BARCOS WINES: Um Loureiro muito especial

Barcos Wines

Presentes no nosso País desde o século XIX, as acácias foram trazidas para Portugal como espécies ornamentais pela beleza da sua floração, destacando-se pelas suas flores amarelas de tom vivo, assim como pelo valor da madeira e dos taninos da casca, tradicionalmente usados no curtimento de peles. A sua madeira é muito resistente, durável e […]

Presentes no nosso País desde o século XIX, as acácias foram trazidas para Portugal como espécies ornamentais pela beleza da sua floração, destacando-se pelas suas flores amarelas de tom vivo, assim como pelo valor da madeira e dos taninos da casca, tradicionalmente usados no curtimento de peles. A sua madeira é muito resistente, durável e possui elevada quantidade de resina, tendo sido usada por diferentes culturas para produzir vários produto e sendo hoje amplamente utilizada para variadíssimos tipos de propósitos, incluindo mobiliário, utensílios de cozinha, construção de canoas e outros barcos, instrumentos musicais e, claro está, barricas para vinho.

No terroir único da sub-região do Lima, no Alto Minho, região dos Vinhos Verdes, o vale do Rio Lima é o território de excelência para a produção de vinhos brancos da casta Loureiro, situando-se entre os concelhos de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca. É uma zona com enorme influência dos ventos marítimos do Atlântico, devido à sua proximidade do mar (cerca de 40 km), com elevados níveis de precipitação durante o período de crescimento e solos graníticos e férteis. As temperaturas elevadas e índices significativos de humidade favorecem a maturação da uva, proporcionando vinhos frutados, de moderada graduação alcoólica, aroma delicado, mineralidade e frescura.

Desde 1963 que a Adega Cooperativa de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez cuida de um património único em todo o mundo, localizado no coração da região dos Vinhos Verdes, um território com mais de 2000 anos de história de viticultura. Da junção de dois dos seus nomes resultou “Barcos Wines”, empresa que continua a produzir os seus vinhos num modelo de cooperativa, com forte compromisso com a comunidade e mantendo vivas as raízes e tradições das terras a que pertence. Num território dominado pelo minifúndio, a Adega possui cerca de 800 associados, que representam 900 hectares de vinha em produção de uva, sendo que a média por agricultor não ultrapassa o hectare e meio.

José Antas Oliveira é o enólogo e director geral da Barcos Wines que, nos dias de hoje, representa 6,5 milhões de unidades vendidas, entre vinho engarrafado e Vinho Verde certificado em lata, agora que a região dos Vinhos Verdes entendeu a importância destes novos formatos e criou uma regulamentação específica para os acomodar, numa demonstração de pioneirismo e visão.

 

No terroir único da sub-região do Lima, no Alto Minho, região dos Vinhos Verdes, o vale do Rio Lima é o território de excelência para a produção de vinhos brancos da casta Loureiro

 

O Loureiro e a acácia

A Loureiro é uma das castas portuguesas com maior carácter floral. Elegante e aromática, produz vinhos de cor citrina e lembra, muitas vezes, flor de laranjeira, rosas e frésias, fruta citrina, limão principalmente, sempre com excelente acidez. E porquê a madeira de acácia? Neste caso a proveniente de florestas do Norte de França realça a fruta nos vinhos brancos, conferindo-lhes maior cremosidade e redondez, sem os taninos mais marcantes ou as nuances fumadas do carvalho, referiram Bruno Almeida e Patrícia Pereira, director de Marketing e directora de Qualidade da Barcos Wines. Um Loureiro que estagia em carvalho adopta “um perfil elegante, mineral e repleto de sabor, onde as leves notas de carvalho abraçam os aromas cítricos e florais da casta”, e, neste vinho, aporta “delicados aromas de especiarias e eleva a pureza dos aromas florais e cítricos da casta Loureiro, respeitando a sua essência e enriquecendo-a com maior complexidade e elegância”, acentuam. E foi assim que, em Lisboa, no espaço multicultural, charmosamente decadente, da antiga Fábrica de Pólvora do Braço de Prata, nos foi apresentado o vinho Acácia, da Barcos Wines.

Mas as coisas começam-se pelo princípio, ou pelo menos assim deve ser, e, nesse dia, começaram com o espumante Loureiro, feito pelo método Charmat (a segunda fermentação é feita em grandes tanques de aço inox em vez de ser em garrafa, como no método tradicional), um espumante jovial e frutado, de perfil cítrico, bolha fina e mousse suave, com acidez viva, seco e bem saboroso. É de salientar que a categoria espumante representa entre 20 a 30 mil garrafas de venda anual. Um número bastante considerável, portanto.

De seguida percorremos os varietais de Loureiro do universo Barcos Wines, desde o Loureiro Premium 2023, um vinho fresco, tenso e seco, onde a doçura não tem lugar, o Reserva dos Sócios 2018, vívido e envolvente, com elegantes notas da barrica de carvalho, o “vinho do Zé” (Zé Inconformado 25 anos, de 2021), sempre um destaque, um vinho bem estruturado com aromas de fruta de caroço, mel e baunilha, boa mineralidade e acidez, e o Inusitado 2021, um branco de curtimenta fermentado com as películas, seguido de um estágio em madeira de castanho, pleno de identidade, rico, sério e suculento. E eis-nos chegados à nova coqueluche da Adega, o Acácia Loureiro 2022, aquele que “(…) pode muito bem ser o nosso melhor Loureiro de sempre…”!, nas entusiásticas palavras dos seus responsáveis.

Barcos Wines

Estágio sobre “lias”

O estágio antes do engarrafamento, ou a ausência dele, é sobremaneira decisivo para moldar o perfil final de um vinho. Mais até do que a sua duração, é o material escolhido – madeira, cimento ou inox –, e o formato do recipiente – barrica, ânfora, ovo ou cuba –, assim como o seu tamanho, que, aliados ao terroir de origem, mais impactam e conferem ao vinho a sua identidade única.

Acresce que se o vinho estagiar sobre borras finas, ou, à francesa, sur lies, aumenta a sua   complexidade aromática e, sobretudo, a sua estrutura e untuosidade em boca.

As borras finas, para o leitor menos familiarizado com estas terminologias, são agentes naturais do vinho, leveduras que se depositam no fundo da barrica durante o estágio, mas que são regularmente trazidas à suspensão através de diferentes técnicas como revolver o vinho com um bastão, por exemplo, para que as ditas borras finas aumentem o seu contacto com o vinho e, assim, lhe confiram maior complexidade, produzindo um importante melhoramento sensorial através de um aumento de gordura, suavidade e volume.

Já cantava a saudosa Amália Rodrigues para nos deixarmos de francesismos em “Lisboa, não sejas francesa…”, e, desta feita, com a língua de Camões a não ajudar lá muito com a expressão “borras” (finas), optou-se pela inscrição no rótulo do Acácia “Sobre Lias”, afinal a Galiza é logo ali, e é praticamente uma extensão natural de Portugal, e da região do Minho em especial.

E ficou muito bem assim, diga-se.

No Acácia Loureiro, as uvas sofreram maceração pelicular e o vinho acabou de fermentar e depois estagiou 12 meses sobre lias, em barricas novas de madeira de acácia (uma barrica de 225 l de acácia e um barrica de 400 l de carvalho francês com tampos de acácia). Foram engarrafadas 795 garrafas numeradas, que repousaram durante 18 meses antes de serem lançadas para o mercado. Belos tempos, dinâmicos e ousados vive a casta Loureiro lá para as bandas do Minho nestes dias. Brindemos, pois!

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

Enoturismo: AdegaMãe

AdegaMãe

Ao longo das encostas suaves que descem em direção ao Atlântico, a região vitivinícola de Lisboa desenha-se como um corpo vivo que respira tradição, resistência e renovação. Aqui, onde o vento salgado do mar encontra as vinhas que se estendem como veias pela terra, o vinho não é apenas “bebida” – é memória líquida, um […]

Ao longo das encostas suaves que descem em direção ao Atlântico, a região vitivinícola de Lisboa desenha-se como um corpo vivo que respira tradição, resistência e renovação. Aqui, onde o vento salgado do mar encontra as vinhas que se estendem como veias pela terra, o vinho não é apenas “bebida” – é memória líquida, um gesto ancestral que persiste contra o tempo.
A região de Lisboa é uma joia que se revela em silêncios e detalhes. São nove as denominações de origem que compõem o mosaico vitivinícola — de Colares, com as suas vinhas rasteiras fincadas na areia e protegidas dos ventos marítimos por caniçais, a Bucelas, berço dos brancos vibrantes de Arinto, que já encantavam a corte inglesa nos tempos de Shakespeare.

Cada sub-região traz consigo um relato próprio, como se o vinho fosse um conto narrado pela boca da terra. Em Óbidos e Alenquer, o clima ameno e a diversidade de solos dão origem a tintos robustos e aromáticos. Já em Torres Vedras e Lourinhã, o legado se expande para além do vinho, com a produção de aguardente vínica certificada — uma raridade europeia que acrescenta camadas à identidade líquida da região.
Mas talvez o mais fascinante desta região esteja na sua capacidade de se manter fiel à essência, mesmo em tempos de globalização enológica. Há aqui uma filosofia implícita de resistência – preservar castas autóctones como a Ramisco ou a Vital é, ao mesmo tempo, um ato político e poético. Significa acreditar que o terroir — essa aliança mística entre solo, clima e mão humana — carrega uma verdade que não pode ser reproduzida em laboratório.

Ao percorrer as vinhas de Lisboa, o visitante atento não encontrará apenas belas paisagens ou vinhos bem pontuados. Encontrará, antes, um diálogo entre passado e futuro, entre natureza e cultura. Porque fazer vinho, aqui, é escutar o rumor da história que se infiltra no presente. É cultivar o tempo, como escreveu o filósofo Gaston Bachelard, e engarrafá-lo com a paciência de quem sabe que a pressa é inimiga da profundidade.
A região vitivinícola de Lisboa é, portanto, mais do que um território de produção: é um lugar de reflexão. Um espelho onde se pode ver o que somos — um povo que transforma adversidade em arte, que sabe colher beleza do chão árido, e que, entre goles e silêncios, ainda reconhece no vinho uma forma de dizer o indizível.

