Adega de Favaios organiza Encontro Sobre Viticultura Regenerativa

Encontro Sobre Viticultura Regenerativa

O Encontro do Ciclo Sobre Viticultura Regenerativa é uma iniciativa da Adega de Favaios, cuja terceira edição acontece já neste mês de Abril, no dia 14. Os dois temas em debate neste evento da adega cooperativa duriense — “Viticultura Regenerativa” e “O solo como ferramenta de adaptação ao impacto das alterações climáticas na vinha” — […]

O Encontro do Ciclo Sobre Viticultura Regenerativa é uma iniciativa da Adega de Favaios, cuja terceira edição acontece já neste mês de Abril, no dia 14.

Os dois temas em debate neste evento da adega cooperativa duriense — “Viticultura Regenerativa” e “O solo como ferramenta de adaptação ao impacto das alterações climáticas na vinha” — contarão com a participação de profissionais com experiência na área, como Miguel Soares (Zona Agro) e Pedro Tereso (Agrosustentável).

“Não podemos aceitar a ideia de que, para termos uvas de qualidade, as videiras têm que sofrer e produzir pouco. Na agricultura regenerativa, tenta-se compreender os mecanismos naturais de regeneração dos ecossistemas para que os possamos mimetizar, adaptando-os à nossa exploração agrícola”, refere Miguel Soares.

Encontro Viticultura Regenerativa

Já “a perda de nutrientes e destruição do solo, que a agricultura convencional, incluindo algumas práticas da agricultura biológica, tem causado”, é uma das questões a merecer a atenção de Pedro Tereso.

Por sua vez, Mário Monteiro, presidente da direcção da Adega de Favaios, cometa que “pela sua história e dimensão, a Adega Cooperativa de Favaios tem uma grande importância na região duriense e, nesse sentido, queremos o mais possível implicar a Adega no desenvolvimento e nas questões prementes da agricultura e ecologia actuais, acreditando que estamos assim a dar o nosso contributo para a sustentabilidade e futuro do território”.

A entrada no Encontro do Ciclo Sobre Viticultura Regenerativa é gratuita, mas limitada aos lugares disponíveis, que podem ser reservados através dos contactos liliana@adegadefavaios.com.pt, 967897926 e 259957310.

A Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, fez recentemente várias alterações ao regime de apoio à reestruturação e reconversão das vinhas (programa VITIS), atribuindo agora nova dotação de 50 milhões de euros.

Através da Portaria publicada em Diário da República, entram nos critérios de prioridade as vinhas que se destinem à produção biológica, os produtores detentores do estatuto da agricultura familiar, as vinhas históricas e os projectos de interesse nacional (PIN).

Há ainda um conjunto de outras alterações que resultam do trabalho em conjunto com o sector, como a possibilidade de candidaturas agrupadas — apresentadas por cinco ou mais viticultores —  e o aumento da ponderação para os beneficiários sem candidatura aprovada nos dois concursos anteriores.

“Num tempo de grande incerteza, o sector do vinho tem dado provas de enorme resiliência e capacidade de adaptação. Apesar de especialmente afectado pelo encerramento e constrangimentos do canal HORECA, o que levou à diminuição das vendas no mercado interno, tendo, no entanto, continuado a crescer nas exportações, com um aumento de 3,8% em volume e de 2,4% em valor. Queremos continuar a apostar no seu crescimento, na sua valorização e na nossa capacidade de inovar”, explica a Ministra da Agricultura.

O prazo para apresentação de candidaturas ao VITIS termina dia 15 de Janeiro de 2021, às 17 horas, e estas devem ser feitas na página do IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas).

 

Imagem: Dooder / Freepik

Seis castas portuguesas viajaram para a Croácia

TEXTO Valéria Zeferino E, em simultâneo, seis castas croatas foram plantadas em Portugal. Tudo isto aconteceu no âmbito do acordo entre dois países – Portugal e Croácia – dois municípios – Alenquer e Benkovac – e dois institutos – INIAV e Universidade de Zagreb. Para acompanhar o desenvolvimento do projecto, no passado dia 9 de […]

TEXTO Valéria Zeferino

E, em simultâneo, seis castas croatas foram plantadas em Portugal. Tudo isto aconteceu no âmbito do acordo entre dois países – Portugal e Croácia – dois municípios – Alenquer e Benkovac – e dois institutos – INIAV e Universidade de Zagreb. Para acompanhar o desenvolvimento do projecto, no passado dia 9 de Outubro as entidades envolvidas organizaram uma video-conferência internacional. 

Na primeira fase do projecto, em 2017, foram apresentados vinhos feitos de castas autóctones de cada país. Do lado de Portugal, a casta Vital (típica da zona de Alenquer e injustamente esquecida) deu origem ao vinho “Empatia”, elaborado pela Adega Cooperativa da Labrugeira. Do lado da Croácia, foram feitos dois vinhos monovarietais das castas Maraština (branca) e Svrdlovina (tinta).

Já em 2019, foi realizada uma permuta de castas: seis castas portuguesas (Vital, Arinto, Fernão Pires, Touriga Nacional, Touriga Franca e Vinhão) seguiram para Croácia, e de lá vieram seis castas autóctones (Pošip, Maraština, Vugava, Plavac Mali, Plavina e Svrdlovina), 130 pés de cada, que foram plantadas em Maio deste ano nos Viveiros Pierre Boyer em Penusinhos.

Nesta vinha experimental será efectuada uma avaliação agronómica (estados fenológicos, resistência a doenças, etc.) para perceber a sua capacidade de adaptação às condições da zona de Alenquer, na região de Lisboa. Mais a frente, serão realizadas duas vinificações de cada casta para avaliar o seu potencial enológico. José Eiras Dias, Coordenador da Estação Nacional de Viticultura e Enologia do INIAV, é responsável pela parte científica deste projecto. Por sua vez, as castas portuguesas na Croácia serão submetidas ao mesmo tipo de ensaios. Em função dos resultados, algumas delas poderão ser utilizadas pelos produtores croatas. Desta forma, pretende-se valorização das castas autóctones de dois países, aprendizagem mútua e estabelecimento de relações comerciais.

Foto: Daniel Pavlinovic / Croatia Feeds. Vinha Dingač em Pelješac, Dalmatia.

