Quinta da Plansel: Mostrar as castas através dos vinhos

Quinta da Plansel

Dorina Angelica Lindemann, 59 anos, enóloga e gestora da Plansel, empresa produtora de vinhos alentejana, nasceu na Alemanha e vive em Portugal desde 1993. O pai, Hans Jörg (Jorge) Böhm, tem uma grande paixão pelo país desde uma estadia forçada em Lisboa, quando tinha 18 anos, depois de o veleiro que o transportava e mais […]

Dorina Angelica Lindemann, 59 anos, enóloga e gestora da Plansel, empresa produtora de vinhos alentejana, nasceu na Alemanha e vive em Portugal desde 1993.
O pai, Hans Jörg (Jorge) Böhm, tem uma grande paixão pelo país desde uma estadia forçada em Lisboa, quando tinha 18 anos, depois de o veleiro que o transportava e mais alguns amigos se ter afundado perto da capital. A volta ao mundo em perspectiva não foi feita, mas alguns dias de estadia em Portugal sim. Era o início dos anos sessenta, numa altura em que era difícil de sair ou entrar do país sem autorização e documentos como o passaporte, que tinham mergulhado e desaparecido nas águas com a embarcação. Era o tempo da ditadura e ainda existiam fronteiras a dividir toda a Europa, o que dificultava a circulação de pessoas de e para Portugal.

Quinta da Plansel

Os primeiros tempos foram dedicados aos viveiros, à selecção das castas, sua plantação e às necessárias microvinificações para avaliar o comportamento dos clones.

“Esse período de tempo levou o meu pai a apaixonar-se pelo país e a querer voltar”, conta Dorina Lindemann. Descendente orgulhosa de uma família que existe há 400 anos e trabalha há cerca de 200 no sector de vinhos na Alemanha, revela que o seu pai, Jörg Böhm, envolveu-se também no negócio e chegou a ser o maior importador de vinhos portugueses para o seu país de origem. “Era uma altura em que não tinham uma qualidade estável, que variava de ano para ano”, mas o pai insistia, devido à atracção que sentia por Portugal. No entanto, aquilo que mais o apaixonava eram as plantas, a inovação e a procura da sustentabilidade no sector vitícola, e foi isso que o fez vender os seus negócios na Alemanha e vir para Portugal. Comprou um terreno em Montemor-o-Novo, “porque achava que a zona tinha um terroir muito especial, com muita mineralidade e muita frescura”, como conta Dorina, com a ideia de estudar as plantas e fazer a selecção de videiras. A filha ainda era muito jovem na altura, mas já tinha também o “bichinho” pela procura de conhecimento sobre a videiras e as suas variedades.

 

Pioneira num mundo de homens

Quando era uma menina, o negócio da vinha e do vinho ainda estava apenas na mão de homens na Alemanha. Mas Dorina gostava de andar e correr pelas vinhas, participar nas vindimas e cheirar os vinhos desde pequena, ao contrário do irmão, “que não aprecia coisas que têm a ver com o vinho, nem de o beber”. Por isso, foi natural que tivesse optado pela formação em vinha e vinhos, no seu caso dual, em que a primeira parte decorreu num local de trabalho, uma empresa de vinhos, e depois na universidade. Durante a primeira parte trabalhou “naquela que hoje se chama Von Winning, a Dr. Andreas Deinhard, em Deidesheim, Alemanha, uma região muito importante para a produção de vinhos da casta Riesling”, conta, realçando que gostou muito de uma experiência onde, entre outros, aprendeu a guiar um tractor, a cavar e a plantar vinhas novas, numa casa onde era a única mulher a trabalhar. Passados dois anos foi estudar enologia para a universidade de Geisenheim.

Mas como ainda se estava numa época em que, na Alemanha, se considerava que apenas os homens podiam trabalhar no sector de vinhos, teve de ouvir vozes contra esta opção. E quando começou a frequentar o ensino superior, em 1987, “eramos apenas duas mulheres e o resto eram homens, 99”, conta. Mas guarda boas recordações de um curso onde, para além do conhecimento, fez amizades e criou relacionamentos que “têm sido importantes tanto para os negócios como para a vida”. E ainda hoje mantém contactos com Geisenheim, universidade para onde é convidada para falar sobre Portugal e os seus vinhos e vinhas.

A selecção de plantas

Quando terminou o curso “não tinha vinhas nem empresa de vinhos”. Naquela altura era difícil arranjar emprego” no seu país natal, onde demorou algum tempo até as mulheres puderem fazer o seu caminho na área da enologia. Mas como já tinha paixão por Portugal, porque passava cá as férias a ajudar o pai, convenceu o primeiro marido, Thomas Lindemann, e veio em Fevereiro de 1993. Foi numa altura em que “o pai não estava nada feliz”, porque a actividade viveirista, que está sujeita a regras muito apertadas e depende subsídios que variam com os problemas económicos e políticos do país, estava em crise.

Os primeiros tempos foram intensamente dedicados aos viveiros, à selecção das castas, sua plantação e às necessárias microvinificações para avaliar o comportamento dos clones. O trabalho foi feito sob supervisão do Professor Colaço do Rosário que era, na altura, para além de docente da Universidade de Évora, o enólogo da Fundação Eugénio de Almeida. “Ele fazia trabalhos de selecção e observação, em parceria com o meu pai, e as microvinificações das plantas escolhidas”, conta Dorina Lindemann. “Cada vez que encontravam uma que achavam que tinha as condições certas, traziam-na para baixo, para ser plantada numa linha para observações do material no campo”, acrescenta. Foi também nesse período que conheceu o enólogo Paulo Laureano, com quem trabalhou em parceria durante muitos anos.

Entretanto, a paixão por fazer o próprio vinho manteve-se sempre, sobretudo espumantes. Os primeiros que fez, cerca de três mil garrafas, foram da colheita de 1996, engarrafadas de forma manual. “Fui, inclusive, buscar máquinas de colocar e tirar caricas à Alemanha, que um amigo nos emprestou, para fazer o processo e, depois, levámos tudo de volta”, conta. “Foi o início desta aventura”, acrescenta.

Quinta da Plansel
O enoturismo da Quinta da Plansel está decorado com obras de pintura e escultura colecionados por Hans Jörg Böhm.

