Ermo Wines: Roque do Vale versão 3.0
Os primeiros frutos do projecto pessoal de Mariana Roque do Vale já estão nas prateleiras das lojas e, embora assentes num histórico legado familiar, revelam um cunho muito próprio. Como próprias são as uvas utilizadas, oriundas de duas propriedades, uma na serra do Mendro, Vidigueira, outra em Moura. Objectivo declarado: expressar um lado moderno do […]
Os primeiros frutos do projecto pessoal de Mariana Roque do Vale já estão nas prateleiras das lojas e, embora assentes num histórico legado familiar, revelam um cunho muito próprio. Como próprias são as uvas utilizadas, oriundas de duas propriedades, uma na serra do Mendro, Vidigueira, outra em Moura. Objectivo declarado: expressar um lado moderno do Alentejo, com vinhos diferenciadores e produzidos em pequena escala.
Texto: Luís Lopes Fotos: Ermo Wines
Roque do Vale é um nome que soa forte juntos de apreciadores que reúnam duas condições: gostar de vinhos do Alentejo e andar por cá há alguns anos. Curiosamente, as raízes mais profundas dos Roque do Vale não são alentejanas mas sim da zona de Torres Vedras, onde a agricultura sempre fez parte da actividade familiar ao longo de muitas gerações. No entanto, foi no Alentejo, e a partir dos anos 80, que Carlos e Clara Roque do Vale deixaram marca profunda, enquanto produtores de vinho (na altura, na sub-região de Redondo, com a marca Redondo, dos rótulos com pratos de barro, ou o conhecido Tinto da Talha) e enquanto dinamizadores do Alentejo como região vitivinícola, muito tendo contribuído para a sua afirmação naqueles primeiros anos da demarcação. Neste contexto, nunca é demais recordar que Carlos Roque do Vale foi um dos fundadores da ATEVA (Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo), que chegou a dirigir, e que Clara Roque do Vale foi a primeira presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, onde esteve 12 anos, implementando toda a estrutura de certificação e promoção dos vinhos do Alentejo e da Rota dos Vinhos do Alentejo. Em 2000 o casal lançou-se num novo ciclo empresarial e criou a empresa Monte da Capela, em Moura, recentemente rebaptizada como Casa Clara, onde produz vinhos e azeites.
Filha de Carlos e Clara, Mariana Roque do Vale tem, pois, toda esta “carga histórica” com que lidar. E, no entanto, não estava previsto que assim fosse. Licenciada em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, Mariana desenvolveu o seu percurso
profissional na área da consultoria, da banca e de gestão, entre Lisboa e Londres onde viveu cinco anos. Em final 2019, porém, resolveu aplicar os seus conhecimentos do mundo empresarial e financeiro ao projecto Casa Clara, tornando-se sócia dos seus pais. Desde o início, porém, que ambicionou ter, em paralelo, o seu próprio negócio vitivinícola. E assim, nasceu o Ermo. “O Ermo é algo de muito pessoal”, diz Mariana Roque do Vale. “Enquanto a Casa Clara tem estatuto e perfil mais clássicos, aqui pretendi fazer algo mais arrojado, trazendo uma visão e abordagem moderna no mundo dos vinhos.” A intenção passou por criar vinhos “de baixa intervenção e de produção limitada”. Para acentuar a diferença, o conceito enológico teria de ser distinto e, foi nesse sentido que Mariana convidou Joana Pinhão para dirigir a enologia. Joana, com larga experiência no Tejo, Douro e Vinhos Verdes, nunca tinha trabalhado no Alentejo e aceitou entusiasmada o novo desafio.
ENTRE MOURA E VIDIGUEIRA
Para fazer vinho, é preciso uvas. Mariana Roque do Vale optou por basear os Ermo exclusivamente em uvas próprias. À partida, tinha desde logo o conforto da matéria prima da Herdade da Capela, propriedade da Casa Clara, a sociedade familiar. Mas a produtora queria ter algo mesmo seu e deste modo adquiriu a Quinta de D. Maria, na serra do Mendro, Vidigueira (não confundir com a quinta e marca Dona Maria, em Estremoz…). Assim, os primeiros vinhos que agora chegam ao mercado assentam nas duas propriedades e com divisão bem clara na origem das uvas: os brancos, são da Herdade da Capela; os tintos, da Quinta de D. Maria. A Herdade da Capela localiza-se na sub-região de Moura, na margem esquerda do Guadiana. É uma propriedade de 70 hectares, de suaves encostas, com solos de derivados de calcário com algum granito, à beira do espelho de água do Alqueva. Ali estão plantados 54 hectares de vinha com diversas castas tintas e brancas, mas no Ermo entram apenas estas últimas, e em concreto as variedades, Arinto, Antão Vaz, Verdelho e Viosinho, de videiras com cerca de 25 anos.
