho) e do carácter da terra que o viu nascer.
Quem estiver minimamente atento terá percebido que o processo de mudança já se iniciou, com o Vinho Verde a assumir, a pouco e pouco, dois estilos bem distintos: o perfil “clássico”, com álcool baixo, gás, leve doçura, e preço a rondar os €3 (acima da média nacional, vale a pena mencionar…); e o perfil “moderno”, elegante, intenso, encorpado, vendido por valores entre os €6 e os €10 a um segmento de apreciadores mais exigente. São duas realidades absolutamente compatíveis e com o seu espaço muito próprio no mercado.
Porém, na construção deste Verde moderno e ambicioso existem caminhos que, em minha opinião, deverão ser evitados. Um deles passa pelo abuso da tecnologia: um vinho branco é tudo menos um sumo de maracujá. O outro, não menos preocupante, é o excesso de álcool (por vezes acima dos 13%), ao qual por vezes se associa a perda de acidez, desvirtuando o carácter da região. Não esqueçamos que o Vinho Verde tem a vantagem de ser, ao mesmo tempo, uma denominação de origem e uma categoria de produto. Um pouco como o Champagne, salvaguardadas as devidas distâncias. Por isso, o principal desafio dos modernos Verdes passa por mostrar que é possível fazer vinhos brancos de superior categoria com álcool moderado e elegante frescura, preservando a sua singularidade. O que é o mesmo que dizer, grandes vinhos brancos que não deixem de ser… Verdes!
Edição Nº15, Julho 2018
Misteriosa Bairrada

A Bairrada é uma extraordinária e complexa região, porventura a mais desafiante na sua relação com o consumidor. Enorme diversidade e forte carácter conjugam-se em vinhos que estão longe de ser imediatos ou consensuais. São vinhos misteriosos, que se revelam a pouco e pouco, até a sua grandeza nos conquistar por inteiro. Esta é uma […]
A Bairrada é uma extraordinária e complexa região, porventura a mais desafiante na sua relação com o consumidor. Enorme diversidade e forte carácter conjugam-se em vinhos que estão longe de ser imediatos ou consensuais. São vinhos misteriosos, que se revelam a pouco e pouco, até a sua grandeza nos conquistar por inteiro.
Esta é uma região de contrastes, uma região com várias faces. Desde logo, pela forma como os seus vinhos se posicionam no mercado. Se entrarmos numa grande loja de retalho alimentar, entre centenas de referências do Alentejo, Setúbal, Douro ou Dão, será muito pouco provável encontrar mais do que um vinho oriundo da Bairrada. Aparentemente, o “consumidor comum” está de costas voltadas para os vinhos da região ou, no mínimo, os responsáveis de compras dessas lojas não vêem nos brancos e tintos da Bairrada as características ideais para cativar os seus clientes. E, no entanto, vários produtores bairradinos estão, indiscutivelmente, entre os mais prestigiados de Portugal, e há cada vez mais vinhos da região a assumir lugar de destaque nas listas de conceituados restaurantes, nas prateleiras das lojas especializadas e nas preferências dos apreciadores mais esclarecidos e exigentes.
O próprio modelo fundiário da Bairrada explica esta bipolaridade: com uma dimensão média de vinha que não ultrapassa o meio hectare, parcelas dispersas e elevados custos de produção, esta não é, claramente, uma região de volumes, capaz de fazer bom e barato, mas sim uma região de nicho, vocacionada para produzir vinhos especiais a preços condizentes.
Não quer isto dizer que não se encontre excelente relação qualidade-preço, como o demonstra a grande prova de tintos Bairrada publicada nesta edição. Só que esses “best buy” estão na faixa dos 7 a 12 euros, não custam 3 ou 4… Paralelamente, temos os vinhos de topo, posicionados acima dos 25 ou 35 euros, que aliam a sua enorme categoria a um tom vibrante e fresco, denominador comum da região.