Vinhos de castas portuguesas

Dorina Lindemann criou a adega e empresa Quinta da Plansel em 1997, ano em que comprou os primeiros depósitos e lançou o seu primeiro vinho feito nas instalações da Universidade de Évora, com o apoio de Paulo Laureano. “Fizemos aqui a escolha das uvas e lá os trabalhos da adega, de um vinho que já foi engarrafado com a marca Quinta da Plansel”, diz. Nos três anos seguintes lançou apenas esta referência, mas, depois, passou a colocar no mercado mais, entre elas o Dorina Lindemann, o primeiro vinho de topo da casa, feito com uvas da colheita de 2000.
“A ideia foi sempre produzir vinhos a partir das nossas castas selecionadas”, revela a produtora, acrescentando que foi por isso que decidiu lançar, em 2001, monovarietais de Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Barroca. Mas não os conseguiu vender em Portugal, porque a sua empresa “não era muito conhecida” num país ainda sem apetência suficiente para este tipo de vinhos. A solução foi virar-se para a exportação. Primeiro, para o seu país natal. Depois avançou para a Suíça, Luxemburgo, Polónia e Reino Unido, antes de começar a vender no continente americano e extremo oriente. “A diversificação de mercados é importante para o negócio e também me permitiu continuar a apostar nos monocastas”, explica.

Há cinco/seis anos, a exportação da Quinta da Plansel rondava os 75 a 80%. Hoje essa proporção baixou para 50%, “o que me ajuda muito”, diz. É sabido, o reconhecimento pelo mercado nacional tem reflexos positivos sobre as marcas de vinhos portugueses no mercado externo. “Era algo que eu não me tinha percebido antes, porque só queria fazer vinho, sem pensar muito na parte comercial”, revela a produtora, que confessa que ainda não tem, em Portugal, um responsável pela parte comercial e que, fora do país, esse trabalho é feito por si e agora também pelas suas filhas, Júlia e Luísa Lindemann.

É um trabalho importante, porque as três são as caras desta empresa familiar e o vinho é muito um negócio de pessoas. “É a nossa casa e temos de ser nós, mas é um trabalho muito desgastante”, revela, acrescentando que a importância desse trabalho de ligação com os clientes verifica-se em todas as provas e feiras onde participam. E como são relacionamentos que têm de ser cultivados para serem mantidos, é “um trabalho fundamental que temos de fazer”, salienta a produtora.

Quinta da Plansel
Trabalhos de etiquetagem e preparação das varas dos clones selecionados nos viveiros para conservação e expedição.

Adaptação às mudanças do clima

Hoje a Quinta da Plansel, que produz entre 350 e 400 mil garrafas de vinho por ano, tem uma gama variada onde se inserem também vinhos de lote. Isso talvez tenha facilitado o crescimento das vendas em Portugal, depois de muitos anos de insistência no lançamento de monocastas. “A minha ideia sempre foi mostrar o que Portugal tem de melhor, as suas variedades”, mostrando os vinhos que podem originar.

O nome Plansel, o da empresa, significa planta selecionada, ou seja, que os vinhos da marca têm origem em clones de vinhas da casa, com idades que podem ir até aos 25 anos, para as mais velhas. “Também usamos clones novos, como uma Trincadeira de bago mais pequenino, que não rebenta logo quando chove, que é a base de um monocasta muito interessante, verdadeiro, com notas de cassis, herbáceos”, conta Dorina Lindemann, acrescentando que a sua aposta foi sempre na sustentabilidade, nas plantas, na tipicidade da sua região.
Diz que ainda hoje mantém a procura de novas variedades, mais adaptadas às condições resultantes das mudanças climáticas, pois acredita que serão a salvação do sector vitícola nos próximos 20 a 30 anos. Uma das suas preferidas é a Touriga Nacional.

“Difícil de trabalhar na vinha porque é brava, cresce para todo o lado, tem muitos cachos e, por isso, custa muito dinheiro vindimar”, explica, acrescentando que “é, no entanto, resistente ao escaldão, tem tipicidade, uma grande personalidade e adapta-se a todos os tipos de terrenos, coisas que temos de ter em conta para o futuro”. Salienta também que, “para além disso, dá origem a bons vinhos, sobretudo em solos mais frescos que permitam abrir mais o volume e libertar aromas como as notas de violetas, sem serem doces demais”. Também aprecia, entre outras, a Touriga Franca que “dá origem a vinhos frescos, com grande personalidade”, salientando que tem em casa alguns com 10 anos, “cujas características principais não mudam”.
Hoje Dorina Lindemann tem 55 hectares de vinha dedicados à produção de vinho, sobretudo da casta Touriga Nacional, que representa 25 a 28% do encepamento, porque se porta bem na sua zona. Para além da Touriga Franca, tem Aragonês, Trincadeira, pouco de Tinta Barroca, “porque é atreita ao escaldão” e Alicante Bouschet, porque a sua filha Luisa “gosta muito”. Mas a empresa apenas está a criar agora o clone agora.

Quanto às castas brancas, diz que é fã de Viosinho, “uma casta muito interessante para o futuro, tal como a Loureiro”, gosta dos vinhos que está a fazer de Azal e de Verdelho, e quer experimentar plantar Rabigato e Arinto, “uma casta muito boa no Alentejo”. Já plantou castas que arrancou depois, “porque o clima está a mudar e os produtores têm de o fazer quando as plantas já não se adaptam bem ao local”. Mas mantém sempre a aposta nas castas nacionais, convicta que está de que o “berço das castas ibéricas é Portugal” e afirma ainda que tem “a certeza de que o país poderia ser considerado o melhor produtor de vinhos do mundo se soubesse contar bem a sua história e estórias das suas vinhas e vinhos”.

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)

Estive lá: Cícero, Um restaurante em forma de arte

Estive lá

No cosmopolita e multicultural bairro lisboeta de Campo de Ourique, o restaurante é um espaço deveras singular. Primeiro, porque se apresenta como um restaurante que é também uma galeria de arte, com muitos quadros e esculturas expostos de artistas do país irmão. Depois, porque se assume como um representante da cultura brasileira, unindo cores, formas […]

No cosmopolita e multicultural bairro lisboeta de Campo de Ourique, o restaurante é um espaço deveras singular. Primeiro, porque se apresenta como um restaurante que é também uma galeria de arte, com muitos quadros e esculturas expostos de artistas do país irmão. Depois, porque se assume como um representante da cultura brasileira, unindo cores, formas e sabores onde abundam as referências tropicais. Mais ainda, porque o espaço é dividido em três pequenas salas, Modernista, Contemporâneo e Origem, uma no rés do chão e outras duas na cave, cada uma delas com a decoração e ambiente distintivos, marcados pela cores fortes das pinturas expostas, assegurando, em qualquer delas, uma atmosfera acolhedora e intimista.

