Caves da Montanha: A arte de bem empreender
As Caves da Montanha são, hoje, o maior produtor da Bairrada e um dos maiores nacionais de espumante, com cerca de 10 milhões de euros de facturação anual. Para Alberto Henriques, o seu proprietário e administrador, só falta agora à sua empresa se tornar numa casa de referência de espumantes na mente dos portugueses. “Seguramente […]
As Caves da Montanha são, hoje, o maior produtor da Bairrada e um dos maiores nacionais de espumante, com cerca de 10 milhões de euros de facturação anual. Para Alberto Henriques, o seu proprietário e administrador, só falta agora à sua empresa se tornar numa casa de referência de espumantes na mente dos portugueses. “Seguramente que só precisamos desse reconhecimento”, afirma, salientando que apenas outra empresa nacional consegue oferecer, ao mercado, uma variedade tão grande de espumantes, com um leque tão abrangente de anos de estágio, algo que levou mais de 20 anos a construir. “E nós fazemos lotes de dezenas de milhar de garrafas com as mesmas características e qualidade, o que é muito mais difícil”, salienta.
É preciso ser bom
As Caves da Montanha foram fundadas em 1943 por Adriano Henriques, empresário de sucesso no sector industrial da cerâmica, que quis ter uma cave de vinho “porque os outros também tinham”, conta Alberto Henriques, 47 anos, proprietário e administrador das Caves da Montanha, sobre o seu bisavô, acrescentando que ele se apercebeu cedo que não era um grande negócio. Revela, também, que quando este faleceu, o seu avô, Adriano Henriques Júnior, era ainda muito novo e “ficou com aquilo que os outros herdeiros não queriam, como parte do capital das Caves da Montanha e uns pinhais para o lado de Lisboa”. Fez a vida e fortuna como investidor no sector imobiliário, mas manteve sempre as Caves da Montanha, à base de suprimentos. Ou seja, todos os anos metia dinheiro na empresa.
Segundo Alberto Henriques, o seu avô dizia, a propósito, que o que era preciso é que o espumante fosse bom e que, se não se vendesse, bebia-se. “Hoje ainda seguimos essa filosofia”, revela, salientando que após o avô ter morrido, em 1993, a sua avó, Teresa Henriques, continuou a injectar dinheiro na empresa todos os anos. No entanto, não deixou de tentar mudar o seu rumo, fosse através da contratação de uma nova equipa de enologia, que passou a ser chefiada por António Selas (que ainda hoje se mantém como consultor) ou mudando os seus administradores.
Pouco após o ano 2000, na altura em que entrou um novo gestor na empresa, Alberto Henriques começou a trabalhar numa consultora norte-americana, após se ter licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa. Mas como sentiu que “não estava a aprender nada”, decidiu começar a trabalhar com o pai na Portax, empresa do sector de componentes de móveis com sede em Oliveira de Frades. “Gostei de trabalhar com ele, porque era fácil e a empresa funcionava bem”, conta, revelando que, a certa altura, começou a trabalhar também nas Caves da Montanha, até que um desentendimento com o gestor da empresa o levou a assumir a sua gestão. Decorria o ano de 2003. “Eu fui criado pela minha avó, e vivia em casa dela, e senti a obrigação de assumir as rédeas das Caves da Montanha”, revela, salientando que foram muitos os problemas que teve de resolver desde o primeiro dia.
“Na primeira semana queriam fechar as caves porque não havia electricidade”, conta como exemplo, referindo também que, “na segunda semana, a responsável da produção foi em peregrinação a Fátima a pé e morreu atropelada” e que parte da equipa da altura “tinha entrado na empresa por cunhas”, ou seja, por diversas influências que não o mérito profissional.
O trabalho de toda a equipa das Caves da Montanha tem sido essencial ao sucesso da empresa
Trabalho em equipa
Entretanto foi contratando uma nova equipa para a gestão do dia a dia da empresa, incluindo o actual director de Enologia e de Qualidade, Bruno Seabra, e João Moreira, o gestor de Operações e de Exportação, entre outros, “equipa que se manteve até aos dias de hoje”. E apesar das vicissitudes iniciais, Alberto Henriques foi recuperando a pouco e pouco a sua empresa, que dois anos depois já estava a dar lucros. Mas salienta que nunca esteve só nesse caminho, porque o apoio da avó Teresa foi essencial nos primeiros anos, e o de toda a equipa, “que abdicou, muitas vezes da sua vida pessoal em prol da empresa”, desde o primeiro dia até hoje. “São pessoas que passam cá ao fim de semana para consertar isto e aquilo, a fazer facturas para as encomendas saírem mais cedo ou remuages”, explica.
Algumas pessoas foram-se reformando, depois de trabalharem na empresa a vida toda, que foi fazendo o seu caminho tentando “vender bons produtos a preços competitivos”, e mantendo um controlo de custos “muito apertado”, que contribuiu para a sua saúde financeira actual. “Nós trabalhamos por paixão, e não por dinheiro”, salienta Alberto Henriques, acrescentando que os acionistas não retiram dividendos da empresa. Pessoalmente, andou, no início do seu caminho nas Caves da Montanha, a vender vinhos nos restaurantes de Faro a Monção e apostou também na distribuição.
Ainda se lembra que telefonou 35 vezes para o comprador do Feira Nova, cadeia do Grupo Jerónimo Martins, na altura, até ele o ter atendido, e que teve de esperar bastante tempo que o responsável da Sonae dessa área descesse do quarto de hotel, antes de uma feira do sector, para lhe vender os primeiros vinhos. Foi preciso muito empenho e perseverança, numa “luta dura” com muitas dificuldades. Mas “hoje as coisas são mais fáceis”, revela Alberto Henriques, explicando que a empresa já é conhecida “e oferece produtos que poucos ou nenhum dos concorrentes tem e as portas abrem-se mais facilmente”.
Hoje, para além das suas, as Caves da Montanha fazem as marcas de espumante do Pingo Doce, Lidl, Sonae, Auchan, E-Leclerc, Makro e Minipreço. Desde o início que começaram a sentir o mercado, as tendências dos consumidores, e adaptar os produtos ao tipo de procura. “Essa foi a nossa estratégia, muito apoiada nos nossos clientes”, revela o gestor.
