Califórnia: Stag’s Leap, um ‘First Growth’ de Napa Valley

Califórnia

Tudo tem um princípio. Podíamos afirmar, com algum critério, que o princípio da história de Stag´s Leap Wine Cellars foi em 1970, com a aquisição da Stag’s Leap Vineyard, mas, na minha opinião, o verdadeiro princípio desta narrativa, assim como para a região de Napa Valley foi, provavelmente, o julgamento de Paris de 1976. O […]

Tudo tem um princípio. Podíamos afirmar, com algum critério, que o princípio da história de Stag´s Leap Wine Cellars foi em 1970, com a aquisição da Stag’s Leap Vineyard, mas, na minha opinião, o verdadeiro princípio desta narrativa, assim como para a região de Napa Valley foi, provavelmente, o julgamento de Paris de 1976.

O julgamento de Paris de 1976 foi uma prova cega de elite, com um júri composto pelos organizadores do evento, os wine merchants Steven Spurrier e Patricia Gallagher, e membros da aristocracia vínica francesa, alguns Chateaux, sommeliers e jornalistas especializados, colocando, lado a lado, Cabernet Sauvignons da Califórnia e First Growth de Bordéus, Chardonnay da Califórnia e Premier e Grand Cru Chardonnay da Borgonha. Tudo às cegas. E o resultado chocou o mundo naquela época!

O The Wall Street Journal escreveu “The 1976 Judgment of Paris had a revolutionary effect, like a vinous shot heard round the world.” E não foi caso para menos. O 1973 Chateau Montelena Chardonnay, de Napa Valley, recebeu a maior honra entre os brancos, enquanto que, nos tintos, o resultado foi o seguinte:

 

Palavras para quê? Impressionante, certo?

E ainda mais impressionante se torna se tivermos em mente que o vinho vencedor saiu de uma vinha, a S.L.V. Vineyard, plantada em 1970, com apenas três anos, portanto, ao passo que a classificação de Bordéus, e os First Growth, foram estabelecidos em 1855.

Foi, pois, com elevadas expectativas, que fomos ao mais recente espaço de provas da cidade de Lisboa, ainda em soft opening, o 1933 by Garrafeira Nacional, localizado no Hotel Tivoli Avenida, onde provamos cinco vinhos de Stag’s Leap Wine Cellars, importados para o nosso país pela Garrafeira Nacional.

O 1933 by Garrafeira Nacional denota requinte e bom gosto. Além de sala de prova, também funciona como uma pequena loja de vinhos nacionais e internacionais, com uma curadoria altamente especializada, e tem o propósito de se tornar uma referência como espaço dedicado a provas de pequena dimensão, em ambiente exclusivo, para produtores de vinho, bem como para pequenos eventos de iniciativa particular relacionados com vinho. É dada ainda a possibilidade aos clientes do Seen by Olivier, na porta ao lado, de adquirirem a garrafa de vinho da sua preferência e consumirem-na no decurso da refeição no restaurante, mediante o pagamento de uma taxa de rolha. Mas vamos ao que interessa.

Califórnia

Os solos são um misto de sedimentos de xisto, areia, barro, gravilha, rocha e material vulcânico. Quanto ao clima, as encostas rochosas de Palisades reflectem o calor que se faz sentir durante o dia

 

Dias quentes, noites frescas

Napa Valley é uma AVA (American Viticultural Area), em si mesmo, e tem-no sido desde que recebeu a designação em 1981. Foi a primeira AVA reconhecida na Califórnia e a segunda nos Estados Unidos. Dentro da Napa Valley AVA existem dezasseis outras AVAs aninhadas, mais pequenas, uma espécie de sub-regiões. São elas: Atlas Peak, Calistoga, Chiles Valley, Coombsville, Diamond Mountain District, Howell Mountain, Los Carneros, Mt. Veeder, Oak Knoll District of Napa Valley, Oakville, Rutherford, St. Helena, Spring Mountain District, Stags Leap District, Yountville e Wild Horse Valley.

Os vinhos de Stags Leap District são conhecidos por serem “um punho de ferro, dento de uma luva de veludo”, em virtude da combinação entre a composição dos solos e o clima.

Os solos são um misto de sedimentos de xisto, areia, barro, gravilha, rocha e material vulcânico. Quanto ao clima, as encostas rochosas de Palisades reflectem o calor que se faz sentir durante o dia, aquecendo a vinha, mais do que em outros locais de Napa Valley, beneficiando, no entanto, das frescas brisas marítimas provenientes da Baía de San Pablo, que, juntamente com o vento característico da zona, arrefecem as plantas durante a noite, contribuindo para o equilíbrio dos níveis de açúcar e acidez. Dias quentes e noites frescas ajudam a prolongar o período de vindima sendo estas as condições ideais para variedades de maturação tardia, como a Cabernet Sauvignon.

 

O objectivo que Warren Winiarski anteviu e definiu como possível consistiu em produzir um vinho no estilo clássico de Bordéus, mas com um sentido de terroir e de identidade 100% Napa Valley

 

O salto para o mundo

“Stag” significa veado, e “Leap” significa salto. A origem do nome Stag’s Leap não está bem documentada, mas reza a lenda do povo nativo-americano Wappo, que o nome do local se ficou a dever a um veado que, em tempos, perseguido e acossado por caçadores, no limite de um penhasco, preferiu dar o seu “Leap of  Faith” (literalmente, salto de fé), em direcção à morte certa, do que ser morto por eles; outra lenda conta a história de um veado que conseguiu iludir toda uma geração de caçadores, desaparecendo sempre, no último instante, através do tal Leap of Faith.

Foi exactamente ao lado da Stag’s Leap Vineyard (S.L.V.) que Nathan Fay plantou a Fay Vineyard, com Cabernet Sauvignon, em 1961. Quando, em 1970, Warren Winiarski teve o seu momento eureka ao provar um dos Cabernets daí provenientes, de imediato comprou a S.L.V.

e fundou a Stag’s Leap Wine Cellars. O objectivo que Warren Winiarski anteviu e definiu como possível consistiu em produzir um vinho no estilo clássico de Bordéus, mas com um sentido de terroir e de identidade 100% Napa Valley. O Cabernet de Nathan Fay conseguia isso, e, como tal, a vinha ao lado também haveria de tornar isso possível. Anos mais tarde, em 1986, Nathan Fay vendeu a Fay Vineyard a Warren Winiarski.

Existem vinhos no mundo, cuja reputação está tão bem estabelecida, que praticamente vivem no reino do icónico. Stag’s Leap, é um desses vinhos.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

Mano a mano: O loureiro e o alvarinho

Tiago e Gonçalo Mendes

Aos 31 anos e com formação em gestão, Tiago Mendes já viu muita vindima, ainda que só a partir de 2019 tenha encarado o vinho como actividade profissional, assumindo, hoje, a liderança da área comercial e de marketing na empresa familiar. O seu irmão Gonçalo Mendes, dois anos mais velho, é médico urologista e aproveitou […]

Aos 31 anos e com formação em gestão, Tiago Mendes já viu muita vindima, ainda que só a partir de 2019 tenha encarado o vinho como actividade profissional, assumindo, hoje, a liderança da área comercial e de marketing na empresa familiar. O seu irmão Gonçalo Mendes, dois anos mais velho, é médico urologista e aproveitou a formação científica, para desenvolver o gosto pelas técnicas de produção. Ou seja, um está mais focado na estratégia e no mercado, enquanto o outro está vocacionado para a vinificação e o produto, mas ambos são conhecedores de todas as facetas de uma empresa vitivinícola e devotos admiradores dos grandes vinhos de Portugal e do Mundo.

“Fiz a minha primeira vindima a sério com o meu pai em 2017”, conta Tiago Mendes, “e fiquei deslumbrado com a variedade Loureiro. Achava que produzia vinhos muito perfumados e elegantes, e não percebia porque é que a casta não tinha tanto reconhecimento quanto a Alvarinho, que acabava por viver na sua sombra.” Com 70 hectares de Loureiro no vale do Lima, divididos por seis quintas diferentes, Tiago Mendes entendia que a família devia aproveitar estes recursos para fazer um Loureiro “de parcela”, um vinho de grande ambição, posicionado ao nível dos melhores Alvarinhos. Tanto “apertou” com o pai que, nessa vindima, surgiu o primeiro Anselmo Mendes Private Loureiro. “Inicialmente foi complicado”, confessa Tiago Mendes. “O feedback dos consumidores era positivo e as críticas de imprensa muito boas, mas as vendas, talvez pelo preço pouco habitual num Loureiro, ficavam um pouco aquém. Com o tempo, porém, este Loureiro acabou por se afirmar e, hoje, é uma referência da casta.”

