Symington avança com engarrafamento de Porto Vintage 2021

Symington Porto Vintage 2021

A Symington Family Estates anunciou que vai lançar seis Porto Vintage 2021, com destaque para o Graham’s The Stone Terraces, um vinho com origem na Quinta dos Malvedos e de quantidades muito limitadas, proveniente de duas parcelas com menos de três hectares e de baixas produções. Segundo a família Symington, “este Porto Vintage é apenas […]

A Symington Family Estates anunciou que vai lançar seis Porto Vintage 2021, com destaque para o Graham’s The Stone Terraces, um vinho com origem na Quinta dos Malvedos e de quantidades muito limitadas, proveniente de duas parcelas com menos de três hectares e de baixas produções. Segundo a família Symington, “este Porto Vintage é apenas produzido nos anos em que as vinhas proporcionam vinhos de elegância e complexidade incomparáveis”, sendo apenas a quinta vez que a empresa produz Graham’s The Stone Terraces.

Para comercialização, serão engarrafadas 4800 unidades de 750ml e 280 garrafas “tappit Hen” (2250ml), o que corresponde a apenas 2% da produção total da Quinta dos Malvedos em 2021. O Graham’s The Stone Terraces Vintage 2021 será, ainda, lançado “‘en primeur’, durante a Primavera deste ano”, avança a Symington Family Estates.

Symington Porto Vintage 2021
A Parcela dos Cardanhos, na Quinta dos Malvedos, Douro.

Charles Symington, director de produção, comenta a importância deste vinho para a empresa: “Há muito que a minha família valoriza os muros de pedra, construídos à mão, da Quinta dos Malvedos, por produzirem vinhos com um perfil incrível e único, que se distinguem claramente dos restantes vinhos ali produzidos. Após o abandono que se seguiu à Filoxera, estes socalcos foram meticulosamente reconstruídos à mão em finais do século XIX, pensados para produzir vinhos do Porto de excepcional concentração e poder, com recurso a técnicas de viticultura seculares”.

Adicionalmente, a Symington Family Estates decidiu engarrafar 5 Porto Vintage “single quinta” de 2021: Cockburn’s Quinta dos Canais, Dow’s Quinta do Bomfim, Dow’s Quinta da Senhora da Ribeira, Graham’s Quinta dos Malvedos e Warre’s Quinta da Cavadinha. Para já, será lançada “en primeur” uma pequena quantidade de Dow’s Quinta do Bomfim Porto Vintage 2021. Os restantes, de acordo com a Symington, ficarão a envelhecer “nas garrafeiras da família para lançamento futuro”.

Quinta dos Termos: “O vinho e o campo sempre me aqueceram o coração”

Quinta dos Termos Beira Interior

João Carvalho nasceu na Quinta dos Termos, em Belmonte, e aí cresceu. Mas foi bem antes disso, quando da divisão administrativa do país, que a propriedade recebeu este nome, por se encontrar precisamente na divisão entre (nos termos de) dois distritos — Guarda e Castelo Branco — dois concelhos e três freguesias. Todo o vale […]

João Carvalho nasceu na Quinta dos Termos, em Belmonte, e aí cresceu. Mas foi bem antes disso, quando da divisão administrativa do país, que a propriedade recebeu este nome, por se encontrar precisamente na divisão entre (nos termos de) dois distritos — Guarda e Castelo Branco — dois concelhos e três freguesias. Todo o vale onde está inserida a quinta, com cerca de 200 hectares, pertenceu sempre à família de João Carvalho. No entanto, em 1910, a Quinta dos Termos foi vendida a um espanhol, tendo regressado ao seio familiar apenas em 1945, quando Alexandre Carvalho, pai de João, a comprou, mudando-se para lá.

Na década de cinquenta, Alexandre Carvalho reestruturou grande parte da área vitícola, preservando algumas parcelas de vinhas velhas. Na altura, toda a produção era vinificada e vendida nas tabernas da região. “Quem nasce e vive numa quinta, começa a trabalhar quase desde o nascimento”, confessa-nos João Carvalho. “Por isso, quando fui para a universidade, disse, ingenuamente, ‘adeus quinta, nunca mais cá me apanhas’.”. Engenharia Têxtil foi o curso que escolheu, e começou a trabalhar ainda durante o mesmo. Quando terminou, iniciou a carreira como director técnico e director geral de algumas empresas têxteis. Entretanto, com o falecimento do seu pai, foi feita a partilha familiar, e o empresário acabou por ficar com a Quinta dos Termos. “Lá tive de dizer, em 1993, ‘bom dia quinta, cá estou eu outra vez!’, brinca João Carvalho. “Mas na verdade, o vinho e o campo sempre me aqueceram o coração…”. Coincidentemente, fundou a sua actual empresa têxtil, a Fitecom, no mesmo ano. “Passei a ter três trabalhos: o agrícola, o industrial, e o de docente no ensino superior, na área do Design Têxtil”, revela.

Quinta dos Termos Beira Interior

O início do projecto de vinhos

Quando João Carvalho pegou na quinta, as vinhas estavam em muito mau estado. Recuperou logo cerca de 6 hectares, dos 16 que já havia e que tinham sido plantados em 1931. O resto reconverteu totalmente a partir de 1996. Acompanhado pela sua esposa, Lurdes Carvalho, estudou e recuperou muitas das castas históricas da Beira Interior, naturalmente adaptadas aos solos graníticos pobres e ao clima agreste da região. Desde o início do projecto esteve, também, o enólogo Virgílio Loureiro, ainda hoje consultor técnico da Quinta dos Termos, orientador da enóloga residente Ángela Marín. Assim, a primeira casta que seleccionaram para recuperação, identificada nas vinhas velhas, foi a branca Fonte Cal. João Carvalho lembra: “Andávamos a provar as uvas das vinhas velhas, e havia uma casta muito diferente, com uma particularidade tostada… era a Fonte Cal”. Desta forma, foi plantada separadamente em 1997, tendo sido vinificada como monovarietal pela primeira vez em 2003. Era o início da definição do conceito da casa, declarado pelo produtor como “produção sustentável, com foco nas castas tradicionais”.