As Caves da Montanha produzem lotes de dezenas de milhar de garrafas com as mesmas características e qualidade
10 milhões de euros
Hoje as Caves da Montanha facturam mais de 10 milhões de euros. Já passaram mais de 20 anos desde que Alberto Henriques assumiu a sua gestão. Das cerca de 150 mil garrafas de espumantes comercializadas na altura em que chegou, passou para as actuais 2,5 milhões, numa empresa que também vende vinhos tranquilos de várias regiões nacionais, para além de licores e destilados, que comercializa em Portugal e na exportação, para países como o Brasil ou Canadá, Japão ou do norte da Europa.
Mas vender espumantes para os mercados externos não tem sido trabalho fácil, segundo o gestor, “porque não temos preços para combater os espumosos e porque também não existe um nome que distinga os nossos de todos os outros, como acontece com as cavas, os prossecos ou o champanhe”. O gestor defende que o espumante produzido em Portugal, pelo método clássico, ou champanhês, deveria ter um nome que o diferenciasse. “É um país pequeno, com quatro produtores com volume e deveria ter um nome diferente para ajudar a promover as exportações”, explica, contando que já houve tentativas nesse sentido, e que até havia concordância entre as casas maiores, mas “os trâmites burocráticos” dificultaram o processo.
Recentemente, as Caves da Montanha lançaram um espumante para comemorar os 80 anos de uma empresa que é, hoje, gerida pela quarta geração da família Henriques, e um vinho de celebração da filha de Alberto Henriques, ainda bebé. O primeiro “é um vinho que também pretende demonstrar que, na empresa, nós somos uma equipa que está bem, entende-se bem e rema toda para o mesmo lado, uma família”. O segundo “é a celebração da chegada da quinta geração da família ligada às Caves da Montanha, que ajudará à sua ligação com o futuro da empresa” diz ainda Alberto Henriques.
À procura do espumante perfeito
Nas Caves da Montanha tudo nasce nas vinhas. “Para fazer espumante é preciso direcioná-las para a sua produção, que é completamente diferente da de vinhos tranquilos”, explica Bruno Seabra, director de Enologia e Qualidade das Caves da Montanha. Na adega, as uvas têm, assim, de chegar com as características certas para serem prensadas de forma a separar o mosto de lágrima, que se destina às gamas mais altas, do de prensa, que vai para o resto das gamas.
Durante a fermentação, Bruno Seabra gosta de provar de dois em dois dias, para verificar como o processo está a decorrer, “porque só conseguimos fazer grandes vinhos se soubermos actuar nos seus processos chave”. Depois são escolhidas as bases para cada tipo de produto: Montanha Real, Cá da Bairrada, etc., seguindo-se a sua colagem, processo feito com o adjuvante do Instituto Enológico de Champanhe, selecionado após um estudo comparativo realizado pelo enólogo, “pela limpidez que origina e rapidez do processo”.
Conforme as suas características, as bases são depois analisadas e o seu processamento é orientado tendo em conta o tempo de estágio previsto para os espumantes que originam. “A acidez é essencial na sua produção, mas os lotes têm de ter também em conta objectivos como a longevidade, volume e complexidade”, explica Bruno Seabra. Os vinhos com mais fruta e frescura dão melhor resultados para a produção de espumantes mais novos, onde isso é importante. Nestes é preciso que a bolha não rebente tão facilmente, “que não seja agressiva e bruta”. Por isso são espumantes onde o licor de expedição leva menos açúcar, que têm uma bolha mais fina também por causa das fermentações serem mais lentas nas caves, onde decorrem a uma temperatura de 16/17ºC.
Durante o estágio, os espumantes vão sendo provados para se perceber qual aa sua evolução. “Começo a fazer isso a partir dos seis meses, para perceber qual o caminho a traçar e decidir o licor de expedição, que é importantíssimo na finalização do espumante, sobretudo para definir a sua identidade, pois temos várias marcas e uma gama alargada, que têm de ter, cada uma, as suas características”, explica Bruno Seabra. “Não basta pôr vinho base, um pouco de sulfuroso e goma”, salienta, acrescentando que “é necessário criar outro tipo de sensações, que só podem ser acrescentadas através do licor de expedição”. Depois, é preciso algum tempo de estágio em garrafa, essencial para que o efeito do licor de expedição se se sinta no espumante, “que só actua realmente dois a quatro meses depois”. Para os mais evoluídos, “quanto mais tempo melhor”, defende o enólogo, garantindo ainda que “as características da fermentação, do estágio sobre borras e do licor de expedição são beneficiados no estágio após o dégorgement”.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2024)
Editorial Dezembro: Questão de identidade
Editorial da edição nrº 92 (Dezembro 2024) Na Grande Prova desta edição, dedicada aos tintos mais ambiciosos do Alentejo, Nuno de Oliveira Garcia levanta uma questão bem interessante que tem a ver com a identidade regional. Diz o autor que “a prova demonstrou um padrão maioritário de perfil muito bem definido, com várias semelhanças entre […]
Editorial da edição nrº 92 (Dezembro 2024)
Na Grande Prova desta edição, dedicada aos tintos mais ambiciosos do Alentejo, Nuno de Oliveira Garcia levanta uma questão bem interessante que tem a ver com a identidade regional. Diz o autor que “a prova demonstrou um padrão maioritário de perfil muito bem definido, com várias semelhanças entre si. Vinhos intensos, exuberantes e capitosos, fantásticos na sedução, mas, em vários casos, parecidos uns com os outros. Numa região com sub-regiões tão diversas, e terroirs distintos (…), seria positivo encontrar registos mais diversificados.” Acrescenta Nuno de Oliveira Garcia que o mesmo se passa com outras regiões. E dá o exemplo das recentes provas de Lisboa ou Douro, em que “os topos de gama tendem a uma uniformização no que respeita ao ponto de maturação fenólica e ao uso da barrica”.
Esta é uma daquelas questões em que, como no dito popular, se “é preso por ter cão e preso por não ter”. Por um lado, pretendemos que uma região vitivinícola tenha uma evidente identidade, que os seus vinhos obedeçam a um denominador comum. Ou seja, que os aromas e sabores de um Barolo, um Borgonha, um Douro, um Alentejo, nos remetam para a sua origem. Por outro lado, quando compramos vinhos de uma dada região não queremos que nos cheire e saiba tudo ao mesmo. Sobretudo, quando a região é, em si mesma, diversa. E o Alentejo, é, claramente, a região mais diversa de Portugal, pela dimensão e pela quase infinita combinação de solos, climas e castas que abraça. Não por acaso, o Alentejo está hoje dividido em 8 sub-regiões, um número que até poderia (e deveria) ser alargado. Se conjugarmos identidade e massa crítica, faz hoje todo o sentido que Beja obtenha igual estatuto. E, no futuro, assim adquira produtores suficientes, também o Alentejo litoral.
