Passarella: Uma estrela à beira da serra

Passarella Beira da serra

Uma recente visita à Casa da Passarella permitiu-nos conhecer melhor a evolução desta casa que, embora de história mais do que centenária (já fazia vinhos em 1893), só atingiu o estrelato junto dos apreciadores na última década, com novo proprietário e outras ambições.  Há muitas novidades na Passarella, não apenas vínicas mas também turísticas, dois […]

Uma recente visita à Casa da Passarella permitiu-nos conhecer melhor a evolução desta casa que, embora de história mais do que centenária (já fazia vinhos em 1893), só atingiu o estrelato junto dos apreciadores na última década, com novo proprietário e outras ambições.  Há muitas novidades na Passarella, não apenas vínicas mas também turísticas, dois elementos que, como se sabe, estão cada vez mais ligados.

 Texto: João Paulo Martins

Fotos: O Abrigo da Passarela

A Casa da Passarella está localizada num imenso planalto que antecede as subidas várias à serra da Estrela, passando por Gouveia, subindo ao Sabugueiro para aí aproveitar a natureza ondulante, quem sabe para um passeio arejado à beira de riachos e de caminhos com muita hortelã, a enriquecer o ar, já de si, bastante puro. Os vinhos aqui produzidos têm estampado no rótulo a sub-região Serra da Estrela, o que subentende um conjunto de características que remete para diversos produtores, uns bem conhecidos, como Álvaro de Castro, outros menos. Já se sabia, desde há muito, da valia dos vinhos da Passarella, com fama de décadas na produção de néctares muitas vezes comercializados a granel para grandes casas engarrafadoras. É uma grande propriedade, com vinhas dispersas por zonas diferentes, e com idades distintas, sistemas de condução variados, castas conhecidas e desconhecidas, umas nacionais, outras nem tanto. À fama de outrora, até aos anos 70 do século passado, seguiu-se um período em que a decadência parecia inevitável. Em boa hora foi adquirida pela família Cabral em 2008 e o novo proprietário deitou mãos a obra para recuperar a casa e as vinhas. A encimar a propriedade temos a casa, já completamente restaurada (um trabalho exemplar…) e pronta para se tornar, em breve, um hotel. Dizer que é de charme é muito pouco. Aqui todo o charme vem da própria arquitectura, da variada decoração de paredes e tectos que foram deixados intactos e apenas cuidadosamente recuperados. A decoração e os interiores seguem dentro de momentos. Daqui se vislumbra um mar de vinhas, ainda que só se abranja com o olhar uma parte dos vinhedos que completam 60 hectares. Ao arranjo e decoração dos interiores segue-se todo o arranjo exterior que irá tornar o local num ponto de paragem obrigatório para quem quiser conhecer o Dão e os vinhos da Serra da Estrela.

passarella estrela da serraManter, renovar ou arrancar?

Do ponto de vista do trabalho de viticultura e enologia, aqui estamos no céu, tal o manancial à disposição de Paulo Nunes, o enólogo que lidera este projecto desde que foi abraçado pelo novo proprietário. Na visita rápida que fizemos às vinhas, percebemos que as decisões tomadas foram arriscadas mas compensaram. Paulo explica que uma das vinhas velhas estava já com um projecto Vitis aprovado e iria ser arrancada em breve; à súplica do enólogo que pediu “só mais uma vindima” para ver o que dava, o Céu e os Deuses ouviram as preces e contemplaram o enólogo com uma colheita de 2008 de qualidade excepcional que acabou por justificar a manutenção da vinha. Produzia pouco? Pouco mecanizável? Castas esquisitas? Sim, isso tudo, mas dali vem agora um vinho emblemático da casa. O desafio passou muito por aqui, por manter o que era de manter, num trabalho enorme de preservação. Neste caso, de património cultural, não haja qualquer dúvida.

Na continuação da visita fomos ver as vinhas escondidas atrás de pinheiros e castanheiros, as formas de condução já caídas em desuso (“à morcela”) ou de reprodução (por mergulhia). Isto tudo sem deixar de ver as novas “folhas de vinha”, de moderna implantação e as vinhas do vizinho (vamos chamar-lhe sr. Manuel…) que fazem a cobiça de Paulo. Quando ali passámos, lá andava o sr. Manuel a tratar da vinha e Paulo comentou que “anda aqui todos os dias, trata disto como um jardim e temos uma óptima relação; já me disse que, entanto puder, irá continuar a tratar assim e entregar as uvas na adega cooperativa”. Nem com a proposta de lhe pagar o dobro, e a pronto, o sr. Manuel se comoveu; a ligação à cooperativa é um compromisso pessoal, fidelidade é isto…

Nos vinhedos ainda se encontra muita Tinta Roriz, uma casta que é verdadeiramente o “ódio de estimação” de Paulo Nunes que insiste não conhecer nenhum varietal daquela casta que mereça crédito. Por enquanto ela ainda lá está e tem sido usada para encomendas especiais, nomeadamente vindas de fora. A par dela, nas vinhas velhas circulam muitas outras castas, algumas impossíveis de identificar por não constarem em qualquer colecção ampelográfica, como se verá na descrição mais pormenorizada dos vinhos provados.

Novos vinhos e segredos por revelar

Provamos dois novos vinhos brancos, o Descoberta 2021, de que se fazem 60 000 garrafas. No lote entram Encruzado, Verdelho, Malvasia Fina e Barcelo. É um dos vinhos que mais depressa esgota, sendo habitual a ruptura de stock ao fim de dois meses. Não existem, no entanto, perspectivas de aumento significativo da produção. O Abanico 2021 tem origem em vinhas velhas com castas misturadas, sendo o lote completado com Encruzado e Bical. A produção atinge as 13 300 garrafas. Fermenta com leveduras indígenas e, após a fermentação, o estágio decorre em barricas e balseiros usados. A procura elevada exige uma pré-alocação do vinho para que chegue aos clientes habituais. Do Curtimenta branco só se fizeram 1990 garrafas. Vem de uma vinha velha onde têm as uvas com mais acidez. Feito em cuba de cimento com engaço total (3 semanas) onde faz também a maloláctica. Depois vai para barrica usada de 500 litros. Este branco recria o estilo antigo, já que era esta a forma como eram feitos todos os brancos da Passarella.

O Descoberta rosé corresponde a 13 000 garrafas. Tem Touriga Nacional, Jaen e Tinta Roriz. Fazem duas passagens de vindima nestas parcelas, uma parte vai para base de espumante e outra para rosé; o lote final acaba por ser a junção das duas vindimas.

Nos tintos provámos O Enólogo Vinhas Velhas 2019, de que se fizeram 9 000 garrafas. A vinha, que esteve para ser arrancada (ver texto em cima), tem 23 castas misturadas com a Jaen e a Baga em maior percentagem. Faz-se uma co-fermentação de todas as uvas e depois o vinho estagia num tonel usado.

O Fugitivo Bastardo é um produto de nicho. De que se fazem apenas 2152 garrafas mas que se apresenta muito bem. Apesar de ser tida como casta que origina tintos para beber enquanto jovens, o enólogo assegura que o vinho aguentará muito bem a prova do tempo. Do Fugitivo Vinha Centenária resultaram 3000 garrafas. O corte é feito em lagar com pisa a pé, com 100% de engaço, a que se segue um removimento da manta das vezes por dia com a “tranca”, nome de instrumento de madeira que se assemelha (na função) àquele que no Douro ou na Bairrada se chama “macaco”, embora o aspecto não seja igual. A fermentação demora uns 4 a 5 dias a arrancar e depois termina em tonel. Aí fica dois invernos e, posteriormente, tem mais dois anos de estágio em garrafa. Foi, assim, engarrafado em 2020.

No hotel a abrir no futuro próximo serão servidos vinhos de produções micro – Tinta Amarela e Alvarelhão, por exemplo – e para os quais serão recriados rótulos antigos. Fica a ideia que as micro-produções e as experiências do técnico só poderão ser provadas pelos clientes do alojamento. Esta, só por si, já poderia ser razão bastante para a deslocação e estadia no hotel que, desta forma, adquire um charme extra.

É provável que saia também no futuro próximo um tinto de Pinot Noir, uma casta que há muito existia na quinta e era dessa vinha que se fazia um pé de cuba usado depois nas fermentações. Irá sair como Fugitivo. Feito em lagar com engaço, prensado depois, termina em tonel. Pela pré-prova que fizemos notámos que tem muito carácter borgonhês, com leve acidez volátil bem. Irá ser um caso muito sério e contribuir para a aura de qualidade e diferenciação dos vinhos da Casa da Passarella.