Nos anos seguintes, a Quinta dos Termos entregou as suas uvas à Cooperativa da Covilhã, mas em 2000 a equipa decidiu começar a fazer vinho com marca própria. O primeiro que lançou foi de 2001, um Quinta dos Termos Reserva tinto que, como se “saiu muito bem nas publicações da especialidade, na altura”, conta o produtor, foi o primeiro indicador (engarrafado) do potencial do projecto. “A partir de 2003, foi uma bola de neve, arrancámos em velocidade de cruzeiro. Fomos comprando direitos de plantação, e atingimos os mais de 60 hectares de vinha que a quinta tem. Decidir o que plantar foi, no entanto, um desafio…”.

Em solos graníticos, a uma altitude de cerca de 500 metros, a Quinta dos Termos alberga hoje as castas tintas Touriga Nacional, Trincadeira, Rufete, Jaen, Tinta Roriz, Marufo, Tinto Cão, Alfrocheiro, Baga, Syrah, Petit Verdot e Sangiovese; e as brancas Fonte Cal, Síria, Arinto, Verdelho e Riesling. “Regamos por aspersão, quando está mais calor, porque o clima aqui é muito seco e para homogeneizar a rega, numa tentativa de não desvirtuar o terroir”, explica João Carvalho. A adega — de momento a sofrer intervenções, sobretudo de expansão — tem certificação de Produção Integrada, e combina a modernização tecnológica com técnicas tradicionais de vinificação. As uvas utilizadas são, na maior parte, de produção própria, com recurso adicional a parcerias estreitas com pequenos viticultores. Na Quinta dos Termos, e nas outras propriedades da empresa, a vindima é manual e feita casta a casta (com excepção das vinhas velhas). A vinificação é também ela individual, “recorrendo a uma forma de enologia pouco interventiva, para que que se exprima o sentido de lugar e o carácter varietal”, indica o produtor.

A expansão

Em 2012 e 2013, com direitos de plantação que ainda não tinha utilizado, a família foi à procura de outra propriedade na Beira Interior, acabando por adquirir os 150 hectares da Herdade do Lousial, na Lousa, em 2015, após estudar a zona ao nível do solo e clima, e dessa propriedade se mostrar ideal. Aqui estão, agora, 32 hectares de vinha em produção, plantados em 2016 e 2017, após terem sido arrancados os que já lá estavam — com planos para plantação de mais 20 — em solos graníticos, com pouca matéria orgânica, e arenosos, mais profundos do que os de Belmonte, embora semelhantes. Nesta herdade existe, também, aquela que é, segundo João Carvalho, a primeira vinha de clones seleccionados de Fonte Cal. São mais de vinte, vindos da Quinta dos Termos, do campo de recuperação da casta que tem 212 clones. Hoje, este modelo já foi replicado na casa, e adaptado para a tinta Rufete e a branca Callum. Será a vindima de 2023 a originar o Fonte Cal de estreia da Herdade do Lousial, cuja marca com o mesmo nome já existe, a par dos entrada de gama Alto da Lousa. Adicionalmente, crescem neste lugar entre Lardosa e Penamacor, na transição das montanhas para a planície, tintas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Syrah, Sangiovese e Nebbiolo; e as brancas Síria, Arinto, Riesling, entre outras. Os primeiros vinhos, por sua vez, foram da colheita de 2019.

Quinta dos Termos Beira Interior
Mas a vontade de expansão não se ficou pela região original, sobretudo depois da entrada de Pedro Carvalho na empresa, filho mais novo de João e Lurdes. Pedro decidiu, em 2016, abandonar a carreira que tinha e mergulhar no negócio de vinho da família. “Licenciei-me em Economia, com mestrado em Gestão, e apesar do negócio principal da família ser o têxtil, eu sempre naveguei mais para os vinhos. Quando vivia em Lisboa ia, inclusive, servir vinhos nos cursos dados pelo Prof. Virgílio Loureiro, e assistir a apresentações de outros produtores… gostava realmente deste mundo e de tudo o que ele envolvia, que a meu ver são três áreas diferentes: ciência, história e, de certa forma, arte”, confessa Pedro, que acabou por concluir a pós-graduação em Wine Business, e receber, pela sua prestação, um prémio da ViniPortugal. “Acabada a pós-graduação, quis ir trabalhar para os Termos, mas o meu pai queria que eu fosse para outra empresa antes disso, durante pelo menos 3 anos, e eu fui. Trabalhei na área de gestão e finanças em Lisboa, mas passado 36 meses despedi-me e vim para a quinta”, conta o jovem. João Carvalho não esconde o seu ponto de vista: “Fiz tudo o que estava ao meu alcance para ele não vir. Ambos os meus filhos, o Pedro e o Miguel, trabalham hoje comigo, mas apenas por vontade deles. Tiveram de me convencer. Sinceramente, nunca acreditei em empresas familiares. Tanto no têxtil como no vinho, sempre achei que ia criar uma administração extra-familiar. Acabei por ter de ceder!”. Pedro Carvalho, agora responsável de Marketing e Estratégia da Quinta dos Termos, agitou as águas na empresa. “Uma das minhas prioridades foi trazer boas rotinas e mais organização, o que levou até a algumas saídas de pessoal. Diziam que não estavam para aquilo. A equipa acabou por rejuvenescer, com profissionais qualificados. Criei, no início, um plano de integração: quem entrava na empresa, tinha um calendário para passar por todas as áreas, pelo menos uma hora em cada sector, para ganhar sensibilidade geral do negócio. E só as novas rotinas trouxeram excelentes resultados comerciais. Facilitaram, também, o trabalho das pessoas, mantendo a quantidade de horas laborais. Passámos a apostar na formação externa, além da interna que já existia, e impulsionámos a componente do enoturismo”, avança. E acabou por convencer o pai noutras coisas, como a investir no Douro Superior em 2019, concretamente nos 32 hectares da Quinta do Pocinho. Esta propriedade, na aldeia homónima, já tinha vinha, mas a família plantou mais, chegando a 22 hectares de vinhedos — em patamares e ao alto, entre os 200 e os 350 metros de altitude — com predominância das variedades tintas Touriga Francesa, Touriga Nacional, Tinto Cão e Tinta Roriz; e das brancas Rabigato e Viosinho; havendo ainda algumas vinhas velhas com mistura de dezenas de outras castas. Na senda de um projecto de enoturismo ambicioso, a equipa está aqui a construir um edifício multifacetado e luxuoso, com arquitectura de autor, junto à adega original. O ex-libris será uma sala de provas e eventos com uma generosa varanda e vista privilegiada para o rio. João Carvalho descortina: “Acreditamos que, dentro de dois ou três anos, o que estamos a construir na Quinta do Pocinho será capaz de seduzir os corações mais gélidos…”.