No que a vinhos respeita, a identidade estabelece-se em três níveis. O primeiro, mais alargado, é o regional. E aqui, o Alentejo cumpre inteiramente. Um “clássico” blend de Alicante Bouschet, Aragonez e Trincadeira sabe a Alentejo, do mesmo modo que um “moderno” blend de Syrah, Alicante e Tinta Miúda sabe a Alentejo.
Um segundo nível de identidade está no perfil sub-regional. E aqui, concedo, são poucos os vinhos alentejanos que o manifestam. Uma das razões poderá estar na generalização do Alicante Bouschet a praticamente todos os tintos de topo produzidos na região. É difícil evitá-lo, já que esta casta alentejana de adopção, quando bem trabalhada na vinha e na adega, dá origens a vinhos esplendorosos, tornando-se a espinha dorsal dos melhores blends ou resultando em varietais de grande impacto. Mas se o propósito for expressar a sub-região (um caminho que cada produtor é livre de seguir ou não) acredito que variedades antigas e hoje minoritárias, como Castelão, Moreto, Alfrocheiro, Tinta Grossa, Tinta Caiada ou, mesmo, Trincadeira, serão bem mais eficazes. Os vinhos das vinhas velhas, que felizmente ainda existem em várias sub-regiões, dão sustento a esta tese.
O terceiro e derradeiro patamar de identidade está no estilo do produtor. Mas para se ter um estilo, reconhecido pelo consumidor, é preciso saber exactamente o que se quer, ser determinado e criativo, seguir o seu caminho, eventualmente contra modas e opiniões. Isso não é para todos, seja no Alentejo, no Douro ou em qualquer outra região de Portugal ou do mundo. No entanto, eles andam aí. Caso paradigmático: apesar de baseados na mesma casta (Alicante Bouschet, o tal “uniformizador”…), estarem ambos situados no norte do Alentejo, e terem origens históricas na mesma família, Gloria Reynolds e Mouchão têm estilos muito próprios, inconfundíveis. E termino com o exemplo do famoso Pêra-Manca, tinto de singular personalidade. Curiosamente, aqui não há Alicante Bouschet, só Trincadeira e Aragonez de parcelas especiais, balseiros para fermentação e tonéis antigos para estágio. Parece fácil, não é? L.L.
Quinta d’Amares: Um verde com dez séculos…
Conta a história que as primeiras edificações do lugar de acolhimento e estudos religiosos que abrigaram, durante séculos, os monges beneditinos de Cluny e Cister, surgem em 1090, fundadas pelo nobre Egas Pais de Penagate, um dos mais importantes senhores da época, proprietário de vastas propriedades de Entre Homem e Cávado. Intimamente ligado à reconquista […]
Conta a história que as primeiras edificações do lugar de acolhimento e estudos religiosos que abrigaram, durante séculos, os monges beneditinos de Cluny e Cister, surgem em 1090, fundadas pelo nobre Egas Pais de Penagate, um dos mais importantes senhores da época, proprietário de vastas propriedades de Entre Homem e Cávado.
Intimamente ligado à reconquista cristã, o Mosteiro de Rendufe é uma das principais edificações religiosas do Norte do país, passando por diversas transformações ao longo dos séculos. Até ao século XVI, a pecuária e a agricultura dominavam a paisagem e eram as principais fontes, não apenas da autossustentabilidade dos eclesiásticos, mas, igualmente, um rendimento. De origem francófona, crê-se que ali plantaram extensas manchas de vinha, tornando a propriedade numa das mais vastas e ricas de todo o Norte, alcançando maior dimensão e produtividade que o próprio mosteiro de Tibães.
Após o século XVI, o Mosteiro continua a ser uma das mais relevantes Escolas de Estudos Superiores em Teologia. Contudo, com a introdução do milho na Europa, a cultura da vinha torna-se secundária, diminuindo consideravelmente a sua área, cingindo-se apenas às bordaduras.
Não obstante a construção da nova igreja, dependências conventuais e a Capela do Santíssimo Sacramento, o declínio do Mosteiro começa a ocorrer a partir de 1755. A divisão da imensa propriedade torna-se inevitável num país depauperado após Terramoto de Lisboa e o maremoto que se lhe seguiu, causando a quase total destruição da cidade. O comércio das especiarias já era praticamente inexistente e o ouro que nos chegava do Brasil era escasso. Os grandes comerciantes das cidades do Porto e Lisboa, perante o peso da carga fiscal imposta, radicam-se na Flandres.
Parte do património do mosteiro, seus edifícios e fontanários, são destruídos para aproveitamento da pedra para construção de muros de delimitação e outras edificações. Após a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, parte da propriedade e edificações são alienadas a privados. Um grande incêndio acaba por consumir parte do Mosteiro e, hoje, aquilo que nos é dado a conhecer é apenas um vislumbre da sua dimensão original, mantendo, no entanto, a imponência do seu estilo barroco e rococó.
Um negócio de família
Albino Pedrosa, pai do atual proprietário, José Pedrosa, sempre esteve ligado ao negócio dos vinhos. Radicado no Porto, fazia da compra e venda a granel, em larga escala, a sua atividade principal, comercializando vários milhões de litros mensalmente, mantendo a atividade em todas as regiões vitivinícolas do país. Na cidade invicta detinha, igualmente, uma destilaria onde destilava 50 mil litros semanalmente, produto que, nos anos 60 e 70 do século passado, era quase exclusivamente escoado para as colónias africanas com quem mantinha relações comerciais privilegiadas.
À época, o comércio de vinhos da região dos Vinhos Verdes fazia-se quase exclusivamente de tintos. Do mesmo modo, no encepamento da região dominavam as castas tintas, com o Vinhão à cabeça, cabendo às uvas brancas uma presença e comercialização bastante discreta.
Em 1986, prevendo um abrandamento do comércio a granel e cumprindo um desejo de possuir um negócio de vinho da base até ao topo, Albino Pedrosa, já com o seu filho José Pedrosa ao lado, inicia a aquisição da Quinta D`Amares, num processo complexo de negociação, uma vez que a propriedade dentro de muros estava, à data, dividida em oito parcelas, de outros tantos proprietários.