AdegaMãe

As nove faces de um terroir…

A Região Vitivinícola de Lisboa ergue-se como um corredor de memórias e ventos atlânticos, onde a vinha floresce entre brumas e colinas. Não é apenas um conjunto de nomes geográficos, mas uma constelação de identidades, cada qual com o seu caráter, a sua história, a sua filosofia líquida.
Alenquer, por exemplo, respira um classicismo aristocrático. As vinhas abraçadas pelas encostas da Serra de Montejunto criam tintos encorpados, de taninos firmes e alma quente, quase como se a terra ali tivesse memória de sangue e batalhas. Aqui, o vinho é um discurso sério, uma carta escrita à mão, com tinta escura e caligrafia firme.
Arruda dos Vinhos, mais discreta, é como um poema sussurrado. A sua localização mais interior afasta-a da influência direta do Atlântico, permitindo uma maturação mais calma das uvas. Os vinhos que nascem ali são equilibrados, de estrutura média, como quem sabe contar histórias sem levantar a voz — há uma elegância contida, uma sobriedade que conforta.
Já Bucelas, a norte de Lisboa, é um caso à parte. Conhecida desde os tempos romanos, foi exaltada por Shakespeare e Napoleão. É a terra do Arinto, casta que aqui atinge um fulgor quase metafísico. Os vinhos de Bucelas são como aforismos de Nietzsche: acidez cortante, frescura estonteante, longevidade quase eterna. É o vinho que pensa, que filosofa, que guarda silêncio com densidade.

Carcavelos, uma DOC quase desaparecida, é um suspiro do passado que resiste ao esquecimento. Entre o urbano e o litoral, entre o betão e a brisa, os vinhos fortificados de Carcavelos são feitos com a paciência do tempo. Doce, complexo, enigmático — como um manuscrito antigo resgatado das cinzas da modernidade.
Colares é, talvez, a mais heroica das denominações. As vinhas sobrevivem enterradas na areia, próximas do mar bravo, plantadas em pé franco, como quem desafia a lógica e a filoxera. Os tintos, feitos com Ramisco, são vinhos de tempo e temperamento, austeros e salinos, como um fado gravado em vinil gasto. Os brancos, por sua vez, têm a luz do Atlântico e a alma da resistência. Colares é um manifesto existencial.

AdegaMãe

Encostas d’Aire, partilhada com a região do Centro, é a transição, o limiar. Os vinhos que aqui nascem espelham essa condição: há diversidade, há contrastes, há a beleza dos lugares que não se deixam definir por uma só palavra. São vinhos que nos lembram que a identidade pode ser múltipla sem perder a essência.
Lourinhã, curiosamente, é uma DOC dedicada apenas à aguardente vínica. É uma exceção no país e uma ode à destilação como alquimia. A aguardente de Lourinhã é o espírito depurado da vinha — literal e metaforicamente. É o vapor transformado em ouro, é a filosofia líquida levada ao extremo: essência sem corpo, fogo sem labareda.
Óbidos revela outra face deste mosaico. Com influências atlânticas e uma tradição agrícola viva, os vinhos de Óbidos têm frescura, vivacidade, um certo encanto campestre. Os brancos, em particular, são notas de piano em manhãs de nevoeiro, e os tintos, embora mais contidos, mantêm uma tensão elegante — como quem dança sem querer ser visto.

E por fim Torres Vedras é a força produtiva. Antigamente associada a vinhos de volume, hoje renasce com uma nova consciência. Aqui, o trabalho do homem é visível na reinvenção. A diversidade de castas e solos permite estilos distintos, desde os mais simples até os mais ambiciosos. É o lugar onde a tradição se encontra com o futuro, onde o vinho começa a filosofar sobre si mesmo.

Sabores sentidos … nos livros de História

Na região vitivinícola de Lisboa, a gastronomia tradicional revela-se como um eco do tempo. Entre vinhas que respiram brisas atlânticas e colinas e se entrelaçam com a história, a mesa é sempre um lugar sagrado. Em Alenquer, o cabrito assado dança com tintos robustos; em Bucelas, o Arinto encontra sua harmonia nas caldeiradas delicadas; em Colares, onde o chão de areia resiste ao esquecimento, o peixe fresco e o vinho envelhecido em casco invocam o espírito da resistência. Cada prato é um território e cada copo, um testemunho de culturas que não se apagam, de um saber que é mais do que técnica: é pertença. Num tempo que valoriza a velocidade, estes sabores pedem pausa e contemplação, como quem entende que comer é, também, lembrar-se de onde se vem.

Mas Torres Vedras, onde se localiza a AdegaMãe, não é apenas um nome marcado nos livros de História por batalhas e linhas defensivas — é também território onde a memória se senta à mesa. No ventre da região Oeste, entre colinas suaves e vinhas generosas, a gastronomia tradicional Torreense resiste ao tempo como um prato que nunca esfria. Comer aqui não é apenas nutrir o corpo, é um ato de pertença, uma conversa silenciosa com o passado.
A cozinha de Torres Vedras é feita de gestos herdados. Cada receita, por mais singela, carrega um fragmento de mundo antigo. As feijoadas ricas, os ensopados fumegantes, as sopas espessas e os doces conventuais falam em voz baixa sobre um tempo onde tudo era aproveitado. O bacalhau — presença quase litúrgica na mesa portuguesa — ganha aqui interpretações comedidas, onde a cebola se confunde com azeite até se tornar quase doçura.

Mas é nos sabores da terra que a alma se revela com mais nitidez. O pão ainda nasce dos fornos a lenha, com a crosta marcada pelo fumo e a miolo guardando o calor como um segredo. As couves, batatas e feijões vindos das hortas de quintais humildes não são apenas ingredientes, são testemunhos vivos de uma ligação entre homem e chão que não se deixou quebrar.
E depois há os doces, esse capítulo à parte. Os “pastelinhos de feijão”, herdeiros de tradições conventuais, são exemplo de como o açúcar pode ser uma forma de eternidade. Pequenos bolos de aparência modesta, mas com interior denso, perfumado, quase místico. Em cada dentada, uma monja anónima parece sorrir através dos séculos.
Num mundo onde a cozinha se rende à pressa e ao plástico, a gastronomia tradicional de Torres Vedras é um exercício de resistência filosófica. Ela recusa o efémero e celebra o duradouro. Alimentar-se, aqui, é uma forma de respeitar o tempo. E talvez seja isso que a filosofia da mesa torreense nos sussurra: que o verdadeiro luxo é o que permanece, o que se transmite, o que se partilha com vagar.

Entre o aroma do pão quente e o brilho do vinho local, a tradição gastronómica de Torres Vedras não é apenas algo que se saboreia, é algo que nos saboreia de volta, porque ao degustarmos os seus pratos, somos também degustados pela história. E, de alguma maneira, voltamos a ser inteiros.
Neste quadro quase que idílico passei ao lado da Capital Portuguesa numa “pressa” desenfreada para chegar à AdegaMãe, em Ventosa, Torres Vedras, para ver um edifício que não se impõe, mas que observa e convida a observar.

O Bacalhau foi o mote, o vinho a paixão

No coração da região Vitivinícola de Lisboa, entre os ventos atlânticos e os solos férteis de Torres Vedras, ergue-se a AdegaMãe, não apenas como um edifício de linhas modernas entre colinas ondulantes, mas como uma ideia encarnada: a de que o vinho pode ser um ponto de partida, um ventre simbólico onde tradição e inovação se encontram num mesmo gesto criador.
Fundada em 2011 pela família Alves — também fundadora do grupo Riberalves (o Bacalhau) —, a AdegaMãe nasceu de um sonho antigo de erguer uma adega que celebrasse a herança histórica da região, fortemente marcada pela cultura da vinha e do vinho.

Erguida pela família Alves, fundadora do Grupo Riberalves, a AdegaMãe nasce, também, como homenagem à matriarca, Manuela Alves. E é, ao mesmo tempo, a inspiração para um espaço de nascimento, de criação, no qual se pretende potenciar as melhores uvas e fazer nascer os melhores vinhos.
O nome não é acaso: “Mãe” evoca origem, cuidado, nutrição. Fazer vinho, aqui, é um ato quase maternal, que exige paciência, escuta e entrega. Não se trata apenas de transformar uva em líquido, mas de acompanhar um processo de maturação onde cada decisão — da vinha à cave — carrega o peso do tempo e o eco do futuro.
Desenhada pelo arquiteto Pedro Mateus, ela insere-se na paisagem sem a dominar, como se procurasse dialogar com a natureza ao invés de impor. A AdegaMãe nasce do solo com a mesma humildade que caracteriza as vinhas que a rodeiam. Com linhas retas e volumes depurados, a construção parece prolongar-se no espaço como uma contemplação silenciosa da paisagem. O betão, o vidro e o aço coexistem num equilíbrio discreto, quase monástico, como se a própria arquitetura respirasse ao ritmo das vinhas.

Mais do que um edifício funcional, trata-se de um espaço onde a técnica e a estética dialogam. A adega está orientada segundo os princípios da gravidade, respeitando o percurso natural do vinho, desde a receção da uva até ao estágio em barrica. Mas é no modo como o edifício se abre ao exterior que reside a sua poesia maior. As amplas superfícies envidraçadas revelam o vinhedo em todas as direções, como se a paisagem fosse parte integrante da experiência do visitante, do enólogo, do vinho.
Lá dentro, o silêncio impõe-se com a solenidade de um templo. A cave de barricas, mergulhada numa penumbra quase litúrgica, convida à introspeção. A fermentação, esse milagre da natureza guiado pela mão humana, é aqui tratada com a dignidade de um ritual. Há uma espécie de espiritualidade moderna no modo como a arquitetura da AdegaMãe acolhe os elementos — a luz, o tempo, o vinho.
No topo, a sala de provas abre-se ao infinito. Não há janelas, há molduras. O olhar percorre o vale, toca as serras ao longe, escuta o vento que chega do Atlântico que se perde por entre os corredores de vinha. Aqui, provar um vinho é mais do que um ato sensorial: é uma experiência existencial. Cada copo contém um território, cada aroma evoca uma estação, cada trago é memória e promessa.

A AdegaMãe é, portanto, mais do que um espaço de produção — é um lugar de encontro entre o homem e a terra, entre a técnica e o espírito. A arquitetura não serve apenas o vinho, serve a ideia de que a beleza também pode, e deve, estar presente no gesto produtivo. Que o vinho, sendo cultura, merece um lar que o celebre com a mesma nobreza com que nasce.
No plano técnico, a AdegaMãe representa uma nova geração de vinhos portugueses comprometida com a qualidade e a autenticidade, mas sem medo de experimentar. Aqui combinam-se castas autóctones, como a Touriga Nacional ou a Vital, com variedades internacionais como Chardonnay, Syrah e Pinot Noir, resultando em vinhos que respiram mundo sem perder o sotaque da terra. A influência atlântica, marcada por dias amenos, noites frescas e solos diversos, imprime aos vinhos uma frescura e elegância que os tornam distintos, quase meditativos, sob a orientação do enólogo Diogo Lopes. A arte da enologia atinge uma expressão rara de precisão e sensibilidade. O seu trabalho excecional traduz-se em vinhos que respeitam o território, revelando com elegância a frescura atlântica e a complexidade do terroir desta região. É dele a visão que conduz a AdegaMãe por um caminho de inovação sem desviar da autenticidade — uma alquimia de saber e paixão que se prova em cada copo.