(Artigo publicado na edição de Março de 2023)

Tintos de 2013: 10 anos depois

tintos 2013

Começo o texto com uma declaração (pessoal) de interesse: adoro os vinhos de 2013, brancos e tintos, de todo o país. Em ano de Inverno frio, e Primavera muito chuvosa ― já lá iremos ver melhor o ano climatérico ―, produziram-se alguns dos nossos vinhos favoritos, sobretudo nas regiões mais quentes. Posso dizê-lo, com a […]

Começo o texto com uma declaração (pessoal) de interesse: adoro os vinhos de 2013, brancos e tintos, de todo o país. Em ano de Inverno frio, e Primavera muito chuvosa ― já lá iremos ver melhor o ano climatérico ―, produziram-se alguns dos nossos vinhos favoritos, sobretudo nas regiões mais quentes. Posso dizê-lo, com a segurança de quem tem sido afortunado em estar presente em várias verticais de topos de gama, que a colheita de 2013 nunca desilude, apresentando-se tão jovem quanto fresca. Foi assim, por exemplo, com as verticais recentes dos tintos ícones Pêra Manca, Legado, Abandonado e Procura (estes dois últimos em prova no neste painel), nos quais a colheita de 2013 foi, precisamente, uma das minhas favoritas, senão mesmo a mais-querida. Mesmo considerando as várias excelentes colheitas que tivemos ao longo da segunda década do novo milénio, a de 2013 — sobretudo num vector de frescura e longevidade — está no meu top 3. Certo que 2011 poderá ficar na história pela concentração, 2012 e 2017 pelo aprumo e exuberância, e 2015 pela generosidade de aromas. Mas 2013…, um pouco à semelhança de 2016 (este, todavia, um ano bem mais quente no geral), apresenta uma estrutura tânica única por ser vigorosa e fresca, mas sem qualquer agressividade. E, em rigor, foi um pouco assim em todo o país, ou seja, foi também uma colheita homogénea, de boa qualidade (se bem que, ao tempo, não considerada excelente pelos produtores) por todo o território. Basta atender aos vinhos provados neste painel para compreender que, em todas as regiões, o registo de longevidade é por demais evidente. Não temos dúvidas que essa característica resulta de uma viticultura e enologia cada vez mais profissionais e cuidadas, mas ― e com base em centenas de provas de vinhos de diferentes colheitas ― também não temos que parte importante resulta das próprias tipicidades do ano em causa.

Chuva na Primavera e maturação tardia

E como foi, então, o 2013 climatérico, sempre com a produção de uva e de vinho em mente? Comecemos pelo básico e mais generalizado: terminada a vindima de 2012, chegou a chuva, e logo de forma intensa, que se manteve por muito tempo. De tal forma assim foi que, em apenas 3 meses, choveu mais de metade do total da chuva caída durante todo o ano. Depois, surgiu um Inverno bastante frio (mais frio que a média noutros anos), e em meados de Março a chuva forte voltou um pouco por todo o país, tendo sido registadas cheias do norte ao sul durante parte da Primavera. A chuva foi tanta que chegou mesmo a condicionar a realização dos trabalhos na vinha, que tiveram de ser adiados. Em muitos locais do país, o mês de Março de 2013 foi mesmo o segundo mais chuvoso dos últimos 50 anos… A análise comparativa revela que, durante o Inverno e mesmo na Primavera de 2013, os valores médios da temperatura foram inferiores aos dos anos anteriores. Apesar dos estragos da imensa chuva (no Douro, por exemplo, vários patamares foram afectados e houve registos de deslizamentos de terra), a água foi quase sempre vista como uma bênção, após 2 anos (2011 e 2012) com menos 40% da média anual de precipitação. Mais a mais considerando que parte das videiras em território nacional não é irrigada, dependendo, por isso, da chuva e das reservas no solo. Talvez por isso, e apesar da instabilidade provocada no ciclo das videiras, o abrolhamento decorreu na época normal e o vingamento não foi afectado. Até junho, o clima continuou frio e chuvoso, não espantando, por isso, que os relatórios de vindima por todo o país coincidam no atraso significativo do ciclo vegetativo, entre uma a duas semanas, com o pintor a surgir algo tardio. Com a entrada do Verão tudo mudou, radicalmente, com um período quente e seco (um dos verões mais quentes desde 1931). Entre Junho e Agosto, os registos de chuva nas regiões mais secas foi de cerca de 4,5mm, o que, na prática, significa que, em 12 semanas, não houve praticamente água alguma. Em várias regiões, contudo, as altas temperaturas de dia (houve mesmo uma onda de calor no início de Julho) foram compensadas com noites surpreendentemente frescas, contribuindo para um clima mais continental do que propriamente mediterrânico. A maturação manteve-se tardia, sendo que o Verão quente não causou prejuízos significativos dado o equilíbrio vegetativo e hídrico alcançado com as chuvas de Inverno, o que significou um ano com boas produções. Alguns enólogos confirmaram-nos que as baixas temperaturas primaveris e o súbito calor no Verão causaram alguma variação na maturação das diferentes parcelas, enquanto outros destacaram o tamanho dos bagos que, em 2013, foi genericamente pequeno, tendo isso um impacto na concentração dos vinhos. O ano agrícola, mais uma vez no que a vinhos diz respeito, não terminaria sem um Setembro e um Outubro com bastante precipitação o que, porém, não se revelou nefasto na medida em que, por um lado, a chuva só chegou quando a melhor uva já estava na adega e, por outro lado, alguma dessa chuva até ajudou na dificuldade de maturação de algumas castas e parcelas.

tintos 2013

 