Em 2020, Gonçalo Mendes concluiu os estudos em Medicina. Nos tempos livres dedicou-se a aprofundar os seus conhecimentos teóricos e práticos sobre enologia, acabando por passar muito tempo com o irmão na empresa, em Melgaço, onde Tiago Mendes já estava a trabalhar, fazendo um pouco de tudo.

Foi assim, dessa cumplicidade entre irmãos, que surgiu a vontade de fazer algo deles, com uma identidade própria, que fugisse ao portefólio Anselmo Mendes. Nesse ano, Tiago Mendes voltou a questionar o pai: “por que é que grande parte dos nossos vinhos da casta Alvarinho passam por barrica e o Loureiro não?” Anselmo Mendes tinha algum cepticismo quanto ao comportamento do Loureiro em barrica, temia que prejudicasse a delicadeza e elegância da casta. Mas Tiago Mendes não desistiu e lançou o desafio: “vamos fazer um Loureiro com fermentação e estágio em barrica!” Como pai e como enólogo, não dava para dizer não.  E assim se fez, logo nessa vindima um Loureiro estagiado em barrica.

Tiago e Gonçalo Mendes

Depois do Loureiro, o Alvarinho

Durante os meses seguintes o vinho foi sendo provado regularmente, sempre se mostrando à altura das expectativas iniciais de Tiago Mendes e acima das do pai, Anselmo Mendes. O resultado levou Tiago Mendes a incentivar o irmão: “porque não fazeres também tu um vinho?”

Há muito que Gonçalo Mendes perguntava o pai a razão de não realizarem a fermentação maloláctica em alguns Alvarinho da casa: “se há grandes vinhos da Borgonha que são feitos com maloláctica, porque é que nós nunca o fazemos?” Anselmo Mendes, que, ao longo da carreira, já o havia experimentado diversas vezes, nunca ficando convencido – “achava que os vinhos iam ficar ‘aborrecidos’ e perder alguma da tensão que os caracteriza”, conta Gonçalo Mendes – não estava pelos ajustes. Mais uma razão para Gonçalo querer o contrário: “se o Tiago pode fazer um Loureiro com barrica, eu vou fazer um Alvarinho com maloláctica”. E, de novo, assim se fez, na vindima de 2021. E outra vez com sucesso.

Quatro anos depois, os desafios lançados por Tiago e Gonçalo Mendes chegam finalmente ao mercado, trazendo consigo uma história de envolvimento e partilha geracional numa empresa familiar. “Estes vinhos espelham um pouco do que é a segunda geração: queremos dar continuidade e aprender com os nossos pais, mas gostamos de os questionar”, explica Gonçalo Mendes. “No fundo, a base para fazer estes vinhos foi, acima de tudo, fazer aquilo que o nosso pai fez a vida toda: questionar os dogmas que existem no vinho. Quisemos, assim, criar vinhos que tenham a nossa identidade, vinhos ainda não ‘assinados’ pelo nosso pai.”

O Loureiro do Tiago e o Alvarinho do Gonçalo (os vinhos assumiram no rótulo os nomes pelos quais ficaram conhecidos na adega desde que nasceram) são, naturalmente, bastante distintos entre si. E não apenas nas variedades que lhes deram origem.

“Tal como as castas se expressam de forma diferente e cada uma tem uma personalidade própria, também os irmãos assim são”, refere Tiago Mendes.  E detalha o que os une e os diferencia: “embora tenhamos nascido e vivido sempre na cidade do Porto, passávamos fins-de-semana e férias em Monção e Melgaço, e crescemos rodeados de adegas e vinhas. Quando éramos mais novos, eu sempre tive muita curiosidade nas marcas, nos rótulos, e achava fascinante que os nossos vinhos estivessem em tantos países. Fui, aos 13 anos, à primeira Prowein com o meu pai! Já o meu irmão, tendo uma formação na área das ciências, sempre teve mais curiosidade pela técnica: em entender para que servia uma cuba, porque é que uns vinhos iam para barrica e outros não, e por aí fora. Quando desenvolvemos a imagem para estes vinhos, explorámos também essas diferenças entre nós.”

A rotulagem dos vinhos foi inspirada no conceito Mar-Montanha. O que caracteriza o Loureiro é o vale do Lima e a proximidade ao mar, enquanto o Alvarinho é o vale do Minho e as montanhas de Monção e Melgaço, daí as diferenças nos rótulos de cada referência: o do Loureiro de Tiago Mendes tem linhas azuis horizontais e o do Alvarinho do Gonçalo Mendes linhas verdes verticais. “Por enquanto, é uma edição limitada, mas é um primeiro passo da segunda geração nos vinhos do projecto familiar. No futuro, mais experiências virão.” Fica a promessa dos manos. Anselmo Mendes tem todas as razões para estar feliz.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

E se o vinho fosse menos caro nos restaurantes?

vinho

Esta é uma realidade comum, que tanto afeta o consumidor, como prejudica o consumo consciente e sustentado de vinho nos espaços de restauração. Mas, afinal, por que motivo o vinho é mais caro nos restaurantes? E mais importante ainda: poderá esta realidade ser diferente, sem comprometer a rentabilidade do negócio? Vamos explorar esta questão com […]

Esta é uma realidade comum, que tanto afeta o consumidor, como prejudica o consumo consciente e sustentado de vinho nos espaços de restauração. Mas, afinal, por que motivo o vinho é mais caro nos restaurantes? E mais importante ainda: poderá esta realidade ser diferente, sem comprometer a rentabilidade do negócio? Vamos explorar esta questão com uma análise clara, justa e através de propostas construtivas.

 Porque é que o vinho é mais caro nos restaurantes?

A valorização do vinho na restauração é uma prática comum em todo o mundo e, muitas vezes, assume proporções que afastam o consumidor. Vamos analisar alguns dos vários fatores que influenciam os preços:

  1. a) Margem comercial: a margem praticada pode variar entre 200% a 400%. Um vinho comprado por 5€ pode surgir facilmente na carta por 15€ a 25€. Esta margem cobre custos operacionais, desperdícios, impostos e, em muitos casos, ajuda a compensar as baixas margens dos pratos.
  2. b) Custo de armazenamento e stock: o vinho ocupa espaço, exige condições específicas (temperatura, humidade, luz), e nem sempre roda com rapidez. O capital investido em stock parado também é um risco que o restaurante tenta compensar com o preço final.
  3. c) Perdas e desperdício: uma garrafa aberta que não é vendida até ao fim pode representar perda total. É o maior risco quando temos vinhos a copo. A margem tem de cobrir este possível desperdício.
  4. d) Custo do serviço: bons copos, sommelier, formação da equipa e serviço de qualidade são diferenciadores. Este conjunto de factores tem um custo real que precisa de ser refletido.
  5. e) IVA elevado: em Portugal, o vinho é tributado com IVA de 23% na restauração. No retalho, é tributado com IVA de 13%. Esta diferença impacta diretamente no preço final ao consumidor, no restaurante.
  6. f) Necessidade de margem nos restaurantes pequenos: muitos restaurantes vivem com margens reduzidas na comida e usam o vinho e as bebidas como forma de equilibrar a rentabilidade global do serviço.

Por conseguinte, a valorização do vinho não surge de forma arbitrária. Resulta, isso sim, de uma série de condicionantes económicas, logísticas e fiscais.

 O Impacto da margem elevada no consumo

Apesar de compreensíveis, estas práticas têm efeitos colaterais claros:

Menor consumo por parte do cliente: muitos evitam pedir vinho à refeição ou limitam-se ao jarro ou à garrafa mais barata.

Desinteresse em vinhos mais valiosos: vinhos de gama média e alta ficam esquecidos na carta por terem preços pouco atrativos ou, até mesmo, proibitivos.

Perda de oportunidade de valor: um cliente que gasta menos em vinho não representa apenas menos receita; representa menos prazer, menos partilha e menor experiência.

O vinho não deve ser encarado como um extra; pode, isso sim, ser o fio condutor de uma refeição memorável. Contudo, quando o preço se impõe como barreira, perde-se a oportunidade de criar fidelização e valor.