Os contrastes bairradinos não terminam aqui. Desde a reformulação legislativa de 2002, um DOC Bairrada pode ser feito com uma ou mais de 11 castas brancas e 17 tintas, entre as quais se encontram, castas exógenas como Chardonnay, Pinot Blanc, Verdelho, Sauvignon, Viognier, Cabernet, Merlot, Petit Verdot, Pinot Noir, Syrah, Tinta Barroca, Touriga Franca e Touriga Nacional, ao lado de uvas mais “tradicionais” como Maria Gomes, Bical, Cercial, Baga ou Castelão. Se cruzarmos este número de castas com os dois tipos de solos principais (areias e argila-calcário) e, sobretudo, as diferentes abordagens de adega por parte de enólogos e produtores, facilmente se imagina a gigantesca diversidade de estilos e perfis de vinho que a Bairrada coloca hoje no mercado. Se isso se revelou positivo ou negativo para a região, o balanço está ainda por fazer. Certo é que, por um lado, os vinhos tintos e espumantes elaborados com a “clássica” Baga voltam a estar, literalmente, nas bocas do mundo e assumem-se como uma categoria à parte; e, não menos certo, seja qual for o lote de uvas utilizado, o terroir da região deixa sempre a sua marca, em vinhos com qualidade, personalidade, vivacidade e longevidade. Misteriosa Bairrada…
Edição Nº14, Junho 2018
O vinho tem muitas cores

Edição nº12, Abril 2018 Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes. Tenho duas boas razões para não gostar de […]
Edição nº12, Abril 2018
Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes.
Tenho duas boas razões para não gostar de radicalismos. A primeira, é que os radicais tendem a ver as coisas de forma simplista, a preto e branco, sem outras cores ou tonalidades. Ora, o mundo, a vida, o vinho, são muito mais complexos do que isso. A segunda, é que quem defende uma posição radical não tem, normalmente, qualquer tipo de abertura para acolher a opinião do outro. Para um extremista, existe uma verdade (que é, obviamente, a sua) e um lado certo (que é, naturalmente, o seu), e a mentira e o erro estão com todos os outros que não concordam consigo. Esta predisposição mental aplicada ao vinho é ainda mais difícil de sustentar. Como se existisse o vinho “verdadeiro”, por oposição ao “falso”…
Tendências (modas, se quisermos) sempre as houve no mercado de vinho. Mas nunca, até hoje, se assistiu à diabolização de determinados estilos de vinho ou práticas enológicas, e à censura pública dos seus produtores ou apreciadores. O discurso do vinho “politicamente correcto” é, sobretudo, veiculado por alguns bloggers e produtores e, por muito que me custe enquanto profissional da área, também comunicadores/jornalistas. Os efeitos sentem-se num mercado de nicho, muito longe do país real, mas não são por isso menos preocupantes.
Há poucas semanas, no final de mais um curso da Academia Grandes Escolhas, um dos participantes abordou-me para uns minutos de conversa. A dada altura, arranjou coragem para dizer o que lhe ia na alma: “Sabe, eu bebo vinhos de qualidade há muitos anos e gosto especialmente de tintos encorpados, vigorosos, vinhos com 14 graus e aquele toque da madeira. Mas agora na internet e nos jornais dizem que isso é mau, que os vinhos devem ter pouco álcool e nenhum sabor a madeira, e eu começo a sentir-me deslocado. Sou eu que estou errado e já não sei o que é bom?” Confesso que quase me obriguei a pedir-lhe desculpa pelo comportamento dos outros. Mas, ao invés, disse-lhe que não há vinho “certo” e vinho “errado” e que cada um deve beber o que verdadeiramente lhe dá prazer, sem prejuízo de ir experimentando propostas diferentes, porque a diversidade é uma das mais fascinantes características do mundo do vinho.
Há gente armada em polícia de costumes, a exercer “wine bullying” sobre produtores e consumidores
Ao que isto chegou! Na ânsia de se mostrar muito conhecedora, muito “fora da caixa” e “alternativa”, há gente armada em polícia de costumes e dedicada a exercer “wine bullying” sobre os produtores e consumidores que ainda não “viram a luz”. Esquecendo-se que, se atingirem os seus propósitos e todos começarem a pensar e a beber o mesmo, um dia os vinhos verdadeiramente alternativos serão os que têm 17% de álcool e 36 meses de barrica nova!