Elegância e equilíbrio

Uma década volvida da colheita, falámos com produtores e enólogos de todo o país e a reacção generalizada não foi muito diversa. Francisco Ferreira (Vallado) e Jorge Moreira (Poeira), ambos centrados na região do Douro, destacam o perfil fresco dos vinhos que os tornam muito agradáveis de beber (muito bons tintos e excelentes brancos), não deixando de referir que faltou, num ou outro vinho, um pouco mais maturação que contribuísse com profundidade. Jorge Moreira, ainda sobre este aspecto, realça que os vinhos têm evoluído muito bem, e que só por falta dessa maior maturação é que não têm ainda mais personalidade. Mário Sergio Nuno (Quinta das Bágeiras) destaca também o ano frio na Bairrada, onde não se sentiu qualquer tipo de escaldão no Verão, o que contribuiu com vinhos mais finos e menos estruturados (comparados com 2011 e 2012 ou até 2015), com taninos em todo o caso sérios e austeros que garantem longevidade. Ao sul, no Alentejo, Pedro Baptista (Fundação Eugénio de Almeida) só tem boas palavras para a colheita, elogiando-a ao ponto de a equiparar à mítica de 2011, salientando que as temperaturas foram “doces durante o ano” garantindo, genericamente, maturações lentas e equilibradas. Para o enólogo e administrador, 2013 é responsável por alguns dos vinhos alentejanos mais elegantes e equilibrados dos últimos anos. Também Susana Esteban lembra com candura a colheita de 2013, mais a mais por ter sido a primeira no seu projecto pessoal, destacando a fantástica longevidade dos brancos e a elegância e frescura dos tintos.
Quanto à prova verdadeiramente dita, a primeira nota positiva vai, como já referimos atrás, para a prestação dos vinhos ao nível da sua juventude. 2/3 dos tintos provados aguentarão, estamos certos, outros 10 anos ao mesmo nível (ou até melhorarão), e muitos desses seguramente muito mais anos. A cor retinta e o tom brilhante no copo, os aromas jovens e por vezes até reservados, e uma prova de boca com estrutura ácida e tânica, foram características transversais a uma parte maior dos vinhos provados. Falando ainda de transversalidade, realçamos o facto de todas as regiões em prova apresentarem vinhos de altíssima qualidade. Pela análise climática acima descrita, pode-se dizer que foi um ano que favoreceu as regiões mais quentes, com Douro e Alentejo à cabeça (com vários vinhos entre os mais pontuados), mas entre os que deram melhor prova constam também vinhos da Bairrada (com destaque para Outrora e Kompassus) e do Dão (belíssimos os Quinta da Pellada e Quinta da Vegia). No estilo e mecânica de prova, é impossível não realçar os alentejanos Mouchão, Procura e Esporão Private Selection como alguns dos mais gastronómicos, da mesma forma que os durienses Pintas, Poeira e Carvalhas se elevaram pela juventude e perfil compacto, prontos para mais duas décadas de vida em garrada. Destaque ainda para os bairradinos Outrora e Kompassus Private Selection (magníficos exemplares da casta Baga) e para o perfil leve e perfumado do Quinta da Pelada Casa e do Robustus. Não falta, portanto, por onde escolher!

(As notas de prova foram realizadas pelo painel de provadores da Grandes Escolhas)

19 B
Mouchão
Alentejo tinto 2013
Vinhos da Cavaca Dourada
Aroma fantástico, todo com fruto encarnado, morango, ameixa meio madura, especiaria branca, azeitona e levíssima nota de couro. Rugoso e concentrado em boca, sem peso, todavia e retendo óptima acidez. Final com ligeiras notas licoradas, sentindo-se ainda tanino. Super gastronómico! (14%)

19 B
Outrora
Bairrada Clássico Baga tinto 2013
V Puro
Vinhas velhas entre 80 a 120 anos. 24 meses em barrica, metade novas. Aroma apaixonante, com o melhor da casta, fruto encarnado limpo e definido, bagas esmagadas, tijolo, ervas frescas. Muito bem na boca, novamente limpo e focado, ameixa e cereja madura, final longo, com travo a café e minerais quebrados. Belíssimo! (13%)

19 C
Pintas
Douro tinto 2013
Wine & Soul
Muito jovem, desde logo na cor e no aroma que começa fechado. Abre com nota a tinta-da-china, denotando profundidade, logo surge bergamota e fruto azul, barrica no ponto. Mantém o nível em boca, cremoso e saboroso, acidez impecável, nota a ginga fresca, mirtilo, noz-moscada e chocolate negro. Imperdível! (14,5%)

19 C
Poeira
Douro tinto 2013
Jorge Nobre Moreira
Aroma clássico da marca, com muito fruto azul, urze, mato, minerais quebrados e barrica discreta. Prova de boca macia e plena de sabor, acidez fantástica, mantem-se jovem, mas com uma finura desafiante, revelando magnifica construção e desenho de taninos. (14%)

18,5 B
Carvalhas
Douro
Real Companhia Velha
18 meses em barrica, metade nova. Aroma impressionante, multi-dimensionado, com fruto silvestre, esteva, notas a barrica, leve floral, balsâmico, e ainda alcaçuz. Prova de boca em linha, com tanino poderoso, mas sem perder cremosidade, impressiona com notas a mirtilo e cacau fresco e algum chão de bosque. (14%)

18,5 B
Esporão Private Selection
Alentejo Garrafeira tinto 2013
Esporão
Alicante Bouschet, Aragonez e Syrah de diferentes vinhas. Parte estagia com barrica nova e parte usada, de diferentes dimensões. Óptima cor, ainda com juventude. Aroma com muito fruto negro, ainda profundo, ameixa, couro e chocolate. Fresco, mas aveludado em boca, muito sabor, complexo e intrigante, um tinto muito sedutor. (14,5%)

18,5 C
Kompassus Private Collection
Bairrada Baga tinto 2013
Kompassus Vinhos
18 meses barrica. Aroma com bagas encarnadas, ervas frescas, barrica a comandar com sensações a madeira avinhada, tudo denotando força e intensidade, mas sem perder equilíbrio. Prova de boca jovem, tanino bem presente, mantem o registo de potência, com sabor que se mastiga, e final potenciado pelas notas especiadas a barrica e cacau. (14,5%)