Por último, na proposta gastronómica que é, afinal, o mais relevante quando falamos sobre um restaurante. Pois é aqui que Paulo Dalla Nora Macedo, um dos co-fundadores do espaço, arriscou nesta nova versão do Cícero e foi buscar a Chef brasileira Alessandra Montagne, há 25 anos sediada em Paris, onde tem dois restaurantes e uma reputação já bem firmada. Num jantar de apresentação à imprensa, onde estivemos, foi visível como a Chef Alessandra, em conjugação com a Chef executiva residente, Ana Carolina, procuraram unir a técnica francesa, a inspiração de Cícero Dias na composição cromática das apresentações e uma fusão de ingredientes brasileiros e apontamentos portugueses.

Visando nitidamente o fine dinning e com preços condizentes a essa ambição,  Alessandra desenhou um menu rico e em alguns momentos surpreendente. Logo no amuse-bouche encantou com a crocância  do dadinho de tapioca. Nas duas entradas servidas gostei do contraste entre a suavidade do creme de cenoura e a salinidade da bottarga e sabores terrosos do velouté de cogumelos. Nos pratos principais, o carabineiro, irrepreensível com o risoto de cevada, cremoso como se impunha, pediu meças com o bacalhau fresco, couve e arroz negro. O prato de carne foi poitrine de porco, aipo e beterraba, e talvez porque a refeição já ia farta e longa terá sido o que menos me entusiasmou. Mas o desenho cromático da sobremesa, que a Chef Alessandra assumiu ter sido inspirada numa pintura de Cícero Dias, rematou com brilho o jantar.

Destaque ainda para uma carta de vinhos bem pensada, da responsabilidade do sommelier Rodolfo Tristão, com sugestões interessantes para além do óbvio, mas com preços  que não são meigos. Requintado restaurante, galeria multifacetada, tertúlia animada, o Cícero, na sua nova encarnação, tem muito para seduzir. Assim a bolsa o permita.

Cícero

Morada: Rua Saraiva de Carvalho, 171, Lisboa

Tel.: + 351 966 913 699

Site: https://cicerobistrot.pt/pt/home-pt/

Horário: De Domingo a Quinta das 19h15 às 23h45. Sextas e Sábados das 19h15 às 00h00

Preço médio: 90€

 

GRANDE PROVA: TOURIGA NACIONAL

Prova touriga

O painel de prova que levámos a efeito contou com a resposta de 46 produtores. Com a expansão que a casta tem tido em todo o país, este painel poderia ter 100 ou mais vinhos presentes, um sinal evidente que as qualidades que esta variedade apresenta podem expressar-se em climas e solos diferentes, sem perda […]

O painel de prova que levámos a efeito contou com a resposta de 46 produtores. Com a expansão que a casta tem tido em todo o país, este painel poderia ter 100 ou mais vinhos presentes, um sinal evidente que as qualidades que esta variedade apresenta podem expressar-se em climas e solos diferentes, sem perda de qualidade. Essa é também a marca das grandes castas, as tais que mudam de país, mudam de ares, mas produzem sempre bem e originam grandes vinhos. Nem é preciso ir mais longe. Basta pensar em variedades internacionais como Cabernet Sauvignon, Merlot ou Chardonnay para exemplificar o que estamos a dizer.

Uma grande variedade

Recordemo-nos, sucintamente, que o percurso da casta não foi fácil. Era assumida como uma grande variedade, nomeadamente no Dão onde integrou as experiências do Centro de Estudos de Nelas. Alberto Vilhena, à frente daquele Centro, levou a cabo entre 1958 e 88 muitas microvinificações que mostraram as enormes qualidades da casta e as potencialidades para gerar vinhos de guarda. Muito estudada depois pelos cientistas da vinha, como Antero Martins e Nuno Magalhães nos anos 70 e 80, a casta foi depois objecto de plantio em campos de ensaio em várias quintas, sobretudo na Quinta da Leda (Douro Superior), onde foram ensaiados 179 clones e se procedeu então à selecção dos melhores, posteriormente disponibilizados para a produção. Foi com esse estudo que se conseguiram bons resultados nas primeiras experiências feitas na quinta dos Carvalhais (Dão) em 1992, e depois nos primeiros produtores do Douro que se aventuraram a fazer vinhos que, para a época, eram uma verdadeira novidade para os consumidores. Muito rapidamente os produtores perceberam que tinham, em mãos, uma casta de elevado potencial enológico e logo de seguida ela começou a ser mencionada nas garrafas. As más-línguas vieram logo dizer que a Touriga Nacional era “a casta mais plantada nos contra-rótulos”, tal a frequência com que aparecia essa informação. Terá sido assim, no início, ninguém hoje duvida, mas a verdade é que a área de vinha de Touriga ganhou uma dimensão que a trouxe para o patamar das grandes castas nacionais.

Vejamos alguns exemplos. No Douro poderá ter começado “nos contra-rótulos”, mas adaptou-se de tal forma às condições da região que hoje ocupa 10% da área de vinha duriense, ou seja, 4 400 ha. E para ajuizar da valia da casta bastará dizer que, se se fizer uma escolha de grandes vinhos do Douro, sobretudo dos mais conhecidos topos de gama, o que mais frequentemente encontramos é tintos que resultam de um lote de Touriga Francesa com Touriga Nacional. Também existem muitos varietais da casta. Mas a ligação das duas Tourigas parece ser fórmula garantida de sucesso. Não esqueçamos que as variações de terroirs que o Douro tem, as variantes de exposição e altitude, originam vinhos de perfis diferenciados. Mais uma das características das grandes castas, camaleónicas por natureza.
Se o Douro é a região com mais área de vinha de Touriga Nacional, o Dão vem logo de seguida. Ali, onde a casta deverá (ainda sem certezas) ter nascido, a área de Touriga Nacional é de cerca de 2750 ha, qualquer coisa como 21,3% da área total de vinha. Por enquanto a Jaen ainda é a casta mais plantada (com 22,8%). A Tinta Roriz queda-se no terceiro lugar com 17,6% da área de vinha. Pelo crescimento que tem tido, a Touriga poderá vir a ultrapassar a Jaen num futuro próximo.