Mas talvez o traço mais filosófico da AdegaMãe esteja na sua postura em relação ao tempo. Num mundo acelerado, ela cultiva a lentidão. Os seus vinhos pedem escuta, não pressa. Pedem presença. Cada garrafa é um convite à contemplação, à pausa, ao retorno a uma forma mais sensível de estar no mundo. Como escreveu Heidegger, “a origem é aquilo que nunca deixa de nascer” — e a cada vindima, a AdegaMãe recomeça esse parto simbólico, lembrando-nos que o essencial se cultiva devagar.
Mais do que um produtor de vinhos, a AdegaMãe é um espaço, um território de pensamento. Um lugar onde a técnica serve ao sentido, e o comércio se curva à cultura. É, sobretudo, um lembrete de que o vinho, quando feito com verdade, é uma forma de dizer aquilo que a linguagem não alcança: o sabor do tempo, o mistério da terra, e o gesto amoroso de quem transforma o fruto em permanência.

O enoturismo… sensorial e contemplativo

Um nome que mais parece sussurro de ancestralidade do que marca comercial. A sua proposta de enoturismo transcende o simples ato de degustar vinho. É uma viagem sensorial e meditativa pelos caminhos do tempo, da terra e da memória.
O enoturismo na AdegaMãe é pensado como uma travessia que conjuga o rigor técnico com uma rara sensibilidade estética. A paisagem que a acolhe é o preâmbulo perfeito para o que se vai viver ali dentro. Ao chegar, o visitante é recebido por uma arquitetura que se funde com o território — linhas modernas em diálogo com a rusticidade das vinhas antigas. Há uma serenidade quase monástica nos percursos propostos, como se cada passo fosse uma oferenda à paciência das videiras, que crescem ao ritmo da natureza e do silêncio.

A visita começa com a paisagem. Diante das vinhas, o olhar perde-se entre linhas de videiras que seguem o ritmo ondulante do solo, marcado pela influência marítima que imprime aos vinhos da região uma frescura identitária. O guia não se limita a descrever castas e técnicas — partilha o espírito do lugar, como se cada cepa fosse uma personagem numa narrativa coletiva, feita de geologia, clima e mãos humanas, metáfora viva da espera, do cuidado e da finitude.

O percurso segue para o interior da adega, onde se acede às áreas de vinificação. O espaço é funcional, mas carregado de simbolismo. Cubas de inox alinham-se como sentinelas silenciosas, onde o vinho começa a tomar forma — não apenas como bebida, mas como expressão sensorial de uma paisagem. Cada fase da produção é apresentada como um rito de passagem: da fermentação ao estágio, da espera ao engarrafamento. Aqui, o tempo não é inimigo, mas cúmplice. É neste espaço que se escuta o murmúrio do vinho a fermentar — um som discreto, mas carregado de promessas. Aqui não se trata o vinho como um produto, mas como um ser em metamorfose – vivo, mutável, sujeito ao capricho das estações e ao gesto do enólogo.

 

AdegaMãe
Bernardo Alves, filho dos fundadores da empresa e Ceo da AdegaMãe

 

Luz contida e aromas lenhosos

Segue-se a sala de barricas, onde a luz é contida e o ar denso de aromas lenhosos. É um lugar que convida ao silêncio e à introspeção. O vinho, encerrado em madeira, parece meditar — ou sonhar. Quem percorre este espaço compreende que fazer vinho é, antes de tudo, um exercício de escuta. Escutar a uva, o ano, a madeira, o silêncio. Escutar, até que o vinho se revele.
A experiência culmina na sala de provas, realizada num espaço que se abre sobre o horizonte, onde a “linha do mar” se insinua entre vales. Cada copo oferece mais do que sabor: oferece um instante de contemplação. Os vinhos da AdegaMãe — brancos minerais, tintos elegantes, rosés subtis — são expressão de um terroir moldado pelo Atlântico, e de uma filosofia que alia ciência e alma. Provar é, aqui, uma forma de pensar. De estar presente.

Por fim, há ainda a loja e o espaço cultural, onde se contemplam garrafas com rótulos poéticos e se promovem eventos que cruzam arte, vinho e filosofia. Visitar este lugar é compreender que o enoturismo pode ser um ato de introspeção — e que beber um vinho, em silêncio, pode ser tão revelador quanto ler um poema ou contemplar a natureza. Provar é, aqui, uma forma de pensar. De estar presente.
Também, é possível almoçar ou jantar no restaurante “Sal na Adega” que combina a tradição culinária com a sofisticação dos vinhos atlânticos, criando uma experiência única para os amantes da boa mesa.

O restaurante destaca-se pela sua localização privilegiada, com uma vista deslumbrante sobre as vinhas que definem a paisagem da região. No menu, o bacalhau, ícone da cozinha portuguesa, assume um papel de destaque, acompanhado por outros produtos sazonais e locais, que refletem a riqueza da terra e do mar. A harmonização com os vinhos da AdegaMãe, conhecidos pela sua frescura e mineralidade, eleva cada prato a um novo patamar de sabor.
Além da experiência gastronómica, o “Sal na Adega” oferece um ambiente requintado e acolhedor, ideal para momentos especiais. O espaço inclui ainda um wine bar, onde os visitantes podem explorar os vinhos produzidos numa adega que não é um destino. É um intervalo no tempo onde o vinho serve de ponte entre o que somos e o que poderíamos ser. Onde o tempo desacelera, e onde o vinho — tal como a Mãe — nutre, guarda e devolve ao mundo algo mais inteiro.

O autor deste texto escreve segundo o novo acordo ortográfico

Caderno de visita

COMODIDADES

– Línguas faladas: português, inglês e espanhol

– Loja de vinhos: Sim

– Restaurante com lugar para 56 pessoas

– Bar com 16 lugares

– Sala de eventos para 120 pessoas

– Duas salas de reuniões

– Diferentes atividades e refeições (sob consulta)

– Parque para automóveis ligeiros: 50 Lugares

– Parque para autocarros

– Posto de carregamento de carros elétricos: Não tem

– Provas comentadas (ver programas)

Wifi gratuito disponível

– Visita às vinhas

– Visita à Adega

 

EVENTOS

Eventos corporativos (sob consulta)

Atividades team building: ações como provas de vinho e atividades como Winemaker for a day, a 80 €.

 

 PROGRAMAS

Horários das visitas (sujeitos a confirmação de disponibilidade): 10h30, 12h00, 14h30, 16h00 e 18h30 (Esta é apenas realizada em dias de jantar).

 Visita sem prova – 10€/pessoa

Duração: 30 a 40 minutos

 Provas

Duração: 30 minutos

 AdegaMãe Bronze – 18€/pessoa

Três vinhos: Dory Branco, Dory Tinto, AdegaMãe Reserva Tinto

AdegaMãe Silver – 25€/pessoa

Seis vinhos: Dory Branco, Dory Tinto, um Monocasta Branco, um Monocasta Tinto, AdegaMãe Reserva Branco, AdegaMãe Reserva Tinto

AdegaMãe Gold – 45€/pessoa

12 vinhos: Dois Dory colheita, um Bio ou Palhete, quatro Monocastas, dois  AdegaMãe Reserva, um Espumante AdegaMãe 221, um Vinho de Parcela

AdegaMãe Special Editions – 65€/pessoa

Seis vinhos: Um Espumante Rosé, três Vinhos de Parcela, dois AdegaMãe Terroir

 

PROVAS GASTRONÓMICAS

(Visita guiada incluída/Mínimo duas pessoas)

 Harmonização petiscos – 60€/pessoa

Seis vinhos e quatro petiscos. Duração: 90 minutos.

 Harmonização Sal na Adega – 85€/pessoa

Seis vinhos e quatro momentos.

 Brunch – 50€/pessoa

Várias iguarias e quatro vinhos. Duração: 90 minutos.

 

CONTACTOS

AdegaMãe

Estrada Municipal 554, Fernandinho

2565-841 Ventosa

Site: www.adegamae.pt

Email: geral@adegamae.pt

Tel.: +351 261 950 100

Restaurante e Enoturismo

Email: enoturismo@adegamae.pt

Tel.: +351 261 950 105

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

 

Altas Quintas: Azeites, borregos e um vinho com mel

Altas Quintas

O evento teve como objectivo apresentar, a um público diversificado (incluindo lojistas especializados, produtores agro-alimentares, jornalistas, Horeca), os novos lançamentos de algumas das empresas da família Leitão Machado, em particular da vinícola Altas Quintas e da Herdade de Vale Feitoso. Em destaque, dois azeites, a carne de borrego da raça Churra do Campo e um […]

O evento teve como objectivo apresentar, a um público diversificado (incluindo lojistas especializados, produtores agro-alimentares, jornalistas, Horeca), os novos lançamentos de algumas das empresas da família Leitão Machado, em particular da vinícola Altas Quintas e da Herdade de Vale Feitoso. Em destaque, dois azeites, a carne de borrego da raça Churra do Campo e um inédito vinho aromatizado com mel.

José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, convidado para abrir a sessão, referiu, em tom de lamento, aquilo que muitos não dizem, em nome do “politicamente correcto”: “às vezes, parece que temos de justificar a importância da dieta mediterrânica e referir que é património imaterial da humanidade. Às vezes, parece que temos vergonha de dizer que agricultores e caçadores não são inimigos do ambiente, antes pelo contrário, são seus cuidadores…”

Estava dado o mote para a interessantíssima palestra do Cónego José Manuel dos Santos Ferreira, apoiada pelas questões do jornalista Edgardo Pacheco (“mais acostumado a falar sobre assuntos terrenos”, como salientou), em torno do simbolismo do vinho, da oliveira, do azeite, do mel e do cordeiro, elementos centrais na cultura mediterrânica.

O valioso conjunto de telas alusivas à vida de São Jerónimo, que decoram a sacristia, serviram de tema de abertura ao Cónego, abordando a vida deste disseminador da fé cristã nos primeiros tempos do catolicismo, sem escamotear a sua personalidade “difícil, polémica e implacável”, como salientou. Passámos depois ao azeite e à oliveira, árvore austera, de vida longa, que simboliza a salvação e a prosperidade, inúmeras vezes usada como metáfora no Antigo Testamento, símbolo de paz desde há tempos imemoriais. Também o mel tem muitas referências bíblicas, apontado como fonte de energia e com propriedades curativas, ligado à suavidade e à sabedoria.