EyesOnTraps+: o projecto inovador para controlar pragas na vinha

Numa parceria entre a Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), a Fraunhofer Portugal Research e a GeoDouro (co-promotor principal), está a ser desenvolvido EyesOnTraps+, um projecto inovador que culminará numa aplicação móvel que permitirá a contagem automática de “pragas-chave” em armadilhas na vinha (traça-da-uva, cigarrinha-verde, cigarrinha da Flavescência Dourada), com o objectivo de […]

Numa parceria entre a Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), a Fraunhofer Portugal Research e a GeoDouro (co-promotor principal), está a ser desenvolvido EyesOnTraps+, um projecto inovador que culminará numa aplicação móvel que permitirá a contagem automática de “pragas-chave” em armadilhas na vinha (traça-da-uva, cigarrinha-verde, cigarrinha da Flavescência Dourada), com o objectivo de diminuir o erro humano e acelerar o processo de análise e decisão. Mas não só: será também possível o registo automático de temperatura, através de um sensor acoplado, o que permitirá implementar modelos como a emissão de alertas ou avisos ao viticultor/técnico.

Indivíduo adulto em armadilha.

“Estes alertas darão indicação mais precisa dos períodos ideais para a realização das estimativas do risco das pragas, suportando o correcto posicionamento de tratamentos insecticidas, maximizando a sua eficácia e promovendo o seu uso sustentável”, explica a ADVID em comunicado.

O  EyesOnTraps+ é um sistema que permitirá actualizações futuras, para detecção de novas pragas ainda não consideradas no projecto. Quando estiver finalizado, este resultará numa solução móvel e comercializável. 

A Sogevinus, a Adriano Ramos Pinto e a Sogrape, são alguns dos representantes do sector do vinho que participam como stakeholders.

Espanha apoia vindima em verde

TEXTO Luís Lopes Até agora, que saibamos, em Portugal nenhuma entidade sugeriu o financiamento da vindima em verde como possível medida de apoio ao sector do vinho no âmbito da covid-19, mas em Espanha o governo já a incluiu no pacote de medidas para esta área. Tal como acontece em Portugal, aqui ao lado também […]

TEXTO Luís Lopes

Até agora, que saibamos, em Portugal nenhuma entidade sugeriu o financiamento da vindima em verde como possível medida de apoio ao sector do vinho no âmbito da covid-19, mas em Espanha o governo já a incluiu no pacote de medidas para esta área.

Tal como acontece em Portugal, aqui ao lado também a destilação de crise recolhe a maior fatia dos apoios directos, que se estendem também ao subsídio ao armazenamento. Mas novidade são os 15 milhões de euros destinados exclusivamente à vindima em verde, ou seja, o corte para o chão dos cachos ainda não maduros, reduzindo a produção e, ao mesmo tempo, aumentando a qualidade.

Os apoios para a vindima em verde definidos pelo Ministério da Agricultura de Espanha e pelas regiões autónomas, assentam em duas vertentes: pagamento de 60% dos custos directos (mão de obra mecânica ou manual) da operação de redução de produção; e uma compensação pela quantidade perdida, calculada com base em 60% do valor médio da uva nas três últimas colheitas. Esta medida aplica-se apenas a vinhas com denominação de origem e o valor a pagar por hectare varia, naturalmente, de região para região, pois tem em conta o preço da uva.

Várias autonomias anunciaram já os valores envolvidos para os apoios à poda em verde. Por exemplo, na região autónoma de Castilla y Leon (que abrange 13 Denominações de Origem), os apoios para a operação de poda/eliminação de cachos são de €1.200/ha para a eliminação manual, €1000/ha para a mecânica e €300/ha para a química; e a compensação pela produção perdida pode ir de até €600/ha em Arribes, €1300/ha em Cigales e em Toro, €2000/ha em León, €2.800/ha em Bierzo, €3500/ha em Rueda e, o valor mais elevado, €4.700/ha em Ribera del Duero.

Em Espanha teme-se uma colheita bastante generosa em quantidade, que trará sérias implicações ao nível da armazenagem, comercialização e preços de venda. Também França e Itália esperam colheitas volumosas o que, em conjunto, significa uma enormidade de produtores a procurarem vender a qualquer preço nos mercados internacionais. Portugal será inevitavelmente atingido, de forma directa e indirecta, por esta “tempestade perfeita”.

Opinião – Para que o vinho proteja 10 milhões de portugueses

Tal como acontece com outros setores, também a fileira do vinho atravessa momentos de grande dificuldade. A comercialização está quase estagnada, as fontes de receita escasseiam, mas a vinha não pára e exige atenção e despesas. Entretanto, faltam 121 dias para 30 de Agosto, a data média de vindima. O que é possível fazer por […]

Tal como acontece com outros setores, também a fileira do vinho atravessa momentos de grande dificuldade. A comercialização está quase estagnada, as fontes de receita escasseiam, mas a vinha não pára e exige atenção e despesas. Entretanto, faltam 121 dias para 30 de Agosto, a data média de vindima. O que é possível fazer por este setor do qual dependem dezenas de milhar de pessoas? E o que é que o vinho pode fazer pelo País?

TEXTO João Vila Maior
FOTOS Arquivo

João Vila Maior é enólogo e viticólogo.

Nos últimos dois meses várias empresas vitivinícolas produziram e ofereceram alguns milhares de litros de álcool gel a Hospitais, Centros de Saúde, Bombeiros e Lares. Muitas empresas da indústria têxtil produziram máscaras e ofereceram-nas ao mesmo tipo de instituições. E tantas e diferentes indústrias desdobraram-se em iniciativas de Solidariedade sem nada pedirem em troca. Por muitos defeitos que tenhamos, Nós, os Portugueses, Portugal, somos um Nobre Povo. Somos Enormes.

Vivemos momentos difíceis e de incerteza, que nunca pensávamos poder viver. Ao que tudo indica, iremos, em breve e, pouco a pouco, ter um cheirinho “da normalidade” que conhecíamos antes de março. Março, mostrou-nos o que é um “mês horribilis” e o que poderá vir a ser um ano ou vários anos “horribilis”. Isto porque, se a tragédia humanitária foi limitada, para já, a abrupta queda da atividade económica faz adivinhar um cenário não menos trágico. Se as piores, mas talvez realistas perspetivas, de ocorrência de surtos de infeção periódicos virem a confirmar-se, teremos um cocktail assustador que nos fará cair numa depressão económica e humanitária sem paralelo. Temos de nos precaver, aprender com este primeiro episódio e repensar o futuro.

Centrando-nos na fileira vitivinícola o cenário não é menos animador. O vinho não é um bem de primeira necessidade. Se é verdade que se bebe em família, potencialmente em confinamento, o vinho é, essencialmente, um bem para usufruir com companhia. Acresce o facto de, mesmo ainda para quem não esteja a sentir na carteira o que aí vem, em função do medo que se faz sentir, instintivamente e mesmo que de uma forma não consciente, consome-se menos de uns artigos e mais de outros. Como é sabido, o papel higiénico é recordista do lado do “mais”. Seguem-se os artigos de desinfeção, as conservas, tintas para o cabelo e não muitos mais. Mas, no lado oposto, estão os protetores solares, as flores, tanta e tanta coisa mais e, claro está, vinho. O Vinho!