(Artigo publicado na edição de Julho de 2022)

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Quinta das Bágeiras Garrafeira: Um branco à frente do seu tempo

Quinta das Bágeiras

Nasceu em 2001 quando, em Portugal, ainda não se dava valor a brancos complexos e de guarda. Era, antes de existir, o branco que Mário Sérgio Nuno queria produzir, mas ainda não tinha. Hoje, 19 edições depois, é provavelmente o branco que todos queriam ter. Texto: Mariana Lopes Fotos: Anabela Trindade No início dos anos […]

Nasceu em 2001 quando, em Portugal, ainda não se dava valor a brancos complexos e de guarda. Era, antes de existir, o branco que Mário Sérgio Nuno queria produzir, mas ainda não tinha. Hoje, 19 edições depois, é provavelmente o branco que todos queriam ter.

Texto: Mariana Lopes
Fotos: Anabela Trindade

No início dos anos 2000, numa feira de vinhos em Lisboa, Mário Sérgio Nuno apresentou um branco, a medo, a David Lopes Ramos. Nesse mesmo evento, o jornalista e crítico de vinhos e gastronomia, orientou uma prova comentada de vinho com queijos e, igual a si próprio, fez algo que na altura era tudo menos convencional: deu a provar, mesmo no final da sessão e a uma sala cheia, um branco com queijo Nisa. Era o Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2001, a primeiríssima colheita. O produtor tinha estado durante toda a prova, no fundo da sala “à espera de levar porrada”, como o próprio diz, pois “não era um   vinho compreendido pelas pessoas”. Mas todos os presentes adoraram. Era uma vez um branco proscrito e oprimido, 22 anos depois considerado com um dos melhores de Portugal.

Mário Sérgio Alves Nuno criou o projecto da Quinta das Bágeiras em 1989, pegando em todo o know-how aprendido com a sua família, que até então produzia vinho a granel para as caves da região. Juntando vinhas do seu avô paterno com outras do avô materno, perfazendo 12 hectares, fundou nesse ano, segundo o bairradino, a primeira empresa vinícola da Bairrada em mais de duas décadas.

“Bágeiras” era a vinha para onde o avô de Mário Sérgio, Fausto Nuno, costumava ir todos os dias trabalhar, montado na sua bicicleta “pasteleira”, hoje em exposição na adega que fica na aldeia da Fogueira, concelho de Anadia. “Lá vai o Fausto para a sua Quinta das Bágeiras”, dizia o povo, sem saber que viria, um dia, a dar o nome a um dos mais promissores produtores de vinho portugueses, no top da região da Bairrada.

Até hoje sempre com o apoio — na vinha, na adega e na vida — do seu pai Abel e mãe Maria do Céu, Mário Sérgio tem agora também ao seu lado o filho Frederico Nuno, de 25 anos, licenciado em Enologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e com estágio em empresas de diferentes tamanhos e conceitos, como Lusovini, Susana Esteban, Sogrape, Anselmo Mendes ou Barão de Vilar. Também ele aprendeu muito com o pai e os avós enquanto cresceu, lições preciosas dadas diariamente no campo e na adega. Muito chegado à sua família e à sua terra, é no meio destas — e das galinhas, gansos e faisões que cria junto à adega — que Frederico se sente bem e prospera. Há vários anos que vai, todos os dias, tomar o pequeno-almoço a casa dos avós paternos, também ali ao lado e, sempre que pode, amassa o pão que a avó coze no forno de lenha, mostrando que há, de facto, uma geração que volta a ter amor pelas coisas da aldeia e da agricultura. E já não era sem tempo.

Quinta das Bágeiras
Mário Sérgio à direita com o pai Abel Nuno.

Um branco “como o avô fazia”

 Antes de 2001, Mario Sérgio apenas fazia um vinho branco em inox, que considerava bom, mas que não lhe dava pica. Ainda não tinha um branco que lhe enchesse verdadeiramente as medidas, ao seu gosto, mais complexo e ambicioso. Entre desabafos, Rui Moura Alves, à data enólogo consultor da Quinta das Bágeiras — e figura muito importante para esta casa, sobretudo no início — chegou com a resposta: “fazemos um branco como o teu avô fazia, no tonel, e deixamo-lo mais tempo nas borras, o necessário até o vinho se mostrar pronto e estabilizar por ele próprio”.

O Garrafeira branco é um lote de Bical e Maria Gomes, de várias vinhas velhas, algumas centenárias, em solo argilo-calcário. A maioria são parcelas de castas tintas plantadas em “field blend” (misturadas na vinha), como ditou o encepamento dos anos 60 e 70 na região, com as brancas pelo meio, a forma que se arranjou na altura para conferir mais álcool e estrutura aos vinhos tintos.

Faz decantação por precipitação natural durante um dia ou um dia e meio, sensivelmente. De seguida, fermenta e estagia precisamente num tonel antigo já com centenas de usos — sempre o mesmo, o número 21, com 2500 litros de capacidade — de Setembro até Julho ou Agosto do ano seguinte, conforme a prontidão que o vinho mostra. “Com uma mangueira, tiramos o vinho do tonel para uma selha, daí para o inox e deste para as garrafas [cerca de 3 mil], onde fica um ano antes de sair para o mercado”, explica Mário Sérgio Nuno. “Fica sempre uma pequena quantidade no fundo do tonel, cerca de 50 litros, que utilizamos na produção de vinagre ou para atestos. O vinho é feito da mesma maneira desde a primeira colheita, só varia o ano”, desenvolve.

Quando as duas primeiras colheitas foram lançadas, o Garrafeira branco não tinha grande aceitação no mercado, e Mário Sérgio chegou a pensar que só ele é que gostava do vinho… ao ponto de decidir não produzir a colheita de 2003, a única que falta nesta prova vertical, por esse motivo. “A Câmara de Provadores da Bairrada tinha, inclusive, chumbado o 2002, e só à terceira é que o passou”, confessa Mário Sérgio. Mas, depois do sucesso da prova do David Lopes Ramos e ao ver a reacção positiva do público, o produtor resolveu apostar nele, sem interrupções, desde a colheita de 2004 até hoje. Agora lança a de 2020, a 19ª edição. Assim, David acabou por ser, depois do incentivo inicial de Rui Moura Alves, o grande encorajador do Quinta das Bágeiras Garrafeira branco. “Devo a existência deste vinho ao David Lopes Ramos, por me encorajar a continuar a fazê-lo”, afirma. Mário Sérgio bem disse, bastantes anos mais tarde nos Prémios Grandes Escolhas de 2018, no discurso após ter recebido o Troféu Singularidade, que “o verdadeiro segredo deste negócio é a teimosia, eu sou muito teimoso naquilo que faço”. E o Garrafeira branco foi também muito isso.

A Bairrada e os seus brancos

Há várias condições edafoclimáticas na Bairrada que fazem dela uma excelente região para produzir grandes vinhos brancos, apesar de ser bem mais conhecida, e valorizada, pelos tintos de Baga. “A minha ideia da Bairrada é que é uma região que pode produzir excelentes brancos e, além disso, é mais fácil fazer todos os anos um grande branco do que um grande tinto. A influência marítima, a acidez das uvas sempre altíssima, os solos argilo-calcários… tudo isto é ideal para os brancos na região”, explica Mário Sérgio.

O clima da Bairrada é atlântico temperado, com Invernos frios e chuvosos e Verões moderadamente quentes, pois são suavizados pelos ventos vindos do mar e pelas grandes amplitudes térmicas, sendo muito frequentes as noites frescas. É uma região sem barreiras orográficas a Oeste, o que facilita a referida influência marítima.

“Quando eu comecei no vinho, havia uma coisa que se dizia muito, que era ‘bebe-se branco quando não há tinto’. Os brancos sofreram muito, ao longo dos anos, deste preconceito. É uma questão cultural, o país, de modo geral, ainda dá mais importância aos vinhos tintos. Uma das razões por que, logo nos encepamentos iniciais, se plantaram mais castas tintas do que brancas. Eu, por exemplo, tenho vinhos brancos mais caros do que os tintos”, elucida o fundador da Quinta das Bágeiras.

