Quinta dos Muros: A outra face do Portal
No vasto e diversificado mundo do vinho, a identidade é uma mais-valia importante. É neste contexto que surgem os vinhos de parcela, como forma de destacar, numa determinada vinha, um terroir muito particular. O agora apresentado Quinta dos Muros Parcela M7 abre um novo caminho no portefólio do Portal e assume-se desde já como uma […]
No vasto e diversificado mundo do vinho, a identidade é uma mais-valia importante. É neste contexto que surgem os vinhos de parcela, como forma de destacar, numa determinada vinha, um terroir muito particular. O agora apresentado Quinta dos Muros Parcela M7 abre um novo caminho no portefólio do Portal e assume-se desde já como uma das estrelas mais cintilantes da empresa.
TEXTO E FOTOS Luís Lopes
A Quinta dos Muros é o berço duriense da família Mansilha Branco, proprietária da sociedade Quinta do Portal. Nas mãos da família desde finais do século XIX, a Quinta dos Muros foi, na verdade, o princípio de tudo. Ali, na encosta nascente do Vale do Rio Pinhão, as sucessivas gerações Mansilha Branco começaram por produzir vinho do Porto, vendido depois a granel para as grandes casas de Gaia. A partir de 1974, resolveram ir guardando algum vinho, criando um stock de Porto que lhes permitiu, no início da década de 90, fazer nascer a sociedade Quinta do Portal, dedicada à produção e comércio de Douro e Porto, e que, mais tarde, integrou enoturismo e hotelaria. Hoje, Portal é a marca e identidade “chapéu” que agrupa a produção de várias quintas mas, para a família Mansilha Branco, as raízes (reais e emocionais) do seu projecto vitivinícola, estão na Quinta dos Muros.
Com 28 hectares plantados, a Quinta dos Muros é igualmente a maior das vinhas da empresa. Contígua, fica a parte da Quinta da Manoela, com 11 hectares de vinha, que pertence à família Mansilha Branco, sendo a outra parte propriedade da família Serôdio Borges (Wine & Soul). Mas enquanto a Quinta dos Muros produz uvas para Porto e Douro, as vinhas da Quinta da Manoela (plantada apenas com Touriga Nacional e Tinta Roriz) estão exclusivamente orientadas para Douro. O património vitícola da empresa fica completo com as quintas do Portal (12,2 ha), da Abelheira (16,6 ha) e Confradeiro (19,6 ha), num total de cerca de 88 hectares de vinha em produção. O olival está também presente em várias destas propriedades.
A parcela M7
Quem cuida de todas estas vinhas, adega, armazéns e vinho, é o enólogo Paulo Coutinho. E percebe-se, quando com ele se fala, que nutre pela Quinta dos Muros um carinho muito especial. Talvez pela diversidade que encontra, pela qualidade das uvas que ali recolhe e pelo tempo e esforço que investiu no estudo e aprimoramento destas videiras. A Quinta dos Muros está dividida em diversas parcelas, entre os 135 e os 550 metros de altitude, integrando vinhas mais recentes e mais antigas, talhões estremes e talhões com castas misturadas. Tinta Barroca, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão, Tinta Roriz e Cabernet Sauvignon encontram-se plantados separadamente, mas existem várias parcelas com vinha velha de “field blend”. Entre estas, destacando-se pela sua configuração em oito taludes/patamares de três e quatro bardos, plantados há cerca de 50 anos, está a parcela M7.
A M7 abrange 1,39 hectares, com orientação oeste/noroeste, entre os 440 e os 490 metros de altitude. Neste momento, são exactamente 4.548 videiras, integrando 30 variedades distintas, e tendo como mais representativas a Tinta Barroca, Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinta Carvalha e Mourisco.