 Boas práticas e alternativas sustentáveis

O caminho não passa por eliminar a margem, mas por ajustá-la com estratégia. Aqui ficam algumas sugestões:

  1. a) Margens mais realistas: em vez de aplicar uma margem linear a toda a carta, importa considerar escalas variáveis. Vinhos mais baratos podem ter margens mais altas, enquanto os de gama média podem ter margens menores, tornando-se mais acessíveis e com maior rotação.
  2. b) Cartas inteligentes e curadas: menos referências, maior conhecimento sobre os produtos, melhor formação da equipa. Uma carta bem pensada pode rodar melhor e exigir menos margem, ganhando valor no volume.
  3. c) Parceria com distribuidores competentes: em Portugal, o contacto direto com o produtor ainda é limitado, mas um distribuidor com boa curadoria e apoio ao restaurante pode criar valor.
  4. d) Opções por copo com sistema de preservação: investir em sistemas, como o Coravin ou semelhantes permite servir vinhos mais caros a copo sem risco de desperdício.
  5. e) Educação do cliente: cartas com informação clara, storytelling sobre o vinho, origem, produtor e harmonização. Uma carta que educa gera confiança e valor percebido.

Com boas práticas, é possível reduzir as margens e, paradoxalmente, aumentar o consumo e o lucro final. É a diferença entre vender duas garrafas com muita margem ou 10 com margem mais moderada.

Benefícios de um modelo mais acessível

Fidelização do cliente: preços justos aumentam a perceção de valor e a satisfação.

Aumento de ticket médio: se o vinho se torna mais acessível, o cliente pede mais vezes.

Mais rotação de stock: reduz o capital imobilizado e melhora a gestão.

Criar cultura de vinho: torna-se um hábito, valorizando toda a cadeia sem se tornar um luxo ocasional.

Conclusão: um convite ao equilíbrio

O vinho é cultura, prazer, partilha. Mas também é negócio e, como em todo o negócio, o segredo está no equilíbrio: margens justas, experiência positiva, relação de confiança entre restaurante e cliente. Não se trata de abdicar do lucro, mas de pensar a longo prazo. De transformar cada refeição com vinho num momento que fideliza. Num país produtor, onde o vinho faz parte da identidade, não faz sentido continuar a tratá-lo como um produto de luxo inalcançável. O convite fica feito aos restauradores: vamos refletir sobre a forma como tratamos o vinho nas cartas. E se, em vez de pensar em quanto mais podemos ganhar com cada garrafa, pensássemos em quantas mais podemos vender?

vinho

 

 

 

 

 

 

Por: Helder Cunha* Enólogo e produtor de vinho

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

O churrasco perfeito

churrasco

O sucesso é uma estrela de muitas pontas e cada pormenor conta para o resultado final. Ao mesmo tempo, há que garantir a condução de calor correcta a cada peça e em cada momento. E há que garantir o maior prazer de todos os momentos. Não há churrascos aborrecidos e a toada é sempre de […]

O sucesso é uma estrela de muitas pontas e cada pormenor conta para o resultado final. Ao mesmo tempo, há que garantir a condução de calor correcta a cada peça e em cada momento. E há que garantir o maior prazer de todos os momentos. Não há churrascos aborrecidos e a toada é sempre de festa. Jamais esquecerei a iluminação que foi conviver em plena Andaluzia com um grupo de amigos argentinos.
Para nós, portugueses, o churrasco é actividade essencialmente ao ar livre, mas percebi que, para eles, é uma questão de sobrevivência e nutrição. Aprende-se tudo na escola primária e pratica-se ao longo de toda a vida. Um argentino sabe atear lume em qualquer recipiente, e sabe como grelhar a carne no ponto certo. Provavelmente vem do tempo das pampas e das grandes transumâncias de gado bovino, em que a necessidade de sacrificar uma ou duas peças para alimentação do pessoal levou ao desenvolvimento da técnica. Nesse caso específico, falamos do próprio lume de chão. É notável.
A nossa cozinha de pastor contempla em certa medida essa mesma actividade, mas a uma escala incomparavelmente inferior. E quando muito, sacrificava-se uma peça com lume de chão, no entanto, tendencialmente, foi sempre a grelha em casa ou nos telheiros, o lugar supremo do processamento. Aquilo a que chamamos cozinha de pastor é, ao fim e ao cabo, uma cozinha de proximidade, feita a partir de ingredientes simples e minimalista na execução.

churrasco

Há a questão dos legumes que melhor acompanham as diferentes peças de carne. E ligada a esta, a interrogação sobre as saladas e os molhos a que queremos chegar

 

O prazer de planear

Um bom churrasco exige um conjunto de preparações prévias. Claro que o mais importante se prende com as carnes sacrificiais propriamente ditas, mas os acompanhamentos não são menos importantes. Além disso, pêssego, ananás, melancia e manga, por exemplo são frutos que reagem bem ao calor das brasas. Por que não os incluir? Emeril Lagasse, o mítico e mediático cozinheiro de New Orleans temperava e trabalhava os pêssegos da mesma forma que a carne de porco. Foi com ele que perdi o medo de passar as metades do fruto pelo forno a 200 ºC.
Depois, há a questão dos legumes que melhor acompanham as diferentes peças de carne. E ligada a esta, a interrogação sobre as saladas e os molhos a que queremos chegar. Aqui, o meu pensamento foge para Paris, para uma experiência excepcional entregue aos cuidados do chef tri-estrelado Alain Passard. Ficou para sempre na memória a forma como ele abordava a raiz de aipo e como explicava, ao mesmo tempo, que se trata de uma peça que não tem eixo preferencial e, consequentemente, não tem orientação possível para o corte. Genial a forma como, mais tarde, pude ver as combinações possíveis com mel de acácia. Talvez por isso, passei a incluir o legume em praticamente todos os pratos de base vegetal. Aconselho vivamente. Assim como aconselho não utilizar a mesma grelha com peças de natureza diferente.

O chef Rui Teixeira, da Peixaria, em São Jacinto, utiliza cada grelha apenas uma vez por dia. De facto, a contaminação de cheiros e sabores é a maior ameaça quando o que está em causa é conseguir resultados inexcedíveis. E nem sempre a peça ideal de carne é o maior desafio. Um simples tomate pode ser bem mais difícil de controlar, pois absorve praticamente tudo por onde passa. Nesta fase, tudo é importante, mas aligeiremos, que vamos passar ao assunto central. Está na altura das opções definitivas e de dar a primazia ao mais importante.

 

O osso que liga ambas as partes tem a forma de “T”, o que inevitavelmente baptizou uma das peças mais conhecidas de bovino. Vem de 1843 a designação

 

O acém redondo é maravilhoso e reage muito bem ao calor intenso das brasas

 

Ao trabalho!

Para organizar o churrasco fui ter com Cláudio Couceiro Cipriano, proprietário e CEO do Grupo C’s, em Antes, Mealhada. A solidez dos seus conhecimentos e a vasta experiência na actividade de corte e desmanche de carcaças fazem com que o ouvir seja sempre uma grande instrução. Além, claro, de um imperativo de consciência, que visa sempre sabermos o que comemos. Para o jovem sábio Cláudio Couceiro Cipriano, um bom churrasco tem pelo menos oito elementos fundamentais.

Picanha. A picanha parece feita de propósito para se sacrificar nas brasas. Encontramo-la em qualquer rodízio gaúcho, montada em espeto, para depois fatiar para o prato do cliente. A melhor forma de processar na grelha é justamente essa. Cortar em peças grossas com a parte mais gorda sempre presente e espetar de forma a que a gordura fique do lado mais exterior. Nesta e noutras peças, jamais salgar antes de grelhar. Na picanha, fazê-lo pode ter o efeito dramático de secar prematuramente as peças. Há que ter sempre em conta a reação inevitável da carne crua, desvirtuando-a, quando ela deve ser tratada nas palminhas. A maioria dos falhanços do amador está aqui e devem ser evitados a todo o custo. Há quem prefira fatiar logo a picanha e, depois, levar a grelhar, e isso não está inteiramente errado. A tolerância a falhas e singularidades, contudo, é maior quando partimos de peças maiores, e quanto maiores melhor, para enfrentar o calor sem risco de chamuscar. É fundamental grelhar até ao bom ponto – leia-se rosado – e evitar, a todo o custo, passar demasiado a carne.