Após a primeira parcela, foram adquirindo as restantes, terminando a operação global já no início deste século. A conversão da propriedade, que nos anos 80 estava destinada essencialmente à pecuária, inicia-se logo a partir de 1986, requerendo uma intervenção total, dado o estado de abandono a que estava votada há muitos anos. A vinha era uma miragem do passado, existindo apenas nas bordaduras, preenchendo a cultura de cereal e floresta a quase totalidade da Quinta. Com toda uma vida dedicada ao grande volume, a família Pedrosa percebeu que os mercados exigiam agora qualidade e identidade. Fazer vinhos de quinta era agora o propósito, associando essa nova vertente à potenciação do património constituído pelo Mosteiro e pelo Aqueduto, este do século XVII, sob a tutela e manutenção da Quinta.
O VITIS foi a alavanca essencial para transformar a paisagem de toda a região dos Vinhos Verdes. Nela estão também os 55 hectares que compreendem a totalidade da propriedade entremuros da Quinta D`Amares. O tempo dos tintos havia chegado a um fim anunciado. As castas brancas impuseram-se e, na propriedade, no processo de restruturação, a Loureiro levou a melhor, ocupando, hoje, cerca de 75% de toda a área de vinha, tornando-a, provavelmente, uma das maiores áreas de vinha contínua da casta, que é rainha nesta sub-região do Cávado. A formação em engenharia química de José Pedrosa foi fundamental para a forma como se olhou para a composição dos solos, relevo, sistema de rega e plantação da vinha em cordão simples.
Abundância de água
Não obstante a sub-região do Cávado beneficiar de níveis pluviométricos muito elevados no Inverno, os verões quentes, cujas temperaturas facilmente atingem os 40 graus em Agosto, exigem que a vinha possua um sistema de rega gota a gota. Afortunadamente, o engenho dos monges beneditinos, desde o século XI, salvaguardou a abundância de água, construindo o Mosteiro de Rendufe numa zona muito rica em recursos hídricos, possuindo a atual propriedade seis minas com nascentes, que providenciam toda a água utilizada nas regas, assim como para todas as operações na adega, desde a refrigeração até às limpezas. Erigido no século XVII, o Aqueduto que desemboca no Mosteiro encontra-se hoje perfeitamente funcional e ativo, recolhendo água numa das minas existentes no seu topo, transportando-a para o interior do Mosteiro e vários reservatórios existentes no interior da Quinta.
Rentabilidade e otimização de processos estiveram na base da decisão de criar um projeto de envergadura. Posicionar as vinhas com diversas orientações, permitindo diferentes estágios de maturação, foi fundamental para organizar uma vindima espaçada no tempo. Nos primeiros anos, durava aproximadamente um mês e era realizada por uma centena de pessoas. Hoje, a escassez de mão de obra é transversal a todo o país agrícola, razão pela qual é inevitável o recurso à vindima mecanizada, sobretudo quando há risco de pluviosidade próxima.
A propriedade, atualmente já se estende fora dos muros, prolongando-se em várias outras parcelas externas. Se o Loureiro predomina, constatou-se que o Alvarinho encontra neste terroir condições de exceção para se exprimir, granjeando virtudes próprias, distintas das que lhe são aportadas em Monção e Melgaço. Aposta mais recente tem sido o Arinto, localizado numa parcela mais alta, fresca e ventosa. A sua espumantização pelo método clássico já não é um mero alargamento do portfólio, tornando-se um caso de sucesso comercial entre e fora de portas. Essa perceção leva já a idealizar-se criar referências mais exigentes e ambiciosas de modo a solidificar a Quinta D`Amares também como produtor de espumantes de qualidade evidente.
Nas parcelas externas aos muros, o Vinhão coexiste com o Espadeiro. A influência do Vinhão, à semelhança do que ocorre em toda a região, é cada vez menor, representando uma ínfima parte da produção. Na vindima de 2024, prevê-se apenas a produção de 5000 litros de Vinhão, num universo de um milhão de litros produzidos. Despertos para esta redução drástica de produção de vinhão, também forçada pela diminuição do seu consumo, a Quinta d`Amares procura novas abordagens à casta, experienciando diferentes formas de vinificação, com menos extração, maior leveza que, de algum modo, lhe retire a componente de rusticidade sem lhe mascarar a autenticidade.
Os vinhos de parcela
A equipa de enologia e viticultura mantém-se desde o primeiro dia, estando a enologia entregue ao enólogo consultor António Sousa, tendo o jovem Diogo Schartt como enólogo residente a acompanhar o dia-a-dia da adega e vinhas. É de um triângulo coeso que resultam todas as ações e estratégias da empresa. José Pedrosa, Diogo Schartt e Tiago Ferreira, o diretor comercial, reúnem-se diariamente nos escritórios, debatendo os novos desafios e tendências, baseados nas experiências e viagens de cada um. O surgimento dos Pét-Nat no portefólio da Quinta D`Amares nasce de uma visita do diretor comercial ao Canadá, onde estes espumantes de “método ancestral” alcançaram um sucesso notável, sobretudo nos wine bars e junto de um público mais jovem.
Regressado, e em troca de ideias com a equipa, não houve dúvidas que aquele era um produto digno de se apostar, desde que se elevassem os patamares de qualidade em relação ao que, à data, existia no mercado. O Quinta D`Amares Pét-Nat é hoje uma realidade e peça importante do portefólio constituído por 12 vinhos, já esgotando com as compras feitas, sobretudo, pelo mercado norte-americano.
O curso do tempo, e a realização de mais de uma vintena de vindimas, trouxe, à equipa, um maior conhecimento das características dos solos e dos vários microclimas existentes nos 55 hectares de vinha. Os solos arenosos e graníticos de várias densidades predominam, ainda que com índices de nutrição diferentes, sendo as cotas mais elevadas e inclinadas mais pobres, por contraponto às parcelas mais nutridas, situadas, sobretudo, ao redor do Mosteiro. Aliás, é na cercania de edificado religioso que se situa a mais incomum parcela da Quinta, bastante mais fresca, sobretudo por se encontrar no interior de um corredor de vento de Norte, daí advindo temperaturas bastante mais amenas que nas restantes parcelas da vinha. É desta parcela sui generis que nasce o Quinta D`Amares Claustrum, vinho monovarietal de Loureiro. Ao invés de se definir um perfil jovem, frutado, fácil e para beber jovem, pretendeu conferir-se maior complexidade ao vinho, tornando-o mais exigente em termos de prova, sem a exuberância aromática usual e com potencial sério de guarda.
Enoturismo como desígnio
José Pedrosa tem a perfeita consciência que todo o património histórico circundado pelas vinhas é um diamante por lapidar, com um potencial enoturístico de monta. Atualmente, parte do Convento, que corresponde aos antigos aposentos dos monges, foi adjudicada a privados pelo Estado, proprietário do imóvel, para criação de unidade hoteleira de luxo, desejando-se que a sua execução se inicie a breve trecho.