“Há um nicho de consumidores para os brancos ambiciosos, sobretudo nestas quantidades mais baixas, que deve ser aproveitado”, continua. Em boa verdade, a Bairrada é uma região de minifúndio, de parcelas dispersas, com uma dimensão média de vinha que chega apenas no meio hectare. “O Garrafeira branco 2021 só venderemos em 2023, mas idealmente até seria só lançado em 2025. É nos brancos de guarda, para lançar mais tarde, ambiciosos e complexos que a Bairrada deve apostar”. E conclui: “Não temos dimensão para grande volume, e fazer brancos ‘fresquinhos e do ano’, embora perfeitamente legítimos, não é o futuro da região…”.

Quinta das Bágeiras

No mercado:

Não foram encontrados produtos correspondentes à sua pesquisa.

Notas de Prova da Vertical:

18 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2019

Apenas num ano de colheita de diferença, ganhou nuances de orvalho matinal, sílex, leve raspa de toranja e toque de pólvora. Muito envolvente, sem nunca perder o nervo inicial, está ainda super novo e pujante. O grau nem se acusa, dada a elevada frescura natural. (15,5%)

18 C

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2018

Aqui, além da cremosidade e do querosene e pólvora expectáveis, tem já especiarias, como pimenta branca e açafrão, uma componente vegetal e sugestão de casca de laranja. Na boca mantém a acidez no topo e sobretudo uma enorme secura final, característica de quase todos os Bágeiras Garrafeira branco. (14%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2017

Floral, grafite, limão maduro, ligeiramente menos preciso e mais difuso nos aromas. Na boca, apesar de não dar o estalo de acidez que os outros dão, tem enorme frescura e cremosidade, delicadeza num conjunto muito bonito. (14,5%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2016

Bem delicado no aroma floral q.b., infusões tipo camomila e erva-príncipe, toranja madura. Na boca volta ao registo de óptima frescura ácida e precisão, nervo e juventude. Fica na boca e termina salino. (14%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2015

Muito expressivo e a atacar na pedra raspada e no querosene, bastante pólvora e sugestão calcária, pimenta branca. Na boca traz uma percepção de acidez um pouco mais baixa do que os outros, mas é elegante e delicado. (14%)

 17 A

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2014

Floral e com fundo vegetal no nariz contido, com levíssima sugestão de pvc que lhe dá piada. Mais directo na boca e com menos corpo do que os anteriores, e ligeiramente mais diluído no conjunto. Provavelmente resultado das adversidades do ano 2014, que foi bastante chuvoso no momento em que não devia. (13,5%)

 17,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2013

Este vai na direcção do exotismo, com bastante especiaria, casca de laranja, lima e sugestão de cardamomo. Na boca está bem vivo e harmonioso. (13,5%)

 19 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2012

Pólvora, pederneira, muita flor e fruta, como nêspera e alperce, pimenta branca e leve caril de fundo, num nariz sublime. A untuosidade é impressionante, num conjunto de pendor vegetal, precisão superlativa e persistência quase infinita. O melhor da “nova geração” do Garrafeira branco. (14%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2011

Aqui parece que o vinho chegou à maturidade, qual adulto consciente e sereno na vida. Consolidado, bastante complexo e profundo no aroma, sério, com tudo no sítio. Na boca tem grande volume, estrutura fenomenal, tudo em harmonia, super longo, com imenso carácter e presença. Prima pelo perfil de tensão, secura e untuosidade óptimas. (14%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2010

Bastante flor do campo, ervas aromáticas, limão e pedra molhada no nariz muito bonito. Na boca é impactante porque parece um dos novos, com acidez no topo, imenso nervo e estrutura, sempre com cremosidade presente mas q.b. Impressionante também pelo equilíbrio e harmonia, sabor, secura e suculência. (13,5%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2009

Enorme complexidade de nariz, envolvência e mistério. Na boca explode em corpo e estrutura, altamente sumarento na fruta cítrica e branca, tenso, consolidado, com muita classe. Espectacular. (14,5%)

18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2008

Querosene, grafite, pedra molhada, fruta de caroço madura, pimenta branca e folha de louro, no nariz complexo, para não variar. Com elevadíssima secura e elegância, e também nervo, é nele óbvia a longevidade em garrafa. (13,5%)

 19,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2007

Enormíssima complexidade no aroma expressivo de sílex, pedra molhada, pimenta branca, grafite, pederneira… Na boca é todo impressionante pela gigante frescura, equilíbrio em todos os pontos, vivacidade, firmeza, enorme amplitude, crocância e prolongamento. A suavidade é de luxo e o vinho poderoso em simultâneo, um branco que não acaba, de classe mundial. (14%)

18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2006

Muito mineral nas notas de sílex e querosene, flores brancas e sugestão de zest. Óptima cremosidade e estrutura ácida, super amplo e largo no palato, salino no final longo e nervoso. (14%)

 18,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2005

Nariz com imenso querosene, pólvora, sugestão aborrachada no fundo, também casca de tangerina. Altamente equilibrado, com acidez cítrica gigante, mostrando o perfil mais cítrico de todos. Enorme te(n)são. (14%)

 19,5 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2004

Chegamos mais uma vez ao topo dos Garrafeira branco. Este apresenta fruta cítrica cristalizada, pederneira, flores do campo, infusão de camomila, no nariz complexo e profundo. Na boca tem tensão enorme, é intenso nos sabores e tem salinidade no ponto, a deixar as glândulas salivares a pulsar de prazer. Espectacular, quase coage ao próximo copo, envolvente e muito, muito puro no conjunto. Não queremos sair dele, é monumental. (13%)

 19 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2002

Aqui as flores do campo juntam-se ao mel fumado e à madeira antiga, também amêndoa torrada. Enorme classe e mineralidade, fumo finíssimo no nariz e na boca, imenso sabor e suculência, super largo, fica para sempre na boca, acidez enorme e equilibradíssima com a untuosidade sedutora. Grande branco. (13,5%)

 20 B

Quinta das Bágeiras Garrafeira branco 2001

Acabamos em grande, parece de propósito, mas não é. Extremamente sério e complexo no nariz mineral, sensual, sem exuberâncias histriónicas, mas com um certo “quê” que adivinha grandiosidade. Na boca envolve-nos numa dança de precisão, finesse e classe, fantástica personalidade e carácter, presença imponente, ainda muito vivo e para durar. Não se podem escrever as coisas que apetece fazer com este vinho. Estrondoso e a mostrar, pela sua juventude, que o Garrafeira branco é quase eterno. (13,5%)

(Artigo publicado na edição de Julho 2022)

Editorial: O feliz regresso do Loureiro

Editorial LUÍS LOPES

Levou tempo, é verdade. Mas temos hoje, na região dos Vinhos Verdes, um sólido conjunto de produtores a ver na casta Loureiro muito mais do que uma uva rentável. Com conhecimento técnico, talento e ambição, tiram desta casta o máximo partido, buscando a excelência. Os vinhos estão aí e têm grande qualidade, carácter e, para […]

Levou tempo, é verdade. Mas temos hoje, na região dos Vinhos Verdes, um sólido conjunto de produtores a ver na casta Loureiro muito mais do que uma uva rentável. Com conhecimento técnico, talento e ambição, tiram desta casta o máximo partido, buscando a excelência. Os vinhos estão aí e têm grande qualidade, carácter e, para espanto de muitos, longevidade.

Editorial da edição nº 64 (Agosto 2022)

“Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar”

A lírica da canção de José Mário Branco, nas suas múltiplas interpretações, aplica-se na perfeição à variedade Loureiro e aos vinhos que dela nascem, tema de capa desta edição da Grande Escolhas. Desde logo pela antiguidade da casta. Com origens na Galiza (Rias Baixas e Ribeiro) e no noroeste de Portugal, em 1790 era já classificada por Lacerda Lobo (chamava-lhe Loureira) como muito antiga e localizada em Melgaço e Vila Nova de Cerveira. Menos de um século depois (1875), o Visconde de Vila Maior situava-a já, sem margem para dúvidas, naquele que é hoje considerado o seu terroir de eleição, o vale do Lima. Para quem, como eu, sempre associou Loureiro ao Lima, não deixa de ser intrigante perceber que passou primeiro (e, ainda por cima, sem deixar rasto!) pelo vale do Minho. Mas, se pensarmos bem, faz sentido: sendo uma casta tradicional na Galiza, seria estranho que “saltasse” por cima do rio Minho para “aterrar” no rio Lima. As variedades de uva, como bem sabemos pelos exemplos Baga e Alicante Bouschet, entre outros, nem sempre atingem o seu máximo potencial nos locais onde nasceram.  Ainda por cima, ao contrário da sua conterrânea Alvarinho (que dá o seu melhor na terra mãe, Monção e Melgaço, mas mostra muita classe em diferentes solos e climas), a uva Loureiro, é mais picuinhas quanto ao local onde é plantada. E a parte mais atlântica da região dos Vinhos Verdes é, claramente, a sua praia.