Costeleta em T. Também conhecida como T-Bone. Quando cortada a preceito, apresenta vazia de um lado e lombo do outro. O osso que liga ambas as partes tem a forma de “T”, o que inevitavelmente baptizou uma das peças mais conhecidas de bovino. Vem de 1843 a designação, obviamente da responsabilidade dos Estados Unidos, com especial menção ao estado do Oregon, onde é conhecido como Oregon steak ou bife de Oregon. Está em vias de ganhar honras de certificação, mas lá como cá, o assunto não é simples. Os passos para lá chegar são diversos e tortuosos. O que faz deste corte único de carne famoso é a riqueza de sabor e a bondade acrescida pelo trabalho da grelha. O lado mais pequeno do T-Bone é, nada mais, nada menos, que o filet mignon, celebrado e amado entre os grandes apreciadores de carne. Grelhado a contento e com respeito, o T-bone é sinónimo de felicidade e rendimento de sabor. Em Itália é conhecido como bife Fiorentina e é obtido de gado muito seleccionado. É um emblema importante da cozinha clássica italiana e pesa cerca de 1,5 quilos. Por cá, é conhecido como costeleta em T e Cláudio Couceiro Cipriano tem muita procura no seu talho.

Ossinhos. Demorei algum tempo a perceber o que seria esta peça, que, para o nosso herói, é de importância primordial para o êxito do churrasco. Pedi para ver a peça e constatei que se trata da tira das costelas. É cortada como na Argentina e processa-se como a tira de entrecosto de porco. Grelha maravilhosamente bem e o sabor é dos mais marcantes dentre todas as peças sacrificadas. Parece-me que, quanto mais tempo for exposta junto às brasas mais mortiças, melhor. A alquimia do sabor ganha muito com essa exposição prolongada e, no final, os ossos e a carne são muito fáceis de separar. Atrevia-me a rebatizar esta peça como tira, mas, no caso, gosto de respeitar a indicação do mestre. É a minha peça favorita do churrasco e não tiro os olhos dela enquanto grassam o fumo e o calor. Admite e pede marinada prévia, apesar de isso ser, evidentemente, uma questão de gosto.

Naco do acém redondo. O acém é composto por três partes distintas: acém comprido, acém redondo e coberta de acém. Os dois primeiros são cortes ditos de primeira categoria e variam no ponto de extração, ou corte, quanto à proximidade do pé. Extrai-se também do acém a que é conhecida como cobertura, que grelha muito bem, mas dá mais sabor e textura a estufados longos e, por isso, é muitas vezes o seu destino. O acém redondo é maravilhoso e reage muito bem ao calor intenso das brasas, além de possuir mais gordura entremeada que o acém comprido. Quando Cláudio Couceiro Cipriano fala de naco, refere-se a uma peça alta e mais resistente às brasas. Ao mesmo tempo, oferece-se à transformação e criação de sabor. O resultado é fantástico e suculento. Os bifes à cortador são extraídos lés-a-lés destas partes mais ricas. Uma delícia, para resumir. A ideia, em termos de churrasco, é dar-lhe a exposição necessária, e depois do proverbial período de repouso, reduzi-la a fatias contra o veio. No prato, serão o céu, tanto em sabor como em textura.

churrasco

Confesso que, sempre que há frango numa celebração braseira, também não dispenso uma coxa ou asa de um bom exemplar. Come-se com a mão e os mais novos adoram

 

Frango de churrasco. Pois é! Cláudio Couceiro Cipriano não dispensa o bendito frango no elenco do churrasco. Confesso que, sempre que há frango numa celebração braseira, também não dispenso uma coxa ou asa de um bom exemplar. Come-se com a mão e os mais novos adoram. Como de resto é o caso com o frango de churrasco enquanto staple food familiar. Curiosamente, ganhou fama e reputação entre nós, principalmente com o regresso à pátria das comunidades das antigas colónias. Lisboa em particular, tem diversas bases de prédios convertidas em churrasqueiras. Angola e Moçambique trouxeram-nos a grande glória que é a cafriela, cuja base é justamente a grelha nas brasas. Leva depois uma passagem pelo tacho, seguindo-se o forno para acabar. A variante moçambicana leva leite de coco e é conhecida como zambeziana. As patas de frango são deliciosas quando processadas nas brasas. Tasquinha-se à mão, com um dip picante ao lado. Como aliás toda a cafriela. Fez muito bem o grande Cláudio Couceiro Cipriano chamar a atenção para as virtudes e a bondade do frango no churrasco.

Tiras de entremeada. É parte interessante e fundamental num bom churrasco. Escusado será dizer que não há outlet churrasqueiro que não tenha no cardápio uma boa entremeada. Talvez seja boa ideia deixar, para a etapa final do nosso churrasco, as tiras de entremeada. É uma forma de glorificar a carne de porco nos nossos redutos familiares. Claro que existe sempre a opção de pura e simplesmente grelhar nas brasas as fatias, mas espera-nos glória bem maior em cozinhar previamente a baixa temperatura as finas peças deliciosas. O ideal seria cozinhar primeiro em vácuo e a baixa temperatura. É a arte ao alcance de poucos, bem sei, mas a impressão em boca é mesmo muito boa. Não impede, antes beneficia ganhar crocância nas brasas logo a seguir. O fumo é o veículo ideal da transformação alquímica que se dá no nosso prato. Vai ver como no palato se desfaz e transforma em iguaria dos deuses. A experiência nada tem a ver com a entremeada grelhada directamente a partir da fase crua. Este é, de resto, um dos pressupostos da cozinha modernista, em que o resultado final se consegue por passos iniciais ou intermédios como este. Além disso, quem dispensa uma boa entremeada?

Salsicha fresca. Este pequeno e sápido ingrediente tem uma capacidade notável de se converter em iguaria deliciosa. Se pensarmos no modelo clássico e ancestral de salsichas enroladas em couve lombarda, depressa nos precipitamos para esta solução, quando não para a fritura directa em sertã a alta temperatura. A verdade é que o churrasco gosta da salsicha fresca, e esta gosta muito do churrasco. A insistência de Cláudio Couceiro Cipriano em incluir o pequeno ensacado faz todo o sentido, pois representa uma grande ponte de sabores, aromas e texturas. Com o tempo e os ingredientes adequados, poderá mesmo vir a produzir as suas próprias salsichas frescas. Utilizando ingredientes naturais e fresquíssimos, a exposição ao calor das brasas vai resultar em mais sabor e riqueza de texturas. E no dia do churrasco, vai dar por si a procurar com ansiedade as salsichas passadas pelas brasas.

Chouriça. Gosto muito de chouriço de Goa, que é, porventura, o enchido mais picante e, ao mesmo tempo, mais saboroso de toda a nossa salsicharia. Curiosamente, foi a partir de várias experiências culinárias, com a simpatia e a paciência de amigos goeses, que me apercebi do potencial de sabor que está contido em cada chouriço. Em certas preparações, é mesmo o único tempero necessário para temperar um cozido inteiro. O chouriço de carne, ou chouriça, tem o mesmo papel temperador na totalidade do churrasco. Pode processar-se no início e reservar-se para a fase de finalização de toda a empreitada. Será sempre o toque salino e especiado de que precisa para a fruição perfeita do seu churrasco. Apenas há que escolher a chouriça perfeita. O esforço será vastamente recompensado.

churrasco

Este pequeno e sápido ingrediente tem uma capacidade notável de se converter em iguaria deliciosa

 

E o vinho?

Os argentinos têm muita sorte em ter ao seu alcance a casta Malbec. Parece que nasceu nas pampas, ao lado da montagem de lume de chão em que tradicionalmente se sacrificam carcaças de bovino. Tem força e, simultaneamente, elegância, e, sobretudo, tem a grande virtude de não interferir no sabor da carne grelhada. Antes acrescenta, com notas especiadas e de madeira, que acrescentam à noção de complexidade que desejamos e se nos instala na alma. Tenho feito diversas experiências neste capítulo e há dois perfis vínicos que se mostram eficazes na assessoria vínica de um bom churrasco.

O primeiro é um Aragonês alentejano, com pouca ou nenhuma madeira, conseguindo vingar pela frescura e pelo sabor resultante da fusão do vinho com o palato. O segundo é um Cabernet Sauvignon marítimo, da Península de Setúbal, com estágio de seis anos em barricas de carvalho francês. Importante mesmo é fazer as suas próprias experiências e, acima de tudo, explorar as explorações a que se prestam. E não se esqueça jamais da importância de ousar enveredar por caminhos inteiramente novos. Boas experiências!

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

O Vinhos & Sabores 2025, organizado pela Grandes Escolhas, encerrou mais uma edição de sucesso na FIL, afirmando-se como o maior e mais relevante evento do sector vínico em Portugal. Entre os dias 18 e 20 de Outubro, o Pavilhão 2 da FIL recebeu mais de 15.000 visitantes, dos quais 2.300 profissionais, que durante três dias celebraram o melhor dos vinhos e sabores nacionais, num ambiente de partilha, aprendizagem e paixão pela excelência portuguesa.