No Alentejo, o crescimento da casta tem sido constante, ainda que num ritmo moderado. Se em 2019 ela ocupava 1 416 ha, essa área subiu, em 2023, para 1 543 ha. Para se ter uma noção comparativa, a Touriga Nacional é actualmente a 5ª casta mais plantada no Alentejo. Em primeiro lugar temos a Aragonez, com 4 155 ha, seguida (por ordem decrescente) de Alicante Bouschet, Trincadeira e Syrah. Num quadro comparativo das áreas de vinha da região entre 2019 e 2023, percebemos que as principais castas têm tido um crescimento, ainda que moderado, e nota-se alguma quebra nas Castelão e Moreto. Onde a Touriga Nacional tem crescido mais é em Borba e Reguengos. Anotem-se mais duas informações de duas regiões. Em Lisboa a casta ocupa cerca de 500 ha e, segundo informação da CVR Lisboa, esse quantitativo tem-se mantido estável. Já em Setúbal, com uma área muito grande, que se estende do Montijo até Sines, a Touriga Nacional, que ocupa 258,38 ha, tem tido um crescimento, moderado, mas constante, de 11 ha por ano.

 

Se o Douro é a região com mais área de vinha de Touriga Nacional, o Dão vem logo de seguida.

 

Uma leitura da prova

O perfil dos vinhos de Touriga Nacional tem acompanhado o gosto dos consumidores e tem sido desafiante para os enólogos a missão de ultrapassar alguns constrangimentos inerentes à própria variedade. No primeiro tema – o gosto dos consumidores – a Touriga de hoje afasta-se bastante do perfil que tinha no início do século. Enquanto durou a “era Parker”, com o gosto moldado pelo crítico americano Robert Parker, a Touriga Nacional foi macerada, extraída e abusada de madeira nova. Vemos agora que era difícil captar-lhe todas as subtilezas com esse perfil, como o seu lado mais floral, e que o excesso de madeira nova em nada contribuía para uma melhor apreciação do vinho. Ao mesmo tempo que este estilo vigorava, os enólogos foram percebendo que algo de particular se passava com a Touriga Nacional, uma vez que ela tinha a capacidade de, já depois de engarrafada, desenvolver fenóis voláteis, o famigerado suor de cavalo. A casta é também muito rica em ácido felúrico e cumárico, que existem naturalmente nas uvas e são necessários para o metabolismo da bactéria Brettanomyces formar os fenóis voláteis. Por isso, o controlo dos níveis de sulfuroso e as filtrações são fundamentais para diminuir os riscos. Hoje o problema está ultrapassado para os produtores que aceitam os avanços e conhecimentos que advêm da ciência.

Desta prova podemos tirar algumas conclusões: que continua a haver espaço para variados tipos de tintos de Touriga Nacional, uns mais estruturados, ricos e cheios, e outros mais elegantes e finos; que o que mais se ajusta à casta é um moderado estágio em madeira nova, sendo preferível um amadurecimento em barrica usada, que tudo possa envolver mas sem marcar muito o vinho; que a qualidade elevada não é exclusivo desta ou daquela região. Os vinhos provados revelaram uma qualidade muito alta, com uma evidente vocação gastronómica, característica que, sobretudo em Portugal, convém ter sempre presente.

A Touriga veio para ficar e hoje não há quintal, por mais pequeno que seja, que não tenha a casta plantada. Estranho fascínio, quase hipnotizante, poder-se-ia dizer. Acreditamos que outras variedades não se importariam de ter o mesmo desígnio.

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)

 

 

Editorial Fevereiro: A Touriga, sempre

Editorial

Editorial da edição nrº 94 (Fevereiro de 2025) A incontornável Touriga Nacional é o tema central desta edição de fevereiro da GE, com uma prova de 46 vinhos.  “Uva bandeira de um país”, assim a titulamos na capa, epíteto justificado pela dispersão geográfica, pela adaptabilidade a diferentes solos e climas, pela personalidade vincada, pela qualidade […]

Editorial da edição nrº 94 (Fevereiro de 2025)

A incontornável Touriga Nacional é o tema central desta edição de fevereiro da GE, com uma prova de 46 vinhos.  “Uva bandeira de um país”, assim a titulamos na capa, epíteto justificado pela dispersão geográfica, pela adaptabilidade a diferentes solos e climas, pela personalidade vincada, pela qualidade que empresta aos lotes e varietais, pela notoriedade internacional.

Não sendo uma casta consensual, qualquer profissional do vinho, questionado sobre qual a uva tinta mais bem posicionada para representar o Portugal vitivinícola, dificilmente encontrará outra que não a Touriga Nacional. E, no entanto, a forma como o sector a tem encarado ao longo das últimas décadas é quase bipolar, com surtos de amor e ódio, num dia elevada a salvadora da pátria, noutro acusada de castradora da diversidade vitivinícola do País. Eu próprio já olhei para ela de diferentes formas em distintos momentos.

Por exemplo, em 2006, soaram os alarmes. Na prova de Touriga Nacional que fizemos, para enorme surpresa, os vencedores vieram do Alentejo. Antevi futuras desgraças, escrevi que o Alentejo nada ganharia em ter Touriga nos vinhos mais ambiciosos, que ficariam iguais a tantos outros de Portugal. E defendi a inutilidade da coisa, face à qualidade e carácter de variedades como Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet, entre outras.  As previsões alarmistas não se confirmaram. Não apenas a Touriga não dominou as castas autóctones, como ela mesmo se “aculturou”: um Touriga alentejano (varietal ou blend) continua a cheirar e a saber a Alentejo.

Em 2011 a coisa era mais grave: a Viniportugal decidira que os vinhos portugueses deveriam ser promovidos internacionalmente sob a égide da Touriga Nacional, emulando os binómios Argentina/Malbec ou Chile/Carménère. Discordei veementemente, claro. E apontei, entre muitas razões, a desvalorização do conceito de região e de blend, a colagem a um conceito novo mundista de casta, o passar da mensagem errónea de que os melhores vinhos portugueses dizem Touriga Nacional no rótulo. Felizmente, um ou dois anos depois a Viniportugal alterou a estratégia e a catástrofe prevista não aconteceu.