Já li várias previsões. Quebras de 20, de 35%. Que valem o que valem, até porque não sabemos como vai evoluir a pandemia. Mas, garantidamente, que a quebra será da ordem das duas casas decimais, e que nunca será inferior a 20%. Se atingirá os 35% ou se será superior, não sabemos. Mas o cenário é muito pessimista.

Os produtores desdobram-se em tentativas de mitigação, especialmente, no ciberespaço, em webinares, em provas online, com o objetivo de conseguir vender algum vinho. Uma míngua que seja para tentar compensar a queda abrupta resultante do encerramento dos restaurantes e do comportamento mais defensivo, mesmo que inconsciente, do mercado.

A vinha não tem teletrabalho

Entretanto, estamos a 30 de abril. E amanhã será dia 1 de maio. O dia do Trabalhador. De todos os trabalhadores. Dos que trabalham no setor da vinha e do vinho. E, na vinha o layoff não é fácil de praticar. As vinhas vão crescendo a olhos vistos, necessitando de mão de obra, de serem erguidas, de serem despampadas e, qualquer dia, vindimadas. O míldio, o oídio e os ácaros não se confinam. Estão aí para fazer das suas. Ou seja, a torneira das despesas não se fecha. Não é possível fechar. A vinha não dá tréguas ao viticultor. Não reconhece a figura do teletrabalho. E faltam 121 dias para o dia 30 de agosto, uma hipotética data, média, para a vindima. E amanhã faltarão somente 120 dias. O relógio não para. Nem a ampulheta, seja movida a grãos de areia da península de setúbal, ou a partículas mais grosseiras dos solos graníticos dos alvarinhos. Nem mesmo uma laje de xisto do Douro seria capaz de parar uma ampulheta. Se tal fosse possível, estou certo, que o Douro o faria a bem de toda a nação do vinho.

E se, entretanto, o vinho não se escoar, não for bebido a nosso bel-prazer, temos a cuba entornada. O setor viverá uma forte crise. Muito forte.

E faltam 121 dias. Temos 33% de um ano para reagir. O que poderemos fazer por este setor?

O setor do vinho, direta e indiretamente, emprega algumas dezenas de milhar de pessoas. Quando falamos deste setor não nos podemos esquecer da sua íntima ligação com uma variedade de setores como o da cortiça, da proteção das plantas, dos produtos enológicos, das garrafas, entre outros. Estamos a falar de muita gente. De muitas empresas, também elas, vítimas indiretas, deste problema que se adensa. O setor do vinho, para além da importância como empregador, gera um notável volume de negócios, cria um valor acrescentado na nossa economia e contribui de forma significativa nas nossas exportações e na promoção da imagem de Portugal.

Neste momento os telejornais oscilam entre notícias que fazem o ponto da situação da pandemia, o precipício da economia e os pedidos desesperados dos agentes económicos por uma boia de salvação. E, de momento, as ajudas que vão surgindo não auguram nada de suficiente. Viramo-nos para a Europa. Como sempre. É verdade que fazemos parte dela, que temos os nossos direitos e que ela tem deveres para connosco. Mas, se pusermos a mão na consciência, também teremos de reconhecer que, nem sempre, sabemos fazer o melhor com o que de lá vem.

O diagnóstico da situação está feito. É grave. Está doente. Precisa de Cuidados. E se o tempo passar e nada for feito, terão de ser Cuidados Intensivos. E muitas empresas serão desligadas da máquina. Algumas empresas mais velhas, mas também empresas jovens.  Impõe-se pensar no que fazer, como reagir, como tentar mitigar as dificuldades. Na última crise, enorme também, o setor soube reagir, nomeadamente, conseguindo aumentar as exportações. Na crise atual não me parece que o setor consiga ir por aí ou, pelo menos, não será suficiente pois, na realidade, a crise está por toda a parte. É global.

Afinal, o que poderemos fazer?

A resposta, certamente, não será uma. Terão de ser várias e complementares, mas todas a apontar no mesmo sentido. Passará por estratégias traçadas por todas e por cada uma das empresas, das organizações de produtores e das Distribuidoras.

Destilar para produzir álcool

Da parte que a cada um toca, sem dúvida que solidariedade individual, daqueles que estiverem numa situação de alguma estabilidade e que tenham a possibilidade de manter o consumo, de continuar a usufruir do prazer que um copo de vinho lhe pode dar, ao manterem o consumo já estão a ser solidários. O prazer que tínhamos quando usufruíamos de um vinho até há dois meses, agora, ávidos que estamos de coisas boas, acredito que ainda possa ser maior. E tenha em conta que, com esse gesto, para além de tudo, está ainda a ser Solidário!

Por parte do Estado Português, todas as medidas lançadas para o tecido empresarial, em geral, terão de ser mais significativas e céleres. Mas sabemos que, histórica e cronicamente, as medidas ficam sempre aquém das necessidades.

Como já referi, estou certo de que a solução não será única e terá de passar por um conjunto vasto de soluções. Neste sentido faço, humildemente, duas propostas. A primeira, já abordada, de caráter individual, que poderei de chamar de “altruísmo ou filantropia” enófilo, que não é mais que consumir, manter o padrão de consumo ou mesmo aumentá-lo, de forma moderada claro está. Se é verdade que o vinho tem muito de bebida social, confesso que, às vezes gosto de estar a sós com o vinho e bebê-lo na companhia do silêncio, duma paisagem. Este exercício de prazer, acredito, poderá ajudar a aquietar a alma nestes tempos de incerteza.

A segunda proposta que faço está em linha com uma necessidade destes tempos de pandemia. Como, infelizmente, o Covid-19 parece estar para durar e o álcool gel, a lixivia, as máscaras e outros produtos de desinfeção e proteção vão continuar a assumir-se como bens de primeira necessidade e de consumo massivo. Várias empresas vitivinícolas, a título voluntário, já contribuíram para repor os níveis de álcool que, subitamente, deixou de existir no mercado. A minha proposta vai no sentido de serem criados mecanismos, com caráter de urgência, no sentido que o álcool para produção de álcool gel venha ser, no futuro próximo, maioritária e prioritariamente, de origem vínica.