A par disso, irá abrir, já em 2025, o Centro de Provas e Espaço de Eventos, atendendo à necessidade que a região possui de espaços que possam acomodar várias centenas de pessoas, num edifício construído de raiz, com dois pisos. Um edifício sustentável que aproveitará os recursos hídricos em abundância na propriedade para refrigeração dos espaços, com reutilização dessa mesma água para a rega.
O constante crescimento das exportações, com novos mercados a despontarem para além dos clássicos, nomeadamente, o forte crescimento na Suécia e Japão, pressupõe que, a breve trecho, tenha que se aumentar o número de litros produzidos e engarrafados com marca própria. Vinificando um milhão de litros anualmente, correspondendo apenas a metade da uva produzida, possuindo, ainda, a adega, capacidade para uma maior vinificação, prevê-se que o volume de venda de uva a granel diminua em prol do aumento da quantidade vinificada. Sem passivos e com ativos vultuosos, a Quinta D`Amares não se atemoriza com os ventos de uma crise anunciada e olha para o futuro com um sorriso confiante.
Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Lua Cheia: Bronze que vale ouro
Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os […]
Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os resultados desejados atualmente, a frescura e a marca da região duriense. No topo do Planalto de Alijó, situando-se próxima dos 800 metros de altitude e beneficiando de noites muito frias e dias de brisas constantes, alcançam-se vinificações mais lentas, aportando aos vinhos maior personalidade e uma mais fidedigna interpretação do Vale Mendiz, ali próximo.
É nestas cotas mais altas do Douro que nascem, além dos mais exclusivos Quinta do Bronze, os Andreza das gamas “Altitude”, vinhos de expressão mais fresca, elaborados com uvas próprias e provenientes de viticultores que trabalham com a Lua Cheia há vários anos, garantindo, à empresa, a qualidade da matéria-prima para criar os vinhos que espelham o caráter do Planalto.
Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios.
Nos altos de Vale Mendiz
Podíamos começar pelo início da Sociedade Abastecedora de Navios Aveirense (Saven) e de como o dinamismo do seu fundador, o já desaparecido Manuel Dias, criou um império de distribuição de bens alimentares e vinhos, hoje liderado por sua filha Lara Dias, onde se enquadra a Lua Cheia-Saven, nascida de um desafio ao enólogo bairradino Francisco Baptista em 2009. Porém, importa-nos traçar desta feita o retrato da Quinta do Bronze, a propriedade com 14 hectares e vista sobranceira para o mágico Vale Mendiz, com uma vizinhança ilustre nas cercanias.
Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios. Durante várias gerações, a Quinta estave quase inteiramente dedicada à produção de uva para vinho do Porto, caracterizando-se pela heterogeneidade de altitudes, exposição e composição de solos. A dimensão inicial era menor, tendo sido adquiridas diversas parcelas contíguas até atingir a dimensão atual. Do fundo da estrada que vai de Alijó ao Pinhão, até ao topo das íngremes vinhas, sobe-se dos 200 até uma cota de 550 metros de altitude. Com forma de um semicírculo, os vinhedos beneficiam de diversas exposições (a Norte, Poente e Sul) que, por sua vez, trazem diversos estados de maturação, permitindo trabalhar as uvas de distintas formas na sua vinificação. Os solos encontram-se numa zona de transição dos xistos para os granitos. Solos muito pobres, que estimulam a capacidade de resiliência das videiras a produções rigorosas.
Os primeiros anos após a aquisição foram de estudo de cada uma das diferentes parcelas da vinha. A pretensão era criar foco no vinho de mesa, identificando as uvas com maior potencial e apetência para tal, reservando a parte sobrante para vinho do Porto. O encepamento ali existente, e as plantações de novas parcelas que foram sendo adquiridas, entretanto, pouco foi alterado. Era o tradicional para elaboração de vinhos do Porto: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão e Tinta Roriz. O Tinto Cão surge mais tardiamente, numa perspetiva de dispor de castas mais frescas, entre outras plantadas, sobretudo as mais resistentes à baixa pluviosidade e mudanças climatéricas. Atualmente, é a base consensual para a elaboração do Andreza Altitude Rosé, exclusivamente com esta casta, para marcar o modo como são feitos bons rosados durienses. É um vinho que tem conquistado a preferência dos consumidores,
A Vinha do Plagão
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de um hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo, nome que, durante séculos, os agricultores do Dão davam à Touriga Nacional. É nesta vinha, cuja interpretação e conhecimento têm tomado mais tempo ao responsável de enologia, Francisco Baptista, que nasce o vinho de parcela Quinta do Bronze Vinha do Plagão 2016. As imensas incertezas sobre aquele clone antigo da, hoje, conhecida e reconhecida, Touriga Nacional, tornaram a obtenção de um vinho que cumprisse os parâmetros de qualidade exigidos tarefa mais complexa, pois as características naturais do próprio Tourigo, e a sua raridade no encepamento duriense, não facilitaram em nada a tarefa.
Desde a aquisição da propriedade em 2012, apenas em 2016 se conseguiu alcançar a desejada excelência. Francisco Baptista reconhece-lhe a irregularidade, não se conseguindo ali obter colheitas de qualidade a toda a prova ano após ano. Em 2017, não foi possível engarrafar a colheita e, se o estágio evoluir favoravelmente, o próximo lançamento será da vindima de 2018.
Relevante para os objetivos da empresa é, no que toca àquela parcela em particular, respeitar as suas características e identidade, com a perfeita consciência de que só nos anos excecionais dali serão engarrafados os Vinha do Plagão. Manuel Dias, cedo reconheceu a singularidade daquela vinha, dando carta branca ao enólogo para dali fazer os futuros vinhos ícone da Lua Cheia, demorasse o tempo que demorasse. A experienciação teve de nascer de vinificações separadas, de modo a perceber as características diferenciadoras do clone presente nestas vinhas.
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de 1 hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo
O Tourigo antigo
O Tourigo aparece profusamente referido por António Augusto de Aguiar em 1867, identificando-o e relevando-lhe a presença massiva no encepamento da região do Dão. Daí os beirões reivindicarem para si o berço da, hoje, renomada Touriga Nacional. As suas virtudes enológicas eram já valorizadas no período pré-filoxérico, designadamente a cor profunda dos seus vinhos e o aroma singular que assumia. Contra si tinha a muito pouca produtividade e tendência ao desavinho. Cardoso Vilhena, no Centro de Estudos do Dão, em Nelas, decifrou-lhe algumas fragilidades, explorando as suas potencialidades, ganhando a casta novo fôlego. Certo é que, nas vinhas da Quinta do Bronze, o Tourigo surge ainda numa versão primordial, de cacho de bago pequeno e com uma produtividade que não ultrapassa os 2500 quilos por hectare. Razão para ter sido, pouco a pouco, abandonada pelos agricultores durienses.