Em 2016, afastado o receio da “tourigação nacional”, a minha reconciliação com a casta começou a tomar forma, à medida que, na vinha e na adega, se trabalhava melhor com ela. Na prova de Touriga Nacional realizada nesse ano, aqueles vinhos super florais, perfumados, monocórdicos, davam lugar a tintos complexos, longevos e, sobretudo, com aromas e sabores onde se sentia mais a origem do que a uva. Quase uma década passada, a prova que este mês publicamos reforça esta percepção, pois não apenas é evidente a região além da casta, como o próprio perfil do vinho varia imenso consoante a abordagem vitícola e enológica de cada produtor.

Hoje, a posição da Touriga no vinho português é clara: espinha dorsal dos melhores lotes do Dão, parceira da Touriga Franca no Douro “moderno”, valor acrescentado sempre que solicitada em distintas regiões. Dito isto, não deixa de ser sintomático que, mesmo no Dão onde nasceu, raramente (ou nunca) o melhor vinho da casa é um 100% Touriga Nacional.

Olhando para a forma como a Touriga foi encarada ao longo destes últimos 20 anos, vemos que a casta desperta paixões, rejeições, aplausos e incómodos. Só as grandes uvas o fazem. A Touriga é exuberante, egocêntrica, dominadora, excessiva. Mas hoje sabemos domá-la, o que fazer com ela, que peso pode ou não ter no vinho que ambicionamos. Nenhum país vinícola se pode dar ao luxo de desprezar uma casta como esta. Tenhamos, pois, orgulho em afirmá-la e defendê-la, como defendemos a bandeira nacional, mesmo que não apreciemos muito as cores.

Os Melhores do Ano – Conheça todos os vencedores

Num evento onde centenas de protagonistas do vinho e da gastronomia se reencontram todos os anos — de produtores de vinho a chefs de cozinha, enólogos, viticólogos, sommeliers, comerciais, proprietários de restaurantes e outros profissionais da área — celebrou-se o que de melhor se fez em Portugal em 2024. Como sempre, a eleição dos vencedores […]

Num evento onde centenas de protagonistas do vinho e da gastronomia se reencontram todos os anos — de produtores de vinho a chefs de cozinha, enólogos, viticólogos, sommeliers, comerciais, proprietários de restaurantes e outros profissionais da área — celebrou-se o que de melhor se fez em Portugal em 2024.

Como sempre, a eleição dos vencedores foi um desafio para a equipa da Grandes Escolhas, por ser uma tarefa complexa e difícil devido à qualidade com que o sector presenteia o seu mercado. Mas há uma premissa que nunca fica por cumprir: procuramos sempre ter a máxima objectividade, rigor, isenção e profissionalismo possíveis, numa avaliação que tem, necessariamente, alguma subjectividade.

Aqui ficam Os Melhores de Portugal, lista que vai guiar tanto o consumidor menos experiente, como o enófilo mais conhecedor, na procura da escolha certa para os seus momentos com o vinho.

Consulte AQUI todos os premiados e veja as fotos do evento.

 

Falua: Celebrando três décadas

Falua

O Tejo, todos sabemos, tem paisagem variada e sempre, de uma forma ou outra, moldada pelo rio que lhe dá, não só o nome mas também a originalidade e o carácter. E para os que estão menos recordados do facto, a apresentação da Falua, empresa sediada em Almeirim, não podia ter tido o seu início […]

O Tejo, todos sabemos, tem paisagem variada e sempre, de uma forma ou outra, moldada pelo rio que lhe dá, não só o nome mas também a originalidade e o carácter. E para os que estão menos recordados do facto, a apresentação da Falua, empresa sediada em Almeirim, não podia ter tido o seu início em melhor local – a vinha do Convento -, uma parcela assente em solo de calhau rolado que nos lembra que há 400.000 anos estas terras faziam parte do leito do rio. E quem olhar desprevenido para esta vinha em que, no solo, só se vêem calhaus rolados, quase não acredita que seja possível aqui nascer alguma planta. Esta paisagem existe noutros locais do mundo, mas, em Portugal, só no Tejo se encontra uma área desta dimensão. A vinha do Convento começou por ter 15 há. Após a compra pelo Grupo Roullier, em 2017, plantaram-se mais 30 ha em 2019 e, como nos disse Antonina Barbosa, enóloga e gestora de todos os projectos relacionados com o vinho que o grupo tem em Portugal, a área de vinha irá ser alargada com mais 30 ha. Como reserva, a empresa ainda dispõe de mais 85 ha de terra em zona contígua.

O calhau rolado em terrenos muito pobres, e de fraca retenção de água (como é o caso), funciona como regulador de temperatura e obriga a planta a um sistema radicular mais longo, com evidentes benefícios em termos de complexidade. E, segundo nos confirmou, “esta originalidade é válida não só para tintos como também para brancos. Já o Fernão Pires que daqui sai é bem diferente dos que têm origem noutras zonas do Tejo”.

Desta forma, o mais natural é as celebrações terem começado na vinha onde, ao som do fado e dos petiscos preparados no local pelo Chefe Rodrigo Castelo, do Taberna ao Balcão (1 estrela Michelin, em Santarém), o grupo se inteirou das outras novidades, também apresentadas.

Um dos vinhos icónicos da Falua sempre foi o Conde Vimioso Reserva que, desde a colheita de 2000, é tributário da vinha do Convento. A estrela da noite comemorativa e o vinho mais aguardado era, sem dúvida, o tinto Conde Vimioso, edição que comemora os 30 anos da Falua. O vinho teve origem na colheita de 2005 e, após dois anos de barrica, estagiou 17 anos em garrafa. Foi elaborado com todas as castas da vinha do Convento: Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Aragonês e Trincadeira Preta, fermentadas e estagiadas em separado. O lote foi feito antes do engarrafamento e produziram-se 1877 garrafas magnum. Ainda segundo Antonina Barbosa, “este é um vinho que se confunde com a história da empresa, é um pedaço da história daquela vinha. Tirámos partido da enorme qualidade do vinho da colheita de 2005 e mantivemos estas garrafas guardadas à espera do momento certo. É agora!”