Existe uma medida no setor, designada por “Prestação Vínica” que consiste na obrigatoriedade de proceder à eliminação controlada dos subprodutos da vinificação, nomeadamente bagaços de uva, borras de vinho e, muitas vezes, vinhos de menor qualidade. Esta prestação é de percentagem variada, de acordo com o ano, mas sempre inferior aos 10%. Na prática, esta figura obriga a eliminar uma pequena parte da produção, conduzindo-a para destilação ou para a indústria do vinagre. Desta forma, consegue-se elevar a qualidade média do vinho produzido e, poder-se-á conseguir regular o mercado. Neste sentido, o que proponho, com base na figura da “Prestação Vínica”, se o enquadramento legal (e Comunitário) o permitir, ou na figura duma medida extraordinária, “Prestação Corona” à maneira das “Corona Bonds”. Na prática, consistiria no Estado Português se propor a comprar e pagar, com celeridade, um volume de vinho para destilação, numa quantidade calculada com base na quebra de vendas para que aponta o mercado (20-30%), pagando um preço justo pelo vinho. Justo!

Desta forma, o Estado supriria as necessidades de álcool, com base num produto nacional, daria um balão de oxigénio ao setor do vinho, evitaria alguns milhares de desempregados, o pagamento de subsídios de desemprego, de prestações de layoff, e manteria vivo um setor que acrescenta muito à identidade e economia do país.

A incrível realidade que vive o setor do petróleo, com o crude a assumir valores negativos, ou seja, a pagar para que se esvaziem os depósitos, fez-me recordar uma história ou mito que há uns anos se ouvia. Que, num certo ano, um conhecido negociante de vinho a granel, enviou a seu mando um falso comprador de vinho a algumas Adegas Cooperativas, em meados de janeiro. Este, abordava a Adega como comprador e acabava por assumir o compromisso de comprar a totalidade da produção armazenada nas cubas. Para o efeito dava um chorudo sinal, em dinheiro. Boa notícia, julgavam eles. Com o passar dos meses, a ausência do comprador fantasma, as cubas cheias, e uma vindima quase à porta, o chorudo sinal tornava-se numa mão quase cheia de nada. Era então a altura para o dito e conhecido negociador de vinho a granel, aparecer e varrer milhões e milhões de litros a um preço miserável e, pasme-se, assumir-se como o salvador da pátria.

Pois o que me preocupa é que faltam 121 dias e, se nada se fizer, muitos petroleiros poderão ir ao fundo.

Novo curso de viticultura biodinâmica com aulas online

viticultura biodinâmica

A ABIOP (Associação Biodinâmica Portugal) vai realizar mais um curso de formação em Viticultura Biodinâmica. Com o estado de emergência, a ABIOP optou por mudar o método de ensino, adaptando-o uma parte da formação ao ensino à distância, através de plataformas digitais. Segundo o formador e organizador João Castella, a alteração de formato tem sobretudo […]

A ABIOP (Associação Biodinâmica Portugal) vai realizar mais um curso de formação em Viticultura Biodinâmica. Com o estado de emergência, a ABIOP optou por mudar o método de ensino, adaptando-o uma parte da formação ao ensino à distância, através de plataformas digitais. Segundo o formador e organizador João Castella, a alteração de formato tem sobretudo a ver com o aumento do número de módulos, mas, ao mesmo tempo, baixando o tempo de duração de cada um deles. Segundo João Castella, isto foi feito para “melhorar o poder de concentração das pessoas”. Mas tem outra vantagem: “esta nova forma implica também uma redução de custos, pois diminuem bastante as deslocações dos formadores”.

O curso destina-se a produtores, técnicos, enólogos, comerciantes e outros agentes da produção vitivinícola em Portugal. Nele serão abordados de uma forma teórico-prática todos os temas da Biodinâmica adaptados à viticultura.

O curso iniciar-se-á assim que estiverem reunidas todas as condições necessárias (mas nunca antes de Junho) e as datas serão combinadas antecipadamente com os participantes. Alguns dos módulos têm datas fixas pois será necessário cumprir o calendário biodinâmico e fazer as demonstrações no tempo certo.

O preço individual é de €400 mas com inscrições empresariais, o custo unitário desce para cada formando. A ABIOP garante que o curso será ministrado por consultores biodinâmicos acreditados internacionalmente.
Mais informações neste folheto.

Colheita Tardia: Uma vindima muito especial

Artigo publicado na edição nº 33, Janeiro 2020 O tempo normal das vindimas já lá vai há muito, mas eis os trabalhadores na vinha. E tesouras. E caixotes que se enchem de uvas. Os últimos meses do ano são a época dos Colheita Tardia, vinhos delicados e doces que nascem da anacrónica simbiose entre tempo […]

Artigo publicado na edição nº 33, Janeiro 2020


O tempo normal das vindimas já lá vai há muito, mas eis os trabalhadores na vinha. E tesouras. E caixotes que se enchem de uvas. Os últimos meses do ano são a época dos Colheita Tardia, vinhos delicados e doces que nascem da anacrónica simbiose entre tempo frio e húmido, fungos cinzentos e muita sabedoria. Chamam-lhe podridão nobre.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Gomez

Se o saudoso Vasco Santana, actor incontornável das comédias portuguesas dos anos 1930 e 40, estivesse aqui, não deixaria de saudar esta visão com a adaptação livre de uma das suas mais famosas falas no filme “A Canção de Lisboa”: “Esta planta está muito doente!” E tem todo o ar disso, de facto. Se na longa-metragem de José Cottinelli Telmo o boémio e cábula candidato a médico interpretado por Vasco Santana via doença nas manchas da girafa, aqui mais razões teria para desconfiar da salubridade destas uvas: bolor, podridão, todo um leque de anomalias. E, no entanto…

Felizmente, há aqui gente sabedora, com muitos anos disto. De tesouras na mão – uma mais forte, para destacar os cachos, outra de pontas finas, para aparar os bagos que interessam –, decidem com rapidez e gestos precisos o que vai para o caixote e rumará à adega e o que fica no chão, enriquecendo o solo para colheitas futuras. É assim, afinal, em todas as vindimas. Um olhar mais atento permite, no entanto, descortinar uma diferença fundamental: as uvas que se aproveitam não são as de ar mais saudável, antes as que se encontram cobertas por uma suave teia de bolores cinzentos, as películas num tom arroxeado.

Afinal, o que se passa aqui?

O dia chegou com nuvens no céu, mas boas abertas, depois da chuva da véspera. O vento mal incomoda as folhas nas encostas suaves do vale de Santar, ajudando a suportar uma temperatura que ronda os 4 graus centígrados. Parece uma meteorologia pouco clemente para final de Verão, mas a verdade é que não estamos no Verão. O Outono já vai adiantado. Estamos em Novembro e é agora que se faz uma vindima muito especial: a das uvas destinadas aos vinhos Colheita Tardia.