Ignorando a parte da rentabilidade, Francisco Baptista, preferiu olhar para esta parcela de um modo diferenciado, procurando sobretudo a mais legítima expressão do território e das características tão especiais daquela casta, que entra em larga maioria no Vinha do Plagão, surgindo também o Sousão em proporções residuais, numa perspetiva de conferir maior firmeza e tensão ao vinho. Certo é que o resultado é uma absoluta surpresa, pelo modo como evoluiu oito anos após a colheita e pelo potencial de longevidade que mostra, antevendo-lhe o enólogo décadas de resistência sem perda de vigor e frescura. Haja essa coragem de resistir à tentação de os colocar nas prateleiras antes do seu tempo ideal.
Do mesmo modo, procura, nas restantes parcelas daqueles 14 hectares, sublimar a altitude, buscando menor concentração, menor teor alcoólico, acidez mais veemente e uma complexidade que diferencie os vinhos da Quinta do Bronze, tornando-os a joia da coroa de todo o universo Saven.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Quanta Terra: 25 anos festejados em grande
Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o […]
Sem terra e sem uma adega convencional, Quanta Terra é uma parceria em busca do seu vinho perfeito e uma marca que provoca a emoção no consumidor. O projecto começou em 1999, fruto da cumplicidade profissional de Celso Pereira e Jorge Alves, que se conheceram nas Caves Transmontanas no início dos anos 1990. Conhecendo o Douro como a palma das suas mãos, definiram desde logo as zonas da proveniência das uvas para garantir a qualidade dos vinhos: para os tintos, vale do Tua, e para brancos e rosés as terras de altitude 600-700 metros com solos de transição para o granito, no planalto de Alijó, onde mesmo em anos quentes conseguem maturações equilibradas e uvas com frescura natural. As ligações duradoras com os viticultores que lhes fornecem as uvas, desde o início do projecto, asseguram a matéria prima de qualidade sem ter necessidade de adquirir as vinhas. O importante é acompanhá-los e pagar bem as uvas.
A “adega” da Quanta Terra, inserida numa antiga destilaria da Casa do Douro, recuperada em colaboração com o arquitecto Carlos Santelmo é algo único. De layout pouco habitual, o espaço, para além de acomodar uma cave de barricas, está transformado num ambiente museológico dedicado à história do Douro e serve de palco a exposições artísticas temporárias. A vinificação propriamente dita é feita nas adegas dos seus parceiros de outros projectos vitivinícolas.
Olhando para o seu percurso de 25 anos na Quanta Terra, os enólogos consideram que o importante foi saber “evoluir improvisando”. “Criámos perfis de vinhos e validámos com as vendas no mercado”, permanecendo numa dinâmica criativa.
Mas parece que os dois também gostam de provocar o mercado de vez em quando. No mundo, onde os restaurantes nem aceitam um vinho branco de há dois anos, onde o consumidor procura vinhos fáceis e frutados, lançar um branco com estágio de vários anos em barrica é de loucos. Mas quem conhece Jorge Alves e Celso Pereira, sabe que isto faz parte do ADN do projecto. O estágio prolongado exige paciência, implica o investimento em barricas e o empate do capital, e ainda obriga a lidar com a volatilidade das tendências do mercado. O factor incerteza também tem a ver com o próprio vinho, pois durante um estágio de muitos anos nunca se sabe ao certo que perfil o tempo vai esculpir no final. Ao provar o Gold Edition 2017 com quase sete anos em barrica e o Family Edition 2007 com 14, percebe-se porque às vezes vale a pena ir até ao limite.
O primeiro Gold Edition foi da colheita 2011, da qual houve duas barricas que ficaram para trás, não propositadamente. O resultado motivou a repetição da experiência em anos bons, em que a qualidade esperada justifique um estágio prolongado. “Sentimos que o mercado pode ter apetência para estes vinhos diferenciados”.
O Family Edition foi ainda mais longe. Começou em 2007 como uma base de espumante que, por decisão interna, ia ficando em barricas novas de 225 litros. Passados 14 anos e ao contrário do que se pode pensar, não está marcado pela barrica, pois o vinho ia concentrando e a barrica ia envelhecendo com o vinho e acabou por integrar completamente. O resultado, com mais de 8 g/l de acidez e um pH baixíssimo, oferece, ao mesmo tempo, o sabor e a textura para envolver a estrutura acídica e trazer à prova um vinho cheio de vida e personalidade. Decidiram lançá-lo no aniversário dos 25 anos. É uma edição única, com apenas 670 garrafas.
Outra novidade é o espumante Quanta Terra Éclat feito de Pinot Noir proveniente da zona de Lamego. Quase que apetece dizer: “até que enfim!”. Sendo Celso Pereira o reconhecido Senhor das Bolhas, espanta-me como é que aguentaram 25 anos sem se meter na produção de espumantes. Mas aqui vai!
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Estive Lá: Deambulando pela Serra da Estrela e petiscando
Se há coisa que gosto de ver e ouvir é água límpida de montanha a correr entre pedras. Como há muito tempo não íamos à Serra da Estrela, aproveitei um fim de semana de verão para lá dar um pulo, para rever Louriga e calcorrear um pouco nas suas ruas, mas sobretudo para descobrir as […]
Se há coisa que gosto de ver e ouvir é água límpida de montanha a correr entre pedras. Como há muito tempo não íamos à Serra da Estrela, aproveitei um fim de semana de verão para lá dar um pulo, para rever Louriga e calcorrear um pouco nas suas ruas, mas sobretudo para descobrir as suas piscinas fluviais de montanha, de águas bem límpidas e enquadramento estético em pleno vale glaciar. Em volta, várias matizes de verde da paisagem, das grandes pedras de granito e montanhas quase a tocar no céu de um azul português, parcialmente encoberto de nuvens muito brancas naquele dia.