O grupo Roullier tem presença em inúmeros países e o departamento de vinhos em Portugal iniciou-se com a compra da Falua, a que se seguiu a aquisição da Quinta do Hospital em Monção, as quintas de Mourão e S. José, no Douro. Rui Rosa, administrador em Portugal, recordou que o Grupo Roullier está em Portugal desde 1994, por coincidência o mesmo ano da criação da Falua e que, além dos investimentos acima descritos, a empresa irá dar ao início do plantio de 36 ha de vinha em Vila Verde (região dos Vinhos Verdes). Ao todo, a Falua gere 300 ha de vinhas com mercados dispersos por 30 países.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)

Herdade da Cardeira: Uma revelação confirmada

Herdade da Cardeira

É impossível ficar indiferente à paixão com que Thomas Meier se refere a tudo o que acontece no projeto Herdade da Cardeira, localizado em Borba, que fundou em 2010 com a sua mulher, Erika. Fala-nos dos 100 hectares de terra, e detalha todos os respetivos cantos, descreve-nos com rigor a adega e pormenoriza os 21ha […]

É impossível ficar indiferente à paixão com que Thomas Meier se refere a tudo o que acontece no projeto Herdade da Cardeira, localizado em Borba, que fundou em 2010 com a sua mulher, Erika. Fala-nos dos 100 hectares de terra, e detalha todos os respetivos cantos, descreve-nos com rigor a adega e pormenoriza os 21ha de vinha. Individualiza cada casta, as nacionais e as estrangeiras, e lembra-nos que esteve quase para arrancar a Tinta Caiada, mas, agora, entende que pode vir a ser essencial na produção de vinhos com frescura e, sobretudo, carácter alentejano. É, em suma, o atual projeto de vida de um advogado suíço que já dedicou, no passado, a sua vida à tributação internacional. Agora, mais do que reestruturações financeiras e planeamento fiscal, pretende confecionar tudo o que a terra pode materializar. Coisas palpáveis, diz-nos, é o que mais pretende retirar da sua propriedade.

A conversa com Thomas é cordial, mas feita com precisão helvética. Relembra-nos que a produção com a marca da casa iniciou-se em 2016, já com Filipe Ladeiras como enólogo residente e Paulo Laureano como consultor e diretor. Diz-nos que, atualmente, são um pouco mais de 50 mil garrafas por ano, vendidas para os países cujos mercados melhor Thomas e Erika conhecem, como é o caso da Suíça e Luxemburgo. Mais recente, é a distribuição em Portugal que é, todavia, assumida como uma das prioridades para os próximos anos.

 

O objetivo de Thomas e Erika é só um: fazer mais e melhor a partir da sua terra.

Retorno emotivo

Mas voltemos à propriedade que fica situada em Borba, mais concretamente na freguesia de Orada. Para quem conhece a zona, falamos de uma extensão de terra a 400 metros de altitude, virada a norte, defronte da Serra de São Mamede, com a Serra de Ossa a sul. A sua localização e altitude explicam o vento e nevoeiro matinais, e os solos argilosos com muita influência calcária garantem vinhos com boa acidez.

A produção está em velocidade de cruzeiro, e a crítica tem sido uma grande surpresa. Vencedor, ex-aequo, do Prémio Revelação em 2023, viu, recentemente, o seu Verdelho da colheita de 2022 ganhar o destaque de melhor branco no prémio Escolha da Imprensa. O objetivo de Thomas e Erika é só um: fazer mais e melhor a partir da sua terra. Independentemente dos resultados financeiros, ambicionam um retorno emotivo, dizem-nos com convicção. Pois bem, provados os seus mais recentes vinhos tintos, e um espumante, e a julgar pela emoção que todos são capazes de provocar, temos a certeza de Thomas e Erika estão no caminho certo.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025

Enoturismo: Quinta dos Termos

Quinta dos Termos

O terroir da Beira Interior é um mosaico de riqueza e diversidade. Aqui, solos graníticos convivem com afloramentos xistoso que oferecem as suas particularidades ao néctar dos deuses que nasce das videiras. O clima desafiador, de pluviosidade “errática” e invernos rigorosos, testa a resistência das vinhas mas também as recompensa com um caráter único e […]

O terroir da Beira Interior é um mosaico de riqueza e diversidade. Aqui, solos graníticos convivem com afloramentos xistoso que oferecem as suas particularidades ao néctar dos deuses que nasce das videiras. O clima desafiador, de pluviosidade “errática” e invernos rigorosos, testa a resistência das vinhas mas também as recompensa com um caráter único e autêntico, conferindo-lhes uma acidez viva e aromas intensos. A vinha, moldada pela mão do homem, vive em simbiose com o ambiente. Os solos, ricos em minerais, transmitem aos vinhos a sua mineralidade e complexidade.
Entre as castas tintas que desabrocham neste terroir, destaca-se a Rufete, variedade que traz consigo elegância e robustez em perfeita harmonia. Nas castas brancas, a Síria e a Fonte Cal exibem um esplendor que reflete um equilíbrio quase poético no seu desenvolvimento vegetativo. É neste balanço delicado entre solos, temperatura e clima que os vinhos da Beira Interior encontram sua identidade singular.

A condução da vinha, muitas vezes em socalcos, é testemunho de um saber ancestral. A poda, a vindima e a vinificação são processos que se repetem há séculos, transmitindo, de geração em geração, o conhecimento e a paixão pela terra. As mãos que a trabalham carregam a sabedoria ancestral de gerações. É um conhecimento passado de pais para filhos, num ciclo contínuo de aprendizagem e respeito pela natureza. Cada garrafa de vinho é uma sinfonia de tradição e inovação, um testemunho do esforço humano e da generosidade da terra. É terra abençoada que pertence a uma região que olha para o futuro preservando as suas tradições e investindo em novas tecnologias. Os produtores locais, apaixonados pelo seu trabalho, procuram elaborar vinhos de alta qualidade, que reflitam a identidade da região e sejam apreciados em todo o mundo. Assim, a Beira Interior não é apenas uma região vitivinícola, é um símbolo de resistência e beleza, onde cada cálice de vinho conta uma história de dedicação, paixão e amor pela terra.

Quinta dos Termos

Saberes e os sabores da terra…

Na Beira Interior, a gastronomia é mais do que sustento, é uma ode ao território, onde cada prato carrega o peso da tradição e o sabor da terra. É aqui, entre montanhas imponentes e vales férteis, que o vinho e a culinária se encontram em perfeita harmonia, compondo um cenário que seduz o paladar e aquece a alma.