A palestra do Cónego José Manuel dos Santos Ferreira, apoiada pelas questões do jornalista Edgardo Pacheco, decorreu em torno do simbolismo do vinho, da oliveira, do azeite, do mel e do cordeiro, elementos centrais na cultura mediterrânica

 

Do vinho, ficámos a saber que já na tradicional refeição da Páscoa judaica, o Seder de Pessach, se consumiam quatro taças de vinho, simbolizando as quatro promessas de Deus aos israelitas. Na liturgia cristã, e na Última Ceia, Jesus deu-lhe nova essência, o cálice da bênção deixa de ser vinho e passa a ser o sangue do sacrifício, fundamental na eucaristia. Como acentuou o Cónego José Manuel dos Santos Ferreira, “não há missa sem vinho”.

Finalmente, o cordeiro. Antes do cristianismo, era símbolo da simplicidade e fragilidade da vida. Na cultura judaica, fez parte do rito sacrificial. E enquanto cordeiro pascal, tem profunda simbologia cristã. O rito do sacrifício desapareceu, mas o simbolismo não, continuando a ser consumido em muitas casas no domingo de Páscoa.

E podemos agora passar aos assuntos terrenos, nos quais, tal como Edgardo Pacheco, me sinto bem mais confortável, sobretudo para escrever sobre.

Altas Quintas e Vale Feitoso

A Herdade do Vale Feitoso, situada em Monfortinho, é uma das maiores propriedades privadas de Portugal, com 7.500 hectares de paisagens preservadas. A herdade tornou-se um extraordinário refúgio de biodiversidade, albergando uma imensidão de fauna e flora ibérica. Comprometida com a recuperação de diversas espécies animais em vias de extinção (o bisonte europeu é uma delas), tem vindo a apostar na produção de azeites, na caça sustentável (Sabor Selvagem é a marca de carne de caça da herdade) e na recuperação da ovelha Churra do Campo, raça de ovinos originária da fronteira entre a Beira Baixa e Espanha e de tal modo ameaçada, que a sua população em Portugal é inferior a mil exemplares, número, como foi salientado, inferior ao do lobo…

Vale Feitoso, em colaboração com um produtor e preparador de carne de ovelha alentejana, tem vindo a recuperar a raça e a comercializar esta carne (apenas se abatem machos, para garantir a reprodução consistente dos efectivos), cuja excelência pudemos comprovar no evento pela mão afinada do chef Vítor Sobral. A carne de borrego da raça Churra do Campo pode desde já ser adquirida nas lojas do El Corte Inglês.

Antes da refeição, no entanto, houve lugar a uma prova dos dois azeites agora lançados, orientada por Edgardo Pacheco. A Herdade de Vale Feitoso tem mais de 200 hectares de oliveiras centenárias, um património que Edgardo, profundo conhecedor da matéria, considera único: “Quando fui pela primeira vez a Vale Feitoso nem queria acreditar na dimensão do olival velho e na profusão de variedades de azeitona, dezenas delas, muitas completamente desconhecidas”, disse. Hoje, está a ser feito, com o Instituto Politécnico de Bragança, um trabalho de investigação e identificação destas variedades. Quanto aos azeites agora lançados, elaborados em lagar próprio, são provenientes de zonas distintas deste olival centenário e de azeitonas colhidas em momentos diferentes. Ambos da safra de 2024, o azeite Altas Quintas é mais suave e frutado, enquanto o Vale Feitoso, oriundo de azeitonas mais verdes e de uma parcela chamada Lavajo, é mais herbáceo, amargo e picante. Já à venda nas lojas especializadas, o primeiro custa €18 (500ml) e o segundo €20.

 

Também o mel tem muitas referências bíblicas, apontado como fonte de energia e com propriedades curativas, ligado à suavidade e à sabedoria.

Finalmente, o Melitvs. O rótulo lê-se Melitus e o conteúdo da garrafa inspira-se nos vinhos aromatizados com mel que eram comuns na antiga civilização romana. Trata-se do novo produto Altas Quintas, marca consagrada entre os vinhos do Alentejo, nascida na vindima de 2004. Propriedade da família Leitão Machado desde 2023, a Altas Quintas tem a sua vinha e adega nas encostas da serra de São Mamede, Portalegre, onde tira partido de um terroir influenciado pela altitude para produzir vinhos que conjugam qualidade e carácter. Atributos que não faltam ao Melitvs, que combina a frescura habitual dos brancos Altas Quintas com o mel biológico de Vale Feitoso, e que saiu das mãos dos enólogos António Ventura, Tiago Correia e Diogo Vieira.  Da colheita de 2024, foi feito com as castas Fernão Pires e Verdelho e estagiou depois numa ânfora de barro. O resultado é surpreendente, revelando um vinho delicado e intenso ao mesmo tempo, com o mel a dar leve doçura compensada por excelente acidez. Prazer, originalidade e história numa garrafa que custa uns módicos €14 (500ml).

Azeite, mel, borrego, vinho. Mais mediterrânico do que isto, é difícil. Como disse, no final do evento, Ricardo Leitão Machado, “somos o que comemos”. Assim seja.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

A Baga nas suas oito quintas…

baga

Com o Rio Mondego a Sul, o Rio Vouga a Norte, o Oceano Atlântico a Este, e as Serras do Caramulo e do Buçaco a Oeste, a Bairrada, região vitivinícola demarcada em 1979, tem hoje características únicas. Com uma predominância de solos argilosos, um clima temperado pelo Oceano Atlântico e o cultivo de castas autóctones […]

Com o Rio Mondego a Sul, o Rio Vouga a Norte, o Oceano Atlântico a Este, e as Serras do Caramulo e do Buçaco a Oeste, a Bairrada, região vitivinícola demarcada em 1979, tem hoje características únicas. Com uma predominância de solos argilosos, um clima temperado pelo Oceano Atlântico e o cultivo de castas autóctones como a Baga, o rio Cértima é a veia da região, que vai da ponta Sul até à maior lagoa natural da Península Ibérica, a Pateira de Fermentelos.

A Baga é a casta tinta, autóctone e predominante, que marca a identidade da região da Bairrada. Plantada em solos argilosos, com uma excelente exposição solar, produz em grande quantidade, cachos pequenos e com uma maturação tardia.
Destaca-se por produzir vinhos ricos em taninos, de elevada acidez, intensos na cor e com uma concentração elevada de aromas, que suportam bem o envelhecimento. É uma casta que dá destaque à região, com a produção de uma diversidade de vinhos, desde base de espumante, a vinhos rosé e, naturalmente, vinhos tintos.

A partilha do sentimento de admiração e paixão pela casta Baga e região da Bairrada, assim como as preocupações quanto ao seu futuro, levaram a que, em 2012, um grupo de produtores unisse forças e criasse os “Baga Friends”. O grupo, hoje constituído pelos oito produtores acima mencionados, mantém-se unido com o propósito de promover e reforçar a visibilidade da casta Baga para o mercado nacional e internacional e de contribuir para o prestígio dos vinhos produzidos na região. É um grupo heterogéneo que se complementa, onde cada um dos produtores cria vinhos diversificados, seguindo diferentes caminhos enológicos, procurando novas versões – mais clássicas ou modernas – mas mantendo sempre a ligação à autenticidade da região, à casta e à expressão da qualidade e seu potencial.
O Dia Internacional da Baga foi criado pelos Baga Friends aquando da celebração dos seus dez anos de existência, em 2022, e celebra-se, todos os anos, no primeiro sábado de Maio.

A Baga é a casta tinta, autóctone e predominante, que marca a identidade da região da Bairrada.

Variações sobre uma casta

Começámos os “trabalhos” cedo, pelo meio da manhã. O Patrão do Vadio, Luís de seu nome, tinha trazido uma novidade: o Finuum, que era nada mais, nada menos, que o vinho branco base do seu belíssimo Espumante Perpetuum, feito a partir de uma Solera iniciada em 2007. Este Finnum é produzido, pois, com algum vinho da colheita de 2021 e envelhecimento parcial biológico com véu-de-flor e estágio em solera. A semelhança com os Finos de Jerez é notória, mas menos intensa, e com os aromas e sabores transmitidos pelo véu de flor menos marcados, mais elegante e mais equilibrado. Será sempre óptima companhia para um saboroso prato de “Jamón de bellota”!

Trouxe mais dois vinhos, o Grande Vadio tinto 2017, que invoca a expressão máxima da Baga na Bairrada, definida pela elegância, frescura e capacidade de envelhecimento. Provém de vinhas de encosta, onde a exposição potencia melhores maturações e a Baga melhor se revela. Cada parcela é vinificada em pequenos depósitos, com remontagens manuais. Após a prensagem, os vinhos novos são transferidos de imediato para barricas usadas de 500 l onde ocorre a fermentação malolática e o estágio mínimo de 12 meses. O engarrafamento é mais precoce que o Vadio, a fim de manter uma maior definição de fruta e textura no tanino. No aroma revelou grande definição na fruta, onde se destacaram os frutos silvestres e notas balsâmicas típicas da Baga. O palato evidenciou grande harmonia e elegância, dominado por taninos delicados e acidez equilibrada. Já o Vadio tinto 2005, por sua vez, respeitando o estilo mais clássico da região da Bairrada, foi fermentado em pequenos lagares e envelheceu durante 18 meses em carvalho usado, e mais 18 meses em garrafa. Anualmente, 10% da produção do Vadio é guardada para um relançamento de uma edição 10 anos, com o objectivo de, segundo Luís Patrão, “poder demonstrar o potencial de envelhecimento dos vinhos produzidos a partir da casta Baga”, coisa que, passados 20 anos sobre este 2005, foi ampla e distintamente demonstrada.

“A Baga é intérprete de um terroir, tal como são o Nebbiolo em Barolo, ou o Pinot Noir na Borgonha. É também vector de promoção, afirmando um património cultural na defesa do bem comum”, diz François Chasans, da Quinta da Vacariça. François é caviste em Paris e, em 1998, provou um vinho da Bairrada que o levou a querer fazer vinho na região, no país de onde é proveniente a sua esposa. A Quinta da Vacariça tem cerca de 3 ha, com alguma zona de vinha velha e outras de plantação recente: 2 ha de vinha em Tamengos 100% Baga, 0,3 ha de vinha de 90 anos com variedade de castas autóctones brancas e tintas e 0,8 ha em Ventosa do Bairro. Francês da região da Normandia, François explora o seu terroir como se houvesse ouro dentro… “Para mim, é claro que o vinho se faz na vinha. Na adega, não uso nenhum produto, mesmo se autorizado em biodinâmica, com excepção de uma dose mínima de sulfitos. A vindima é manual em caixas perfuradas de 18kgs, o enchimento dos lagares e dos tonéis é feito por gravidade, as pigéages e remontagens são curtas e fraccionadas, e os estágios são de dois anos em foudre de carvalho. O engarrafamento é feito sem filtração, e o vinho estagia em garrafa durante 10 anos antes de ser comercializado. Também uso ovos de betão e ânforas de argila. Neste momento, estou a fazer ensaios para um vinho branco sem sulfitos e para um vinho laranja.” O produtor trouxe dois tintos, o Tonel 23 de 2011, e o 2015, que sairá para o mercado nunca antes de 2034 (!!!). Vinhos fantásticos. E “é disto que o meu povo gosta!”, já dizia o saudoso Jorge Perestrelo, nunca pensando, no entanto, que esta sua emblemática expressão pudesse ser aplicada a um vinho. Mas pode. Mesmo.