18,5 B
Procura
Reg. Alentejano tinto 2013
Susana Esteban
Alicante Bouschet, mais vinha velha. 16 meses barrica. Fantástico bouquet, com fruto encarnado delicado (framboesa), ervas frescas, tudo muito limpo e puro, denotando juventude e aprumo. Prova de boca em linha, com tanino vivo, óptima frescura, alguma leveza no perfil e nota balsâmica. Um tinto de filigrana, solto e a melhorar ainda nos próximos anos. (14,5%)

18,5 B
Quinta da Pellada Casa
Dão tinto 2013
Quinta da Pellada
Aroma habitual no produtor, com notas bonitas e perfumadas a fruto encarnado fresco, bergamota, laranja, anis, floral também. Prova de boca muito elegante, ainda jovem e retendo bela frescura, fino, directo e expressivo, e com perfil muito prazeroso. (13%)

18,5 B
Quinta da Touriga Chã
Douro tinto 2013
Jorge Rosas Vinhos
Aroma com o perfil da marca, muito fruto (negro e azul), em camadas, barrica luxuosa também a comandar, e um toque de caramelo salgado ao fundo. Prova de boca de grande nível, amplo, lácteo e saboroso, na qual sobressaem as referências a ameixa madura, café e chocolate. Final longo e pujante! (14,5%)

18,5 B
Quinta da Vegia
Dão Superior tinto 2013
Casa de Cello
Aroma jovem, com notas de fruto azul, caruma de pinheiro, vegetal seco, muito vivo e de recorte clássico, barrica ao fundo com classe. Prova de boca mais redonda do que o nariz faria prever, saboroso, fruto azul e leve nota a frutos secos. Termina fresco e longo, sempre com cremosidade. (13,5%)

18,5 B
Quinta do Castro Vinha Maria Teresa
Douro tinto 2013
Quinta do Crasto
20 meses em barrica nova. Muito jovem ainda, na cor e aroma. Todo num perfil austero e fechado, com nota a fruto azul, especiaria exótica, urze, alcaçuz e chá. Boca que começa ampla e macia, no meio revela apimentados, sempre num perfil amplo, sem perder frescura. Muito sedutor e com longa vida pela frente. (14,5%)

18,5 B
Quinta do Vallado
Douro Reserva tinto 2013
Quinta do Vallado
Muito jovem na cor e aroma, revela referências a erva fresca, fruto encarnado e negro, notas da barrica, tudo muito bem integrado. Prova de boca elegante e fina, minerais quebrados, fruto bonito, novamente ervas frescas, tudo a dar grande prova. (14%)

18,5 B
Quinta do Vale Meão
Douro tinto 2013
Quinta do Vale Meão
Aroma sedutor com nota a cacau fresco, fruto azul profundo, boa complexidade, mineral e chocolate negro, barrica muito delicada nesta fase. Saboroso e amplo em boca, acidez média, tanino ainda muito vivo, concentrado e cheio de matéria, termina vigoroso e afirmativo. (14%)

18,5 B
Robustus
Douro tinto 2013
Niepoort Vinhos
Aberto na cor. Aroma muito focado e definido, framboesa, funcho, todo de perfil silvestre e delicado, até mesmo no trabalho de barrica. Prova de boca em linha, leve e fresca, saboroso e muito limpo, amplo sem qualquer peso, acidez presente e sensação fresca. Muito personalizado e de grande prazer. (13%)

18,5 C
Xisto
Douro tinto 2013
Roquette & Cazes
A base é Touriga Nacional e Franca, e Tinta Roriz. 20 meses em barrica. Aroma surpreendentemente jovem. Nota a cacau fresco, ameixa, fruto muito bonito, alcatrão e leve alcaçuz, tudo muito atractivo. Redondo e macio em boca, tanino saboroso, mas ainda austero, acidez média e final ainda em construção. Afinado, muito jovem ainda, e de grande impacto. (14%)

18 B
Abandonado
Douro tinto 2013
Domingos Alves de Sousa
18 meses em barrica de carvalho francês e português. Aroma complexo e intrigante, fruto encarnado e negro, chão de bosque, ervas frescas, mas também algum doce de leite ao fundo. Na boca sente-se mais a barrica, com tanino muito presente, balsâmico, acidez média, muito sabor, puro e definido. Ainda pujante! (14,5%)

18 B
Dona Maria
Alentejo Grande Reserva tinto 2013
Júlio Bastos
50% Alicante Bouschet, sendo o restante Petit Verdot, Syrah e Touriga Nacional. Um ano em barrica. Muito afinado no nariz, com leve pendor vegetal, café também, depois surge fruto de qualidade, mas sem perder um lado terroso e de raiz. Prova de boca em linha, complexo e saboroso, jovem e intenso mas, curiosamente, com tanino fino e elegante. (14,5%)

18 B
Duas Quintas
Douro Reserva tinto 2013
Adriano Ramos Pinto
Maioria de Touriga Nacional. 16 meses em barrica. Aroma sedutor e intenso, com referências maduras a ameixa, urze, café cubano, doce de leite, bolo de mel. Lácteo em boca, tem boa acidez, com o meio de boca cheio e notas a chocolate amargo. Taninos macios e cooperantes, tudo com sabor e definição, e final com belo comprimento. (14,5%)

18 A
Luis Pato Vinha Barrosa
Bairrada tinto 2013
Luis Pato
Cor mais aberta do que o esperado. Aroma com notas à casta Baga com evolução, fruto encarnado, folhas secas, fruto seco, barro molhado, café, cevada e eucalipto. Prova de boca em linha, tanino fino e elegante, nota a cereal e ginja, molho de ostra. Tudo pronto a beber e agradar, num perfil complexo e clássico. (13%)

18 B
Syrah 24
Reg. Lisboa tinto 2013
José Bento dos Santos
18 meses em barrica, metade nova. Bonita cor aberta. Grande atracção no aroma, ameixa madura, especiaria da barrica e nota a carne, vegetal seco (arbusto), e café. Muito bem em boca, sempre cremoso sem perder definição de tanino, acidez média, mas com boa frescura. Novamente fruto encarnado e alguma grafite. (14,5%)

18 B
Quinta dos Murças
Douro Reserva tinto 2013
Murças
Vinha velha com várias castas, e 12 meses em barricas usadas. Aroma e cor muito jovens, todo a cheirar a Douro, fruto negro e azul, urze e esteva, com boa definição e pureza e percepção de frescura. A prova de boca confirma o perfil fresco, acidez bem presente, novamente fruto azul e sensação a mato. (14,5%)