Os Colheita Tardia são vinhos de sobremesa, delicados, aromáticos, quase incongruentes na sua alquimia de doçura e leveza. E são o produto da podridão das uvas. Não uma podridão qualquer, como facilmente se percebe observando o trabalho da dezena e meia de pessoas que se afadigam na vinha e escutando as explicações do viticólogo da GlobalWines, Aurélio Claro.

Há cachos que estão já castanhos, completamente podres e com um cheiro avinagrado. Estes não prestam, já passaram o ponto. Outros apresentam-se em tons verdes ou amarelados, típicos das uvas saudáveis de castas brancas. Nada feito, ainda não chegaram onde era preciso. As uvas que interessam estão colonizadas no exterior por um fungo cinzento, a botrytis cinerea, mas a polpa continua sumarenta e solta-se facilmente da película. É com elas que faz o Colheita Tardia.

Pequenas quantidades

As uvas que mãos e olhos sábios colhem esta manhã em Santar, nas vinhas da Casa de Santar, geridas pela GlobalWines, foram aqui deixadas propositadamente para este fim. São, ao todo, três longas fileiras (uns 300 metros cada uma) de Encruzado e outras duas de Furmint, casta que na Hungria está na base dos afamados Tokaj, um dos mais valorizados néctares do mundo dos vinhos. Dito assim, parece pouco, mas um cálculo por alto do enólogo Osvaldo Amaro aponta para uns 8 a 10 mil quilos nesta vinha (a que junta outro tanto numa vinha adjacente). Deste total, apenas entre 10 a 20 por cento são uvas com a qualidade necessária para fazer Colheita Tardia. Todas as outras acabam no chão.

Só que o crivo da qualidade não se esgota aqui. Depois de levadas para adega – são feitas apenas três prensagens pneumáticas; a primeira sem qualquer aperto (dá origem ao chamado mosto-flor), as outras com apertos suaves – destas uvas extraem-se mostos que vão, separados, para depósitos em inox, onde se procede à clarificação estática durante três a cinco dias. Daí passam para barricas de 225 litros de segundo uso com mais de dez anos, onde se dá a fermentação alcoólica. Este processo decorre, mais ou menos, durante 30 dias e é interrompido com frio, permitindo que o vinho mantenha a doçura que o caracteriza e um grau alcoólico controlado. Segue-se a alquimia do tempo. A estabilização microbiológica e a maturação podem durar entre 12 e 48 meses. Só então estes vinhos especiais ficam prontos para chegarem ao copo.

Aurélio Claro e Osvaldo Amado.

É muito trabalho. E pouco vinho, uma vez estas uvas não têm tanto sumo como as colhidas na época normal das vindimas. Não espanta, por isso, que os Colheita Tardia sejam uma pequena preciosidade, vendidas em garrafas de menores dimensões e a preços mais elevados. A marca Casa de Santar é comercializada em meias garrafas (375ml) que custam qualquer coisa a rondar os 20 euros.
Até porque, apesar dos cuidados na vindima e do acerto dos procedimentos na adega, estamos a falar de um processo natural de apodrecimento que nem sempre produz os resultados desejados. “Todos os anos é feita a vindima do Colheita Tardia. Mas o histórico diz-nos que só se engarrafa o vinho aí umas três vezes por década”, explica Osvaldo Amaro. O crivo é apertado: “Este é um Colheita Tardia onde procuramos a nobreza da podridão tardia”, sublinha. Há outras maneiras de fazer vinhos de sobremesa, mas o enólogo da GlobalWines é taxativo: “Deviam ter outro nome.”

O saber de muitos anos

Voltemos à Vinha do Judeu, onde se apanham as uvas para o Colheita Tardia. Os vindimadores avançam devagar, mas persistentemente, ao longo das linhas, ouve-se o “tique-tique” das tesouras, aqui e ali o arrastar de um caixote, de vez em quando uma instrução ou pedido dirigidos a alguém. Fala-se pouco, toda a atenção é necessária para selecionar as uvas na vinha. É aqui que está o segredo.

Conceição Neves tem 55 anos e “já uns aninhos” disto. Apesar da insistência dos repórteres, não se estica em comentários nem se faz à fotografia: está concentrada na escolha das uvas que vão para o caixote. Garante, no entanto, que “esta vindima é mais trabalhosa, exige outra atenção”. Só se consegue abrir uma brecha nesta compostura com uma pequena provocação. Depois de tanto trabalho, deve ser um gosto beber um copinho de Colheita Tardia… “Gosto muito”, atira, finalmente com um sorriso. “É maravilhoso!”

Por volta das 9h30, já com umas boas duas horas e meia de trabalho no corpo, o pessoal interrompe a vindima para comer uma bucha. Por esta altura, a temperatura subiu uns graus e até há quem ande manga curta. Um exagero, assuma-se, que isto ainda é uma manhã bem fresquinha de Inverno. No entanto, este frio é bom para as uvas, porque protege a sua frescura enquanto aguardam que o tractor as recolha para as levar para a adega; e também para as pessoas. Trabalha-se melhor ao fresco, sim, mas o argumento mais forte tem a ver com a reduzida actividade das vespas, nomeadamente as asiáticas, que hão-de aparecer daí a algum tempo, com o sol mais alto no horizonte, atraídas pelos aromas estonteantes das uvas podres que se vão amontoando nos caixotes – algumas, as escolhidas para o Colheita Tardia – ou no solo. E estas são a maior parte.

Por agora, gozemos a pausa na vindima. Passamos pelo gigantesco sobreiro que vigia a vinha do alto da encosta – e sob o qual crescem cogumelos de dimensões jurássicas – e vamos sentar-nos junto à estrada. Daqui contemplamos um imenso anfiteatro de vinhas, entremeadas com manchas de arvoredo, a paisagem típica do Dão vinhateiro. O mosaico de cores é fantástico, desde o verde berrante da erva fresca aos tons quase vermelhos da folhagem de algumas castas, passando por toda uma paleta de amarelos, ocres, castanhos e cinzentos. A paisagem fala por si. E justifica para lá de qualquer explicação o nome do vinho que daqui sai. Este é o Outono de Santar.

Ramos Pinto: a vinha na ponta dos dedos

Carlos Peixoto com Alberto Baptista

(na foto,  Carlos Peixoto com Alberto Baptista, da viticultura da Ramos Pinto) Director de viticultura na Ramos Pinto desde 1982, Carlos Peixoto conhece o Douro como poucos. Nesta região emblemática, os desafios colocados a quem trata da vinha são muitos e diversos, e nem todos têm a ver com o solo, as plantas ou o […]

(na foto,  Carlos Peixoto com Alberto Baptista, da viticultura da Ramos Pinto)

Director de viticultura na Ramos Pinto desde 1982, Carlos Peixoto conhece o Douro como poucos. Nesta região emblemática, os desafios colocados a quem trata da vinha são muitos e diversos, e nem todos têm a ver com o solo, as plantas ou o clima: a economia ou as relações laborais são igualmente importantes. Na empresa, que aboliu os herbicidas em 2010, o objectivo está fixado à partida: obter a cada ano que passa uvas mais equilibradas, mais sãs e que expressem melhor o terroir onde nasceram.