Com 200 stands e mais de 350 produtores de todas as regiões do país, o evento uniu consumidores, especialistas e profissionais do sector, reafirmando a importância da proximidade entre quem produz e quem aprecia. A feira contou também com 30 compradores internacionais, oriundos de mercados como os Estados Unidos, Singapura, Suíça, Reino Unido, Países Baixos, Lituânia, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Áustria. No Business Lounge foram agendadas quase 200 reuniões de trabalho entre mais de 60 produtores e estes importadores, consolidando o objetivo de projetar os vinhos portugueses além-fronteiras.

Para João Geirinhas, diretor de negócio da Grandes Escolhas, “o Vinhos & Sabores tem procurado acrescentar valor à presença dos produtores, criando pontes com o exterior e ampliando o alcance da nossa produção. Portugal é o único dos grandes exportadores europeus que ainda não tem uma feira de vinhos orientada para a exportação — quisemos colmatar essa lacuna e reforçar o esforço colectivo de internacionalização”. O responsável sublinhou ainda o papel da feira como elo de ligação entre produtores e consumidores: “Esta é uma feira que dá rosto ao sector. É aqui que os produtores encontram o consumidor que valoriza o seu trabalho, e onde o público descobre as pessoas e as histórias por trás de cada garrafa. É este contacto directo que cria um elo emocional e que faz crescer as marcas portuguesas.”

Entre os grandes momentos do evento, destacou-se o showcooking “Sabores ao Centro”, uma iniciativa do Turismo do Centro que reuniu oito chefes embaixadores, celebrando a ligação entre vinhos e ingredientes da região e promovendo a autenticidade da gastronomia nacional. A componente profissional e a experiência gastronómica voltaram assim a cruzar-se, reforçando o papel do Vinhos & Sabores como uma montra global da excelência portuguesa.

Para os apreciadores mais exigentes as 12 Provas Especiais foram um momento alto, permitindo conhecer a fundo projectos relevantes e vinhos raros e valiosos, devidamente comentados e enquadrados por especialistas ou pelos seus produtores e enólogos.

A visita oficial contou com a presença de um representante do Ministro da Agricultura e Mar, os presidentes do IVV, ViniPortugal, das CVRs, do Turismo de Portugal, ERT de Lisboa, da CAP, da ACIBEV e da ASAE, reforçando a força e a importância do Vinhos & Sabores enquanto plataforma estratégica para a valorização do turismo, dos vinhos e da gastronomia nacional.

Ao longo de três dias, o Vinhos & Sabores 2025 voltou a provar porque é o evento vínico de referência em Portugal, unindo negócios, conhecimento, gastronomia e cultura. Uma celebração do que de melhor se faz no país, que reforçou o dinamismo, a resiliência e o prestígio internacional dos vinhos portugueses.

Consulte as imagens do evento AQUI 

Adega de Borba celebra “bodas de vinho”

Adega de Borba

Borba, uma das oito sub-regiões do Alentejo vitivinícola, foi, desde sempre, uma região com uma forte relação com a cultura da vinha e do vinho, legado deixado, há cerca de dois mil anos, pelos romanos. A herança persiste e “os habitantes daqui sempre sobreviveram à custa da uva e do vinho, digamos assim”, afirma Óscar […]

Borba, uma das oito sub-regiões do Alentejo vitivinícola, foi, desde sempre, uma região com uma forte relação com a cultura da vinha e do vinho, legado deixado, há cerca de dois mil anos, pelos romanos. A herança persiste e “os habitantes daqui sempre sobreviveram à custa da uva e do vinho, digamos assim”, afirma Óscar Gato, enólogo principal e membro do conselho de administração da Adega de Borba.

Como tal, em tempos idos, em Borba, os pequenos viticultores vendiam as uvas a outros viticultores e estes, por sua vez, faziam o vinho com matéria-prima própria e comprada. Parte da venda do produto ao consumidor final estava nas mãos dos intermediários, que, no fundo, detinham a mais-valia neste negócio. Mas esta ação nem sempre era consolidada, o que acarretava dificuldades aos produtores, as quais eram acrescidas “com o valor residual recebido em troca do vinho”, recorda Óscar Gato. Este cenário, comum em todo o país e, em particular, neste concelho alentejano quase raiano, determinou o surgimento do movimento do associativismo.
Face a esta realidade, em 1955, um grupo de 12 pessoas procedeu à escritura dos estatutos da Adega Cooperativa de Borba, uma das primeiras a ser constituída em Portugal. Cerca de três anos mais tarde, contavam com a participação de 60 viticultores, que, em 1958, entregaram as uvas todas a esta casa. Esse ano foi marcado pela produção de 500 mil litros de vinho e pela venda direta do produto ao consumidor final. Um ano depois, foi feito o primeiro ‘enogarrafonamento’ do vinho, ou seja, em vez da venda a granel, o vinho passou a ser vendido em garrafão, como explica o enólogo principal, relembrando que, à época, os ditos recipientes eram revestidos, no exterior, com palhinha. Como a reutilização estava tão em voga, o revestimento evoluiu para o plástico, para facilitar a higienização do garrafão. O primeiro enchimento em garrafa aconteceu em 1961, “a então famosa garrafa de litro com as cinco estrelas, que também era reutilizável”, relembra Óscar Gato.

Esta nova era incentivou a Junta Nacional da Vinha e do Vinho a promover um concurso de vinhos anual. A participação nestas competições por parte da Adega de Borba valeu-lhe a conquista de diversas distinções para brancos e tintos, como a recebida pelo célebre Reserva 1983. “Estes prémios alavancavam a notoriedade destes vinhos, de forma que chegassem aos grandes centros urbanos, nomeadamente a Lisboa, onde o consumo era muito maior”, frisa Óscar Gato.

 

Do total de 230 produtores de uva, 100 estão certificados no âmbito do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e, simultaneamente, representam 85% da área total de vinha. “Destes sócios, a maioria começou, há 20 anos, com o sistema de Proteção Integrada”

 

2003, o ano do novo capítulo

Na década de 80 do século XX, a vinha, vincadamente tradicional, coassociada com oliveiras e árvores de fruta, passou a ter uma abordagem diferente, com a criação, em 1985, da Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo (ATEVA). Constituída por engenheiros agrónomos, esta entidade tinha – e ainda tem – como objetivo apoiar os viticultores na transição da vinha tradicional para a vinha extreme. Ou seja, “vinha em contínuo, aramada, arrumada e com maiores condições para a mecanização”, esclarece Óscar Gato. Definir as castas principais, de modo a serem as eleitas na reestruturação da vinha, foi outro dos factores postos em prática pela ATEVA.

Um ano antes, em 1984, a Adega de Borba, tinha estabelecido normas quantitativas e qualitativas inerentes à produção. “Foi como arrumar a casa.” Assim, ficaram estabelecidas as operações que o viticultor tinha de aplicar no terreno com a tónica na qualidade do produto. Esta ação foi apenas o preâmbulo do que veio a acontecer poucos anos depois, o surgimento da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) criada em 1989. “O primeiro vinho certificado pela CVR a chegar ao mercado foi um vinho branco da Adega de Borba, da colheita de 1989, um VQPRD Borba”, recorda Óscar Gato.

No começo do século XXI, é feito o investimento em infraestruturas, com a ampliação do edifício da adega, no sentido de dar resposta à crescente produção de vinho associada ao aumento do número de associados, tal como o fizeram décadas antes. Acresce a aquisição de barricas e de equipamento de vinificação e engarrafamento moderno e é dado um passo em frente no âmbito da profissionalização dos quadros da adega, com ênfase na parte económico-financeira, no controlo de qualidade, na enologia, bem como na criação da função de diretor-geral, entre outros cargos. “No fundo, foi feita a repartição de responsabilidades dentro da adega”, reforça o enólogo que, a partir de 2003, integra a equipa da casa. Estava aberto o novo capítulo da Adega de Borba, que passou a adotar um vincado carácter empresarial. Porém, as mudanças não ficaram por aqui.

20 anos de sustentabilidade

À época, contabilizavam-se três centenas de sócios. Hoje, são 230. De acordo com Óscar Gato, esta redução deve-se ao crescimento do escalão etário atual dos viticultores, embora haja “alguns jovens com interesse e/ou herança nesta cultura”. O número de associados traduz-se em 2200 hectares de vinha, dos quais 70% estão ocupados por castas tintas, enquanto os restantes 30% estão reservados às brancas, num total de cerca de 40 variedades de uva distribuídas pelas 1600 parcelas espalhadas pelos concelhos de Borba, Estremoz, Sousel, Terrugem (no concelho de Elvas), Vila Viçosa, Alandroal.