17,5 B
Chocapalha Vinha Mãe
Reg. Lisboa tinto 2013
Casa Agr. das Mimosas
Tinta Roriz, Touriga Nacional e Syrah. Aroma jovem e potente, como é habitual nesta marca, com especiaria doce, nota a papel, sementes, fruto encarnado, e chocolate ao fundo. Intenso em boca, camadas de tanino, muito boa frescura geral, termina fino, apesar da juventude. (14,5%)

17,5 B
Grande Rocim
Alentejo Reserva tinto 2013
Rocim
Alicante Bouschet, com estágio longo em barrica. Aroma jovem e com perceção de potência, perfil balsâmico, toque canforado e a tijoleira molhada, leve vegetal e barrica ao fundo. Prova mentolada em boca, referência a chocolate preto, directo e eficaz, confirma a vertente da potência. Final amplo e granulado, com acidez vincada. (15%)

17,5 A
Incógnito
Reg. Alentejano tinto 2013
Cortes de Cima
Syrah. Aroma com boa evolução e muito composto. Nota de fruto negro, já com leves licorados, nota a azeitona, pimenta preta, boa complexidade geral. Prova de boca macia, e pronto a beber, saboroso e suculento, longo e retendo boa acidez, temos um tinto exemplarmente desenhado que proporciona muito prazer. (14%)

17,5 B
Palácio da Bacalhoa
Reg. Península Setúbal tinto 2013
Bacalhoa Vinhos de Portugal
Maioria de Cabernet Sauvignon, mais Merlot e Petit Verdot. 19 meses em barrica nova. Aroma de perfil bordalês em ano quente, ataque balsâmico, moca e café, ameixa madura, terra húmida, turfa, barrica ao fundo. Muito tanino em boca, denotando boa juventude, acidez bem presente a equilibrar um vinho generoso na entrega e gastronómico. (14,5%)

17,5 A
Quinta da Leda
Douro tinto 2013
Sogrape Vinhos
18 meses em barrica, metade nova. Notas a fruta encarnada marcam o nariz, ervas frescas também, boa evolução geral, com alguma percepção de frescura, apesar da barrica evidente. Prova de boca que começa por revelar tanino vivo, confirmando-se o perfil fresco, nota a chocolate preto, e referência a bosque e arbusto típico da marca. Termina macio e longo. (13,5%)

17,5 C
Quinta das Bágeiras
Bairrada Garrafeira tinto 2013
Mário Sérgio Alves Nuno
Aroma a denotar juventude, mas também um perfil levemente rústico, com notas a fruto encarnado, leve couro, e tijoleira. Prova de boca com frescura, acidez impecável, tanino firme e quase rugoso, muito sabor a bagas esmagadas. Caracteriza-se pela vibração e frescura, directo e muito gastronómico. (13,5%)

17,5 B
Quinta de S. José
Douro Reserva tinto 2013
João Brito e Cunha
Aroma aprumado e com boa exuberância, bastante tosta da barrica, fruto encarnado, esteva, chocolate e doce de leite, tudo em camadas. Amplo e lácteo em boca, saboroso, com tanino fresco e de filigrana, apresenta muita saúde, e revela-se atractivo, consistente e versátil. (14%)

17,5 A
Tapada do Chaves
Alentejo Reserva tinto 2013
Tapada do Chaves
Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet. 12 meses em barrica de carvalho português e francês. Nota clássica com referências licoradas evidentes, morango maduro, café, vegetal seco, e fumados. Pronto a beber em boca, com taninos cooperantes e saborosos, perfil morno e balsâmico, sem perder o lado clássico e a apetência gastronómica. (15%)

17 A
Marias da Malhadinha
Reg. Alentejano tinto 2013
Herdade da Malhadinha Nova
Alicante Bouschet e Tinta Miúda maioritariamente. 28 meses em barrica nova. Começa austero no nariz, abrindo para fruto muito maduro, em camadas, nota a café com leite, moka, caramelo, tomate seco, e figo. Prova de boca com muito fruto, tanino apertado, acidez vincada, final granulado e levemente seco. (15%)

17 B
MOB
Dão tinto 2013
Moreira, Olazabal e Borges
Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen e Baga. Aroma com boa evolução, fruto encarnado evidente, caruma, bosque e floral fresco ao fundo. Mais fino em boca do que o nariz fazia prever, taninos macios e saborosos, meio corpo, muito fluído, termina ágil e leve, todo em elegância. Perfeito para a mesa. (12,5%)

17 A
Scala Coeli
Reg. Alentejano Reserva Alicante Bouschet tinto 2013
Fundação Eugénio de Almeida
15 meses em barrica nova. Aroma potente e latente, com nota a ameixa madura, tomate seco, ervas secas (orégãos), figo, e azeite balsâmico. Redondo em boca, saboroso, sente-se a barrica luxuosa, apesar do tanino algo seco e acutilante. Final de boca novamente em sabor, com referências a café, azeitona e baunilha. (14%)

16,5 B
Casa de Santar Vinha dos Amores
Dão Touriga Nacional tinto 2013
Casa Agr. de Santar
Aroma por ora ainda marcado pela barrica, floral maduro (violeta) e tinta-da-china ao fundo. Prova de boca em linha, com nota a floral fresco e chocolate amargo, tanino acutilante, termina com citrino maduro e referência especiaria exótica. Pode crescer em garrafa, sendo melhor à mesa nesta fase. (14%)

16,5 A
Ribeiro Santo Excellence
Dão Grande Escolha tinto 2013
Magnum Carlos Lucas Vinhos
Aroma intenso, com notas a fruto azul, couro, e alguma especiaria doce da barrica, floral ao fundo e fruto seco. Prova de boca lácteo e com sabor, conjunto macio, com acidez presente, perfil mais cítrico do que o nariz faria prever, termina amplo, mas com leve secura. (14%)

(Artigo publicado na edição de Março de 2023)