O que o Loureiro andou para aqui chegar, parafraseando o Zé Mário, pode também ser visto no sentido figurado. Lembro-me bem do que eram os varietais de Loureiro nos anos 90. É óbvio, os Vinhos Verdes, no seu conjunto, cresceram enormemente desde então. Mas, com raras excepções, os vinhos de base Loureiro que existiam na década de 90 eram demasiado medíocres, sobretudo quando comparados com os Verdes de lote (Loureiro-Arinto-Trajadura-Azal) feitos pelos mesmos produtores. O denominador comum dos Loureiro da época era a extrema facilidade com que passavam de um vinho floral e citrino a um vinho amarelado, pesadão e oxidado de aromas e sabores. Entre um estado e outro, frequentemente, distavam apenas 6 ou 9 meses. E quando não era a oxidação era o cheio a pano molhado que, logo ao nascer, tapava qualquer veleidade de a fruta se mostrar. É fácil, mas errado, imputar culpas à ausência de condições de adega. Desde meados dos anos 80 que grande parte dos produtores dos Verdes, grandes e pequenos, tinha inox e sistemas de frio instalados. Os problemas estavam na vinha, na vindima, e no desconhecimento geral de como trabalhar uma uva delicada e elegante como a Loureiro. E, acima de tudo, na falta de ambição.

A Grande Prova que apresentamos este mês, com tantos Loureiro notáveis em qualidade, carácter e longevidade, mostra uma realidade tão distinta que mais parece estarmos a falar de outra casta. Mas a uva esteve sempre lá. E casas pequenas em área de vinha, como Ameal, médias, como Anselmo Mendes ou grandes, como Aveleda, só para dar três exemplos, sabem desde há muito como tirar partido do seu elevadíssimo potencial. Entusiasmante é também perceber que, na última meia dúzia de anos, novos produtores cheios de talento e dinamismo elegeram a Loureiro como porta-estandarte.

Deixo dois indicadores significativos: nos 9 Verdes Loureiro que classificámos acima de 17,5 pontos, não havia nenhum da mais recente vindima, distribuindo-se pelas colheitas de 2020, 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015. Outro sinal de ambição: o preço médio de venda ao público destes 9 vinhos ronda os €20. A continuar assim, parece que o Alvarinho vai ter de partilhar o trono: o Loureiro está a chegar.

NOBRE GOSTO – 6ªfeira, Sábado e Domingo em Oeiras

A Grandes Escolhas e o Município de Oeiras organizam pela primeira vez em Portugal um evento exclusivamente dedicado aos vinhos fortificados e doces portugueses. Vinho do Porto, vinho da Madeira, Moscatel de Setúbal e Moscatel do Douro, vinhos licorosos de todo o país, vinhos de colheitas tardias e outros vinhos doces, vão mostrar-se em Oeiras […]

A Grandes Escolhas e o Município de Oeiras organizam pela primeira vez em Portugal um evento exclusivamente dedicado aos vinhos fortificados e doces portugueses.

Vinho do Porto, vinho da Madeira, Moscatel de Setúbal e Moscatel do Douro, vinhos licorosos de todo o país, vinhos de colheitas tardias e outros vinhos doces, vão mostrar-se em Oeiras num local pleno de simbolismo, a convite do também histórico, e agora recentemente recuperado, Vinho de Carcavelos.

Entre 2 e 4 de Setembro no Palácio Marquês de Pombal em Oeiras o evento Nobre Gosto vai proporcionar a todos os visitantes diferentes experiências. Desde prova de vinhos nos diferentes expositores, prova de iguarias doces e salgadas para harmonizar com os vinhos. Showcooking , Sunset party com um bar de mixologia. As masterclasses vão ser uma das grandes atrações do evento, serão 4 provas especiais entre 6a feira e Domingo. Não esquecendo também as visitas guiadas à adega e à vinha VILLA OEIRAS _Vinho de Carcavelos.

Conheça toda a programação do Nobre Gosto AQUI e reserve já a sua masterclass.

A entrada é gratuita .

 

Seja enólogo por um dia com ‘My Own Mélange à 3’

melange a 3

Se sempre quis ter a experiência de ser enólogo por um dia, agora é possível com a mais recente novidade de Mélange à 3 da Sogrape, um vinho moderno, irreverente e divertido que explora a combinação ideal de três castas. O kit ‘My Own Mélange à 3’ oferece a experiência de ser enólogo por um […]

Se sempre quis ter a experiência de ser enólogo por um dia, agora é possível com a mais recente novidade de Mélange à 3 da Sogrape, um vinho moderno, irreverente e divertido que explora a combinação ideal de três castas.

O kit ‘My Own Mélange à 3’ oferece a experiência de ser enólogo por um dia, criando o seu próprio lote de vinho preferido em casa.

Cada conjunto é constituído por três garrafas de 75cl, cada uma com uma das castas que compõe o vinho Mélange à 3- Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro – um funil e proveta de vidro, um salva gotas, duas garrafas vazias de 37,5cl com rótulos personalizáveis e rolhas bartop. Tudo o que necessita para criar um Mélange à 3 com a sua assinatura.

Para provar, experimentar diferentes percentagens, eleger o seu lote preferido e partilhá-lo com amigos e familiares.

O kit My Own Mélange à 3 está disponível no site www.vinhoemcasa.com com um PVP de €40,00.

Warre’s: A história de um LBV diferente

Warre's LBV

Nos últimos 50 anos o LBV – Late Bottled Vintage – ganhou muito espaço no conjunto das categorias do vinho do Porto e, actualmente, quer as grandes empresas, quer os pequenos produtores, assumiram a produção anual deste tipo de Porto. Mas, no meio deste de todas estas marcas, Warre’s e Smith Woodhouse alcançaram um lugar […]

Nos últimos 50 anos o LBV – Late Bottled Vintage – ganhou muito espaço no conjunto das categorias do vinho do Porto e, actualmente, quer as grandes empresas, quer os pequenos produtores, assumiram a produção anual deste tipo de Porto. Mas, no meio deste de todas estas marcas, Warre’s e Smith Woodhouse alcançaram um lugar especial. Fomos saber porquê.

Texto:João Paulo Martins

Fotos: Anabela Trindade/Symington

Comecemos pelo princípio e pelo conceito, uma vez que há alguma confusão no que diz respeito à origem e história desta categoria de vinho do Porto. Por definição, um LBV é um Porto de muito boa qualidade – faz parte das categorias especiais – que é engarrafado entre o 4º e 6º ano a seguir à vindima (data-limite do engarrafamento: 31 de Dezembro do 6º ano). Neste particular distingue-se do Vintage, uma vez que este tem de ser engarrafado entre o 2º e o 3º ano após a colheita. Até aqui não parece haver dúvidas e os consumidores há muito que estão familiarizados com este perfil de Porto. A distinção entre os dois – Vintage e LBV – pode ser de vária ordem; por norma o LBV é mais acessível no perfil, menos concentrado, menos taninoso e, por isso, bebível mais cedo. Mas (há sempre um mas…) o LBV originalmente podia ter sido um Vintage, caso tivesse cumprido a regra da data do engarrafamento. Quer isto dizer que, quando novo, o LBV pode apresentar-se tão poderoso e concentrado como um Vintage mas os 4 anos de estágio amaciam os taninos e levam a um polimento originado pelo estágio em balseiro. Ao Vintage pede-se tempo para que o estágio em garrafa faça o seu papel, no LBV parte desse trabalho está feito quando é engarrafado.

A história do Porto Vintage tem, no entanto, alguns segredos escondidos. O que se passou durante décadas foi que alguns vintages, em vez de serem engarrafados ao 2º ano, eram colocados na garrafa mais tarde. Chamavam-se assim Vintage Late Bottled, exactamente porque não tinham data certa para serem embotelhados. Recordemos que durante grande parte do séc. XX o vintage era exportado em pipa e que competia ao importador proceder ao engarrafamento. Ora esse engarrafamento não tinha data certa para ser feito e os vinhos não tinham, de resto, o selo do então chamado Instituto do Vinho do Porto. Foi só a partir de 1970 que, por força da legislação, passou a ser proibido exportar o vintage em casco, sendo obrigatoriamente engarrafado em Portugal e com selo do Instituto. Assim, o 70 foi o último vintage que ainda foi parcialmente exportado em pipa. Recordo-me de já ter encontrado fora de portas, nomeadamente nos Estados Unidos, vintages dos inícios dos anos 60 sem selo aposto nas garrafas. Embora apressadamente se pudesse pensar que se trataria de uma fraude, em boa verdade não era, uma vez que eram vinhos que tinham chegado ao destino ainda em casco.