 

O Dia Internacional da Baga foi criado pelos Baga Friends aquando da celebração dos seus dez anos de existência, em 2022, e celebra-se, todos os anos, no primeiro sábado de Maio

 

Paulo Sousa, neto de Sidónio Sousa, que se iniciou na produção de vinho por volta de 1930, dedica-se a 100% à marca de vinhos que todos conhecemos, criada pelo seu pai em 1990, também Sidónio de seu nome. Hoje, são 12 hectares de vinhas próprias, em expansão, plantadas em solo argilo-calcário, em Ancas, na Bairrada. Provámos o espumante Special Cuvée 2022, feito de Baga, que se apresentou jovem e fresco, numa cor levemente rosada, frutado e com notas frutos secos, na prova teve uma bolha muito fina que se desfez graciosamente, dando muito prazer a beber. Dois tintos, ambos 100% Baga, o Reserva 2017 que apresentou boa acidez, típica da região, grande estrutura, taninos de qualidade, encorpado mas macio, e o Garrafeira 2017, um vinho superlativo em toda a sua extensão, dominado por notas de frutos silvestres e de floresta, extremamente elegantes, com taninos firmes e assertivos mas sem nenhuma aresta, um verdadeiro luxo e muita classe. Vinhas centenárias, repletas de castas autóctones, onde predominam a Baga e a Maria Gomes, plantadas em solos pedregosos e pobres, a matéria-prima é escassa, mas extremamente preciosa. Os solos de natureza calcária, que permitem a elaboração de vinhos únicos e inconfundíveis, ajudam à retenção da acidez natural e, transmitindo frescura e mineralidade, contribuem para a autenticidade, singularidade e complexidade do produto final.

Novos e antigos

E isto pode muito bem ser a definição dos vinhos Giz, de Luís Gomes, o mais recente membro dos Baga Friends. Um projeto empreendedor, que tem como foco principal a recuperação de vinhas antigas e tradicionais (salvando-as do desenraizamento) e a produção de vinhos autênticos em solos de natureza calcária, lembrando giz. Trouxe uma novidade, o seu mais recente espumante, belíssimo por sinal, o Giz Cuvée de Noirs 2018 Late Release, feito de Baga, com 60 meses de estágio, e dois tintos já nossos conhecidos, o Giz Vinhas Velhas 2021 e o Giz Vinha das Cavaleiras 2020, ambos de Baga, ambos de cheios de carácter e sentido de terroir.

O famoso “Mário Sérgio das Bágeiras” não veio desta vez. Veio o seu filho Frederico, e muito bem, diga-se de passagem, pela garantia de continuidade do projecto e do conceito deste produtor, orgulhoso vigneron, que nos vinhos não utiliza outras uvas que não as das suas vinhas, cuidadas com esmero ao longo do ano. Trouxe três vinhos: o já clássico espumante rosé de Baga, engarrafado no ano seguinte à vindima, que neste caso foi 2022, e sendo um Bruto Natural não teve qualquer adição de açúcar no licor de expedição; uma novidade, o Pai Abel rosé 2022, sempre de louvar quando os vinhos rosés são pensados, e feitos, como um “vinho à séria”, perfeitos para acompanhar uma refeição do princípio ao fim, como, por exemplo, uma Alheira do Fiolhoso com grelos salteados; e o já icónico Bágeiras Garrafeira tinto, na sua edição de 2020.

Filipa Pato também trouxe três vinhos, o Roleta Russa rosé 2023, a sua primeira experiência em vinho tranquilo rosé com a casta Baga, ligeira maceração pelicular, envelhecido seis meses em cascos de 500 e 600 litros, apresentou uma cor rosa com laivos alaranjados, aromas cítricos e alguma fruta vermelha, estrutura fina, taninos suaves, e uma alma profundamente mineral dos solos de calcário da era Jurássica. Complexo e refrescante, outro excelente rosé, outro “vinho à séria”, para acompanhar uma refeição de cozinha asiática ou umas tradicionais sardinhas grelhadas. Sem medos. Também veio um tinto, o Post Quercus Baga Bio 2023, sem madeira, feito em ânforas de barro. Um tinto com taninos muito macios, que expressa a pureza da fruta da casta Baga. E um vinho muito singular, o Espírito de Baga, um vinho fortificado, à moda dos vinhos do Porto Vintage, intenso e estruturado, mas sedoso, fresco e muito vivo, graças à acidez natural da casta e da região, e que deu imenso prazer a beber. “Na Bairrada, a Baga é a casta que melhor respeita o local e o Homem que a molda”, diz Filipa Pato

Já Luís Pato, por sua vez, trouxe alguma artilharia pesada, porque, como diz um nosso amigo comum brasileiro, “Festa é coisa séria!”. Vinha Pan e Vinha Barrosa, ambos de 2015, Vinha Pan 2020, e o espumante Vinha Pan 2015. “Não uso herbicidas e pesticidas nas vinhas, e reduzi o uso de produtos à base de cobre, substituindo-o pelo ozono. Alguns vinhos são produzidos sem o uso de sulfitos, sem colagem ou filtragem, e são elaborados exclusivamente com leveduras indígenas, tanto tintos, como brancos, e agora também na produção de espumantes. Os vinhos tintos da casta Baga não ultrapassam um total de sulfitos de 40mg/l …Bem abaixo dos 80mg/L dos vinhos biológicos”, acentua o decano dos Baga Friends. Os tintos apresentaram-se em grande forma, ricos, complexos, joviais até, mas muito sérios e de grande classe, tal como o espumante, feito de Baga, sem sulfuroso nem adição de açúcar, complexo, profundo, com leve oxidativo, grande estrutura e finesse.

Por último, a Quinta de Baixo, do universo Niepoort, brindou-nos com três edições do seu magnífico Poeirinho Garrafeira: 2012, 2015 e 2018. “Fala se muito no terroir: a Bairrada é muito especial, com qualidades únicas. Mas ainda mais especial é a brilhante combinação da Bairrada com a excêntrica e genial casta chamada Baga”, disse um dia Dirk Niepoort, e não podíamos estar mais de acordo.

E não podia faltar a Cuvée Baga Friends como é óbvio, na sua edição 2015, sempre em formato magnum, e onde cada um destes produtores contribui com uma barrica de um vinho seu para compor o lote final. Querem o coração e a alma da Bairrada num copo? Pois aqui está!
E assim demos por finalizados os “trabalhos matinais” e, finalmente, pudemos dedicar-nos aquilo que as gentes do vinho gostam verdadeiramente: sentar à mesa, boas e longas conversas, com boa comida e boas garrafas de vinho! Voilá!

Não seria justo se não escrevesse umas palavras para o local onde decorreu esta prova e almoço: o Parra Wine Bistro, na Rua da Esperança, em Lisboa. As paredes são um misto de tijoleira romana à vista e blocos de mármore rosa de um antigo talho que ali funcionou em tempos, tudo preservado. Frigoríficos repletos de (boas) garrafas de vinho, assegurando as diversas temperaturas de serviço, copos de qualidade, hall of fame das garrafas vazias ali bebidas em redor das paredes, tudo a contribuir para um grande ambiente vínico. E a comida, claro, criações do Chef residente num misto de produtos tradicionais portugueses com influências do mundo, num claro reflexo do ambiente cosmopolita da cidade de Lisboa hoje em dia. Arrisco mesmo dizer, sem nenhum receio, que o Tártaro de vaca com gema de ovo curada e filete de anchova, em pão croissant, um dos ex-libris do Parra Wine Bistro, será presentemente uma das melhores iguarias que se pode comer na cidade. E que bem que combinou com Baga! Brindemos, Pois!

baga

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

20 anos de Quinta Nova Vinha Centenária

quinta nova

Recordo-me bem, corria o início de verão de 2007, de chegar pela primeira vez à Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo. A propriedade, que até dois anos antes fazia parte do portefólio da J.W. Burmester, era uma típica quinta do Douro produtora de Vinho do Porto. Totalmente típica não…, pois a sua dimensão numa […]

Recordo-me bem, corria o início de verão de 2007, de chegar pela primeira vez à Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo. A propriedade, que até dois anos antes fazia parte do portefólio da J.W. Burmester, era uma típica quinta do Douro produtora de Vinho do Porto. Totalmente típica não…, pois a sua dimensão numa das melhores zonas no Cima Corgo – 120 hectares ao longo de 1,5 km de rio – era bem superior ao habitual na região. À frente da quinta estreava-se Luísa Amorim e, já nesse tempo, bastavam pouco minutos de conversa para concluir que muita coisa iria mudar na propriedade. E mudou!

A propriedade combina agora uma imaculada adega topo de gama e uma unidade de turismo de luxo com 11 quartos

Referenciada desde a primeira demarcação pombalina, em 1756, a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo foi propriedade da Casa Real Portuguesa até 1725, e tornou-se uma “quinta nova” pela junção de duas quintas (o que explica a sua dimensão). Durante os séculos XVIII e XIX, viveram na quinta várias famílias portuguesas que mantiveram vivas a produção de uva e vinho, fruta e azeite. Mais recentemente, já no século XX, produzia exclusivamente uvas para Vinho do Porto. Quase vinte anos volvidos da primeira vez que lá fomos, basta olhar de cima, na estrada que serpenteia e circunda a propriedade, para notar que muito mudou na Quinta Nova. Desde logo, no que respeita ao edificado, principescamente restaurado, e albergando um dos melhores hotéis da região do Douro, inserido na prestigiada insígnia Relais & Châteaux. A propriedade, que era exclusivamente agrícola e vitícola até chegar às mãos de Luísa, combina agora uma imaculada adega topo de gama e uma unidade de turismo de luxo com 11 quartos (para a qual há um projeto de expansão, mas que, por enquanto, está no segredo dos Deuses) e um restaurante. Antes de chegarmos à casa senhorial que alberga o hotel, encontramos um conjunto de edifícios tradicionais com largas portas de madeira por onde, no passado, passavam as pipas de Vinho do Porto para os carros de bois. Hoje, esse espaço acolhe um wine bar lindíssimo, com os melhores copos disponíveis no mercado. Foi aí que tivemos a oportunidade de percorrer a prova vertical dos dois topos de gama batizados de Vinha Centenária.