TEXTO E FOTOS Luís Lopes

A Ramos Pinto possui três quintas na região do Douro. A Quinta do Bom Retiro situada na sub-região de Cima Corgo possui 45 hectares de vinha. As castas predominantes são a Touriga Nacional, a Touriga Franca e vinhas antigas com mistura de variedades. As exposições e altitudes variam entre os 90 e os 420 metros.

A Quinta dos Bons Ares, com uma área plantada de 25 hectares, está situada a 600 metros de altitude, no Douro Superior, e as suas uvas estão orientadas para a produção de DOC Douro e Regional Duriense. Os solos são de origem granítica e com texturas arenosas. Predominam as castas brancas, como o Rabigato, Viosinho e algum Sauvignon Blanc. Nos tintos, a Touriga Nacional, a Touriga Franca e Cabernet Sauvignon.

A emblemática Quinta de Ervamoira tem uma área plantada de 150 hectares, com altitudes que variam entre os 130 e os 350 metros. Em solos francos e franco-arenosos estão 20 hectares de uvas brancas com predomínio do Rabigato, Viosinho e Arinto. As uvas tintas, largamente maioritárias, incluem sobretudo Touriga Nacional, alguma Touriga Franca e, em menor percentagem, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Tinta da Barca e Tinto Cão.

Quando Carlos Peixoto começou a sua actividade na Ramos Pinto, ainda como estagiário, em 1979, a empresa era proprietária de 65 ha de vinha, dos quais 30 em Ervamoira e 35 no Bom Retiro. Foi entre 1979 e 1981 que colaborou no fundamental estudo das castas do Douro, orientado por José António Rosas e João Nicolau de Almeida, e que resultou na produção de vasta informação vitícola e enológica de 10 variedades durienses. Em 1985, a Ramos Pinto adquiriu a Quinta dos Bons Ares que foi integralmente replantada. Actualmente, a empresa possui 220 hectares de área útil de vinha, distribuídos pelas três quintas. Mais de 150 hectares foram já instalados sob a responsabilidade de Carlos Peixoto, director de viticultura desde 1982.

O “homem da vinha”, na Ramos Pinto, na realidade, não sabe só de vinha. Com o tempo, Carlos Peixoto apercebeu-se que a viticultura duriense não pode ser entendida sem se conhecer a realidade social, económica e laboral da região. Talvez por isso, depois de se graduar em engenharia agrícola, na UTAD, e viticultura e enologia, em Charles Sturt (Austrália), Carlos Peixoto resolveu fazer a licenciatura em direito, no Porto, estando neste momento a finalizar o mestrado na mesma área, com uma tese de dissertação intitulada “O contrato de trabalho intermitente” que está directamente ligada às questões do trabalho e da escassez de mão de obra agrícola. O futuro da vinha, no Douro e noutras regiões, não está apenas ligado às condicionantes do terroir. Variáveis como as alterações climáticas estão já há algum tempo na mente dos produtores. Mais recentemente, a falta de mão de obra tem sido preocupação acrescida.

Vinha plantada na Ramos Pinto

A vinha da Urtiga

Mas é sobretudo na vinha que Carlos Peixoto se sente “em casa”. E entre as muitas vinhas e parcelas espalhadas pelas quintas da Ramos Pinto, a vinha da Urtiga, na Quinta do Bom Retiro, merece-lhe especial atenção e, diria mesmo, respeito. Há óbvias razões para isso, é uma vinha impressionante. A Urtiga está instalada em terraços pré-filoxéricos construídos há mais de 200 anos. A idade média da vinha é superior a 100 anos, com as normais replantações devido às videiras que vão morrendo. No total, são 3,4 hectares com 12.500 cepas.

Se o estudo pioneiro de José Rosas e João Nicolau de Almeida visava incentivar o Douro a focar-se em meia dúzia de variedades emblemáticas, criando massa crítica, duas décadas e meia depois, num contexto temporal diferente, a preocupação foi no sentido oposto: identificar e preservar as variedades diferenciadoras. A Urtiga era perfeita para isso e, em 2008, a equipa de viticultura da Ramos Pinto identificou ali 32 variedades. Mais tarde, e com o advento da geolocalização, ajudou a desenvolver com a empresa Geodouro uma aplicação auxiliada por GPS (chamada Gestão de Plantas) que localiza e monitoriza cada uma das cepas. Com esta aplicação é possível controlar os estados fenológicos, o número de cachos, o peso das varas, a resistência à secura, à podridão, ao calor.

Actualmente, existem da vinha da Urtiga 55 variedades, mas a empresa espera atingir em 2020 um total de 63, pretendendo fazer desta parcela mais do que centenária uma reserva genética de variedades pouco divulgadas. Assim, para além das clássicas Tinta Amarela, Touriga Franca, Tinta Roriz e Tinta Barroca (que, no conjunto, representam 46% do total), encontramos ali Malvasia Preta, Rufete, Touriga Nacional, Baga, Barreto, Alicante-Bouschet, Bastardo, Casculho, Cornifesto, Donzelinho, Jaen, Mourisco da Semente, Nevoeira, Patorra, Sarigo, Tinta Aguiar, Tinta Carvalha, Tinta Fontes, Tinta Mesquita, Touriga Fêmea, Valdosa, entre outras. Nota-se a predominância da Tinta Amarela e a relativa insignificância da Touriga Nacional como acontece em muitas vinhas antigas. A parcela encontra-se entre os 320 e os 370 metros de altitude e está em modo de produção biológico, ao qual se adicionam desde 2017, algumas práticas biodinâmicas. Os vinhos aqui nascidos destacam-se pela sua qualidade e personalidade, podendo vir a dar origem, num futuro próximo, a um engarrafamento em separado.