A Quinta de D. Maria encontra-se localizada na Serra do Mendro, acompanhando uma das suas encostas que desce desde a cota de 300 metros até à margem do rio Guadiana. É uma propriedade de 231 hectares, com 26 hectares de vinha em produção, 40 hectares de olival tradicional (de onde vem o azeite Ermo), montado e floresta. Os solos são de xisto e pedra rolada do rio e as variedades plantadas são exclusivamente tintas: Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez, Castelão e Trincadeira, às quais se junta uma pequena parcela de Cabernet Sauvignon. Estas videiras, com mais de 30 anos, têm história no Alentejo. É que, a partir de final dos anos 90 e ao longo de uma década, deram origem aos famosos tintos do produtor Francisco Garcia, vinhos ambiciosos na qualidade e no preço. O que, se traz garantias da excelência do terroir, também acentua a responsabilidade de Mariana Roque do Vale, da enóloga Joana Pinhão e do consultor de viticultura João Torres.
Mariana, porém, não se limitou a recuperar as videiras plantadas naquela encosta do Mendro, com um microclima mais ameno criado pela escarpa da falha da Vidigueira. Aproveitando o relevo da propriedade, plantou 10 hectares de vinha nova, parcialmente desenhada em patamares que, de algum modo, lembram o Douro. A opção varietal passou por reforçar algumas das castas clássicas já existentes na vinha antiga (Alicante Bouschet e Castelão) e introduzir castas portuguesas menos tradicionais na região: Tinta Francisca, Tinta Miúda, Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. É a expressão de “Alentejo moderno” que Mariana Roque do Vale pretende implementar na marca Ermo. “Queremos novas potencialidades para os nossos vinhos”, refere, “e estas são castas que acreditamos virem a adaptar-se bem ao clima e solo da propriedade, aportando frescura e acidez.” A experiência e conhecimento científico de João Torres foram fundamentais nesta decisão. Foi feito um estudo detalhado do solo, orientação solar e topografia do local, para que cada casta ficasse plantada na parcela mais apropriada. E a construção de parte da vinha em patamares permitiu que algumas variedades, como o Sousão, ficassem viradas a nascente, protegendo-se do calor das tardes de Verão.
ALENTEJO MODERNO
A viticultura do Ermo encontra-se no modo de produção integrada, utilizando recursos naturais e mecanismos de regulação natural, e uma parte está em processo de migração para o modo de produção biológico. “As uvas são todas colhidas à mão e na adega, tentamos ser o menos interventivos possível, apostando em fermentações espontâneas e vinhos com macerações mais suaves”, diz a enóloga Joana Pinhão. “Na base do projecto está uma visão moderna da vitivinicultura e da enologia, assente numa filosofia de sustentabilidade nos seus diversos pilares, e numa aproximação de baixa intervenção, respeitando o solo e o carácter das vinhas”, complementa Mariana Roque do Vale.
A primeira vindima (a vinificação é feita na adega da Casa Clara, em Pias) teve lugar em 2020, com os vinhos a começarem a chegar às lojas em finais de 2021. Para já, são cerca de 20.000 garrafas, mas prevê-se um crescimento suave e sustentado ao longo dos próximos anos. No mercado estão dois brancos de Arinto (um deles feito em ânfora) e um tinto de Castelão, pensado num perfil mais leve e elegante. Em breve, chegará um novo tinto, também de 2020, desta vez um blend, com as castas Trincadeira, Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon. Os vinhos provados prometem muito, e vale bem a pena manter este projecto Ermo debaixo de olho.
Um projecto que não se esgota no vinho, nem sequer no Alentejo. Mariana Roque do Vale é apaixonada pela arquitectura e pela maneira como o espaço influi na nossa vivência. E como quer introduzir outras formas de pensar o Alentejo e os seus vinhos, está a criar no bairro da Lapa, em Lisboa, numa casa projectada pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) um espaço para jantares vínicos e provas que vai funcionar como extensão enoturística do Ermo e de outros produtores. Em princípio, os primeiros eventos ocorrerão ainda este ano. Em estudo estão também um hotel rural, uma cave de estágio e um pavilhão de provas, com assinatura de alguns dos mais cotados gabinetes de arquitetura contemporânea.