Do total de 230 produtores de uva, 100 estão certificados no âmbito do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e, simultaneamente, representam 85% da área total de vinha. “Destes sócios, a maioria começou, há 20 anos, com o sistema de Proteção Integrada e já com cuidados acrescidos na instalação da vinha, na escolha do porta-enxerto mais aconselhado e nas castas que interessam ao viticultor, enquanto produtor de uva, mas também sob o ponto de vista enológico”, elucida Óscar Gato. Do ponto de vista sanitário, o enólogo principal da Adega de Borba destaca a supressão de produtos fitossanitários agressivos para a fauna e a flora, ação assumida desde 2005, na vinha. “Este sistema de Proteção Integrada rapidamente evolui para Produção Integrada, com regras ainda mais exigentes, como o enrelvamento, pelo menos, em linhas intercaladas”, pelo que quando a Adega de Borba passou a fazer parte do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo “já vinha com muita sustentabilidade”, ou seja, esta responsabilização ambiental começou muito antes, em 2005. Poupança da água e da energia, reciclagem de cartão, plástico e vidro, controlo natural de temperatura e não inclusão dos aparelhos de ar condicionado são algumas das medidas implementadas desde então.
Óscar Gato dá ainda como exemplo a nova adega. Concluído em 2012, este edifício está munido com claraboia, para facilitar a entrada de luz e minimizar o desperdício de eletricidade; um enorme pé direito, com uma caixa de ar que permite o controlo das amplitudes térmicas, sem ter de se recorrer à instalação de aparelhos de ar condicionado; parte do topo tem enrelvamento, com o propósito manter a baixa temperatura no interior; e as paredes exteriores estão revestidas com alvéolos de mármore, que fazem ensombramento, com a finalidade de evitar a incidência direta da luz solar.

Tudo isto permitiu que Borba fosse a primeira adega cooperativa do Alentejo a ser certificada em uva e em vinho, ambos a 100%, a partir da colheita de 2020, no contexto do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo.

“Sempre se consideraram produtores de uva, para fazer vinho. No fundo, os proprietários da adega são os associados”, enaltece Óscar Gato

 

O solo, o clima e as serras

“Podemos afirmar que estamos numa zona privilegiada, porque basicamente estamos entre duas serras, o que acaba por marcar muito o terroir de Borba. A sul, temos a serra d’Ossa e, a norte, está a serra de Portalegre”, descreve Ricardo Silva, enólogo da Adega de Borba desde 2024 e membro do conselho de administração desta casa. Ou seja, cada uma dista, respetivamente e em linha reta, cinco e 50 quilómetros de Borba.
“Além de estarmos entre estas duas serras e de grande parte das nossas vinhas se situar a uma altitude média de 400 metros – estamos num planalto, que é o eixo dos mármores –, que liga Sousel a Vila Viçosa, temos, essencialmente, dois tipos de solos: os argilo-xistosos e os argilo-calcários”, continua Ricardo Silva. O planalto é um maciço calcário que faz a transição para o xisto, dando origem a solos “mais delgados”, nas palavras de Óscar Gato, a sul, e a argila, mais a norte, convertida em solos mais férteis.

O mais recente enólogo da Adega de Borba foca a importância das grandes amplitudes térmicas: “temos dias com 40 °C e noites de 18, 20 °C.” Realça ainda os benefícios dos nevoeiros matinais quase diários na parte sul, onde há um vale, junto à serra d’Ossa. “Isso permite que a maturação das uvas ocorra de uma forma mais controlada. Conseguimos não ter tanta degradação dos ácidos, a maturação fenólica acaba por acompanhar a maturação alcoólica e isto resulta em vinhos com uma acidez mais natural, uma fruta mais pura, mais expressiva. Não temos uvas excessivamente maduras ou muito desidratadas”, declara Ricardo Silva. Estão, assim, reunidas as condições benéficas para a vinha e para o vinho, em relação ao qual Óscar Gato evidencia a frescura conferida pela acidez natural das uvas.
Em jeito de conclusão, o enólogo principal da Adega de Borba enumera três palavras-chave no que toca aos vinhos da Adega de Borba: equilíbrio, estrutura e elegância.

Vindima de filigrana

Desde há seis anos que Óscar Gato e a sua equipa elucidam cada viticultor para a compra de plantas certificadas, com o propósito de ficar com o registo da casta e do clone associado a cada uma, bem como do porta-enxerto, com o respetivo clone. Esta informação permite abrir caminho a experiências no terreno, no sentido de “perceber a adaptação cultural desta casta com este clone, com este porta-enxerto nos diferentes terroirs”, fundamenta o enólogo principal. Ao fim de cinco anos, já é possível obter a informação necessária acerca de cada clone.
“Por isso, é que nós olhamos para esta adega como uma empresa há muitos anos”, reforça Óscar Gato. Neste contexto, ambos falam sobre quão relevante é informar os sócios nas assembleias gerais, em reuniões e nas ações de formação, através das quais todos também têm acesso à grelha de valorização respeitantes a cada variedade de uva, a qual permite otimizar eficazmente a vinha.

À informação, soma-se a mais-valia de segregar e rastrear. A Adega de Borba detém toda a informação sobre cada garrafa que está à venda, assim como o registo acerca de todas as vinhas dos viticultores, através dos cadernos de campo de cada um. Na etapa final, mais concretamente na fase da maturação das uvas, cada associado dirige-se à Adega de Borba, para deixar amostras dos bagos, para análise. “Consoante o resultado obtido, são informados sobre quando a vindima é recomendável”, diz o enólogo principal.
A minúcia do trabalho realizado na Adega de Borba começa na vinha. E a vindima é o expoente máximo da vida de cada viticultor associado. “Apesar da nossa dimensão, conseguimos fazer vinificações separadas, casta por casta, por tipos de solo, em volumes maiores, em volumes mais pequenos, com grande precisão”, assegura Ricardo Silva.

A responsabilização por parte dos associados não fica por aqui. “Todos os sócios têm de entregar a totalidade da uva à adega. Não podem vender uvas a terceiros. Se o fizerem, não estão a cumprir com os estatutos e podem ser excluídos”, afirma Óscar Gato. Em contrapartida, “mesmo em anos difíceis, a adega não compra vinho a terceiros”, garante.
O enólogo principal da casa assegura ainda que os produtores de uvas encaram a Adega de Borba como muito mais do que o local onde é depositada a matéria-prima. “Sempre se consideraram produtores de uva, para fazer vinho. No fundo, os proprietários da adega são os associados”, enaltece Óscar Gato. A somar à venda da uva, cada associado é embaixador do vinho da Adega de Borba, que não assume apenas o papel de receber as uvas e as transformar em vinho. Há ainda o compromisso do pagamento. “Somos das poucas adegas do país a pagar as uvas a tempo e horas. O viticultor vê o trabalho recompensado através do que recebe pelas uvas e essencialmente por receber o dinheiro atempadamente. Antes de começar a vindima do ano seguinte, tem as uvas do ano interior pagas”, afiança Ricardo Silva.

Afiança Óscar Gato: “nós, neste momento, não temos falta de vinho branco para o mercado. Porquê? Porque estamos regulados com o mercado.”

 

Branco ou tinto?

Segundo Óscar Gato, nos anos 1950, Borba teria sensivelmente 50% de castas brancas e 50% de variedades tintas. “Se recuarmos mais no tempo, é provável que cheguemos à conclusão que teríamos 60% de [castas] brancas e 40% de tintas”, analisa. Certo é que, face ao panorama nacional, o vinho tinto foi conquistando terreno, em consequência das exigências do mercado.
No contexto da Adega de Borba, nas últimas duas décadas, o trabalho efetuado a par com os associados tem servido de pêndulo, com o propósito de regular a quantidade de castas brancas e tintas plantadas nas vinhas, consoante as necessidades da casa septuagenária. Afiança Óscar Gato: “nós, neste momento, não temos falta de vinho branco para o mercado. Porquê? Porque estamos regulados com o mercado.”