Esses Vintages Late Bottled (ver foto) sempre existiram no sector. A propósito desta nossa prova e visita à Symington, soubemos que Peter Symington, hoje retirado e que foi o enólogo da empresa a partir da colheita de 1963, afirmou que sempre se lembrava de ver esses vinhos que, sendo Vintage, eram engarrafados mais tarde. E recordou-nos, por exemplo, os anos de 1954, 58 e 62, todos engarrafados 4 anos após a colheita; embora por norma estas declarações não coincidissem com as declarações dos vintages clássicos, houve excepções, como foi o caso do Dow’s 1945, um dos mais grandiosos vintages clássicos da marca, que também foi lançado como Late Bottled em 1949. Esta coincidência não é estranha, já que sabemos que a percentagem de vinho engarrafado como vintage é sempre muito pequena por comparação com o total da colheita. Pode até perguntar-se porque não aconteceu mais vezes o que aconteceu em 45.

Esta dicotomia entre Vintage e Vintage Late Bottled prestava-se a muita confusão. Havia tradições a manter mas havia que clarificar. Pode dizer-se que era uma tradição mal compreendida ou mal explicada.

Warre’s LBV
Charles Symington é o guardião do templo, onde as velhas garrafas repousam.

A nova era

E foi por causa dos mal-entendidos que mudou a legislação. A partir dos meados dos anos 60 tudo ficou mais claro. Segundo as regras então estabelecidas, não se poderia escrever Vintage em letras gordas e Late Bottled em segunda linha; tudo teria que ser no mesmo tamanho de letra, com a mesma cor e na mesma linha (que é o que vemos hoje nas garrafas); pode parecer um detalhe mas a ideia do legislador foi, creio, evitar a confusão do consumidor. A partir daqui haveria uma clara distinção entre Vintage …ano tal, e Late Bottled Vintage …ano tal. Foi então que começaram a surgir com mais frequência os LBV em dois modelos: um, por alguns chamado de “moderno”, ou seja, que correspondia a vinhos filtrados e estabilizados pelo frio antes do engarrafamento; outro, os não filtrados, que foram tendo vários nomes, como Traditional, Unfiltered e Late Bottled. O primeiro desta nova geração terá sido o Taylor’s 65 que surgiu no mercado em 1970. A mais recente actualização da legislação – Portaria nº 3, de 2022 – autoriza a designação Bottled Matured, Bottled Aged ou Envelhecido em Garrafa para os vinhos que tenham, pelo menos, três anos de estágio em garrafa. São designativos a mais, o que em nada ajuda o consumidor mas o sector do Vinho Porto é fértil neste campo…

Se somarmos os anos de estágio em madeira mais os três anos de estágio em garrafa temos assim vinhos que são colocados no mercado com uma idade entre os 7 e os 9 anos. No caso da família Symington, três marcas ficaram nos “modernos” – Cockburn’s, Graham e Dow’s – enquanto a Warre’s e Smith Woodhouse se conservaram no perfil mais clássico, não filtrados e vendidos, somando os anos de garrafa aos 4 obrigatórios, com um total de 10 a 12 anos de idade.

Entretanto no mercado surgiram alguns LBV de datas anteriores à legislação, de meados dos anos 60, o que veio confundir o consumidor, como o Burmester 1964 ou mesmo o muito antigo Ramos Pinto 1927. Ana Rosas, actual responsável dos vinhos do Porto desta casa disse-nos que este 27 foi o único que puderam provar e comprovar que cumpria os requisitos para se poder chamar LBV mas “a verdade é que todas as casas tinham vinhos deste tipo, eram vintages engarrafados mais tarde”, como nos confirmou. Tudo assim a assegurar que não foi a legislação de meados dos anos 60 que criou a categoria, antes se limitou a regulamentá-la.

O LBV moderno, filtrado e estabilizado, ganhou muito espaço em termos comerciais: é um vinho que aguenta perfeitamente um mês ou mais após a abertura da garrafa, não requer decantação e, assim, está sempre pronto a servir; isso faz dele um óptimo vinho para consumo na restauração. A Taylor’s, por exemplo, tem no seu LBV “moderno” o vinho que mais vende, ultrapassando o milhão de garrafas. E se dúvidas existirem sobre a qualidade destes LBV “modernos”, sugiro a prova do Taylor’s 2017 (Grandes Escolhas: 17 pontos/€15,90).

A originalidade dos LBV Warre’s e Smith Woodhouse decorre do tempo de estágio que têm e que vai além dos 3 anos Bottled Matured exigidos por lei. Têm por isso um lugar à parte na categoria. Relembro aqui várias provas feitas desde há década e meia em que, na categoria LBV, (e às cegas) as amostras Warre’s eras crónicas vencedoras. A esta originalidade junta-se o factor preço que, se compararmos com os vintages, não é só vantajoso, é altissimamente vantajoso para o consumidor.

Foi no final da década de 70 que a Symington começou a comercializar os LBV “modernos”, que foram ganhando força nos anos 80 e às suas marcas adicionou, depois de 2006, o LBV Cockburn’s. Entre Dow’s e Graham‘s a Symington faz 80 000 caixas de 12 garrafas. A quantidade Cockburn’s é residual.

 

Warre’s LBV

 

Notas de prova da vertical ( Nota: os preços não estão indicados pois as referências em questão já não se encontram no mercado, no entanto poderão ser úteis para quem adquiriu em tempos e ainda a guarda na garrafeira!)

18 A

Dow’s

Port LBV 1964

Magnífica cor topázio ainda com leves tons avermelhados. Aroma muito fino, muito focado nos licores de ervas, nos frutos secos, nas madeiras exóticas. Tudo suave e muito elegante. Muita classe na boca, com volume, imensa fruta, mas tudo ainda com muito nervo, um vinho que se mastiga, com grande prazer. Textura sedosa e glicerinada.

17 A

Warre’s

Porto LBV 1969

Engarrafado para o nascimento de Charles Symington. Ainda carregado na cor e com muito boa presença, mais discreto nos aromas, aqui com mais notas de compotas, tabaco e caixa de charutos.  Muito boa prova na boca, com bastante elegância, não muito complexo mas a dar muito prazer a beber, deixa um rasto longo e macio.

17,5 A

Warre’s

Porto LBV 1976

Tonalidades vermelhas com tons de mogno, aroma muito fino, clássicas notas de vintage, com fruta em calda, leves citrinos, tudo muito bem proporcionado. Na boca percebe-se que não é vintage, um pouco mais delgado de corpo mas está muito fino e pode dar imenso prazer se bebido agora. Alguma austeridade ainda marca presença. Classe pura.

17 A

Warre’s Traditional

Porto LBV 1981

Symington Family Estates

Bons tons vermelhos, ligeiro na concentração mas com muita pureza de frutos vermelhos, discreto mas correcto. Mais interessante na boca, com uma grande delicadeza aromática, com fruta em calda, licorados e com textura fina e muito atractiva. Perfeito para consumir agora com prazer.

17 A

Warre’s Bottled Aged

Porto LBV 1984

Pouca concentração na cor, aroma muito fiel às notas de vintage com evolução, com imensa classe. Delgado na boca, frágil mas com tudo no sítio no que respeita a aromas. É o tipo de vinho a que chamamos perfumado. Não vale pelo vigor da boca, vale pelo nariz subtil e delicado.

18,5 B

Warre’s Bottled Aged

Porto LBV 1992

Extraordinária concentração de cor, vigor excelente, aroma ainda muito concentrado, com tudo ainda por desenvolver. É um vinho que marca a fronteira entre os anteriores e esta geração mais vermelha, mais focada nos frutos pretos, mais estruturada. Tudo está em excelente forma e a mostrar que tem muitos anos pela ferente. A mesma sensação na boca, é um LBV que dá imenso prazer a beber, um assunto muito sério. Originalidade que se mantém até hoje.