“Quero dar continuidade ao legado de meus pais, mas quero fazer mais coisas, estabelecer uma ponte para o futuro, para um moderno Alentejo”, diz Mariana. Se o Alentejo moderno é assim, venha mais.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)
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12 Brancos de 2019 para beber neste Outono
Com três anos de idade, estes vinhos brancos estão no ponto perfeito para começarem a ser apreciados, agora que a chuva e os dias mais frios estão de regresso. A vindima de 2019 originou brancos de primeira linha, com perfeito equilíbrio entre corpo, fruta e acidez. A nossa seleção assenta em vinhos que cresceram maravilhosamente […]
Com três anos de idade, estes vinhos brancos estão no ponto perfeito para começarem a ser apreciados, agora que a chuva e os dias mais frios estão de regresso. A vindima de 2019 originou brancos de primeira linha, com perfeito equilíbrio entre corpo, fruta e acidez. A nossa seleção assenta em vinhos que cresceram maravilhosamente em garrafa e que (ponto importante!) se encontram ainda disponíveis no mercado.
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Murgas Wines: Bucelas a mexer
A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo. Texto:João Paulo Martins Fotos: Murgas Wines João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. […]
A quinta é antiga, mas o entusiasmo e a renovação da vinha são recentes. João França lidera um projecto integrado que oferece já várias valências e terá ainda mais no futuro, com mais vinha e enoturismo.
Texto:João Paulo Martins Fotos: Murgas Wines
João França estava recém-chegado das férias na praia, tranquilo, boas cores, muita energia. A sua quinta em Bucelas fervilha de vida, humana e animal. Originalmente a propriedade pertenceu ao avô, Sérgio Geraldes Barba que, além desta Quinta das Murgas, tinha mais propriedades na região, como a quinta do Avelar, hoje detida por um tio de João. As referências ao avô foram uma constante ao longo da nossa visita e da nossa conversa. Entrámos numa viatura todo-o-terreno e fomos visitar muitas instalações existentes na zona, quase todas desactivadas. Aqui ficavam os aviários do Freixial, um colosso (para a época era o maior da Península Ibérica) de criação de frangos, ainda activo nos anos 70 e 80 e que chegou a empregar 300 pessoas, com escolas e cantinas. Hoje muitas das casas estão em adiantado estado de degradação, finalizada que foi a “aventura franguística”. Sobrou espaço e João não põe de lado a ideia de alargar a área de vinha, assim o negócio prospere. Sérgio Barba era um empresário multifacetado, ligado também à construção, tendo sido da sua responsabilidade a substituição do hotel Aviz pelo Imaviz e actual hotel Sheraton, em Lisboa. O seu nome ficou igualmente ligado à odisseia (é mesmo assim que se deve chamar…) da introdução da Coca-Cola em Portugal. Depois de décadas de tentativas, a Coca-Cola foi finalmente autorizada no país em Janeiro de 1977, era Mário Soares Primeiro Ministro. Sérgio Barba esteve na criação da empresa Refrige que iniciou a construção de fábrica própria para a Coca-Cola em Palmela. Terminavam assim todas a reticências que remontavam ao tempo de Salazar que, nos anos 40, era feroz opositor da entrada do grupo em Portugal.
As vinhas e as florestas
João conviveu muito com o avô e dele recebeu o gosto pela terra, pelo vinho e pela natureza em geral. Essa ligação foi uma constante até à morte que ocorreu em 2006. Em Bucelas detinha para cima de 1000 hectares de terras e ainda hoje (nomeadamente na Quinta do Avelar) se percebe um micro-cosmos onde a exuberância da vegetação nos faz esquecer que estamos às portas de Lisboa.