Soube mesmo bem estar ali um pouco, naquela paz, a escutar o som das águas antes de partirmos montanha acima até à Torre, para mais uma subida, nesse dia muito mais sossegada do que as de dias em que a neve e o frio levam milhares de pessoas à serra. Depois, uma descida até ao Covão da Ametade para relembrar passeios que não fazia há mais de 20 anos. Feito tudo isto, e sempre de forma muito calma e serena, fizemo-nos à estrada, primeiro em direcção a Seia, e depois para Nelas, o nosso destino de jantar nesse sábado, a Taberna da Adega da Lusovini, onde uma boa amiga nos esperava para um repasto, calmo e sereno, de boa conversa animada por petiscos que gosto de comer nesta casa.
Pelo caminho, e com muita sorte porque só acontece uma vez por ano, apanhámos o dia de transumância na estrada em direcção a Seia, ou seja, a mudança de alguns milhares de ovelhas e cabras das zonas baixas da Serra da Estrela para as altas, conduzidas pelos seus pastores, trazendo, a reboque, algumas dezenas de curiosos, muitos deles carregados com as suas máquinas fotográficas para captar um momento realmente único e muito interessante.
Depois foi hora de continuarmos o caminho para o repasto que nos esperava em Nelas. Começámos com os inevitáveis, pelo menos para mim, Folhados de Queijo da Serra, Mel e Nozes, Cogumelos Shitake em Azeite e Alecrim e Croquetes de Alheira com molho de mostarda, na companhia de um Pedra Cancela Vinha da Fidalga Uva Cão 2022. Também escolhi Truta de escabeche com cebola rocha, pela curiosidade e porque gosto de escabeches, que não estava nada má. Por fim, porque sou adepto incondicional de carnes grelhadas, saboreámos, bem devagar, uma Posta à Taberna. Este tipo de carne grelhada sabe sempre melhor assim, fatiada e comida com tempo, à medida que a conversa flui e se vai saboreando, sobretudo porque o prazer que tive foi acrescentado pela a boa companhia do tinto da casta Monvedro da colheita de 2022. Para terminar, enquanto os outros iam saboreando coisas doces, fui apreciando queijo da serra com um Porto Andresen White 20 Anos.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Henri Giraud Ay + Pinot + barrica = grande Champagne
Robert Parker classificou, um dia, os vinhos da casa Henri Giraud como “o maior Champagne de que nunca ouviu falar”. O elogio vale o que vale, mas a verdade é que os Champagnes desta empresa familiar merecem (e muito) ser falados e, sobretudo, apreciados. Algo agora mais fácil de conseguir neste cantinho ocidental da Europa, […]
Robert Parker classificou, um dia, os vinhos da casa Henri Giraud como “o maior Champagne de que nunca ouviu falar”. O elogio vale o que vale, mas a verdade é que os Champagnes desta empresa familiar merecem (e muito) ser falados e, sobretudo, apreciados. Algo agora mais fácil de conseguir neste cantinho ocidental da Europa, uma vez que são importados e distribuídos em Portugal pela Disalto.
A casa Henri Giraud é relativamente recente, pois foi registada enquanto “Negociant-Manipulant” apenas em 1975, o que significa que cria as suas próprias uvas e compra uvas a terceiros. As suas raízes, porém, remontam 1625, quando François Hémart e sua família se instalaram em Ay, onde o Champagne nasceu no século XVIII e uma das 17 Grand Cru entre as 323 “villages” que compõem a região. A família Hémart produziu uvas e vinhos ao longo de muitas gerações, até que a filoxera, primeiro, e a Primeira Guerra Mundial, depois, arruinaram o seu principal sustento.
No princípio do século XX, Léon Giraud casou com Madeleine Hémart e dedicou-se a reconstruir todo o património vitivinícola familiar, que viria a ser desenvolvido e ampliado pelos seus descendentes, o filho Henri Giraud e o neto Claude Giraud, membro da 12ª geração.
Reputação e estilo
Foi Claude que desenvolveu a reputação e o estilo Henri Giraud, assentando-o em três pilares: vinhos Grand Cru Ay; uvas Pinot Noir; e barricas de carvalho de Argonne. Este último é hoje absolutamente definidor do estilo da casa. Claude reintroduziu progressivamente a fermentação em barrica a partir de 1993, algo que, com poucas excepções (Krug, Bollinger…) foi abandonado pelas casas de Champagne desde os anos 50. Mas, para Claude, não bastava fermentar todos os seus vinhos em barrica, objectivo atingido em 2016. Era fundamental fazê-lo em barricas construídas a partir de carvalhos da histórica floresta de Argonne, plantada no século XIV a 60 km de Reims, onde tiveram origem as clássicas barricas de Champagne. Convencido de que “não existem grandes vinhos que não estejam associados a uma grande floresta”, Claude levou mais de duas décadas estudando e selecionando carvalhos muito antigos (de grão super fino e alta densidade), encarregando-se de tostar directamente as madeiras, depois levadas à Tonnelerie de Champagne para o fabrico das barricas cuja certificação oficial Argonne alcançou. Ao mesmo tempo, lançou-se na recuperação da floresta de Argonne, abandonada a partir dos anos 60 do século XX, assumindo, perante a organização florestal do estado francês, a sua gestão. Como resultado, a casa Henri Giraud patrocinou a replantação em Argonne de 50.000 árvores nos últimos 10 anos.
A empresa orgulha-se de ser a única casa de Champagne a utilizar exclusivamente barricas da floresta de Argonne. E não são poucas. Na cave alinham-se cerca de 2000 barricas, usadas durante apenas 8 a 10 anos, para fermentar e estagiar os vinhos base que irão ser espumantizados, contribuindo decisivamente para a cremosidade, complexidade e carácter “boisé” dos champanhes Henri Giraud. Para algumas cuvées mais singulares, a empresa usa igualmente pequenas ânforas de grés (arenito com terracota e caulino), no sentido de potenciar a micro-oxigenação e interacção do vinho base com as borras finas. Outro factor distintivo é a baixa pressão dos seus Champagnes, a rondar os 3,6 bar (o mínimo legal é 3,5 bar e a média em Champagne anda pelos 5,5 bar), o que acentua a voluptuosidade e sensação de volume dos vinhos.
Expulso da fermentação, na Henri Giraud o inox mantém, no entanto, uma função: conservar intocada aquela que é um dos grandes ex libris da casa, a chamada “reserva perpétua”, constituída a partir de 1990 e considerada como um “segredo de família”. Consiste em 28 tanques quadrangulares, de 10 mil litros cada um, enterrados no solo, contendo vinhos velhos sem sulfuroso e com dezenas de anos de idade. A uma temperatura constante de 10,5ºC, estes vinhos não “mexem”, envelhecendo com enorme lentidão. Em cada ano, 20% do vinho velho é retirado para o blend, sendo atestado com vinho novo.