O teor alcoólico do vinho, muitas vezes determinado pelas condições climáticas, é outra das questões em debate. Contudo, “dentro do Alentejo, somos um bocadinho privilegiados, porque temos a possibilidade de colher uvas brancas, por exemplo, com 11 ou 11,5 °C e com boa maturação, e isso reflete-se na nossa grelha de valorização”, assevera Ricardo Silva. De acordo com esta tabela, os viticultores que entregarem uva entre os 11 e os 13 °C recebem 100% da valorização, enquanto nos tintos a mesma condição é estabelecida às uvas com grau alcoólico entre 12 e 15 °C. Para a base de espumante, o desafio é apresentado a um associado específico, as uvas podem entrar na Adega de Borba com 10,5 °C. Neste caso, “valorizamos a 100%, porque é uma necessidade nossa”, reforça Ricardo Silva.

Na base dos vinhos brancos constam três variedades autóctones do Alentejo: Roupeiro, Rabo de Ovelha e Antão Vaz. A este trio junta-se a Arinto. A Adega de Borba conta igualmente com outras variedades adaptadas a esta sub-região, como Alvarinho, Loureiro, Gouveio, Verdelho, Encruzado, Riesling e Viognier, que representam 10% a 15% do encepamento. Nos tintos, a Aragonez possui, de longe, a maior representatividade no universo dos associados da Adega de Borba. Seguem-se a Syrah, a Alicante Bouschet, a Trincadeira, a Periquita e a Touriga Nacional.

Diversidade e rejuvenescimento

Ao longo dos últimos anos, a Adega de Borba tem alinhado o perfil dos vinhos com o preço. Nas palavras de Óscar Gato, é dada uma atenção especial à relação qualidade/preço: “temos vindo a oferecer diversidade ao nosso consumidor a um preço justo e o preço justo é o reconhecimento do preço real do mercado do vinho.”

Dentro dos 11 milhões de litros de vinho produzidos, em média, todos os anos, Ricardo Silva avança: “temos os nossos produtos tradicionais, mas também temos de ter capacidade de estar atentos às tendências do mercado.” O borbic – produto, cuja base é o Adega de Borba licoroso branco, ao qual são adicionados água tónica q.b., gelo e hortelã – é um desses exemplos. A este segue-se o lançamento, para breve de, pelo menos, dois outros produtos, a pensar na nova geração de consumidores. O enólogo defende a comunicação dirigida aos jovens, através da produção de “vinhos com menor teor alcoólico e uma imagem mais forte”. A gama Senses, nome atribuído aos monovarietais da Adega de Borba, serve como modelo neste contexto, igualmente graças à nova imagem, “totalmente disruptiva”, segundo Ricardo Silva, apresentada ao mercado no dia 6 de agosto, com a colheita Senses Viognier 2024.
Por outro lado, importa evidenciar as joias da coroa da Adega de Borba, como as cinco aguardentes (três bagaceiras e duas vínicas) ou o Reserva, com o icónico rótulo de cortiça, que, com a passagem do tempo, tem vindo a ser modernizado. “Não é uma inovação, mas sim o rejuvenescimento da tradição”, defende Óscar Gato, referindo-se a esta linha, cuja primeira colheita data de 1964.

Já o vinho de talha, processo ancestral adequado aos novos tempos, sobretudo quando o enfoque está no baixo teor alcoólico, é feito desde 2015, ano da primeira colheita do tinto. “Mas nem todos os anos comercializamos vinhos de talha e sobre a alçada do designativo Vinho de Talha Alentejo, só a partir de 2017” A primeira colheita de branco é de 2021.
Naturalmente, são sempre de evidenciar as edições de vinhos mais raros e especiais, como os recentemente apresentados (e provados na edição de junho desta revista) para comemorar, precisamente, os 70 anos da casa: Havendo Tempo, branco de 2023 e tinto de 2021, e Adega Cooperativa de Borba Edição Especial, branco de 2021 e tinto de 2011, este último recuperando a rotulagem dos primeiros anos de atividade da adega.

E como a comida é parte substancial do vinho, o enólogo principal assegura que a Adega de Borba tem capacidade de resposta. Prova maior está no Restaurante Adega de Borba, meca da gastronomia alentejana e da arte de bem cozinhar, situado paredes meias com a loja de vinhos. Eis duas montras do portefólio vínico da casa, que podem ser degustados in situ ou na sala de provas da adega erguida em 2012, a qual dista aproximadamente 350 metros da original.

Adega de Borba

 

Óscar Gato dá ainda como exemplo a nova adega. Concluído em 2012, este edifício está munido (…) um enorme pé direito, com uma caixa de ar que permite o controlo das amplitudes térmicas, sem ter de se recorrer à instalação de aparelhos de ar condicionado

 

Casa septuagenária de boa saúde

A avaliar pela imagem do novo rótulo da gama Senses e pela integração do jovem enólogo Ricardo Silva no conselho de administração, a análise feita à Adega de Borba é promissora. Embora ocupe o cargo há um ano, já faz parte desta casa há 20 anos. “O meu pai é viticultor associado da Adega de Borba. Sempre o acompanhei e estive sempre muito próximo da adega.”

Para Ricardo Silva, foi como voltar às raízes, acima de tudo pelos valores, destacando o rigor e o profissionalismo do trabalho efetuado dentro da Adega de Borba desde 2003. “Por isso, vejo os próximos 70 anos a serem feitos como os últimos 20: a inovar e a não ter medo de experimentar, mas sempre com o sentido crítico e o rigor em relação à viticultura e à gestão, dois elementos fundamentais para que uma cooperativa tenha sucesso. Tudo o resto tem a ver com o trabalho efetuado pela empresa”

Óscar Gato, a exercer funções na Adega de Borba desde 2003, enfatiza a importância de uma cooperativa ser gerida como uma empresa: “tem de haver custos, receitas, despesas… A distribuição é feita pelos donos da cooperativa, que são os associados.” O enólogo principal salienta ainda a importância de manter o interesse dos mais jovens na atividade vitícola, “porque é necessário manter a paisagem vitícola, para evitar a desertificação e garantir a sustentabilidade social, ou seja, preservar a família e quem trabalha na vinha”. Sem esquecer a questão ambiental, fundamental no contexto da proteção do ecossistema e, em particular, das videiras, nem a parte económica, que assegura a permanência da residência dos locais. “Esta passagem de testemunho para as gerações vindouras é fundamental para manter o negócio da uva e do vinho”, remata.

 

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

 

GRANDE PROVA: BRANCOS DE LISBOA

Lisboa

Conta-se uma adivinha nas aulas de marketing, sobre qual o som que o hipopótamo faz. Alegadamente “dodot-dodot…” e toda a gente se ri. É um exemplo de má passagem de comunicação, já que o hipopótamo estava nas fraldas Ausónia (os mais velhos lembrar-se-ão da canção: “Ausónia elásticos lá lá, sempre seco lá lá lá.”). Também […]

Conta-se uma adivinha nas aulas de marketing, sobre qual o som que o hipopótamo faz. Alegadamente “dodot-dodot…” e toda a gente se ri. É um exemplo de má passagem de comunicação, já que o hipopótamo estava nas fraldas Ausónia (os mais velhos lembrar-se-ão da canção: “Ausónia elásticos lá lá, sempre seco lá lá lá.”). Também Lisboa a cidade branca aporta uma série de referências, que é preciso ir ao google confirmar. “A Cidade Branca” não é um filme de Wim Wenders, esse é o “Lisbon Story”. A Cidade Branca é um filme anterior, um clássico de Alain Tanner, com um jovem Bruno Ganz como estrela. A cidade branca é também uma expressão intrigante para qualquer pessoa que veja Lisboa de longe, por exemplo da Ponte 25 de Abril ao entardecer. As casas esparramam-se sobre as colinas, numa visão realmente deslumbrante. Mas nada parece branco. Procura-se, por entre as clássicas cores rosa e amarelo-ocre, onde estará o branco de cal que terá trazido essa fama à cidade. Mas apenas se encontra a ocasional fachada de pedra calcária. Branco? Nem por isso. Então de onde vem essa ideia? Da luz. A luz da lisboa é branca, entra pelos olhos dentro e faz o habitante local procurar a sombra e cobrir os olhos com a mão. O turista prefere ficar ao sol, é a forma de nos distinguirmos deles. Vê-se logo a separação dos dois grupos.

Mas falemos de vinho: há também uma óbvia separação entre grupos. A velha Lisboa, herdeira da Estremadura, era uma região de tintos. Aliás, dizia-se que Portugal era um país de tintos. “Era” fica bem dito, porque os anos passam, todo o sector trabalhou duro para encaixar a ideia de que temos uma gastronomia e um clima que convidam aos vinhos brancos. Viticultura e enologia juntaram-se, a crítica apoiou, os consumidores ficaram contentes e todos evoluíram. Neste momento, nas minhas notas de prova faço muitas recomendações de pratos de carne com vinho branco, o que me indica que também o velho estilo de branco jovem, fácil, frutado e directo também é só mais uma das opções. Há outros estilos que se vão impondo, e a gama de vinhos brancos que se encontra neste momento país-fora é variada e impressionante.