O efeito do solo e dos nutrientes

Para Carlos Peixoto, o solo determina muito do que se pode e deve fazer na vinha, e o seu estudo é essencial para obter uma uniformização de produção, de vigor e sobretudo de melhoria qualitativa pela correção de desequilíbrios. A partir de 2008, a Ramos Pinto desenvolveu estudos bastante detalhados sobre a textura, estrutura, nutrição e economia de água dos solos das suas múltiplas parcelas. Os resultados foram muito importantes para entender a distribuição das raízes, a existência de impermes, a capacidade de infiltração e retenção de água, bem como a distribuição dos nutrientes. Em 2014 a empresa iniciou um ciclo de aplicação de matéria orgânica em doses elevadas e prescindiu quase totalmente dos adubos minerais. Hoje em dia, 99% dos nutrientes que alimentam as videiras espalhadas pelas três quintas da empresa são provenientes de matéria orgânica. Segundo Carlos Peixoto “os resultados desta aplicação têm sido muito bons, proporcionando um vigor equilibrado e um aumento moderado, mas qualitativo, das produções, assim como um efeito extraordinário na resistência das videiras à seca”. Mas ressalva: “Claro que nunca podemos atribuir determinado efeito a uma só causa. Penso que a melhoria da estrutura, da capacidade de infiltração e de retenção de água no solo, tem aqui um papel determinante”.

Vinha na Ramos Pinto

Herbicida Zero

Nas vinhas da Ramos Pinto, desde 2010 que não há herbicidas. “Na nossa opinião os herbicidas já tiveram a sua época”, diz Carlos Peixoto. E está à vontade (e com conhecimento de causa) para o dizer, porque em 1983 a Ramos Pinto foi uma das empresas pioneiras na introdução do herbicida no Douro. Os tempos, porém, eram outros. O agrónomo explica: “A introdução de herbicida constituiu uma grande mudança quer estrutural quer económica. É preciso perceber o cenário que antecedeu essa época: a viticultura era sustentada por salários baixos e péssimas condições de trabalho, não se pagava férias, subsídios de férias e de natal, e não havia trabalhadores permanentes. Com a fuga de mão-de-obra para as cidades assistiu-se a uma subida rápida dos salários. No início dos anos 80, a introdução de herbicidas no Douro foi, para além de uma solução, uma verdadeira revolução silenciosa. Existiam muitas matérias activas e todas eram eficazes desde que a aplicação fosse correcta”.

Mas os tempos mudaram, mais uma vez. Actualmente, os herbicidas têm todos os constrangimentos ambientais que se conhecem e deixaram de ser eficazes devido às resistências que geraram nas infestantes. Com uma agravante, diz Carlos Peixoto: “Nota-se igualmente um grande desinvestimento das empresas fitofarmacêuticas na procura de novas moléculas menos ofensivas do ambiente e mais eficazes no controlo das infestantes”.

Assim, após muita reflexão e discussão, a viticultura e a administração da Ramos Pinto entenderam em 2010 que o caminho mais adequado seria não aplicar herbicidas. Com os desafios estruturais inerentes, porventura ainda mais difíceis que os encontrados em 1983. É que não aplicar herbicida significa, entre outras coisas, aumentar o investimento em máquinas e, num quadro de escassez de mão de obra, procurar conciliar o combate aos infestantes com todos os outros trabalhos de vinha que ocorrem na mesma época do ano (de Maio a Julho), desde a espampa aos tratamentos fitossanitários.

Haja ovelhas

“Os dois primeiros anos sem herbicida são muito complicados, sobretudo em propriedades grandes”, confessa Carlos Peixoto. E acrescenta: “O enrelvamento quer natural, quer de sementeira foi para nós uma má experiência, na medida em que gera muita competição pela água e nutrientes originando uma quebra acentuada de vigor nas videiras. Por outro lado, o mulching com casca de pinheiro, palha, não nos parece uma solução adequada devido ao perigo de incêndio, ao vento e aos custos de instalação. E a utilização de roçadeiras mecânicas traz problemas com a mão-de-obra e com os ferimentos nas cepas causados pelo fio de corte”.

Mas existem outras soluções. Com a ajuda do Prof. Nuno Moreira da UTAD, a Ramos Pinto tem feito ensaios com trevos subterrâneos. Esta planta tem a particularidade de cobrir o solo com um rendilhado que impede o desenvolvimento de outras infestantes, é uma leguminosa que fixa o azoto, termina o ciclo por meados de junho e renasce com as primeiras chuvas.

Para evitar a roçadeira mecânica, utilizam-se…ovelhas. Diz Carlos Peixoto: “As ovelhas para além de controlarem as ervas infestantes deixam os dejectos no solo que servem de fertilizante”. E como evitar que as ovelhas comam o que não devem? é a pergunta que se impõe. A resposta surge, desconcertante: “Começámos por utilizar ovelhas anãs e posteriormente participámos no desenvolvimento de uma coleira electrónica que controla a postura das ovelhas e impede o levantamento da cabeça para a videira. Este sistema permite a utilização das ovelhas durante a primavera e verão. O dispositivo foi desenvolvido por um consórcio constituído pela Ramos Pinto, Globaltronic, Instituto de Telecomunicações da Universidade de Aveiro e Escola Agrária de Viseu”. Ovelhas com telecomando, quem diria…

De qualquer modo, abdicar dos herbicidas tem sempre custos adicionais. Carlos Peixoto admite: “Nas vinhas não mecanizadas acarreta um aumento de custos da ordem dos 30%, mas assiste-se a uma tendência de diminuição face a um melhor conhecimento da flora e dos locais. Nas vinhas onde podem entrar máquinas, o trabalho na linha feito com intercepas é eficaz, embora com baixo rendimento. Normalmente uma volta e meia permite um controlo adequado das infestantes. Os custos directos ao fim do 3º ano, não são significativamente diferentes, mas têm amortizações maiores devido ao aumento do parque de máquinas”. Quem pensa que viticultura não é economia, desiluda-se.

 

Muros de suporte da vinha na Ramos Pinto

A viticultura orgânica e a mão de obra

E por falar em economia, que balanço fazer da viticultura biológica/orgânica, que a Ramos Pinto pratica em 25 hectares? “Uma viticultura biológica acarreta sempre um aumento de custos e um acréscimo de riscos”, refere Carlos Peixoto. “No Douro é ainda uma prática residual e não acredito numa evolução muito rápida a não ser que o mercado o exija e esteja preparado para pagar preços mais elevados”, acrescenta.
Na Ramos Pinto, da área de vinha em modo de produção biológico, cerca de 10% (2,5 hectares) estão em produção biodinâmica. A transição da viticultura convencional para a biológica até foi fácil. “Uma vez que terminámos com o herbicida há vários anos, grande parte do caminho está feito. No entanto a nossa opção vai no sentido de ir aumentando as práticas biológicas de uma forma gradual, não pensando para já na venda de um vinho rotulado como biológico”. Mais difícil foi a introdução da biodinâmica: “A biodinâmica é uma prática iniciada há dois anos e exige alguma preparação e aprendizagem. Implica também uma mudança de hábitos e rotinas e, face às condições do Douro, parece-me pouco adequada a grandes áreas. A principal vantagem advirá das mudanças que opera no solo. Estamos a acompanhar essa evolução para tirarmos conclusões”, conclui Carlos Peixoto. Os 90% de área que não estão em biológico/biodinâmico encontram-se naquele que será, talvez, o melhor compromisso entre racionalidade e preocupação ambiental, o modo de produção integrada.