No entanto, o carácter dos champanhes Henri Giraud não começa na cave, mas sim na vinha e, em particular, no terroir de Ay. A quase totalidade é Pinot Noir de encosta (nada de Pinot Meunier) com uma pequena quantidade de Chardonnay de zonas mais baixas do vale do Marne. Toda a uva utilizada tem origem no Grand Cru, com uma camada superficial (por vezes 20 centímetros) de terra arável sobre a rocha de giz, profundamente calcária. Cerca de 10 hectares pertencem à empresa, trabalhando 30 hectares de outros proprietários, mas com o seu próprio pessoal.
Cuidado com o detalhe
Este cuidado com o detalhe associado a uma identidade muito própria é algo que tem sido possível manter graças à pequena dimensão (entre 300 e 350 mil garrafas/ano) e ao carácter intrinsecamente familiar: para além de Claude Giraud, os outros pilares da empresa são sua filha Emmanuele Giraud, na gestão, e o seu genro Sébastien Le Golvet, enólogo principal.
“Ne s’interdire à rien, ne s’obliger à rien, faire du bom vin naturellement” (não se proibir de nada, não se obrigar a nada, fazer o bom vinho naturalmente) era o lema de Henri Giraud, que os seus descendentes têm procurado seguir. A tradição e a inovação coexistem bem neste conceito, como o demonstram os vinhos que Stephane Barlerin, director comercial da casa, nos apresentou recentemente e onde se incluem, para além de champanhes de primeiríssima linha, uma Ratafia Champenoise, ou seja, uma irreverente e imprevista…jeropiga, criada por Claude para acompanhar o seu charuto. “Fazemos vinhos complexos, mas não complicados”, diz Stephane. Para Portugal estão alocadas 3000 garrafas de Champagne Henri Giraud. É aproveitar.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Madeira Wine Company: Grandes Madeira, salgados e eternos
A ilha da Madeira, com 66% da superfície classificada como Parque Natural, tem no seu vinho generoso um dos seus ex-libris. Esta é uma espécie de verdade de La Palice, uma vez que o reconhecimento das virtudes e qualidades daquele vinho é já secular. Mas uma história tão antiga está sujeita a flutuações, períodos de […]
A ilha da Madeira, com 66% da superfície classificada como Parque Natural, tem no seu vinho generoso um dos seus ex-libris. Esta é uma espécie de verdade de La Palice, uma vez que o reconhecimento das virtudes e qualidades daquele vinho é já secular. Mas uma história tão antiga está sujeita a flutuações, períodos de euforia e de retracção.
Estamos actualmente a enfrentar tempos difíceis, como nos foi dado a conhecer na recente apresentação dos novos vinhos da Madeira Wine Company. Ali fomos informados que a área de vinha da ilha continua paulatinamente a diminuir e que a superfície que, até há pouco, era sempre anunciada – 450 ha de vitis vinífera – já está agora (dados de 2023) reduzida a 400 ha, correspondendo a 1680 produtores. Lamentavelmente, diz Francisco Albuquerque, enólogo da empresa, “continuamos a ver serem construídas casas em terrenos que até há pouco tempo eram vinhas”, tendência que só piorará se nada for feito.
O processo de candidatura da produção do Vinho da Madeira a Património da Unesco está em marcha e poderá haver novidades em 2025.
Uma luz ao fundo do túnel poderá advir da candidatura da Produção de Vinho da Madeira a Património da Unesco. O processo está em marcha e, dizem-nos, poderá haver novidades em 2025. Não será o vinho que será objecto de classificação, mas sim o processo, das vinhas em latada aos canteiros. Pode ser que assim se proíba, por exemplo, o arranque de vinhas e, até por comparação com o que aconteceu nos Açores – actualmente com mais de 1000 ha de vinhas – a própria área seja substancialmente alargada.
A casta Tinta Negra – que em Colares tinha o nome de Molar – foi dali levada para o Porto Santo porque por lá também havia terrenos de areia. Como se revelou muito produtiva, foi também introduzida na Madeira, onde ganhou o estatuto de casta mais plantada, ocupando actualmente uma considerável área de 240 ha (contra quatro de Terrantez, 14 de Bual, 25 de Sercial, 60 de Verdelho e 35 de Malvasia), tudo áreas de vinha que, pela sua escassez, não podem deixar os apreciadores satisfeitos.
Para alegrar um pouco a preocupação que grassa, quer do lado dos consumidores quer do lado da empresa, com as exportações em queda “numa época em que os vinhos com mais álcool tendem a perder apreciadores”, com salientou Cris Blandy, para alegrar, dizia, foram dados à prova os novos Colheita, agora da edição de 2011 e, no mesmo evento, foram também apresentados dois vinhos DOP Madeirense de 2023. Trata-se de um rosé, cuja 1ªedição remonta a 1991 e um Verdelho, produzido a partir da colheita de 1996.
Os vinhos de Frasqueira – indubitavelmente os mais famosos generosos da ilha – estão obrigados a um mínimo de 20 anos de casco e dois anos de garrafa antes de serem comercializados, indicando, no rótulo, o nome da casta. Estes vinhos têm, com frequência, muito mais de 20 anos, porque é norma da empresa não engarrafar tudo de uma vez e, assim, há alguns que são vendidos com muito mais idade. Por norma apresentam-se como Blandy’s ou Cossart Gordon. A Cossart, cuja fundação remonta a 1745, o que faz dela a empresa de vinho Madeira mais antiga ainda em actividade, apresenta tradicionalmente vinhos mais secos e tem mesmo um armazém próprio para o envelhecimento dos vinhos. A empresa juntou-se à Madeira Wine em 1958.
Os vinhos da Madeira têm vindo a ser presença assídua em leilões, onde atingem valores consideráveis com alguma frequência. No entanto, por vezes sem selo da entidade certificadora, nem sempre é fácil saber exactamente o que se está a comprar. É uma jogada de risco, mas que muitas vezes é amplamente compensadora.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2023)
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Cossart Gordon
Fortificado/ Licoroso - 1988 -
Blandy’s
Fortificado/ Licoroso - 1987 -
Blandy’s
Fortificado/ Licoroso - 1989 -
Cossart Gordon
Fortificado/ Licoroso - 2013 -
Blandy’s
Fortificado/ Licoroso - 2011 -
Blandy’s
Fortificado/ Licoroso - 2011 -
Blandy’s
Fortificado/ Licoroso - 2011 -
Blandy’s
Fortificado/ Licoroso - 2011