18 B

Warre’s Bottled Aged

Porto LBV 1994

Inacreditável concentração de cor, um vinho fechado, tenso, com notas químicas que não nos revelam a idade. Ainda tem tudo por descobrir, sendo certo que as notas licoradas são de grande classe. Um vinho que surpreende. Grande prova de boca, com volume, um pouco menos de vigor do que o 92 na boca mas a dizer que temos vinho para décadas.

18 B

Warre’s Bottled Aged

Porto LBV 1995

Cor muito intensa, concentrado e rico, muito negro. No aroma está com notas finas de frutos negros (amoras e ameixas pretas), alguns licores mas com um estilo fechado e cheio de vigor. Muita esteva, amoras, tudo bem atractivo. Grande polimento na prova de boca, ainda com leves taninos que permitem mastigar o vinho, é um estilo cheio de força que assim permanecerá por muitos anos.

18 B

Warre’s Bottled Aged

Porto LBV 2000

Ainda está na fase ascendente, os aromas ainda não desdobraram, não se nota o envelhecimento. Por aqui estamos em frutas negras e chocolate negro. No estilo ainda fechado e pouco falador, é daqueles casos que é claramente para beber ou guardar. Nota de ginja, de fruta em calda, de mato seco, leve mentol em fundo. Muito bom o volume de boca, um perfil onde o vinho ainda se mastiga, bela textura, com anos pela frente.

17,5 A

Warre’s Bottled Aged

Porto LBV 2003

Muito interessante no aroma, concentrado, assenta sobretudo nos frutos negros, no chocolate negro, rico e muito texturado. Na boca está mais macio e envolvente do que o 2000, parece mais evoluído mas está a dar agora uma boa prova. Provavelmente para beber antes do 2000. Muitos licores, muito atractivo, a beber a solo ou com queijos secos.

17,5 C

Warre’s Bottled Aged

Porto Unfiltered LBV 2015

Ainda em cave a aguardar colocação do mercado. É uma pré prova. Nada no aroma nos diz que estamos perante um LBV e não um vintage: a concentração da cor, a própria tonalidade, escura e densa, tudo ainda fechado, à espera que o tempo em garrafa faça a sua acção. É na boca, pela textura mais macia e sedosa que podemos adivinhar que se trata de um LBV. É um vinho concentrado e rico, que precisará de tempo para se mostrar.

18 C

Warre’s Bottled Aged

Porto Unfiltered LBV 2017

Pré-prova, está ainda na cave da empresa. Muito químico no aroma, muita pimenta, muito estilo Warre’s, pleno de fruta negra, com tudo ainda por desenvolver. Na boca mostra uma bela textura, um perfil fino e bem conseguido, sentindo-se ainda alguns taninos mas já com o perfil macio e elegante que o tempo em casco lhe permitiu.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2022)

Maria de Lourdes Modesto: O adeus a uma grande senhora

Créditos de foto: Monocle / Rodrigo Cardoso Apesar da idade avançada, a morte de Maria de Lourdes Modesto apanhou-me de surpresa. É sempre triste quando parte alguém com quem tivemos uma relação de amizade. Como tantos outros aficionados, conheci a Maria de Lourdes Modesto pelos seus programas de TV e sobretudo pelos seus livros. Fiquei […]

Créditos de foto: Monocle / Rodrigo Cardoso

Apesar da idade avançada, a morte de Maria de Lourdes Modesto apanhou-me de surpresa. É sempre triste quando parte alguém com quem tivemos uma relação de amizade. Como tantos outros aficionados, conheci a Maria de Lourdes Modesto pelos seus programas de TV e sobretudo pelos seus livros. Fiquei muito contente quando, em anos recentes, tivemos oportunidade de privar bons momentos, em sua casa, à volta de um chá e do bolo que sempre preparava para acompanhar o lanche. Sempre curiosa e atenta, nunca deixou que a idade lhe retirasse o gosto pelos livros, pelas coisas boas e novas que a culinária moderna foi trazendo. Gostava com entusiasmo mas, quando entendia, criticava as modernices sem sentido a que assistia e a mistura de conceitos que grassavam nos críticos de formação apressada que com ela se foram cruzando. Sempre disponível para participar em eventos e acções de promoção da gastronomia, sempre atenta ao que faziam os novos Chefes que, diga-se, lhe reconheciam a inspiração e a amizade sempre renovada. Foi a grande senhora da gastronomia portuguesa e serão poucas todas as homenagens que lhe forem prestadas. Fica a herança, o saber e a inspiração.

Obrigado Maria de Lourdes, foi para mim uma honra ter privado consigo tão agradáveis momentos. Até sempre!

João Paulo Martins

Grande Prova: Beira Interior 2.0

Beira Interior desafiante

Brancos e tintos desafiantes A Beira Interior está em constante mudança, com o solidificar e desenvolver de projectos clássicos e bem-sucedidos e o surgir de outros que vêm trazer ainda mais dinamismo e competitividade. Nesta prova, percorremos os brancos e tintos bem diferenciadores de uma região com antigas tradições de vinha e de vinho, onde […]

Brancos e tintos desafiantes

A Beira Interior está em constante mudança, com o solidificar e desenvolver de projectos clássicos e bem-sucedidos e o surgir de outros que vêm trazer ainda mais dinamismo e competitividade. Nesta prova, percorremos os brancos e tintos bem diferenciadores de uma região com antigas tradições de vinha e de vinho, onde o carácter, a frescura e a elegância são denominador comum.

Texto: Valéria Zeferino
Fotos: Ricardo Palma Veiga

A tradição vitivinícola antiga na Beira Interior remonta à época romana, sendo oficialmente demarcada em 1999. Há alguns anos falámos no despertar da Beira Interior, quando surgiram projectos novos a inspirados pelos entusiastas, alguns com raízes na região, outros vindos de fora dela. Enólogos conhecidos, como Virgílio Loureiro, Anselmo Mendes, Rui Madeira, Rui Reguinga ou Patrícia Santos, trouxeram o seu conhecimento, elevaram a qualidade dos vinhos e deram credibilidade à região. O consumidor também despertou, (re)descobrindo uma região antiga na sua versão 2.0 com identidade própria que privilegia frescura e elegância.

Hoje, a região produz mais de 3 milhões de garrafas, apostando cada vez mais na exportação. Nos últimos dois anos a exportação duplicou chegando a 40% de produção. Os principais mercados neste momento são Brasil, Letónia, USA, Canadá, Dinamarca, Bélgica e Holanda, de acordo com os dados da CVRBI. Esta entidade certificadora também assume um papel de promotora da região, apostando fortemente no enoturismo e na internacionalização dos seus vinhos, trazendo potenciais importadores à região através das missões inversas. Nos últimos dois anos foi criada a Rota dos Vinhos da Beira Interior que pretende atrair cada vez mais pessoas ao interior. Até porque a oferta enogastronómica e cultural dentro da região é grande. E não podemos esquecer que das 12 aldeias históricas de Portugal, 11 ficam na Beira Interior.

Identidade geográfica

A altitude, a continentalidade e os solos pobres moldam as condições edafo-climáticas da Beira Interior.  A região estende-se do vale do Douro e Trás-os-Montes no norte ao rio Tejo no sul. Faz fronteira com a Espanha e é separada da Beira Litoral pelas várias formações montanhosas:  Serra da Estrela, do Açor, Gardunha e Lousã, que cortam a influência atlântica, deixando o clima mais seco, com maior amplitude térmica diária e anual.

A continentalidade manifesta-se pelos invernos rigorosos e frios, temperaturas negativas e neve frequente e pelos verões curtos, mas quentes e secos, com muitas horas de sol. A amplitude também ameniza os extremos de temperatura no pico de Verão. As noites frescas criam condições importantes para maturações mais homogéneas e retenção da acidez que mais tarde se traduz na frescura dos vinhos produzidos.

As montanhas e planaltos elevam as vinhas à altitude de 300 a 700 metros, amenizando as temperaturas médias, pois a temperatura baixa 0,6˚C por cada 100 metros.

Os solos são pobres em matéria orgânica e bem drenados, de origem maioritariamente granítica, mas também xistosa em zonas de transição para o Douro, com filões de quartzo e alguma ascendência arenosa.

Existem três sub-regiões, que antes da criação de denominação de origem em 1999, eram três regiões separadas: Pinhel, Castelo Rodrigo e Cova da Beira.