No coração desta região, o pão de centeio emerge como símbolo de resiliência e partilha. Assado em fornos de lenha, com casca firme e interior macio, é o companheiro fiel das refeições que celebram a autenticidade. As carnes, ricas e intensas, ganham também protagonismo na mesa beirã. O cabrito, assado em forno de lenha, temperado com ervas aromáticas e paciência, é uma experiência que dialoga com os tintos robustos da região, cheios de corpo e história. O borrego, cozinhado em caldeiradas ou grelhado de forma simples, encontra, nos seus vinhos elegantes, um parceiro ideal, onde taninos macios elevam o sabor natural da carne.O porco, com a sua versatilidade, marca presença em pratos como o bucho recheado ou os enchidos fumados, ricos em especiarias e tradição. Acompanhados por um copo de vinho encorpado, com notas de frutos maduros e especiarias, geram uma sinfonia gastronómica que enraíza o comensal no território.

E se a carne é o coração da região, os queijos são a sua alma. O Serra da Estrela, com a sua textura amanteigada e sabor inconfundível, é exaltado ao lado de um vinho branco fresco e mineral, cuja acidez equilibra a sua intensidade e prolonga o prazer de cada fatia. Os queijos de cabra e de mistura, com sabores ora suaves ora pungentes, são companhias perfeitas para os rosés, que lhes conferem leveza e brilho.

Sentar-se à mesa nesta região é viver uma experiência sensorial onde o vinho e a gastronomia se fundem, criando memórias que ultrapassam o momento. É sentir o pulsar da Beira Interior em cada garfada, em cada gole, numa dança perfeita de sabores que evocam as serras, as gentes e o legado de um território que encanta pelo paladar.
É uma cozinha de identidade, onde os saberes antigos encontram espaço na mesa moderna sem perder o sabor da tradição. É poesia que se mastiga e guarda na memória, um convite para retornar sempre. Foi neste quadro bucólico e cheio de mistério que decidi visitar a Beira Interior. E “mergulhei” num território de paisagens deslumbrantes, cultura enraizada e, acima de tudo, de vinhos que falam a língua da terra.

Nesta região de altitude, o vinho é mais do que um produto, é um testemunho vivo da relação entre o homem e a natureza, aprimorado por séculos de história e tradição. Quis viver essa história fazendo parte dela, e sentir as tradições usufruindo delas em toda a sua plenitude.

 

 

A visita à quinta permite provar os seus vinhos e entender o processo artesanal e inovador que os torna únicos.

 

Uma Quinta… geracional

Se há um motivo para escolher a Beira Interior como destino, é o encontro entre autenticidade e sabor. Numa tarde solarenga, dirigi-me à Quinta dos Termos, onde cada vinho é uma celebração da terra, do tempo e do talento. É o local perfeito para quem deseja, mais do que uma degustação, uma experiência inesquecível de qualidade e diversidade, com a alma que apenas as boas histórias podem proporcionar.

A Quinta dos Termos fica em Carvalhal Formoso, Belmonte, e é detida pela João Carvalho Family Estates, empresa de base familiar, produtora de vinhos na região da Beira Interior e no Douro. Possui ainda a Herdade do Lousial, Castelo Branco, na região da Beira Interior, e a Quinta do Pocinho, no Douro Superior.
A história iniciou-se em 1945, quando Alexandre Carvalho adquiriu a Quinta dos Termos. Ciente do seu potencial para a cultura da vinha, em meados da década de cinquenta decide reestruturar grande parte da área vitícola, preservando, ao mesmo tempo, algumas parcelas de vinhas velhas. Toda a produção era vendida nas tabernas da região.

Após um período de aluguer da propriedade, a gestão da Quinta dos Termos regressa novamente para a família em 1993, para as mãos de João Carvalho, filho de Alexandre Carvalho, que resolve dar corpo ao projeto de viticultura atual. Aliando a sua gestão às atividades de empresário têxtil e professor universitário, adquire novas parcelas de vinha e inicia novas plantações, aumentando a sua área até cerca de 60 hectares. Em conjunto com a sua esposa, Lurdes Carvalho, estuda e recupera muitas das castas históricas da Beira Interior, bem adaptadas aos solos graníticos pobres e ao clima agreste da região, para, desta forma, praticar uma viticultura sustentável.

Em meados da década de 2010, o negócio familiar é reforçado com a entrada da 3ª geração, Pedro Carvalho e Miguel Carvalho, que, juntamente com a 2ª, tem trabalhado no desenvolvimento de novos projetos, com forte componente experimentalista. Desta forma, em 2015 o grupo adquire a Herdade do Lousial, em Castelo Branco e, mais tarde, em 2019, faz a sua primeira incursão fora da Beira Interior, ao adquirir a histórica Quinta do Pocinho, em Vila Nova de Foz Côa, na região do Douro Superior. Neste período é ainda potenciado o enoturismo na Quinta dos Termos.

Os valores do grupo da Quinta dos Termos baseiam-se na valorização das castas autóctones e tradicionais de cada local, com um modo de produção orientado pelos princípios da sustentabilidade e da biodiversidade, com vista à criação de valor a longo-prazo para todos os agentes envolvidos, realça João Carvalho, atual proprietário. Atualmente, conta com cerca de 60 hectares de vinhas plantadas em solos graníticos, a uma altitude média de 500 metros. Nela cultivam-se 18 castas tintas, Touriga Nacional, Trincadeira, Rufete, Jaen, Tinta Roriz, Marufo, Tinto Cão, Alfrocheiro, Baga, Syrah, Petit Verdot, Sangiovese, e seis brancas, Fonte Cal, Síria, Arinto, Verdelho e Riesling, cujas uvas são trabalhadas pelo enólogo consultor, Virgílio Loureiro, e a enóloga residente, Ángela Marín. A adega segue técnicas tradicionais e da tecnologia moderna, e a vinha está certificada no modo de produção integrada, um contributo da empresa para a sustentabilidade.
A família Carvalho, movida por uma paixão inigualável pela terra e pelo vinho, iniciou este projeto com profunda reverência pela natureza e um desejo ardente de criar algo que transcendesse gerações. Cada membro trouxe consigo o seu talento e o compromisso único de transformar este sonho em realidade.

Lendas e mistérios…

A história deste lugar mágico começa com a visão audaciosa de transformar as terras da região num santuário de vinhas e vinhos excecionais. A visita à quinta permite provar vinhos de excelência e entender o processo artesanal e inovador que os torna únicos. Cada visita é uma oportunidade de explorar a essência da Quinta dos Termos, seja passeando por vinhas banhadas pelo sol ou ouvindo as histórias de quem faz do vinho uma forma de arte.