Esta singularidade esteve muito perto de desaparecer para sempre. Uma vinha antiga não produz necessariamente bons vinhos (longe disso!) e alguma decrepitude vitícola da parcela M7 sugeria que deveria ser reestruturada, ou seja, arrancada para plantar vinha nova. Em 2016, porém, Paulo Coutinho, apoiado por Pedro Mansilha Branco, resolveu dar à M7 uma oportunidade para mostrar o que valia. Até aí, as uvas tinham sempre sido misturadas com as de outras parcelas, pelo que ninguém sabia a qualidade e perfil de vinhos que poderiam vir dali. Antes da vindima de 2016, Paulo provou as uvas de todas as videiras, selecionando aquelas que lhe pareciam com mais potencial. Essas cepas foram marcadas e vindimadas separadamente, e as uvas vinificadas em micro lagares de 1m3, com mergulho da manta apenas com a mão e braços, e movimentações do mosto por gravidade. O estágio decorreu em barricas de 300 a 500 litros, novas e velhas. O resultado foi tão surpreendente que, na vindima de 2017, repetiu-se a experiência, minimizando assim a margem de erro. A qualidade da M7 foi reconfirmada e a decisão tomada: a parcela era para salvar, recuperar e preservar.
Assim, logo a seguir à vindima de 2017, entraram em cena dois talentosos classificadores (profissão hoje em dia praticamente extinta e que muita falta vai fazer para o estudo e preservação das vinhas velhas do Douro…). Sem cachos para ajudar a dissipar dúvidas, e com as folhas já em cores outonais, estes profissionais conseguiram ainda assim identificar e classificar individualmente todas estas cepas. A confirmação por DNA foi feita na Universidade de Trás os Montes e Alto Douro (UTAD), com a particularidade de ainda estarem em fase de descoberta/confirmação duas castas, um Gouveio Preto e uma potencial nova variante de Tinta Carvalha. Depois da classificação das cepas, veio o trabalho de remodelar a parcela, reconstruindo taludes e reformulando o sistema de condução das videiras. De postes de madeira com uma fiada de arame, passou-se para os clássicos esteios de xisto, agora com dois arames fixos e dois móveis. Segundo Paulo Coutinho, a vinha respondeu muito bem a esta intervenção, com resultados muitos animadores em 2018 e, sobretudo, 2019.
Uma nova abordagem
A experiência feita com a parcela M7 levou a empresa a procurar replicá-la. Assim, para Pedro Branco e Paulo Coutinho, a M7 servirá de modelo para intervir noutras parcelas de vinha onde também existe “field blend”, e foi já fornecedora de material de propagação (varas de videiras para enxertia) para novas parcelas que já foram entretanto plantadas, quer nos Muros quer na Manoela.
A Quinta dos Muros fornece em todas as vindimas algumas das melhores uvas para a adega do Portal, quer para tintos do Douro quer para Porto Vintage. Mas agora a propriedade vai ganhar outro estatuto dentro do universo Quinta do Portal. O Porto Vintage é um bom exemplo. Até 2011, o Porto da Quinta dos Muros foi sempre integrado no lote do lote do Portal Vintage. Em 2013, 2014 e 2016, os melhores fortificados das uvas da propriedade deram origem a Portal Quinta dos Muros Vintage. Mas na colheita de 2017, o Quinta dos Muros Porto Vintage aparece já sem o “chapéu” Portal, ganhando identidade e autonomia próprias.
E a quinta merece esse destaque. Para Paulo Coutinho, a Quinta dos Muros tem características diferenciadoras face às outras propriedades da empresa: “claramente, a exposição, as diversas altitudes, os patamares de uma ou duas linhas que dominam as parcelas, dão o carácter que necessitamos para os Vintages mais portentosos e os tintos mais concentrados”.
A M7 ajudou igualmente a mudar o modelo de viticultura do Portal. Para além da enologia, Paulo Coutinho tem assumido também, nos últimos anos, a direcção desta área e sabe bem o que quer. “Estamos em reformulação desde 2016”, diz. “E estamos convictos de que temos dado grandes passos, caminhando não para uma filosofia de quinta, mas antes filosofia de parcela e, em certos casos, com uma atenção planta a planta. A interpretação dos sinais de que cada parcela ou planta nos transmite, é o que tem ditado a abordagem. Não somos nós que decidimos o que fazer. As videiras é que nos transmitem o que temos de fazer por elas…”.
Edição nº 34, Fevereiro de 2020