Os vinhos de Bucelas estiveram durante décadas confinados a muito poucos produtores. Na altura, além de Geraldes Barba apenas as Caves Velhas tinham um papel de relevo na região. Eram herdeiras de um outro grande empresário mas de época muito anterior, João Camillo Alves que, nos anos 40 e 50 –, era assessorado pelo enólogo Manuel Vieira. Foi preciso esperar pelo início dos anos 90 para conhecermos uma nova era para a região com a constituição da Quinta da Romeira e o plantio de largos hectares de vinha onde a casta Arinto passou a brilhar a solo, então pela mão de Nuno Cancela de Abreu e mais tarde, João Corrêa. Hoje, a Romeira pertence à Sogrape. A tradição regional impunha os vinhos de lote, com a ligação entre a Arinto, a Rabo de Ovelha e a Esgana Cão. Cancela de Abreu começou a contrario a fazer brancos onde apenas entrava a casta Arinto. Ainda hoje a Quinta das Murgas vende parte das uvas à Quinta da Romeira. Esse gosto pelo vinho monovarietal desenvolveu-se e actualmente a maioria dos produtores locais opta pelo uso exclusivo da Arinto.
Bucelas é famosa desde o séc. XIX e a demarcação ocorreu há mais de um século, no conjunto das primeiras demarcações pós-pombalinas, já no final da monarquia. São pergaminhos de que poucas regiões se podem gabar. Era a esta “zona saloia”, onde pontificavam as hortas e pomares, que os lisboetas iam passear aos fins-de-semana. Temas queirosianos por excelência…
Estamos em terras de brancos, os únicos que têm direito à DOC Bucelas e, embora aqui se produzam também tintos, a verdade é que toda a fama recai na casta Arinto, responsável pelo carácter muito próprio dos brancos locais. Como sabemos pelas informações dos cientistas da vinha que estudam ADN e genética quantitativa das castas, a Arinto nasceu mesmo em Bucelas e foi daqui que, aos poucos, se foi espalhando por todo o país. Ganhou fama e é hoje, reconhecidamente, uma das mais, se não mesmo a mais importante casta branca que temos no país, na conjugação de qualidade, adaptabilidade e dispersão geográfica. A principal característica que todos lhe reconhecem é o seu carácter ácido que se conserva mesmo em climas mais quentes. A Arinto ganhou assim muito espaço nomeadamente no sul de Portugal, onde passou a ser parte integrante do lote mais característico do Alentejo.
O dia estava soalheiro e por ali andavam alguns cavalos, dos muitos que aqui estão em permanência, actividade que está a cargo do irmão de João. O que se sente na quinta é uma grande presença de animais, alguns exóticos ou pouco conhecidos, espécies anãs, por exemplo, mas também galinhas, lamas, gamos, borregos e um leitão que circula livremente e até nos veio visitar na sala de provas.
Recuperado o casario mas ainda sem adega – os vinhos são feitos em espaço alugado na Quinta da Murta – a vinha estende-se por 12 ha, dos quais 2 de casta tinta que o avô plantou (Touriga Franca, agora rebaptizada de Touriga Francesa) e de gostava particularmente, um hectare de Esgana Cão e o restante de Arinto. Há intenção de plantar mais 4 ha mas a produção para já é suficiente e ainda se vendem uvas para terceiros. O objectivo de João França e do enólogo Bernardo Cabral, passa por conseguir uma produtividade de 15 toneladas por hectare sem prejuízo da qualidade. Estamos em solos argilo-calcários, com muita pedra e muita disponibilidade de água no solo, sendo possível jogar com várias exposições da vinha, o que é uma vantagem. João França já adquiriu algumas parcelas contíguas que também pertenciam à família e por isso há espaço para crescer, jogando com vinhas em encosta de considerável inclinação. Além do branco e do tinto irão fazer este ano um rosé; a produção em 2021 repartiu-se por 7000 garrafas de tinto e outras tantas de branco. Neste momento já se faz alguma exportação para os EUA e Brasil e são, no mercado interno, distribuídos pela Wine Concept.
O mosto da uva branca fermenta (20%) em barrica usada e o mosto das tintas em inox, indo depois para barricas usadas. Após a recuperação da vinha de Touriga Francesa, fez-se o primeiro branco em 2017 e o primeiro tinto em 2019. O branco 2018 estagiou 9 meses sobre borras finas, com bâtonnage nos primeiros dois meses. Cerca de 70% do tinto descansou barricas. Quando da nossa visita, provámos também os brancos de 2017 e 2019. Ficamos em grande expectativa em relação à edição de 19 que, tal como o 17, se apresenta muito citrino e vibrante (17,5). Os tintos são, por ora, feitos em Alenquer na adega da empresa Félix Rocha.