Mas voltemos alguns anos atrás, regressando a 2007. Foi nesse início de verão que provei vários lotes dos primeiros vinhos DOC desta quinta, na altura quase todos da colheita de 2005. Provei-os numa adega bem diferente e mais modesta que a atual. Logo no início, após a separação da quinta da marca Burmester, quem começou na enologia foi Rui Cunha, apesar do pouco tempo disponível que as suas consultadorias lhe permitiam. Nesse ano de 2007, foi já Francisco Montenegro, enólogo da quinta até 2010, quem nos deu a provar o Grande Reserva 2005, um tinto magnífico com Touriga Nacional e alguma vinha velha, um vinho que, provado agora em vertical, continua em grande forma. Entretanto a área de vinha aumentou e, atualmente, já após replantações, a quinta tem uma mancha única de 85 hectares de vinha, toda ela tinta. Hoje, a produção ascende a 650 mil garrafas, grande parte centrada na gama premium, num posicionamento propositalmente alto e ambicioso, diz-nos Luísa Amorim.

Mudança e evolução são uma constante nos projetos chefiados por Luísa Amorim. Mas uma coisa mantém-se, ainda que se ajustando à passagem do tempo: os icónicos Vinha Centenária

 

As vinhas antigas

Aos comandos da enologia desde a colheita de 2011 e até março de 2025, tem estado Jorge Alves, que tem contado com a preciosa ajuda de Duarte Costa e Sónia Pereira. Como acima dissemos, muito, muito mesmo, mudou nesta magnifica propriedade da margem direita do Douro. Dir-se-ia até que mudança e evolução são uma constante nos projetos chefiados por Luísa Amorim. Mas uma coisa mantém-se, ainda que se ajustando à passagem do tempo: os icónicos Vinha Centenária.

Com efeito, se algo não mudou foram as vinhas mais antigas da propriedade que, sendo um património invulgar, foi preservado pelos cuidados da viticóloga Ana Mota, que conhece a propriedade e as vinhas como ninguém. Algumas dessas vinhas remontam da primeira plantação monovarietal na região do Douro, que resultou de um estudo realizado entre 1979 e 1981, em conjunto com o Ministério da Agricultura. À época, foram selecionadas três parcelas em patamares com as melhores exposições solares para a plantação de três grandes castas tradicionais, Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz. É, pois, desta iniciativa pioneira que nascem as duas referências ícones, primeiro denominadas de Grande Reserva e, desde a colheita de 2018, de Vinha Centenária. A primeira colheita foi em 2005 a partir de Touriga Nacional. A versão com base em Tinta Roriz surgiu em 2008. Existem outros topos de gama da propriedade – caso do Aeternus (homenagem familiar ao empresário Américo Amorim) e do Mirabilis – mas são os Vinha Centenária que continuam a ser o retrato do terroir que os viu nascer e acomodam, em si, a história da modernização do Douro e todo o passado da Quinta Nova.

Sucintamente, o Vinha Centenária Ref P29/P21 provém, como o nome indica, da Parcela 29 plantada com Touriga Nacional entre os 170 e os 205 metros de altitude, e da centenária Parcela 21. Já o Vinha Centenária Ref P28/P21 resulta da Parcela 28 plantada com Tinta Roriz entre os 205 e os 210 metros, e novamente a vinha centenária Parcela 21. As parcelas 29 e 28 são muito pequenas – 1,65 e 1,96 hectares, respetivamente – e a vinha velha, em co-plantação com Donzelinho Tinto, não ultrapassa os 3,5 hectares. Com produções médias entre 2500 e 2700kg por hectares não admira que no mercado não sejam lançadas mais do que 5000 garrafas de cada vinho. As uvas sempre foram 100% desengaçadas para ambos os vinhos, estagiando numa média de 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Nota final para a enorme qualidade de ambos os vinhos na edição de 2021, comprovando a qualidade do ano (mais fresco que o habitual) e uma enologia cada vez mais de precisão e contenção.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Vertical: Quinta Nova Grande Reserva/Vinha Centenária Ref.ª P29/P21

18,5 A

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2005

Muito fruto negro e encarnado, sente-se o ano quente com notas de compota, profundo, floral maduro e tabaco doce. Cremoso em boca, alcaçuz, tanino vivo, firme, madeira harmoniosa. Dá grande prova, mas tem ainda alguns anos pela frente. (14%)

19 B

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2007

Aroma jovem e intenso, com muito brilho na cor. Revela no nariz muito fruto, negro e azul, barrica de qualidade, tudo ainda a evoluir bem. Muito intenso em boca, fruta em camadas, leve chocolate sedutor, termina capitoso e muito jovem. (15%)

18,5 A

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2008

Aroma plenamente silvestre com notas a floresta e chão de bosque, fruto azul, turfa. Sente-se a frescura do não em boca, floral aberto, fruto encarnado, mas já bastante redondo e sedutor, talvez no seu ponto ótimo para ser bebido. (14,5%)

19 A

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2012

Muito bem no aroma, latente, sério, ameixa fresca, urze, grande integração e equilíbrio. A prova de boca segue o mesmo perfil, saboroso e redondo, muito especiado e complexo. Ótima fase de consumo, está agora no seu melhor! (14%)

18,5 B

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2013

A cor e o aroma denotam juventude. Fechado e misterioso no nariz, levemente químico, abre para notas balsâmico e alcaçuz. Muito tanino em boca, intenso e espigado, cheio de garra, meio-corpo em boca, mas com alguma frescura e muitos anos pela frente. (14%)

18,5 A

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2015

Aroma jovem, com a barrica a sentir-se na frente, secundada por fruto maduro em camadas, floral aberto, grafite, e chocolate preto. Muito bem em boca, largo e lácteo, com muito sabor, longo. Vai continuar a evoluir, mas a dar já grande prova. (14%)

18,5 B

Quinta Nova Grande Reserva tinto 2017

Aroma fantástico, com muita fruta encarnada, barrica impecável, especiados vários, e perceção de frescura. Muito intenso em boca, tanino maduro robusto, granulado e longo, é um vinho de porte aristocrático com futuro pela frente. (14%)

18,5 B

Quinta Nova Vinha Centenária Ref.ª P29/P21 tinto 2018

Aroma muito bonito, com fruto azul (mirtilo e amora), perceção frescura, profundo e balsâmico. Muito sabor em boca, revela-se jovem e com garra, ligeiramente menos concentrado, com a Touriga Nacional a marcar o conjunto magnífico. (14,5%)

19 B

Quinta Nova Vinha Centenária Ref.ª P29/P21 tinto 2019

Muito bem no aroma, todo jovem e profundo, químico (tinta-da-china), fruto negro, leve grafite. Prova de boca com muito sabor e potência, intenso com notas de alcaçuz e alcatrão, termina já longo, apesar de ter muito para crescer. (14,5%)

18,5 B

Quinta Nova Vinha Centenária Ref.ª P29/P21 tinto 2020

Fechado aromaticamente nesta fase, abre para notas latentes de fruta e barrica, algumas notas de chá e bergamota. Prova de boca em linha, diálogo entre a fruta e a barrica, tudo num perfil jovem e enérgico. (14,5%)

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

Os três vinhos galardoados com o melhor vinho foram Vala da Barca 2022 de Maçanita Vinhos entre os vinhos brancos, Costureiro Garrafeira 2019 nos tintos e o Porto Vale da Tábua 50 Anos entre os vinhos fortificados.

De um total de 92 vinhos em prova, o Júri de 10 elementos, composto por jornalistas especializados e representantes do comércio de retalho, sommeliers e restaurantes, apreciou brancos, tintos e vinhos fortificados, dividindo-se estes entre Moscatel do Douro e Portos.

Sendo este concurso parte integrante da feira Vinhos & Sabores dos Altos, organizada pelo Município de Alijó e com produção da Grandes Escolhas, em rigor da verdade nem todos os vinhos concorrentes traduzem com rigor a sua origem “nos altos”, referindo-se esta expressão aos que são produzidos no planalto de Alijó, uma vez que os limites do concelho vão muito para além do referido planalto e chegam às margens do Douro e Tua. De igual modo também foram admitidos na feira e no concurso outros “altos”, provenientes dos municípios vizinhos de Carrazeda de Ansíães, Murça e Vila Flor.

Apurados os resultados, foram atribuídos um total 26 medalhas entre ouro e prata, para além da eleição do melhor vinho em cada categoria.

Segue a lista de todos os vinhos premiados.

Categoria Vinho BRANCO
Melhor Vinho Vale da Barca 2022 Maçanita Vinhos
Medalha de Ouro Casttêdo Valley Oaked Reserva 2022 Casttêdo Valley – Maria Luísa Seixas Pinto Marantes
Pormenor Reserva 2023 Pormenor Vinhos
Quinta de Martim 2019 Casa Agrícola Águia de Moura
Quinta do Noval Reserva 2023 Quinta do Noval
Soulmate Alvarinho Grande Reserva 2021 Cortes do Tua Wines
Medalha de Prata Amarrotado 2023 Amarrotado Wines
Costa Boal Chardonnay 2022 Costa Boal Family Estates
Família Silva Branco 2023 Branco Wines Family
Lugar da Corredoura 2021 Casa do Piàska
Má Vida 2022 Carlos Rua
Categoria Vinho TINTO
Melhor Vinho Costureiro Garrafeira 2019 Foz do Tua
Medalha de Ouro Bardino 2021 João M. Soares Pires
Costa Boal Homenagem Grande Reserva 2015 Costa Boal Family Estates
Pedigree 2019 Branco Wines Family
Pintas Character 2022 Wine and Soul
Submerso 2023 Submerso Vinhos
Medalha de Prata Fonte da Perdiz Grande Reserva 2020 Adega Cooperativa de Alijó
Lugar da Corredoura Touriga Nacional Reserva 2022 Casa do Piàska
Pandemic Wine 2020 Carlos Rua
Quinta de Santa Eugénia Grande Reserva 2020 Soc. Agr. Quinta de Santa Eugénia
Tactus 2020 Vinhos de Favaios
Categoria Vinhos Fortificados
Melhor Vinho Vale do Tábua Porto 50 anos Vale do Tábua
Medalha de Ouro Adega de Favaios Moscatel Colheita 2000 Adega de Favaios
Fragulho Tawny 10 anos Casa dos Lagares
Alijó Moscatel Reserva Adega Cooperativa de Alijó

QUINTA DA MOSCADINHA: A Liturgia da Sidra

sidra

Situada na pequena vila da Camacha, famosa pelas suas tradições e folclore, esta quinta do século XIX recebe o seu nome actual em 2019, a partir do licor de ervas Moscadinha, receita familiar com origem no lado Norte da Ilha. Nos tempos antigos, este licor era muito utilizado pelas gentes da terra, pois acreditava-se ter […]

Situada na pequena vila da Camacha, famosa pelas suas tradições e folclore, esta quinta do século XIX recebe o seu nome actual em 2019, a partir do licor de ervas Moscadinha, receita familiar com origem no lado Norte da Ilha. Nos tempos antigos, este licor era muito utilizado pelas gentes da terra, pois acreditava-se ter propriedades medicinais por ser feito com mel de cana, sacarina, infusão de várias plantas locais e especiarias em rum agrícola.