Adega de Ponte de Lima: Em terras de Loureiro e Vinhão

Adega Ponte Lima

O domingo é dia de missa. Talvez nas grandes cidades o apelo religioso não seja tão forte mas sabemos que na chamada “província” ainda é grande a fatia da população que cumpre as suas obrigações cristãs. Na região de Ponte de Lima não será, cremos, diferente. No entanto aqui, se é agricultor, é necessário ir […]

O domingo é dia de missa. Talvez nas grandes cidades o apelo religioso não seja tão forte mas sabemos que na chamada “província” ainda é grande a fatia da população que cumpre as suas obrigações cristãs. Na região de Ponte de Lima não será, cremos, diferente. No entanto aqui, se é agricultor, é necessário ir à missa, mesmo que não haja qualquer convicção religiosa. É que ir ouvir a prédica do pároco é a maneira mais certa de, atempadamente, se saber quais os tratamentos da vinha que são obrigatórios e que não estão dependentes dos caprichos do lavrador. Doenças como a flavescência dourada implicam tratamentos obrigatórios e que têm datas certas; e é na missa que se fica a saber quando se tem de cumprir a obrigação. Há assim um “interlúdio”, uma espécie de “antes da ordem do dia” em que todos os paroquianos ficam a saber o que há a fazer. E numa comunidade em que a Adega Cooperativa funciona como motor da região, foi esta a melhor solução que se encontrou para que ninguém fique sem informação. É ateu? Não é praticante? Vá na mesma à missa que dessa forma fica por dentro dos assuntos que importam.

A Adega Cooperativa de Ponte de Lima nasceu em 1959 e tem um peso enorme na região. Por um lado, está inserida numa zona agrícola e o vinho é uma das actividades principais mas, por outro, ao alimentar muitas famílias o vinho está também a proporcionar o desenvolvimento do comércio e serviços. Fundada com apenas 15 sócios tem hoje 2000 “ainda que só cerca de mil entreguem uvas”, como nos disseram. Estamos então a falar de mais de 4 milhões de quilos de uvas que são “pagos acima do que se pratica no mercado”. Pagar o preço justo, percebemos, é um objectivo sempre presente na acção da direcção porque “é preciso cativar novos produtores que queiram continuar a actividade dos antepassados e temos alguns jovens que estão a tomar conta das vinhas dos pais. Para pagar melhor as uvas têm se aumentar os preços dos vinhos para que o rendimento seja compensador.”

Celeste Patrocínio, a presidente, tem muito orgulho nos sócios, “alguns são descendentes de gente que estava ligada ao vinho no séc. XIX, pessoas citadas por Cincinnato da Costa na obra O Portugal Vinícola (1900) e que contribuíram com uvas para a ilustração do livro”. E há de tudo, desde os que têm apenas 0,3ha até aos que gerem 60ha, esses já altamente profissionalizados.

Loureiro primeiro que tudo

O grande orgulho da Adega é a casta Loureiro, a bandeira do vale do Lima. Aqui estamos em terrenos graníticos mas também com muitas manchas de xisto e há claramente uma influência marítima – temos o mar a 20 e 30 km – e a temperatura amena gera vinhos com grande frescura que são a marca d’água dos Loureiro. Com vinhas antigas é sabido que a variabilidade genética é maior e não se estranha por isso que os vinhos daqui sejam diferentes dos de Ponte da Barca, por exemplo. A casta Loureiro quer terrenos com boa fertilidade para que possa produzir bem e com qualidade. Estamos então a falar de mais de 10 mil quilos por hectare mas há condições para se poder chegar às 14 toneladas.

A zona corresponde, de resto, a uma das nove sub-regiões do Vinho Verde e, tal como acontece em Monção e Melgaço com a casta Alvarinho, também aqui é a casta Loureiro aquela que mais diferencia estes vinhos dos outros que se fazem na região. Na adega contam-nos que foi também a cooperativa a primeira casa a colocar no mercado um vinho varietal com a indicação de Loureiro no rótulo. Corria então o ano de 1982 e, de então para cá, a casta tornou-se emblemática e diferenciadora. É com base nela que a adega organiza o seu portefólio – a produção de branco ocupa 70% e, dentro dos brancos 95% é Loureiro mas a verdade é que a Loureiro não está sozinha. Há outras castas brancas que também servem de tempero, como Fernão Pires, Arinto, Trajadura e Alvarinho (aqui conhecida por Galeguinho) e várias castas tintas.

Pressente-se que o orgulho na Loureiro é idêntico ao da casta Vinhão, a variedade que molda os tintos da região. Ainda que a circulação dos vinhos de Vinhão seja muito regional, na adega há actualmente razões para que a variedade conheça um novo desenvolvimento. Sobre o tema, o experiente enólogo Fernando Moura, responsável pelos vinhos da Cooperativa, explica: “o Vinhão de hoje nada tem a ver com o de há 30 anos; antigamente a casta estava confinada às ramadas que, como sabemos, origina uvas com baixo teor de açúcar. Dessa forma as uvas chegavam à adega com 8 ou 9% de álcool provável e acidez de 10 e 11 gramas. Actualmente com a reconversão das latadas para cordão, temos Vinhão com 12,5% de álcool e 5 gr de acidez. Isso faz toda a diferença”, concluiu. Celeste Patrocínio acrescenta que no último evento Vinhos & Sabores da Grandes Escolhas, “foi com satisfação que vimos jovens chegarem ao nosso stand e quererem provar Vinhão”. À casta Vinhão há que acrescentar outras como a Borraçal, Espadeiro e Padeiro, todas elas castas pouco corantes e que são usadas sobretudo para fazer rosé; são variedades que existem em quantidades já muito residuais, sobretudo nas latadas. Sempre que há reconversões, estas variedades são preteridas e, em tintas, só se planta Vinhão, o “nosso vinho que esgota todos os anos”, diz Celeste.