Alterações climáticas e rega

A palavra clima está na ordem do dia e a pergunta não pode ser evitada: na viticultura duriense sente-se uma alteração no padrão climático? E, em caso afirmativo, o que é possível fazer para minimizar os seus efeitos num médio e longo prazo? Carlos Peixoto não foge às respostas: “No Douro, o que se nota mais são os fenómenos extremos e repentinos. Granizos, trovoadas, chuvas abundantes, secas prolongadas, noites tropicais, temperaturas extremas com mudanças bruscas.”

Na Ramos Pinto, procura-se mitigar estes fenómenos com algumas mudanças na cultura da vinha: as aplicações de matéria orgânica têm gerado videiras mais equilibradas no vigor e na nutrição; com a modificação da estrutura do solo, da capacidade de infiltração e de retenção de água, há melhoria assinalável em vinhas que perdiam folhas precocemente; alterações na esponta visam aproveitar a emissão de novos lançamentos para proteger os cachos; fazem-se ensaios na gestão da altura da parede de vegetação; e, finalmente, dá-se mais atenção àquelas castas minoritárias que conciliam qualidade enológica com a capacidade de resistir melhor a estes fenómenos.

E quanto a rega? Carlos Peixoto não tem tabus: “A rega acaba por ser uma falsa questão, uma vez que grande parte da região tem dificuldade no acesso à água. A polémica advém do facto de se entender a rega como um modo de aumentar a produção, quando devia ser encarada como uma maneira de melhorar a qualidade”. Para o viticólogo, “no Douro, a única sub-região em que a presença ou ausência da água é factor limitador, é o Douro Superior. Nas outras sub-regiões, há casos pontuais onde também seria adequada”.

Na Ramos Pinto, só a Quinta de Ervamoira possui instalação de rega. “A irrigação sempre foi encarada por nós como uma ferramenta para melhorar a qualidade, sobretudo o final da maturação”, adianta. “Gastamos mais dinheiro com os métodos que permitem não fazer regas desnecessárias, do que a regar. Recorremos ao balanço hídrico, à medição do stress hídrico, aos tensiómetros de solo, ao termómetro de infravermelhos e a observação visual das plantas”.

E conclui: “As alterações climáticas são sentidas por todo o lado. Não sou dos que pensam que o mundo vai acabar amanhã, mas temos necessariamente de mudar comportamentos e, pelo menos, não aumentar os problemas”.

Edição nº33, Janeiro de 2020

Vinhas mal dormidas

O repouso vegetativo, tal como o nosso sono, tem uma função para as plantas. Conhecemos bem os efeitos de uma noite mal dormida ou da privação continuada do sono por um longo período. Na vinha não conhecemos tão bem. Importará estarmos atentos neste ciclo vegetativo e tentar não importunar muito. A vinha, claro. TEXTO João […]

O repouso vegetativo, tal como o nosso sono, tem uma função para as plantas. Conhecemos bem os efeitos de uma noite mal dormida ou da privação continuada do sono por um longo período. Na vinha não conhecemos tão bem. Importará estarmos atentos neste ciclo vegetativo e tentar não importunar muito. A vinha, claro.

TEXTO João Vila Maior

Trabalho em viticultura desde 1996. Portanto, já lá vão mais de vinte anos e não tardará muito o quarto de século. E garanto-vos que passei muitas noites de sono mal dormidas por preocupações vitícolas. Especialmente quando tive a meu cargo algumas centenas de hectares.
Por isso sei bem do que falo e respeito muito quem continua, a cada dia, a ter a seu cargo vinhas e mais vinhas, controlando o que pode controlar e mitigando os problemas que não pode controlar. Durante este quase quarto de século, asseguro-vos, nunca vi dois anos iguais, dois anos em que fosse possível controlar tudo e, cada vez mais, louvo o saber popular que institui a expressão “até ao lavar dos cestos vai a vindima”.
Num ano dito normal, a vinha arranca com o abrolhamento na primavera ou ligeiramente antes, e experimenta uma forte expansão vegetativa com o aumento (não extremo) das temperaturas, especialmente enquanto goza dum conforto hídrico. Normalmente, com a chegada do verão, a dinâmica de crescimento diminui, o stress hídrico e as temperaturas mais extremas encarregam-se de frenar a expansão vegetativa. Algumas folhas acusam o desgaste, secam de muito fotossintetisar, por falta de água ou queimadas por golpes de calor. Estamos então no verão durante o qual, algumas castas e em algumas regiões, tem lugar a vindima. No outono vindimam-se as castas mais tardias e acentua-se o abrandamento da actividade vegetativa e a senescência foliar, muito ajudada pela diminuição das temperaturas e das geadas outonais. Isto é a preparação para a dormência, do merecido descanso, pois para o ano haverá mais.

DEITAR TARDE, ACORDAR CEDO…

No ano de 2018, do abrolhamento até julho, houve muita chuva que fez com que a temperatura do solo nunca fosse tão elevada. Também as temperaturas do ar foram menos
elevadas relativamente à norma. Consequentemente, as vinhas foram-se desenvolvendo com um atraso vegetativo assinalável. Depois, no início de agosto, tivemos uma onda de calor que durou 4 dias, que bateu recordes e que, em muitos casos, dizimou a produção com um escaldão de má memória. Por muito que não se diga, para jornalista não escrever e consumidor não ouvir… houve muitas maturações desequilibradas, pelo que a evolução dos vinhos é uma incógnita. Com tudo isto, as vindimas foram, como não tenho memória, mais tardias. Por sorte não choveu, fruto dum verão que entrou pelo outono dentro. As folhas tardaram a cair e penso que não exagerarei em afirmar que o ciclo acabou cerca de um mês mais tarde do que a média dos anos anteriores.
O outono e inverno vieram secos. Com o solo seco, a temperatura do solo subiu com facilidade fruto das temperaturas mais elevadas do final de fevereiro e março deste ano de 2019. Como consequência, as raízes iniciaram a sua atividade e o abrolhamento teve lugar uns quinze dias mais cedo do que o habitual.
Contas feitas, as vinhas terão entrado em dormência cerca de uns mês mais tarde do que o habitual e abrolharam uns 15 dias mais cedo, ou seja, terão tido menos um mês e meio de dormência. Estarão, certamente cansadas, intolerantes e irritadiças. Vamos ver as consequências que isto terá para a qualidade dos vinhos e para a perenidade das vinhas.

Edição Nº25, Maio 2019