Quando neste mês de Setembro arrancar o projecto de enoturismo será possível organizar passeios pela quinta, a cavalo, em viatura todo o terreno ou a pé, provas de vinho a meio do percurso, convívio com toda a fauna local, percursos pessoais em que se entrega um mapa, uma cesta com a merenda e, a pedido, uma bicicleta, para fazer o circuito. Não faltarão motivos, não já para ir “ver as hortas” queirosianas, mas para usufruir de um ambiente rural sofisticado bem perto de Lisboa.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)
AdegaMãe: Lisboa de carácter e ambição
Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo. Texto: Mariana Lopes Fotos: AdegaMãe Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica […]
Mais de uma década depois do seu nascimento, a AdegaMãe assume-se como um projecto maduro e sólido, um dos produtores que mais contribuem para a afirmação qualitativa da região de Lisboa. Nos vinhos, e no enoturismo.
Texto: Mariana Lopes Fotos: AdegaMãe
Ventosa, Torres Vedras, apenas a 10 quilómetros do oceano atlântico. É aqui que fica a AdegaMãe, erguida em 2011 pela família fundadora do Grupo Riberalves, entre o mar e a Serra de Montejunto. Dois factores muito importantes: a proximidade ao mar, porque define largamente o perfil de vinhos da casa, e o profissionalismo e experiência empresarial de quem a criou e gere que, sabendo rodear-se das pessoas certas, fez com que a AdegaMãe se afirmasse, em pouco mais de 10 anos, como um dos mais promissores produtores da região de Lisboa. É assim mesmo que se escreve, “AdegaMãe”, sem espaço entre as duas palavras. João e Bernardo Alves, pai e filho, homenageiam desta forma Manuela Alves, a matriarca da família. Mas “Mãe” é, aqui, também referência aos conceitos de “nascimento” e “criação”, de uvas, de vinhos e de experiências.
Actualmente, é Bernardo Alves que está ao leme, enquanto director-geral, do projecto e dá continuidade ao sonho do pai, que começou em 2010 com a primeira vindima, altura em que as infra-estruturas da AdegaMãe estavam ainda em processo de construção. Em 2011, é concluído o edifício principal, a adega, e lançado o primeiro vinho para o mercado, o Dory tinto 2010. A marca Dory — inspirada nos Dóris, pequenos barcos que se presume terem surgido no século XVII ou XVIII, usados na pesca do bacalhau — é ainda hoje a principal e mais “famosa” do portefólio da casa, que integra também o entrada de gama Pinta Negra e a linha AdegaMãe, dedicada sobretudo a vinhos varietais e de parcela. Em 2021, para marcar 10 anos de existência, a empresa sofreu um rebranding total, da autoria da M&A Creative Agency, mas a imagem dos rótulos dos Dory manteve o seu elemento principal: o Dóri nº 37 e o seu tripulante, um pescador português embrenhado na sua função. Este cenário foi retirado de uma fotografia original e bem antiga, que a AdegaMãe obteve permissão para usar, onde se vê também a embarcação-mãe, o Creoula, em plano de fundo. Construído e lançado ao mar pela primeira vez em 1937, o ex-bacalhoeiro Creoula pertence hoje à Marinha Portuguesa. Entretanto, já depois desta imagem ser utilizada nos rótulos dos Dory, o verdadeiro Dóri 37 foi oferecido à AdegaMãe, pela família que o detinha, e está exposto mesmo à entrada da adega, não deixando dúvidas sobre a influência do mar na génese e herança espiritual do produtor.