Cinco séculos de sidra

A história da Sidra da Madeira remonta há cinco séculos, com as primeiras maçãs a serem introduzidas pelos colonizadores no século XV. A partir de então, as maçãs, pêros e pêras começaram a ser cultivados na ilha para alimentar a população e abastecer a indústria conserveira da época e, no século seguinte, decorreu a expansão de pomares por diversos pontos geográficos da ilha. A sidra era conhecida como a “bebida dos pobres”, que se fazia para consumir em casa, já que a produção das uvas era destinada, na sua totalidade, para as empresas produtoras e exportadoras do afamado Vinho Madeira.

A Universidade da Madeira está a fazer a classificação e identificação rigorosa das variedades locais de maçãs/pêros, mas o saber empírico de quem trabalha o campo diariamente aponta para mais de 100 tipos diferentes, dos quais mais de 30 já fazem parte do catálogo nacional de variedades. As diferenças morfológicas e/ou químicas devem-se aos diferentes tipos de solo encontrados na ilha, conferindo às maçãs/pêros locais duas características excepcionais para a produção de sidra: a acidez (que confere estrutura e longevidade) e a doçura (que contribui para um teor alcoólico mais elevado).

Na Quinta da Moscadinha produz-se sidra de forma artesanal e diferenciada da maioria das que existem no mercado, através de um processo muito semelhante ao do vinho. Em vez da uva existem maçãs/pêros, mas existe a fermentação e o envelhecimento em barricas de vinho Madeira. Original, no mínimo, certo?!

 

A história da Sidra da Madeira começa há cinco séculos, quando as primeiras maçãs foram introduzidas pelos colonizadores no século XV.

Nos últimos dois anos, a Moscadinha de Márcio Nóbrega passou de uma produção de duas mil garrafas para 35 mil.

Vinho, só de uvas

No entanto a história das sidras em Portugal nem sempre foi tranquila. Fora de Portugal, a sidra é um vinho de maçã, ou um “vinho de pêros”, mas, no nosso País, o vinho só se pode fazer de uva. A razão remonta ao Estado Novo. Entre 1950 e 1960 foi proibido fazer sidra entre nós. É que alguns agricultores começaram a usar maçãs para juntar ao vinho e dar volume ou a deitar as vinhas abaixo para a plantação de pomares. Para proteger o sector do vinho e o próprio vinho em si, António Salazar promove uma lei que proíbe a produção de sidra e começa a pagar aos agricultores para abater as árvores e plantar novas vinhas. Por Decreto, a bem da Nação, “Vinho só se pode fazer a partir de uvas Vitis vinifera”.

E assim se inicia o período de expansão do vinhedo português e o declínio da sidra. No entanto, a sidra sobreviveu e, mais recentemente, em virtude das suas especificidades tão únicas, a Sidra da Madeira foi qualificada como IG (Indicação Geográfica) pela Comunidade Europeia. Em breve prevê-se a sua evolução para outros patamares. É, de resto, a primeira Sidra IG Nacional, com características muito diversas e próprias.

Tranquilas ou fortificadas, as sidras possuem uma variedade de cores que podem ir do amarelo pálido ao caramelo brilhante, com laivos laranja. Têm aromas de maçãs verdes a maduras, marmelo e até citrinos, e baixas concentrações de açúcar residual devido a fermentações quase completas, que realçam a sua acidez e as características mais ou menos taninosas e adstringentes das múltiplas variedades de maçãs e pêros que as podem compor.

Reconhecimento internacional

Nos últimos dois anos, a Moscadinha de Márcio Nóbrega passou de uma produção de duas mil garrafas para 35 mil, e foi reconhecida internacionalmente com 14 medalhas e, inclusivamente, premiada no Cider World Awards 2024, o maior concurso mundial de Sidras, que decorreu na Alemanha, entre 180 produtores de 17 países. E é por tudo isto, juntamente com a história secular desta bebida, que remonta às civilizações do Antigo Egipto e da Grécia Clássica, que a Sidra da Madeira é, certamente, uma das mais entusiasmantes (re)descobertas dos próximos anos! Parabéns, Márcio! Brindemos!

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

Entre Douro e Minho: A nova geografia da Casa Ermelinda Freitas

Ermelinda Freitas

Leonor Freitas é uma empresária que sonha com os olhos bem abertos. Nada lhe escapa, e parece que nada é capaz de a fazer estremecer ou desistir dos seus sonhos. É o rosto da Casa Ermelinda Freitas e uma figura emblemática no panorama vínico em Portugal, uma mulher de ferro com um coração mole, grande […]

Leonor Freitas é uma empresária que sonha com os olhos bem abertos. Nada lhe escapa, e parece que nada é capaz de a fazer estremecer ou desistir dos seus sonhos. É o rosto da Casa Ermelinda Freitas e uma figura emblemática no panorama vínico em Portugal, uma mulher de ferro com um coração mole, grande empatia e um apurado sentido de responsabilidade social e empresarial. A lealdade às raízes não impede o seu pensamento global.

Jaime Quendera é um enólogo extremamente competente, prático e perspicaz, um grande parceiro e amigo de Leonor, que a acompanhou na empresa desde o início. Juntos formam uma dupla de sucesso, que alia a formação e competência de Jaime à mente aberta e à intuição para o negócio de Leonor.

Península de Setúbal, o berço

Em 1920, era ainda uma casa agrícola tradicional. A partir dos anos 50, já sob a orientação do pai de Leonor, a vinha passou a ser o centro de produção. A primeira adega, construída nessa época, foi transformada num Espaço de Memórias e Afetos – um tributo à história e aos laços da família.

Em 1998, quando Leonor Freitas, a quarta geração da família, assumiu a liderança do negócio, iniciou-se a parceria de sucesso com o enólogo Jaime Quendera. Conheceram-se no ano anterior, na Vinexpo, em Bordéus. Leonor, ainda com pouca experiência no mundo do vinho, visitou a feira movida pela curiosidade. Isso abriu-lhe os horizontes e revelou-lhe que o vinho podia ser um “produto de dignificação”. “Percebi que tinha de começar a engarrafar”, recorda.

Por feliz coincidência encontrou, na Vinexpo, o seu primo, também produtor de vinhos, acompanhado por Jaime Quendera. Durante as visitas aos châteaux, conversou com Jaime, viu o seu entusiasmo e percebeu que tinha encontrado o parceiro certo para o projeto que estava a idealizar: “Acreditei no Jaime desde o primeiro momento. Não tive dúvidas.”

A motivação era grande, mas também o desafio. Leonor teve que se encher de coragem para encaminhar o adegueiro do tempo do seu pai para a reforma – a renovação era inevitável. Naquela altura, tinha encomendado algumas cubas e equipamentos para a adega. Jaime alterou tudo, explicando que em vez de depósitos altos e estreitos, habituais na altura, as cubas largas e baixas eram mais eficazes para maximizar a extração. Leonor seguiu à risca as suas recomendações. “Podia não ter conhecimento, mas sempre tive intuição”.

No ano seguinte engarrafou uma pequena quantidade de vinho (apenas sete mil garrafas) com a marca Terras do Pó. Mas o grosso do negócio continuava assente na venda a granel. Sentia até uma certa responsabilidade em manter a entrega do vinho à empresa parceira. Mas em 2002, com a crise a apertar, recebeu uma notícia inesperada: a empresa já não precisava do vinho. De um momento para o outro ficou com um milhão de litros sem destino. Leonor, no entanto, não é de baixar os braços. Arranja sempre uma solução, e melhor do que a anterior. Assim nasceu o bag-in-box MJFreitas, que não foi apenas uma salvação, mas um verdadeiro sucesso.

Ermelinda Freitas

 

“Sempre crescemos em tempos de crise, a reinventar-nos, a fazer investimentos, porque quando a crise passa, temos de estar preparados.”

 

Crise e oportunidade

“Sempre crescemos em tempos de crise, a reinventar-nos, a fazer investimentos. Porque sabemos – e o Jaime tem aqui um papel muito importante – que, quando a crise passar, temos de estar preparados.” – resume a empresária.

Leonor nunca teve medo de duas coisas: trabalhar e pedir ajuda. Foi assim que aprendeu a operar a linha de enchimento, a manobrar o empilhador e a fazer tudo o que fosse preciso para a empresa. Durante as vindimas ficava na adega até às tantas, a analisar os mostos com Jaime e, às seis da manhã, já ia buscar os trabalhadores para a vindima.

O caminho não foi fácil, mas Leonor nunca parou. Arriscou, inovou, enfrentou as críticas, plantou vinha, comprou vinha, sempre com o apoio de Jaime, e em 25 anos, transformou a Casa Ermelinda Freitas na empresa nº 1 da Península de Setúbal em faturação (42 milhões de euros) e na segunda maior produtora de vinho certificado da região.

Começou com apenas 60 hectares e duas castas – Castelão e Fernão Pires – e hoje conta com 550 hectares e mais de 30 castas. Só no último ano, a produção total (entre vinho certificado e vinho de mesa) atingiu os 25 milhões de litros.

Actualmente planeia replantar 40 hectares de vinha e arrendar mais 60 hectares por 35 anos, o que equivale, na prática, a ter vinha própria. Além disso, compra uvas e vinho feito. Em setembro passado, comprou todas as uvas dos viticultores que não tinham comprador. Apoiar a região é uma verdadeira responsabilidade social para Leonor.

A Casa Ermelinda Freitas emprega 108 pessoas, mais 20 trabalham permanentemente na vinha. Onde é possível, investe em equipamentos de ponta e já têm poda automática e vindima à máquina em cerca de 150 hectares. Mas como nem todas as vinhas estão adaptadas à mecanização, nas alturas específicas chegam a contratar mais 100 trabalhadores temporários.

A estratégia sempre foi clara: produzir o melhor produto e colocá-lo no mercado pelo melhor preço. “Ao longo dos anos, fiz marketing natural, dando a cara. O meu vinho sempre teve um rosto, boa qualidade e história” – afirma Leonor e tem toda a razão.

 

“Sabíamos da compra da Quinta de Canivães, no Douro, era difícil rentabilizar. Mas achei que tinha direito à realização de um sonho”

“Só temos dinheiro do vinho, não temos outros negócios. Por isto, os nossos sonhos têm que se tornar rentáveis”

 

Expansão para Minho e Douro

Até 2017, a Casa Ermelinda Freitas cresceu dentro da região. Mas perseguindo o sonho antigo de ter “uma quintinha no Douro”, Leonor acabou por expandir o seu negócio para duas importantes e conhecidas regiões do Norte de Portugal: o Minho e o Douro.