Esta prova de brancos topos de gama da região de Lisboa foi prova disso. Os produtores enviaram as suas armas pesadas e há uma gama extraordinária de vinhos de grande qualidade, com incrível variedade de castas, seja a solo, seja em lotes, diversas técnicas de vinificação e tipos de estágio, e de certa forma. para minha surpresa, muitas idades: entre 2019 e 2024. So much para outro mito que se vai esboroando, o de que os brancos se têm de beber jovens e que o branco do ano anterior ao último já só serve para temperar as iscas. Not true, e de uma forma bastante definitiva (entra meta-filosofia, para reflexão estival): é já tão evidente que os clientes não pensam assim, que os produtores têm confiança em guardar os seus melhores vinhos, para lançar os topos de gama com vários anos em cima.

Castas várias, lotes diversificados, diferentes idades e evoluções, produtores pequenos e grandes, novos e clássicos, os brancos de Lisboa chegaram à idade adulta e valem a pena

 

UMA REGIÃO DIVERSA

A região de Lisboa é muito variada e, segundo Carlos João Pereira da Fonseca (Companhia Agrícola do Sanguinhal e Vogal da Direcção da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa) tem uma diversidade única no país. Carlos João explicou-me que a região tem Bucelas, onde se fazem grandes Arintos. Talvez tenha sido Nuno Cancela de Abreu, com o Morgado de Santa Catherina, a fazer o primeiro grande branco com madeira em Portugal. Tem Carcavelos, uma região única com um grande trabalho nos licorosos. Tem Colares, com chão rijo e chão de areia, ambos com características completamente diferenciadoras. Vamos subindo e há a zona de Arruda dos Vinhos até Sobral de Monte Agraço e Alenquer, com muito menos influência atlântica, regiões tradicionalmente de tintos. Lisboa tem as zonas marítimas de Óbidos e Torres Vedras, que sempre foram zonas de brancos. Há ainda as Encostas de Aire e os medievais de Ourém, mais focadas nos tintos. E depois há a Lourinhã, com mais influência marítima, e que faz vinhos mais leves, para a tão conhecida aguardente.

Carlos João Pereira da Fonseca acrescentou ainda que só com grande trabalho na vinha é que se começaram a fazer vinhos tintos do lado do mar. Quando começou a plantar vinhas, nos anos 1980, ampliou a área de tintos, era então apenas 20%. Plantou castas de ciclo mais curto e conseguiu melhorar muito a qualidade dos vinhos sem perder o seu carácter. A região produz muito, é a segunda maior a seguir ao Douro, e a terceira em termos de vendas de vinhos certificados. Recentemente, voltaram a apostar nas brancas, e o encepamento de castas brancas aumentou para os actuais 40%.

A lista de castas autorizadas para vinhos brancos pela CVR é muito extensa e abrange muitas castas autóctones, nacionais e internacionais. Entretive-me a contar as castas mencionadas nas fichas técnicas dos 33 vinhos provados nesta prova. Em 44 castas mencionadas (entre varietais e lotes, apenas num vinho não sei as castas), 17 são Arinto, cinco são Viosinho, quatro são Vital, quatro são Malvasia ou Malvasia de Colares, duas são Viognier, duas são Fernão Pires/Maria Gomes, e as restantes aparecem apenas uma vez: Cercial, Riesling, Jampal, Sercial, Sémillon, Alvarinho e Roussanne. Para mim, a grande surpresa foi o aparecimento repetido da casta Viosinho, uma importação recente, que mostrou grande adaptação ao terroir, e cuja adopção tem crescido. Não é surpresa o Arinto, já que é originário de Bucelas, como não é surpresa que ainda apareça a Vital, uma casta histórica, de grande longevidade e que já há anos atrai atenção, embora tenha escapado por pouco à extinção. Mesmo a Malvasia de Colares está em perigo, mas a determinação das gentes de Colares vai salvá-la. A Chardonnay e o Viognier já têm histórico de algumas décadas na região, e as restantes parecem responder ao objectivo de ter, no mercado, vinhos diferenciados, uma característica que a região abraça com gosto, aproveitando o facto de ter também muitos micro-terroirs valorizados por um público atento.

Tudo o que vejo acontecer na região de Lisboa me entusiasma em crescendo. A quantidade e variedade de vinhos brancos topos de gama e os resultados empolgantes desta prova, tudo me diz que a variedade e a experimentação nos tintos também vai chegar em breve ao topo. Cada vez mais vai valer a pena escolher vinhos de Lisboa e desfrutar desta antiga, mas moderna, região de vinhos. Inshallah.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

Vinhos & Sabores 2025 com provas especiais imperdíveis

Provas

São já conhecidos os temas das Provas Especiais no próximo Grandes Escolhas Vinhos & Sabores, o maior evento vínico realizado em Portugal e que, este ano, tem lugar entre os dias 18 e 20 de Outubro, na FIL (Parque das Nações). Tal como habitualmente, as provas serão apresentadas e comentadas por profissionais de referência e […]

São já conhecidos os temas das Provas Especiais no próximo Grandes Escolhas Vinhos & Sabores, o maior evento vínico realizado em Portugal e que, este ano, tem lugar entre os dias 18 e 20 de Outubro, na FIL (Parque das Nações).

Tal como habitualmente, as provas serão apresentadas e comentadas por profissionais de referência e abrangem muitas das mais prestigiadas marcas da actualidade, incluindo grande número de vinhos raros há muito esgotados no mercado.

As reservas podem ser feitas através do link que terá brevemente disponíveis os ingressos para venda: PROVAS ESPECIAIS

Sábado, 18 de Outubro

Sala 2

15:30Alves de Sousa, um pioneiro do Douro moderno

De Gaivosa ao Abandonado é feita uma viagem pelas marcas e colheitas mais emblemáticas desta casa duriense.

Por: Domingos e Tiago Alves de Sousa

Sala 1

17:30Grandes tintos de 2015

A já clássica prova dos tintos com 10 anos reflecte a excelência e o carácter de uma vindima, de Norte a Sul.

Por: Nuno de Oliveira Garcia

Sala 2

17:30Porto Vintage, descobrindo os Clássicos

Os anos “Clássicos” não são todos iguais e os grandes Vintage Taylor’s, Fonseca e Croft revelam as suas nuances.

Por: David Guimaraens

Sala 1

19:30Cossart Gordon, Madeira com história

Entre Datados, Colheitas e Frasqueiras, uma das mais históricas marcas da Madeira Wine Company mostra as suas joias.

Por: Francisco Albuquerque

Sala 2

19:30J. Portugal Ramos, Alentejo com classe

Nesta casa de Estremoz, a busca pela perfeição é levada ao limite. O resultado são vinhos precisos, sofisticados, inesquecíveis.

Por: João Maria Portugal Ramos

 

Domingo, 19 de Outubro

Sala 1

15:30Anselmo Mendes, entre Minho e Lima

O “senhor Alvarinho” também é Loureiro, Alvarelhão, Pedral. Seus brancos (e tintos!) revolucionam uma região.

Por: Anselmo Mendes

Sala 2

15:3025 anos de Herdade do Sobroso

Parece que foi ontem, mas já passou um quarto de século. De Vidigueira para o mundo, uma marca que se afirma no topo do Alentejo.

Por: Filipe Teixeira Pinto

Sala 1

17:30 – Beja, a caminho da DO Alentejo

Beja e seus arredores têm tudo para ser a nona sub-região do Alentejo. Grous, Malhadinha, Mingorra e Santa Vitória mostram porquê.

Por: Luís Lopes

Sala 2

17:30Sidónio de Sousa, sabores da Bairrada antiga

Um dos maiores expoentes do Bairrada clássico, onde Baga, lagares e tonéis revelam os seus tesouros.

Por: Paulo Sousa

Sala 1

19:30 Grandes brancos de Lisboa

Atlânticos, expressivos, salinos, elegantes, frescos, longevos. Os brancos de Lisboa estão melhores do que nunca.

Por: Luís Antunes

Sala 2

19:30 Quinta da Bacalhôa, o “château” de Azeitão

Cabernet Sauvignon com pozinhos de Merlot e Petit Verdot. Desde 1979, o tinto mais bordalês de Portugal.

Por: Vasco Penha Garcia