A sub-região de Pinhel com altitude média de 650 metros fica a norte da Guarda e estende-se até Mêda e à serra da Marofa.  A sub-região do Castelo Rodrigo está praticamente colada à de Pinhel, tendo como a linha de separação o rio Côa e uma estrutura montanhosa. Caracteriza-se pelos planaltos a 600 e 750 m de altitude. Ambas as sub-regiões são secas, com precipitação anual raramente a ultrapassar os 500 mm e com grandes amplitudes térmicas.

A Cova da Beira situa-se na zona sul da região, sendo limitada, a Norte, pelas serras da Estrela, Gardunha e Malcata e a sul, pela bacia hidrográfica do Tejo, onde o clima já tem alguma influência mediterrânica. É a sub-região mais extensa da Beira Interior, onde dá para distinguir duas zonas com características um pouco diferentes. Uma mais a Norte, entre as Serras da Gardunha e da Serra, à volta do Fundão e da Covilhã, com a precipitação a variar muito (de 600 a 1.800 mm por ano) em função do relevo. Outra, a Sul da Serra da Gardunha, com temperaturas mais elevadas e de precipitação a rondar os 500-700 mm. Aqui o clima apresenta semelhanças com o Alentejo.

A vindima entre a Cova da Beira e Pinhel pode começar com três semanas de diferença. As geadas de primavera são problemáticas na maior parte da região. Como diz Pedro Carvalho, da Quinta dos Termos, “geada há sempre, a dúvida é se será muita ou pouca”. Por isto as podas são mais tardias, às vezes são feitas em Abril para os abrolhamentos serem mais tarde, não prejudicando a produção em caso de geada.

Castas com carácter

De acordo com os dados do IVV, houve uma diminuição em termos de área plantada nos últimos anos (de 15110 ha para 13874 ha), provavelmente devido  ao abandono da vinha e a algum arranque para plantação de outras culturas. Mesmo que 75% da vinha não tenha DOP/IGP, a área de vinha para vinhos certificados como DOP e IGP aumentou bastante, o que é uma dinâmica muito positiva.

As castas mais plantadas na Beira Interior, segundo o IVV, são Rufete e Siria representando 16,2% e 15,6% da área plantada, respectivamente. O Aragonez também tem uma grande presença na região ocupando 14,5% da vinha.

As primeiras duas castas existiam antes da filoxera, variando um pouco entre as zonas, e expressam mais a região, mas na maior parte dos vinhos entram em lotes. Outras castas antigas são Fonte Cal, Malvasia, Gouveio, Rabigato e Folgasão, nas brancas e Marufo, Bastardo, Tinta Francisca, Donzelinho, entre castas tintas. Com o passar do tempo e novas tendências o encepamento mudou e hoje encontramos na região as castas nacionais de outras regiões (Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca, por exemplo) e estrangeiras como a Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot. Até Sangiovese e Nebbiolo foram plantadas pela Quinta dos Termos a título de experiência.

A casta Rufete, também é conhecida como Tinta Pinheira no Dão e encontra-se em pouca quantidade noutras regiões, ocupando 2% de encepamento do país. Produz imenso, diz o produtor José Afonso, das Casas Altas. Tirando isto, na sua opinião, é bem amiga do viticultor. Antigamente, quando chovia mais no Outono, verificavam-se problemas de podridão a que a casta é sensível, ultimamente nem isto. Na adega tem tendência para aromas um pouco reduzidos, pelo que convém transfegar logo quando acaba a fermentação.

Pela sua grande produtividade, o Rufete ganhou alcunha de “pai dos pobres”. Nas adegas cooperativas chegava a produzir até 20 tn/ha, perdendo completamente a sua identidade e imagem, e nos anos 80-90 acabou por ser renegada na sua terra natal. O proprietário da Quinta dos Termos, João Carvalho, contou uma vez que em algumas adegas cooperativas até nem se aceitavam novos sócios com muito Rufete, dando preferência a outras castas.

O Rufete origina vinhos de grau alcoólico contido, com pouco tanino, cor aberta e acidez média. Plantada nos sítios certos, em solos pobres, com produções controladas a não ultrapassar 6-7 tn/ha, produz vinhos sérios, mas delicados, com frescura e carácter próprio.

A enóloga e produtora Patrícia Santos (Rosa da Mata), refere que, em termos aromáticos, Rufete tem bastante fruta, mas é delicada, nada de excessos. Tem bastante acidez e evolui bem em barrica.

É sempre uma óptima alternativa a vinhos mais extraídos, carnudos e tánicos que são cada vez mais apreciados pelos enófilos, mas nem sempre a cor mais aberta do Rufete é entendida pelo consumidor geral. José Afonso explica que vende os vinhos de Rufete mais aos conhecedores e hotelaria de luxo do que ao consumidor menos informado, embora as pessoas mais antigas da região, que entendiam o vinho como parte da alimentação, aceitassem bem a cor menos intensa.

A casta Síria no nosso país responde por muitos nomes: Roupeiro no Alentejo e Códega no Douro, são os sinónimos oficiais. Para além disto é conhecida como Alvadourão ou Alvadurão no Dão, Malvasia Grossa e Dona Branca em Bucelas e Crato Branco no Algarve. Até na Beira Interior, na zona de Belmonte, e em Portalegre, usava o sinónimo de Alva. Como vemos é bastante comum em várias regiões e ocupa 3% do encepamento nacional. Mas é na Beira Interior que a casta se destaca pela maior frescura e aromas menos terpênicos, mais delicados e focados, mas que duram mais tempo no envelhecimento em garrafa. Segundo Patrícia Santos, a Síria é uma casta muito versátil e expressa de forma identificativa não só a região da Beira Interior, como também cada sub-região. Na zona de Castelo Branco demonstra mais perfume, mas consegue manter a frescura; na zona de Pinhel é mais discreta, mais selecta; na zona de Figueira é um compromisso entre as outras duas.

A Fonte Cal é uma casta originária da zona de Pinhel e praticamente só existe na Beira Interior, sobretudo nos encepamentos antigos. Representa menos de 1% do encepamento da região, mas encontra-se principalmente em vinhas velhas onde existe uma mistura de muitas castas e por isto não se encontra identificada pelo IVV como Fonte Cal. É uma casta vigorosa, mas não muito produtiva. Precisa de mais tempo para amadurecer do que a Síria, mas perde rapidamente a acidez, pelo que a janela de vindima é muito pequena. Por esta razão entrava sempre nos lotes com Síria ou Arinto com mais nervo.

Patrícia Santos refere que na adega a Fonte Cal também não é fácil. Tem tendência para oxidar e perde aromas rapidamente. Como se não bastasse, apresenta instabilidade em termos de tartaratos de cálcio e tem tendência para o pinking (um fenómeno oxidativo do vinho branco, dando origem a uma evolução da cor para um tom cinzento-rosado). A verdade é que continuam a existir muito poucos vinhos monovarietais de Fonte Cal.

Algumas castas antigas da região são pouco conhecidas hoje em dia e trazem alguma polémica quanto à sua origem. E o caso da Callum, vinificada em extreme pela Quinta dos Termos. As opiniões dividem-se e nem os especialistas chegam a um consenso: uns dizem que é uma das castas antigas na zona que era chamada Pinhal Interior, enquanto existe possibilidade de ser a mesma casta chamada Batoca na região de Vinhos Verdes. Também foi referenciada nos distritos de Aveiro, Leiria, Vila Real e Bragança, com os nomes de Sedouro ou Alvaraça. Mas independentemente da sua origem, não há dúvidas que a casta teve sempre presença naquela zona da Beira Interior. Antes da filoxera entrava nos encepamentos de Sertã, Covilhã e Belmonte. O produtor e enólogo Pedro Carvalho conta que Callum já era autorizada para produção de vinhos na antiga Cova da Beira ainda antes de criação da denominação de origem.

Tudo começou quando a Quinta dos Termos adquiriu em 2015 outra propriedade – Herdade de Lousial, onde plantou nos cerca de 2 hectares 92 clones de Callum, provenientes de zonas distintas do pais, incluindo o Minho. Fizeram-se cerca de 1200 garrafas de um vinho único desta casta em 2020 e a experiência foi repetida em 2021, com mais de 3 mil garrafas.

A casta Fernão Pires não é muito associada à Beira Interior, ocupando cerca de 1% de vinha, mas tem na zona de Pinhel uma expressão bem interessante. Patrícia Santos ficou fascinada pela performance da casta que em Pinhel mostra uma quase salinidade inexplicável. Compara com vinhos de Sancerre, que, feitos de uma casta aromática, naquela região revelam uma personalidade diferente. No final de fermentação o vinho passa para as pipas de 500 litros, onde permanece pelo menos um ano. A produtora gosta de vinhos com madeira para dar outra dimensão ao vinho, desde que não seja exagerada. Deste vinho produz  apenas 1500 litros, mas faz um vinho de que gosta e que reflecte o terroir.