Equilíbrio. Numa única palavra, esta é para mim a qualidade mais importante de um vinho. Equilíbrio entre exuberância e contenção, entre corpo e leveza, entre garra e elegância, entre pureza e carácter. E o equilíbrio encontra-se (e encontro-o) em vinhos muito distintos entre si, distintos na origem, no conceito, no estilo. O vinho é uma paleta multicolorida. Não o queiramos reduzir a uma cor só. E, sobretudo, não aceitemos que nos digam que só o amarelo tem nobreza e virtude. O que seria do vermelho, do verde, do azul…
Tejo, os vinhos que faltavam

Editorial Março 2018 O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e […]
Editorial Março 2018
O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e promoção de uma identidade regional.
Algumas das mais famosas regiões de vinho do mundo têm o seu nome associado ao rio que as atravessa. Ribeira del Duero, em Espanha; Côtes du Rhone, em França; Mosel, Rheingau, Rheinhessen e Nahe, na Alemanha; Napa Valley, nos Estados Unidos da América; ou Mendoza, na Argentina, são apenas algumas das mais importantes. Em Portugal, avultam naturalmente o Douro, o Dão e o Tejo.
Foi nessa tradicional ligação entre rio e vinho que a antiga região do Ribatejo pensou quando, em 2009, resolveu mudar de nome para Tejo, libertando-se de eventuais conotações negativas do “Ribatejo vínico” no mercado nacional. Curiosamente, apesar da mudança, os produtores do Tejo mantêm com o rio uma relação tímida, ao contrário de outras regiões da Europa (incluindo o Douro) que ostentam os seus rios como factor identitário…
Esse distanciamento é tema que me levaria longe e que este espaço editorial não permite desenvolver. Fica para outra ocasião. O importante é focar o gigantesco salto qualitativo dos vinhos do Tejo ao longo da última década. As bases para isso sempre estiveram lá, na verdade. Quem assistiu à descoberta do bom vinho por parte dos consumidores lisboetas, no início da década de 90, lembra-se certamente do furor que nos restaurantes da capital fizeram certos brancos e tintos de marcas ribatejanas, algumas entretanto desaparecidas (D. Hermano, Quinta Grande), outras que hoje regressam ao seu melhor (Falcoaria, Casa Cadaval). Nesse primeiro assomo da qualidade dos vinhos do Tejo, é de inteira justiça recordar a “mão” de João Portugal Ramos, que orientava várias dessas casas. E, também a título de curiosidade, relembrar que uma boa parte desse sucesso inicial assentava em vinhos brancos de Fernão Pires, uma casta de enorme potencial, com forte identidade regional, e que, a meu ver, ainda não recebeu do Tejo toda a atenção que merece… Mais um tema que fica para segundas núpcias.
Em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente
Dos anos 90 até aos nossos dias, o Tejo revolucionou-se na vinha, na adega, na cultura vínica, com a qualidade média a subir em flecha. Porém, fazer bons vinhos a bom preço não chega para potenciar a imagem de uma região. Os vinhos bandeira são essenciais nesse processo e estes, apesar de existirem, eram até há bem pouco tempo em número insuficiente para fazer a diferença. Porém, em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente. Entre marcas mais clássicas e outras mais recentes, o Tejo tem hoje uma dúzia de nomes e vinhos que podem e devem constituir-se como cartão de visita e locomotiva da região. Permitam-me que destaque aqui apenas uma casa, a Companhia das Lezírias, não apenas pela notável transformação ali operada e que conduziu a alguns grandes vinhos, como também pelo facto invulgar de ser uma empresa estatal, ou seja, “de todos nós”, cujo sucesso deveria servir de exemplo para as suas congéneres.
Com qualidade média em alta e um razoável número de vinhos de topo, o que falta agora ao Tejo para obter o pleno reconhecimento do mercado? Arrisco uma sugestão: encontrar denominadores comuns (o rio, a Fernão Pires, lembram-se?), realçar factores pontuais diferenciadores (as vinhas velhas que poucos sabem que existem…), assumir a história (que nada tem que envergonhe, pelo contrário). Em suma, construir, reforçar e comunicar uma identidade. Eu iria por aí.