Montejunto: três de um lado, três do outro
Embora tudo tenha começado com um tinto (provavelmente porque, na altura, era o que mais sentido fazia a nível de mercado), rapidamente a equipa da AdegaMãe percebeu que o potencial daquela zona de Lisboa residia nas uvas e vinhos brancos, pelo clima e pelos solos. Anselmo Mendes e Diogo Lopes — hoje talvez a dupla de enólogos mais cobiçada do país — acompanham a empresa desde a sua fundação e orientaram, logo no início, a restruturação das vinhas que circundam a AdegaMãe: substituíram as castas tintas que, na verdade, não faziam ali grande sentido, como Alicante Bouschet ou Aragonez, entre outras, por uvas brancas. Nos 30 hectares de vinhedos que ali estão hoje, apenas uma tinta ficou, a Pinot Noir. Amândio Cruz, viticólogo consultor da AdegaMãe e também ele uma referência na sua profissão, entrou em cena em 2014, e explica que a Pinot Noir se comporta “mais como uma branca, a nível de exigências térmicas”, por isso faz sentido ali. E ainda bem para Bernardo Alves, que confessa ser uma das suas favoritas…
Porém, para Amândio Cruz, o maior potencial da casa reside nas três brancas mais plantadas ali, Chardonnay, Viosinho e Sauvignon Blanc, “o ex-libris da AdegaMãe”. Em 2021, lembra, plantaram Gouveio, que era praticamente inexistente nas vinhas do produtor, e este ano reforçaram a área de Alvarinho. Ainda na zona da adega, há também Riesling e Arinto, mas é noutra vinha de 32 hectares, na zona mais interior do concelho, que estão Fernão Pires e Viognier, além de Arinto e Sauvignon Blanc. Adicionalmente, já na encosta poente da Serra de Montejunto, em Pereiro, encontra-se uma vinha de 3 hectares com a casta Vital, uma das pouquíssimas ainda existentes na região. Durante vários anos, a equipa de enologia da casa esteve a estudar o que fazer com ela, culminando no lançamento do AdegaMãe Vinhas Velhas Vital, em 2021, integrado numa nova gama de vinhos de parcela. “O clima de Torres Vedras é excepcional para castas brancas, é o factor principal”, elucida Amândio Cruz. “É mais fresco em geral, as temperaturas máximas são mais baixas e as nocturnas também, e temos uma neblina matinal óptima. Há até menos horas de sol, porque está muitas vezes nublado até às onze da manhã”, desenvolve. Mas também o solo tem a sua importância no potencial da zona para brancos: “O solo é argilo-calcário, o que imprime excelente acidez nas uvas, com a particularidade de ter muito cálcio, mais do que potássio. Isto é bom porque o potássio, embora importante para a nutrição das uvas, em excesso retira-lhes alguns ácidos essenciais”, refere o viticólogo.
Já do outro lado da serra, num clima mediterrânico de influência mais continental e (um pouco) menos atlântica, estão as uvas tintas, divididas por outras três vinhas nas zonas de Alenquer e Arruda dos Vinhos: Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Tinta Roriz, Aragonez e Alicante Bouschet. Deste lado as amplitudes térmicas são maiores (essencial para a maturação das uvas tintas) e os Verões mais quentes.
Os vinhos brancos varietais, incluindo os de uma só parcela, são claramente o campo onde a AdegaMãe dá mais cartas. Durante a última década, a empresa esteve à procura “do seu lugar no Mundo”, e foi aqui que o encontrou. Ainda em 2013, ano em que a AdegaMãe fez um dos vários reforços à gama de varietais brancos, com 4 novos vinhos, Bernardo Alves já dizia: “O objectivo é contribuir para uma nova reputação da região de Lisboa. Esta região e a AdegaMãe têm muito para dar ao país. As condições naturais, a proximidade do oceano Atlântico e os próprios solos oferecem-nos vinhos com características especiais, com uma mineralidade e com uma acidez natural que é de realçar. Temos condições únicas para fazer grandes vinhos”.
Diogo Lopes, que hoje é o principal enólogo da casa, recorda que “os primeiros 10 anos serviram para eu e o Anselmo Mendes aprendermos sobre a região. As variedades, as zonas, os estilos de vinho e todos os seus potenciais. Aprofundar o conhecimento e ter mais certezas do que queríamos fazer. O corolário disto tudo, é a gama dos vinhos de parcela”. Esta gama, com a marca umbrela AdegaMãe, abrange, além do já referido Vinhas Velhas Vital, também o Tinto Atlântico, um 100% Pinot Noir da vinha do produtor mais próxima ao mar, e mais recentemente a novidade absoluta, Parcela Amarela, 100% Viosinho, casta que a equipa considera como a “crème de la crème” da casa, estando presente nos principais brancos de lote). No entanto, não é só a parcela e a casta que fazem este vinho, na edição de 2019, especial. “Com o decorrer da fermentação, ouve duas barricas que desenvolveram um pouco de ‘flor’ naturalmente, e eu deixei ficar… achei que ia dar riqueza ao vinho”. A “flor”, ou “véu de flor”, é uma espécie de manto, formado por leveduras, que se forma no topo do vinho, a maior parte das vezes quando a barrica ou o depósito não estão totalmente atestados, devido ao contacto com o oxigénio. E ainda bem que Diogo Lopes o deixou ficar, porque neste caso o resultado foi excelente, um branco original e com enorme complexidade e elegância, com um lado evoluído nobre.
