Tão natural como a sua fome

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A moda dos vinhos naturais já chegou a Lisboa e deixou toda a gente de barriga cheia.

TEXTO Ricardo Dias Felner

No dia 20 de Dezembro de 2016, o chef António Galapito provou pela primeira vez uma garrafa de Serragghia Bianco 2013, da Sicília. Era o seu aniversário e desde então ele nunca mais olhou para o vinho da mesma maneira.
Esse momento, uma jornada vínica épica, acabaria por moldar a garrafeira daquele que viria a ser um dos maiores êxitos gastronómicos dos últimos anos, em Lisboa. Mal se estreou, em 2017, o seu restaurante Prado apostou numa carta de vinhos só com pequenos produtores e filosofia de intervenção mínima, a acompanhar a sua cozinha alternativa e ecológica. De então para cá, muita coisa mudou na capital e o Prado ganhou companhia. A cidade confirmou-se como um sítio onde tudo parecia possível, à semelhança de cidades como Paris, Copenhaga e Nova Iorque. E os vinhos naturais apareceram a acompanhar cada vez mais menus — ou o seu contrário. Muitos sommeliers, muitos empregados de mesa, ouviram desaforos de clientes indignados com “o vinho estragado”, mas na maioria dos casos a aposta correu bem.

Da Comida Independente ao Senhor Uva
Alguns dos projectos mais arrojados nasceram em sítios igualmente arrojados. Foi assim que Rita Santos Paul abriu a Comida Independente, em Santos, então uma zona pouco dada à culinária. A loja começou como uma mercearia, com muito do melhor que se faz no país — dos queijos aos enchidos, passando pelo legumes biológicos e pelas conservas —, mas rapidamente se transformou também num palco para vinhos preocupados com a sustentabilidade e para o petisco. Hoje em dia, há charcutaria artesanal, pratos com produtos biológicos a partir das 19 horas, conservas — e é obrigatório provar a famosa sandes de pastrami, feita na casa.
Igualmente periférico relativamente ao eixo Baixa-Chiado-Cais do Sodré é o bar-restaurante Senhor Uva. Situado na Lapa, perto do Jardim da Estrela, nasceu há oito meses e, actualmente, é difícil conseguir mesa, mesmo a meio da semana. A história é de alguma forma reveladora de uma nova imigração lisboeta, qualificada e jovem. Os donos são um casal de canadianos, ela Stephanie Audet, uma chef reconhecida em Montreal, especialista em cozinha vegetariana, ele Marc Davidson, adepto de vinhos naturais, o homem à frente da sala, sempre disponível para abrir qualquer garrafa para servir a copo.
Da cozinha aberta do Senhor Uva saem burratas com pólen de abelha, couves coração grelhadas ou tostas de centeio com puré de cherovia e rabanete fermentado. Da garrafeira, só constam vinhos de naturais, orgânicos ou biodinâmicos, um agradável constrangimento, diz Marc. O facto de Portugal só agora estar a acordar para este tipo de vinhos é um privilégio e uma “sorte”. “Temos acesso a vinhos que desapareceriam num segundo em qualquer outra grande capital, mesmo que ainda haja muito trabalho a ser feito para se conseguir mais produtores”, concretiza Marc.
A lista apresenta muitos dos vinhos portugueses que se repetem em todas as garrafeiras de nível, e os empregados falam de cada produtor como se fosse um amigo lá de casa. Mas são os rótulos estrangeiros a levar os maiores aplausos, como os vinhos de Jean Pierre Robinot, de Alice Bouvot, ambos franceses, ou os da estrela da região italiana de Friuli, Josko Gravner, mago dos chamados vinhos laranja — presença obrigatória em qualquer carta abrangente de vinhos naturais.

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Vinhos por quem sabe deles
Uma das últimas — e mais ambiciosas aberturas — foi o Wines by Heart. O nome, em inglês, situa desde logo o seu posicionamento no mercado e na cidade, estando instalado mesmo em cima da luxuosa e internacional Avenida da Liberdade. Propriedade de brasileiros experientes no sector, com Guilherme Corrêa à cabeça, premiado sommelier brasileiro (Best Brazilian Sommelier 2006 & 2009 ABS/ASI), a loja-restaurante inaugurada em Setembro foi buscar Rodrigo Osório, um chef com experiência Michelin (entre eles o três estrelas Piazza Duomo, em Alba, Itália) para dar sabor à sua garrafeira.
Aqui, não há exclusividade de vinhos naturais, mas 60 referências das 800 inscrevem-se neste conceito restrito e algumas são jóias raras e valiosas, como o Soldera Sangiovese 2013, com preço de 485 euros a garrafa. Outra originalidade é que não é o vinho que é escolhido para a comida, mas mais a comida que é escolhida para o vinho. A missão de Rodrigo “é entregar pratos que sejam ao mesmo tempo incríveis, transparentes na expressão da excelência dos ingredientes, e amigos do vinho”, concretiza Guilherme.
Independente de qual seja o posicionamento em matéria de vinhos de intervenção mínima, o facto é que eles vieram em força. E trouxeram boa comida com eles.

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Edição Nº30, Outubro 2019

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Black Sheep: o wine bar que não segue o rebanho

Tudo começou quando Brian Patterson, um norte-americano a viver em Lisboa desde 2017, perguntou aos amigos: “Um lugar em Lisboa onde se possa beber vinhos de pequenos produtores portugueses, há?”. Bastou isto para, ao lado da sua companheira de longa data, Jennifer, abrir o seu próprio bar. O nome é Black Sheep, o que vai […]

Tudo começou quando Brian Patterson, um norte-americano a viver em Lisboa desde 2017, perguntou aos amigos: “Um lugar em Lisboa onde se possa beber vinhos de pequenos produtores portugueses, há?”. Bastou isto para, ao lado da sua companheira de longa data, Jennifer, abrir o seu próprio bar.

O nome é Black Sheep, o que vai de encontro ao conceito que serviu de alicerce para Brian e Jennifer erguerem o seu espaço: fora do banal, divergir da corrente. É na Praça das Flores, em Lisboa, e também funciona como loja, e os proprietários querem “dar a provar vinhos de terroir, na sua maioria naturais, orgânicos e biodinâmicos, que não se encontram nas prateleiras dos supermercados”, de Norte a Sul de Portugal Continental, e também das ilhas. Mas não é apenas por serem vinhos oriundos destes métodos de produção que Brian lhes dá relevo, e explica que “Prefiro fixar-me no carácter único e nas características de cada produtor. Sei que muitas pessoas vêm porque ouviram falar que aqui há a possibilidade de provar esse tipo de vinhos, inclusive a copo, mas eu prefiro pensar que eles vêm sobretudo pela oportunidade de provar e ficar a saber mais sobre os vinhos e produtores menos conhecidos”.

E a melhor parte é que o custo do vinho a copo não vai deixar ninguém a “arder”, variando entre os €3,50 e os €6,50.