Na zona de transição para a região do Douro, os solos são xistosos e nota-se grande presença das castas durienses. As vinhas da Casas do Côro, na aldeia histórica de Marialva a poucos quilometros de Mêda, são velhas com quase 100 anos, com produções baixíssimas de 1500 kg/ha e ficam numa altitude de 600 metros. Entre as castas tintas predominam Mourisco e Touriga Franca e nas brancas Rabigato e Códega, aos quais se juntam uvas de Rabigato, Verdelho da Madeira e Donzelinho, provenientes da primeira vinha plantada em 2009.

Projectos novos e antigos

Na Beira Interior nota-se um movimento em direcção à qualidade e valorização da região. Já há produtores de renome, marcas associadas aos vinhos de autor, com personalidade vincada, que começam a ficar emblemáticas para a região, como a Casas de Côro, Biaia, Quinta dos Termos (também é uma das mais antigas) e Rui Madeira, entre outros.

E quase todos os anos aparecem projectos novos de grande dedicação e com propósito. Podem não ter ainda dimensão, mas contribuem para o nível qualitativo da região. Um dos mais interessantes é o de Miss Vitis Wines com marca Bal da Madre. Gil Taveira conta que o projecto começou no Douro pelo seu avó e com ele teve continuação. Há poucos anos resolveu apostar na Beira Interior para fazer vinhos de agricultura biológica, já que a região reúne as condições para isso. Em conjunto com produtores de azeite e mel, entre outros produtos, exportam para o Reino Unido, transportando a mercadoria em veleiros (para reduzir a pegada ecológica). O nome Bal da Madre significa “Vale da Mãe” em língua mirandesa e presta homenagem à mulher e à videira, onde tudo começa. A primeira colheita foi de 2017. O perfil dos vinhos é muito limpo, delicado, com uma simplicidade cativante.

A notoriedade constrói-se com resiliência e dedicação e pequenos projectos por vezes seguem conceitos bem sucedidos, são rapidamente captados pelos radares dos enófilos e propagados, valorizando a imagem global da região.

(Artigo publicado na edição de Junho de 2022)

 

Trafaria (com) Prova com mais de 7000 visitantes

trafaria com prova

Depois de dois anos de ausência devido à pandemia, a Trafaria voltou a viver momentos intensos com o festival Trafaria (com) Prova que decorreu entre 8 e 10 de Julho numa organização do Município de Almada e produção da Grandes Escolhas. Com a presença de 20 expositores de vinhos, representado várias regiões vinícolas do país […]

Depois de dois anos de ausência devido à pandemia, a Trafaria voltou a viver momentos intensos com o festival Trafaria (com) Prova que decorreu entre 8 e 10 de Julho numa organização do Município de Almada e produção da Grandes Escolhas.

Com a presença de 20 expositores de vinhos, representado várias regiões vinícolas do país e uma presença internacional dos vinhos da Moldávia, a que se juntaram os deliciosos petiscos locais de oito restaurantes participantes e de quatro pastelarias, o evento atraiu muitos visitantes que puderam disfrutar de bons momentos à beira Tejo.

O imenso calor que se fez sentir no fim de semana não desencorajou os participantes e foram muitos os que aproveitaram as condições únicas do Passeio Ribeirinho da Trafaria para passar momentos descontraídos. Para os consumidores mais exigentes as provas de vinho comentadas pelo critico Luís Antunes foram um momento alto e muito participado. Actividades para crianças, actuação de bandas e tunas musicais, teatro de rua e DJs, completaram a oferta de uma festa que foi concebida para agradar a toda a família.

 

Editorial: Ser “vigneron”

Editorial LUÍS LOPES

Fazer vinho exclusivamente a partir das suas próprias uvas tem hoje, em Portugal, muito mais desvantagens do que benefícios. É que, aos enormes constrangimentos de produção que esse modelo obriga, não corresponde um acréscimo efectivo de notoriedade ou valor de marca junto do consumidor. Para este último, são todos produtores de vinho. Mas não é […]

Fazer vinho exclusivamente a partir das suas próprias uvas tem hoje, em Portugal, muito mais desvantagens do que benefícios. É que, aos enormes constrangimentos de produção que esse modelo obriga, não corresponde um acréscimo efectivo de notoriedade ou valor de marca junto do consumidor. Para este último, são todos produtores de vinho. Mas não é verdade.

Vem este tema a propósito de uma das peças desta edição de julho da Grandes Escolhas, a que aborda os extraordinários Garrafeiras brancos da Quinta das Bágeiras e do seu criador, Mário Sérgio Nuno. Alguém que, contra ventos e marés, criou uma marca de referência e que, teimosamente, continua a fazer os seus vinhos exclusivamente a partir das uvas que crescem nas suas vinhas. Mesmo que, para tal, abdique de vender, a bom preço, mais umas boas dezenas de milhar de garrafas por ano. A única compensação: poder, com orgulho e legitimidade, intitular-se “Vigneron” e manifestar isso mesmo nas T-shirt que usa nos eventos e provas de vinho. Mas, feitas as contas, vale a pena?

Tempos houve em que acreditei que sim. Quando comecei a escrever sobre vinhos, em 1989, a estrutura de produção, em Portugal, estava perfeitamente definida. Havia as adegas cooperativas, que vinificavam as uvas dos cooperantes; havia os armazenistas puros, que não vinificavam (e eram muitos, acreditem!), compravam vinho feito que engarrafavam com a sua marca; havia os armazenistas “híbridos”, que faziam o mesmo que os anteriores mas também vinificavam, compravam uvas e, por vezes, até tinham algumas vinhas; havia os viticultores, que vendiam uvas e, muitas vezes, também faziam vinho para vender a granel aos armazenistas; e havia os produtores-engarrafadores que, genericamente, correspondiam aos então chamados “vinhos de quinta” que começavam a ganhar notoriedade. Este conceito de fazer vinho a partir de uvas de uma só quinta mexeu bastante com o mercado dos anos 90: eram vinhos bem mais cotados e mais caros do que os de “armazenistas”. Significava que eram melhores? Nuns casos sim, noutros não. Mas os consumidores tinham por eles mais respeito e estavam dispostos a pagar mais.

Com o tempo, tudo isto se diluiu. Hoje, para o apreciador, mesmo o mais exigente, tudo entra no mesmo saco com a etiqueta “produtor de vinho”, incluindo os “marketeiros” que assinam rótulos de vinho que nunca produziram. No entanto, a legislação existe e é bem explícita. A inscrição obrigatória, no IVV, para o exercício de atividade no sector vitivinícola, determina em que categoria, ou categorias se está. Alguns exemplos, resumidos, da lei. “Armazenista: pratica o comércio de vinho a granel ou engarrafado”; “Negociante sem estabelecimento: compra e vende vinhos engarrafados sem dispor de instalações para a sua armazenagem” (aqui caberiam muitas das marcas de nicho hoje reverenciadas em restaurantes da moda…); “Produtor: produz vinho a partir de uvas obtidas na sua exploração ou compradas” (aqui se insere a esmagadora maioria das empresas nacionais); “Vitivinicultor-engarrafador: elabora vinho a partir de uvas produzidas exclusivamente na sua exploração vitícola” (é o que, em França, se chama “vigneron”). As empresas podem inscrever-se em mais do que uma categoria, mas a lei determina que a inscrição como vitivinicultor-engarrafador é incompatível com a inscrição como armazenista ou como produtor. Ou seja, é o que tem as mãos “atadas”, sem vantagens óbvias.

Ao contrário do que, até junho de 2019, era obrigatório colocar nas cápsulas de todos vinhos franceses (R de “recoltant” ou N de “negociant”) e que ainda hoje se mantém em diversas AOC, como Champagne (aqui até de forma bem mais rigorosa), em Portugal essa obrigatoriedade nunca existiu. Resultado: os poucos “vigneron” que ainda existem entre nós vão fazendo contas à vida e percebendo que não compensa insistir nesse ideal romântico, mas pouco rentável, de usar só as uvas que criam. São vinhos melhores do que os outros? Não necessariamente. Mas num mercado que, tantas vezes, paga irracionalmente a diferença, esta é uma diferença que merece ser paga.

Editorial da edição nº 63 (Julho 2022)