Igualmente ambiciosa é a gama dos AdegaMãe varietais brancos. Para esta reportagem, provou-se o Sauvignon Blanc 2020, Riesling 2019, Chardonnay 2020, Arinto 2019, Alvarinho 2018 e Viosinho 2019. Em comum, têm o facto de serem vinhos de elevadíssima qualidade, por um preço altamente democrático. Quando se diz a Bernardo Alves que estas referências poderiam custar bem mais, “nas prateleiras”, do que custam, o director-geral da AdegaMãe torce o nariz: “Claro que poderiam custar mais, têm qualidade para isso, mas não é esse o nosso objectivo. Queremos que toda a gente possa beber excelentes vinhos de Lisboa”, sublinha.
Investir na qualidade
É também Bernardo Alves que critica o sector do enoturismo português, com assertividade. “Enoturismo não é só dormir nas quintas de vinho, nem ter apenas uma porta aberta ao público. Ou se tem à seria, com uma estrutura dedicada, ou mais vale não ter”. Como se costuma dizer “errado ele não está”. É com base nesta premissa que a AdegaMãe tem investido largamente nesta área, com o último investimento maior a recair (a par da área da produção) sobre a abertura do restaurante Sal na Adega, em 2020. O espaço, moderno mas aconchegante em simultâneo, e com vista privilegiada para as vinhas, serve cozinha tradicional portuguesa com um toque de elegância e identidade, da autoria do chef santareno Tiago Fitas Rodrigues. O bacalhau tem, naturalmente, forte presença na carta, mas nem só dele se faz a oferta gastronómica, havendo muito mais por onde escolher, e acima de 20 referências de vinho para harmonizar. À entrada, logo a seguir à loja, uma zona estilo wine bar para quem espera ou para quem não se quer comprometer com uma refeição completa. É também aqui, no Sal na Adega, que se pode desfrutar do Brunch AdegaMãe, que custa €40 por pessoa e inclui harmonização com 4 vinhos da casa: Dory Colheita branco ou tinto, varietal branco, varietal tinto e Dory Reserva branco ou tinto. Ainda no âmbito do enoturismo, há todo um leque de provas comentadas diferentes, visitas guiadas e experiências personalizadas. “As pessoas vêm pouco ao Oeste, e nós estamos a tentar criar motivos para que venham”, conclui Bernardo Alves.
Tendo já todas as fases do processo de produção nas suas instalações, incluindo linha de engarrafamento, a AdegaMãe produz, actualmente, 2 milhões de garrafas por ano, um aumento de 700 mil desde 2018. Cerca de 75% vai para mais de 30 países, com o Brasil, os Estados Unidos, a Ásia e a Colômbia a afigurarem-se como os mercados mais importantes. Também desde 2018, a facturação quase duplicou, com Março a fechar nos 5,8 milhões de euros. E o próximo grande objectivo, qual é? Diogo Lopes responde: “Acho que falta, na região, alguma identidade, e nós já descobrimos a nossa. Queremos assumir a AdegaMãe como um dos grandes produtores de vinho branco do país”.
Vinhos & Sabores 2022 – As fotos e os vídeos do evento
“Vinhos & Sabores 2022” – Veja todos os vídeos e fotos da maior feira do sector em Portugal. AQUI Obrigado a todos os produtores, visitantes e staff que fizeram com que o evento deste ano fosse Incrível! Até para o ano…
“Vinhos & Sabores 2022” – Veja todos os vídeos e fotos da maior feira do sector em Portugal. AQUI
Editorial: Alentejo, origens e estilos
Os vinhos do Alentejo são definidos por um vasto conjunto de factores, desde logo, a sua origem ou, mais correctamente, origens. Mas também pelo seu estilo, ou perfil particular. Num e noutro caso, em maior ou menor grau, a intervenção humana tem papel primordial. Editorial da edição nº 66 (Outubro 2022) Os vinhos do Alentejo, […]
Os vinhos do Alentejo são definidos por um vasto conjunto de factores, desde logo, a sua origem ou, mais correctamente, origens. Mas também pelo seu estilo, ou perfil particular. Num e noutro caso, em maior ou menor grau, a intervenção humana tem papel primordial.