A dedicação da família em cada etapa do processo de produção, desde a escolha das castas até o envelhecimento dos vinhos, reflete um respeito profundo pelo terroir. Cada garrafa produzida na Quinta dos Termos não é apenas um vinho, é uma obra de arte líquida, uma expressão tangível da paixão e da tradição que a família defende incondicionalmente.
Foi neste quadro romântico e apaixonante que nasceu o enoturismo da Quinta dos Termos. É um local que transcende a mera visitação e se transforma numa verdadeira experiência de descoberta e contemplação. O atendimento é, aqui, uma arte refinada, onde cada visitante é recebido com uma hospitalidade calorosa e profissional, que faz com que todos se sintam parte da família. O cuidado nos detalhes, a atenção às necessidades individuais e o desejo genuíno de proporcionar uma experiência memorável são traços marcantes deste lugar. Cada encontro, cada conversa, revela uma paixão contagiante pelo vinho e pela terra que o produz.

As paisagens que cercam a Quinta dos Termos são um espetáculo à parte, de vinhas que se estendem por colinas suaves, pontilhadas por oliveiras centenárias e moldadas pela luz dourada do sol. É um cenário que convida à contemplação, onde cada vista, cada brisa, parece sussurrar histórias antigas e segredos guardados pela terra, lendas e mistérios ainda por contar.
A experiência enoturística vai, portanto, muito para além do vinho. É sobre a conexão humana, o respeito pela natureza e a celebração de um legado vinícola que atravessa gerações. E decorre num lugar onde o vinho é, mais do que uma bebida, é uma expressão de cultura, tradição e paixão, que reflete a alma destas terras magníficas.
Visitar este produtor e a sua adega é embarcar numa viagem filosófica e sensorial, onde cada momento é uma ode ao prazer de viver e ao esplendor da criação humana em sintonia com a natureza.

O queijo Serra da Estrela, os enchidos artesanais e o pão de centeio fresco, são algumas das iguarias que acompanham os vinhos desta casa.

Quinta dos Termos

 

Uma imersão nas experiências de turismo

A Quinta dos Termos oferece uma experiência de enoturismo que transcende o simples ato de provar vinhos. Este é um lugar onde a qualidade, a tradição e a autenticidade se unem, proporcionando uma imersão sensorial e cultural prazerosa para os amantes de vinho e da gastronomia. Começa no coração da propriedade, com a visita às vinhas. Estendendo-se entre os 400 e os 600 metros de altitude, as da Quinta dos Termos são cuidadas com rigor, respeitando o equilíbrio que confere às uvas o caráter único da região. Durante o passeio, os visitantes aprendem informações sobre castas autóctones como a Rufete, Síria e Fonte Cal, além das práticas sustentáveis que garantem vinhos de alta qualidade. É uma oportunidade para sentirem a conexão entre o solo, o clima e as vinhas, e compreender como contribuem para os sabores inconfundíveis dos vinhos da Quinta.

Seguindo para a adega, os visitantes têm a oportunidade para desvendar os segredos da vinificação. Na empresa, a tradição e a tecnologia coexistem harmoniosamente, num processo que combina práticas artesanais com inovação, realça Pedro Carvalho, responsável pelo Enoturismo da Quinta dos Termos. Durante o percurso explicam-se cada etapa, desde a fermentação até ao envelhecimento em barricas de carvalho, enquanto os aromas dos vinhos em maturação criam um ambiente irresistível, inebriante, que impele naturalmente a ficar.

O ponto alto da visita é a prova de vinhos, momento que celebra a essência da Quinta dos Termos. Em cada copo, encontra-se o reflexo do terroir da Beira Interior, com tintos robustos e aromáticos, brancos frescos e minerais, e rosés delicados, mas marcantes. Os vinhos são apresentados com paixão e conhecimento, através de histórias que revelam a ligação da quinta com a terra e a cultura local e regional.

Para tornar a experiência ainda mais completa, as provas podem ser harmonizadas com a gastronomia local. O queijo Serra da Estrela, os enchidos artesanais e o pão de centeio fresco são apenas algumas das iguarias que acompanham os vinhos, criando combinações que exaltam os sabores e reforçam a ligação entre o vinho e a tradição gastronómica da Beira Interior.
Na Quinta dos Termos, o enoturismo é muito mais do que uma visita, é uma viagem pelos sentidos e pelas histórias da região, salienta Pedro Carvalho, com um brilho nos olhos de quem adora o que faz. É o lugar onde o vinho se torna ponte entre o passado e o presente, onde a hospitalidade a beirã se traduz em momentos inesquecíveis. Para quem busca qualidade, autenticidade e uma experiência profundamente ligada ao território, a Quinta dos Termos é um destino obrigatório.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

 

 

 

 

 

CADERNO DE VISITA                                                                                                                                Quinta dos Termos

 COMODIDADES

– Línguas faladas: inglês, francês, espanhol

– Loja de vinhos

– Sala de provas com capacidade para 40 pessoas (provas de vinhos e refeições sob consulta)

– Esplanada – 50 pessoas

– Sala de eventos – 200 pessoas

– Diferentes atividades e refeições (sob consulta)

– Parque para automóveis ligeiros e três autocarros

– Provas comentadas (ver programas)

– Refeições (ver programas)

– Wifi gratuito disponível

– Visita às vinhas

– Visita à adega

EVENTOS

Eventos corporativos – sob consulta

Atividades team building – sob consulta

PROGRAMAS

Programa 1

Visita guiada à adega e degustação de três vinhos.

Individual e grupos

Duração: 1h

Preço: 10€

Programa 2

Visita guiada à adega e degustação de cinco vinhos com lanche (pão, queijos, presuntos e enchidos)

Grupos mínimos de 10 pessoas

Duração: 1h30

Preço: 15€

Programa 3

Visita guiada à adega e degustação de cinco vinhos com almoço ou jantar vínico (entrada, prato de carne, sobremesa e café)

Grupos entre 20-50 pessoas

Duração: 2h30h

Preço: 45,00€

CONTACTOS

Quinta dos Termos

Carvalhal Formoso

6250-161 Belmonte

Responsável pelo enoturismo – Pedro Carvalho

Email geral – info@quintadostermos.pt

Tel.: +351 275 471 070

www.quintadostermos.pt

Facebook @quintadostermos

Instagram @quintadostermos

 

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)