Encontrar uma quinta no Douro que fosse tradicional e tivesse potencial revelou-se uma tarefa difícil. As opções eram poucas e, na maioria dos casos, não eram economicamente viáveis. Estava quase a abandonar a ideia do Douro, quando recebeu uma chamada inesperada com uma proposta de uma propriedade no Minho, perto de Braga. Pensou: “já que não consigo comprar nada no Douro, tenho de ponderar. Não gosto de fechar as portas.” Foram ver a quinta e perceberam que era uma oportunidade – tinha vinha e uma adega funcional. Leonor anda muito pelos mercados externos e sentiu que ter um Vinho Verde no portefólio seria uma mais-valia.

Mas Deus escreve direito por linhas tortas, e no intervalo entre o acordo e a concretização do negócio no Minho, surgiu uma quinta perto de Foz Côa, com os socalcos tradicionais, “um verdadeiro Douro”, exatamente como Leonor tinha sonhado. Com o parecer favorável de Jaime, avançou. “Sabíamos que era difícil rentabilizar. Mas achei que tinha direito à realização de um sonho e pensei para mim: se tiver que vender alguma coisa em Palmela, vendo”, confessa Leonor.

Investiu dois milhões de euros na Quinta do Minho na região dos Vinhos Verdes e 2,5 milhões na Quinta de Canivães no Douro, pois “o rio paga-se”. O sonho no Douro saiu mais caro e ainda precisa de muito investimento, mas valeu a pena.

“Tenho energia e projetos novos, como se fosse eterna”

 

Quinta com nome de região

A Quinta do Minho fica em Póvoa de Lanhoso, na sub-região de Ave. Embora não esteja muito longe do litoral (cerca de 40–50 km em linha reta do Oceano Atlântico), não é uma zona diretamente costeira e apresenta algumas influências do relevo interior. Está parcialmente protegida pela Serra do Gerês, que fica a nordeste, criando alguma barreira orográfica à precipitação e à temperatura.

A propriedade foi formada em 1990, a partir da fusão de duas quintas antigas: a Quinta do Bárrio e a Quinta da Pedreira. A casa principal brasonada remonta ao século XVIII. A quinta conta com 50 hectares, dos quais 10 são de vinha. A grande vantagem e a principal razão que levou Leonor Freitas a aceitar a proposta, foi a existência de uma adega bem equipada e funcional, com linha de engarrafamento. Isto permitiu uma rentabilização mais rápida do investimento. Ainda assim, o potencial da propriedade está longe de estar totalmente explorado, sobretudo na componente não industrial. A quinta inclui ainda dois palacetes antigos por recuperar, com grande potencial para projetos de enoturismo, mas este passo ainda não foi possível. “Só temos dinheiro do vinho, não temos outros negócios. Por isto, os nossos sonhos têm de se tornar rentáveis”, explica Leonor Freitas a sua grande máxima.

A adaptação à região correu bem, e Leonor partilha a sua experiência e visão desta aventura. “Pretendemos ir crescendo naturalmente. Estamos numa lógica de parceria, a contribuir para o prestígio da região e a ir ao encontro dos mercados. Ao mesmo tempo, percebemos que a antiguidade é um posto na região. Por exemplo, os vinhos com a nossa marca Campos do Minho não podem ser certificados como DO Vinho Verde, simplesmente porque o nome contém palavra “Minho”. Já um vinho de outra casa, chamado Terras do Minho, pode, porque a marca já existia antes de a regulamentação entrar em vigor. Vemos nisto alguma desigualdade de oportunidades, mas cada região tem as suas leis, e temos que aprender a lidar com elas.”

A primeira colheita foi lançada em 2020 e a produção já atinge os dois milhões de garrafas. O portefólio do Minho não concorre com o da Península de Setúbal — antes pelo contrário, criam-se sinergias: o Vinho Verde ajuda a vender os vinhos de Setúbal, e vice-versa.

A estratégia para os Vinhos Verdes mantém-se fiel à da casa-mãe: produzir bom vinho a bom preço. “O vinho tem de ter qualidade e agradar ao consumidor, que, na realidade, é quem paga as contas” – defende Leonor e acrescenta: “fazemos sempre algumas especialidades.” Neste caso, são os monovarietais de Loureiro, e certamente virá também um Alvarinho, casta com a qual já trabalha em Palmela.

Dispõem de várias marcas registadas, herdadas do proprietário anterior. Umas são mais vocacionadas para a exportação, outras para o retalho, como Fugaz e Gábia, e há marcas reservadas à restauração, como Campo da Vinha e Quinta do Minho.

A gama de estilos é abrangente e praticamente transversal às marcas, variando de um vinho ligeiro, um Vinho Verde clássico a monovarietais de Loureiro. O conceito do vinho ligeiro “importaram” da casa-mãe. É um vinho muito leve de corpo, com apenas 8,5% de álcool, ideal para o consumidor que procura vinhos menos alcoólicos. Considerado semi-doce, e os 20 g/l de açúcar estão perfeitamente equilibrados pela acidez, quando servido bem fresco, o seu perfil aromático e descomplicado funciona lindamente. Tem sido um sucesso de vendas. Outro ponto importante, na opinião de Jaime, é que “uma casa grande trabalha com casas grandes e, neste caso, os vinhos com menos álcool significam menos impostos para os importadores, o que, em escala, é muito notável.”

O estilo “clássico” do Vinho Verde corresponde ao imaginário coletivo do consumidor, com uma doçura residual (neste caso, 10 g/l de açúcar por 6 g/l de ácido tartárico) e a sensação de “agulha”, é proveniente da presença de gás carbónico (cerca de dois bar). O monovarietal de Loureiro, seco e sério, está disponível em duas versões: uma feita exclusivamente em inox e outra com uma breve passagem de dois meses pela madeira.

Quinta de Canivães – “um verdadeiro Douro”

O grande valor da Quinta de Canivães está na sua localização privilegiada, na sub-região do Douro Superior, perto de Vila Nova de Foz Côa, na margem esquerda do Douro. A propriedade tem quase um quilómetro de frente de rio, e das vinhas avista-se a confluência do rio Côa com o rio Douro.

Normalmente, quem tem propriedades e vinhas em zonas tão boas, não as vende. No entanto, a empresa que detinha a quinta entrou em insolvência. A propriedade, dada como garantia à Caixa Agrícola de Pinhel, foi colocada à venda. O proprietário anterior, contrariado, arrancou 15 hectares de vinha e retirou todo o equipamento da adega, deixando apenas os lagares de pedra, que não conseguiu levar. Restaram 20 hectares de vinha, dos quais cinco correspondem a vinhas mais velhas, com cerca de 30 anos. Atualmente, existe apenas encepamento tinto, com as três castas principais do Douro: as duas Tourigas e a Tinta Roriz. No futuro, está previsto o plantio de mais vinha, incluindo castas brancas típicas da região.

Os socalcos tradicionais, com 2,60 m de largura e de 2,5 a 3 m de altura são lindos, mas difíceis de trabalhar e não mecanizáveis. Se em Setúbal a apanha e entrega de uvas custa 4-5 cêntimos por kg, no Douro este valor sobe para 16 cêntimos.

Há já dois anos que está a converter a vinha para o modo de viticultura biológica. Falta um ano para obter a certificação, que considera uma mais-valia importante para o futuro. Esta transição “dói” principalmente ao Sr. Carlos, o colaborador que trata da vinha e da propriedade. À pergunta de Jaime se estava tudo bem na sua ausência, Sr. Carlos responde, com um sorrizo triste: “Sim, está tudo bem, o único problema é a relva… tanta relva na vinha…”

Há ainda 4,5 hectares de olival, do qual produzem, já há quatro anos, um azeite de alta qualidade com a marca Quinta de Canivães. As quatro mil garrafas de 500 ml são vendidas em lojas especializadas.

Como ainda não têm adega, Jaime e Leonor produzem o vinho nas instalações de outra empresa duriense (Saven). Neste momento têm duas referências no mercado: Quinta de Canivães 2020 (com estágio em carvalho americano e francês durante 8 meses) e Quinta de Canivães Reserva 2019 (com estágio de 12 meses), lançadas em Setembro do ano passado. Os vinhos são vendidos nas garrafeiras e na restauração. O lançamento de Grande Reserva está previsto no final deste ano. Existe uma segunda marca – Vinha de Canivães – destinada à exportação.

Compraram alguns equipamentos, como o trator, por exemplo, mas a adega ainda precisa de muito investimento. “O mundo não é só de rosas, e mesmo as rosas têm espinhos. Nós tentamos sempre a arredondá-los. Agora temos dois diamantes para lapidar”, resume Leonor Freitas.

“Ao longo dos anos, fiz marketing natural, dando a cara. O meu vinho sempre teve um rosto, boa qualidade e história”

 

Divulgar os vinhos de Portugal

Os novos projectos no Norte enquadram-se perfeitamente na estratégia da empresa de produzir vinhos de boa relação qualidade/preço, para todas as gamas e mercados, juntando agora uma vertente importante – divulgar os vinhos de Portugal de forma mais abrangente, sobretudo nos mercados externos.

Tendo em conta que a Casa Ermelinda Freitas está intrinsecamente ligada à Península de Setúbal, criaram uma empresa “irmã” – a Ermelinda Vinhos de Portugal – para não confundir o consumidor nacional. Nos mercados externos, como o Brasil, por exemplo, basta-lhes saber que é “o vinho da Ermelinda”. A faturação da Ermelinda Vinhos de Portugal é, por agora, de cerca de três milhões de euros, somando os dois projetos nortenhos.

A filha de Leonor, Joana, que representa a 5ª geração da família, já está na empresa há 20 anos. Ficou também entusiasmada com exploração de novos territórios e reconhece o seu papel em promover a Casa Ermelinda Freitas, a região onde estão e Portugal no seu todo. “Eu dou-lhe espaço, a casa tem que ter continuidade” – diz a empresária.

Embora Leonor tenha orgulho no percurso feito ao longo de mais de 25 anos no sector vitivinícola, considera que a Casa Ermelinda Freitas está ainda a meio do caminho, e tem um enorme potencial por explorar.

“Não quero bloquear a nova geração, mas vão ter que me aturar enquanto eu tiver saúde e cabeça. Tenho a mente rápida e não me sinto velha. Como vejo mal de perto, não vejo rugas – e tenho energia e projetos novos, como se fosse eterna” – confessa Leonor, entre sorrisos. E apetece-me acrescentar que Leonor vê muito bem ao longe, muito longe – no futuro.

Nota: A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)