Editorial da edição nº 66 (Outubro 2022)
Os vinhos do Alentejo, cujos tintos são tema de capa desta edição, constituem, muito provavelmente, o conjunto DOC (Denominação de Origem Controlada) mais diverso que existe em Portugal. Uma boa parte dessa diversidade tem a ver com a origem (origem, sim, terroir é algo muito mais raro e geograficamente preciso). Numa região enorme, que vai da costa atlântica ao interior fronteiriço e que pelo meio abarca colinas, planícies e serras, com vinhas plantadas numa vasta tipologia de solos, das areias aos granitos, do xisto aos mármores, das argilas aos calcários, tem, necessariamente, de existir um pouco de tudo. No que à origem respeita, o papel do produtor é naturalmente mais restrito. Mais ainda que não possa mudar o clima, pode intervir, de diversas formas, nas qualidades do solo, através de movimentação de terras, mobilização, arrelvamentos, adubação, entre muitas outras práticas. Ao nível da viticultura, o produtor intervém de forma ainda mais decisiva, desde o modelo adoptado (convencional, produção integrada, orgânico, etc.) – e aqui é justo referir o avanço que o Alentejo leva, face as outras regiões nacionais, em termos de práticas sustentáveis certificadas na vinha e na adega – até à cultura da videira propriamente dita, da poda à condução da planta, da dotação de água até à escolha dos porta-enxertos e castas.
No Alentejo, as castas selecionadas pelo produtor determinam boa parte da forma como ele e os seus vinhos se definem. Em regiões clássicas, como Douro, Dão ou Verdes, a categoria IG/Regional (Duriense, Terras do Dão, Minho) tem muito pouca expressão e é até sujeita a alguma desvalorização no mercado, o que “obriga” (e bem!) os produtores a focarem-se em meia dúzia de variedades “tradicionais”. Já no Alentejo, DOC Alentejo e Regional Alentejano equivalem-se em notoriedade e preço junto do apreciador. Sem esse constrangimento, o leque de castas legalmente colocado à disposição do produtor é imenso, entre variedades mais antigas ou mais recentes na região. O que, se de algum modo promove a diversidade e até, em certa medida, a qualidade (em teoria, pelo menos, uma casta “de fora” só se justifica se trouxer valor acrescentado…) de algum modo há que reconhecer que não favorece uma identidade regional mais assertiva.
A casta, a meu ver, é o elemento de transição entre a origem (que controlamos menos) e o estilo ou perfil do vinho (onde controlamos quase tudo). É aqui, com base nas decisões que toma na vinha e na adega, que o produtor determina como se vê e como quer que o vejam a si e aos seus vinhos. Na prova de mais de 50 tintos alentejanos que Valéria Zeferino fez para esta edição da revista, a autora identifica quatro grandes estilos, ou perfis: dois “clássicos” (um que alia concentração e elegância, outro focado na concentração e potência) e dois “modernos” (um centrado na intensidade de fruta, estrutura e suavidade, outro que acaba por ser quase neoclássico, recuperando práticas e conceitos de outrora para fazer vinhos mais “light” e diferentes). Acredito que o puzzle Vinho do Alentejo é bem mais complexo, mas tendo a concordar com a Valéria na visão geral. Importante é que cada produtor saiba definir muito bem que caminho (ou caminhos) quer seguir e que o assuma na sua identidade vínica; e que cada apreciador saiba navegar no mar imenso de marcas e perfis de vinho alentejano para que, quando compra uma garrafa, acerte no estilo (ou estilos) que, realmente, o satisfazem. A Grandes Escolhas estará sempre presente para dar uma ajuda.
Masterclasse Monção e Melgaço – Na FIL Pav 1
A CVR dos Vinhos Verdes e a Grandes Escolhas convidam-no a uma prova de vinhos muito especial! Masterclasse Monção e Melgaço – O Território e os Vinhos Luis Lopes, Director da revista Grandes Escolhas orienta esta prova dedicada aos vinhos de Monção e Melgaço no dia 10 de Outubro, Segunda-feira, às 14:30 horas no decorrer […]
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Masterclasse Monção e Melgaço – O Território e os Vinhos
Vinhos & Sabores 2022 – Programa das Provas Especiais
Vinhos & Sabores 2022 Descubra aqui todo o programa das Provas Especiais e a descrição dos vinhos que vão estar presentes em cada uma, escolha qual a prova que quer reservar! PROGRAMA DAS PROVAS As inscrições são limitadas, consulte a disponibilidade na Ticketline.
Vinhos & Sabores 2022
Descubra aqui todo o programa das Provas Especiais e a descrição dos vinhos que vão estar presentes em cada uma, escolha qual a prova que quer reservar!
As inscrições são limitadas, consulte a disponibilidade na Ticketline.