Adega Ponte Lima

Reconversão e viticultura

Por falar em reconversão das latadas, a direcção da adega apercebeu-se que para os pequenos agricultores era muito difícil chegar aos programas europeus (Vitis) por não terem a área de vinha mínima para se candidatarem, que é de 20ha. Foi então que nasceu a ideia de se fazerem grupadas, ou seja, um conjunto de sócios que têm isoladamente pouca área de vinha mas que em conjunto conseguem perfazer as condições exigíveis. Foi assim “que já conseguimos quase 8 milhões de euros em fundos para reconversão da vinha e estamos sobretudo a falar da passagem da latada à vinha em cordão”, refere Celeste Patrocínio com justificado orgulho. O assunto dos fundos estruturais tem outras dificuldades: a papelada é complicada, a organização das candidaturas também, tudo se assemelha a uma tarefa hercúlea sobretudo quando a idade dos viticultores é já avançada. A adega, dizem-nos, está aqui para ajudar e criou o GAS – Gabinete de Apoio aos Sócios – onde organiza toda a parte burocrática das candidaturas. Também é a própria adega que vende os produtos vitícolas, aconselha e dá formação aos lavradores. O assunto “missa” que atrás falámos prende-se com os tratamentos da vinha. A zona minhota é a mais pluviosa do país e isso, sabe-se, potencia o sugimento de doenças da vinha com míldio e oídio. Actualmente o normal é terem de se fazer 8 a 9 tratamentos por ano, mas como nos diz Ricardo Siva, o técnico de viticultura, “temos problemas de doenças da vinha mas com as alterações climáticas ganhámos muito porque agora há menos tratamentos a fazer. O aumento médio da temperatura ajudou-nos, há mais calor e menos humidade”. Fernando Moura junta outro dado: ”Agora, mesmo nos anos mais difíceis, continuamos a ter vinhos bons. Problema sério é a Esca (doença do lenho), idêntico ao que se passa no resto do país. E solução séria ainda não há…”.

Mas afinal quanto se paga ao lavrador pelas uvas que entrega? Celeste Patrocínio explica: “pagamos acima do preço do mercado e fazemos uma revalorização das uvas que após as contas finais, dá entre 58 e 60 cêntimos. Na região o preço anda entre 50 e 55 cêntimos/quilo. Temos de apoiar o minifúndio senão ficam só as empresas grandes e, depois, o que será feito das terras? Ficam abandonadas? Há quem faça turismo rural, mas entra tudo em descalabro se não houver vinhas. Os novos para ficarem têm de ter rendimento. Ninguém liga nenhuma à valorização da terra, os políticos vêm cá todos na altura das eleições, mas mais nada. Temos essa função de valorizar, levar as pessoas a conservarem casas, caminhos e equipamentos. O vinho tem esse lado social”.

Com as uvas de que dispõe, a adega construiu um portefólio diversificado sempre com um perfil próprio, muito ao gosto do consumidor: brancos e tintos com muito leve doçura residual (estamos a falar de 3 gr/litro) e uma leve presença de gás. O único branco que tem mais açúcar indica-o no rótulo, onde se lê: Adamado. Mudar este perfil não está nos planos porque “fizemos um vinho com zero de açúcar mas não conseguimos vender porque diziam que era seco de mais”, diz Fernando Moura que acrescenta que isso não impede que vá adiante um novo projecto que é um branco fermentado em barrica nova – 3 barricas de 500 litros e de 3 tanoarias diferentes – e esse, claramente será comercializado como topo de gama e completamente seco. Para completar a oferta, ainda há espumante mas, em virtude da pequena quantidade (10 000 garrafas entre branco e rosé), a espumantização é feita em prestação de serviços. Acresce ainda o vinho em barril para vender a copo com pressão, para a restauração já representa cerca de 200 000 litros/ano. Na exportação há que notar que Angola importa sobretudo o tinto e há países importadores (como os EUA) em que não se destina apenas ao chamado mercado da saudade. Ultrapassar o estigma do vinho barato, que é uma imagem colada a muitos Vinhos Verdes, vai obrigar a “exportar mais e colocar o preço num patamar mais elevado e por via disso gerar mais valor”, diz Celeste Patrocínio. Desafios para o futuro.

(Artigo publicado na edição de Março de 2023)

Concurso Escolha do Mercado: Estão abertas as inscrições

A revista Grandes Escolhas organiza no próximo mês de MAIO (dia 15) a 4ª edição de um concurso exclusivamente dedicado aos vinhos brancos de Portugal. De características inéditas, este é um concurso totalmente focado no mercado e para o mercado. E por isso os jurados desta prova são seleccionados entre os compradores profissionais: restaurantes, sommeliers, […]

A revista Grandes Escolhas organiza no próximo mês de MAIO (dia 15) a 4ª edição de um concurso exclusivamente dedicado aos vinhos brancos de Portugal.

De características inéditas, este é um concurso totalmente focado no mercado e para o mercado. E por isso os jurados desta prova são seleccionados entre os compradores profissionais: restaurantes, sommeliers, lojas de vinhos, wine bars, compradores de grandes e médias superfícies e outros responsáveis de compras.

Um concurso com as regras do mercado.

Saiba todas as informações e inscreva-se AQUI.

CONHEÇA OS MELHORES VINHOS DE 2022 E AS GRANDES NOVIDADES PARA 2023

Prémios Grandes Escolhas

Já são conhecidos os vencedores dos Prémios Grandes Escolhas 2022, revelados na cerimónia de entrega de prémios que se realizou no dia 3 de Março, em Sangalhos, com a presença de dezenas de produtores e outros profissionais da área. Dos 30 melhores vinhos portugueses de 2022, segundo a redação da Grandes Escolhas, saíram vencedores o […]

Já são conhecidos os vencedores dos Prémios Grandes Escolhas 2022, revelados na cerimónia de entrega de prémios que se realizou no dia 3 de Março, em Sangalhos, com a presença de dezenas de produtores e outros profissionais da área. Dos 30 melhores vinhos portugueses de 2022, segundo a redação da Grandes Escolhas, saíram vencedores o ‘Murganheira Assemblage Távora-Varosa Grande Reserva Espumante branco 2005’, na categoria de Melhor Espumante, ‘Anselmo Mendes Parcela Única Vinho Verde Monção e Melgaço Alvarinho branco 2019’, como Melhor Vinho Branco, ‘Kompassus Coleção Privada Tête de Cuvée Nature Bairrada Baga rosé 2017’, o Melhor Vinho Rosé, ‘Casa da Passarella Vindima Dão tinto 2011’, na categoria de Melhor Vinho Tinto, e a distinção de Melhor Vinho Fortificado foi para o ‘Kopke Porto 50 Anos branco’.

Prémios grandes Escolhas

No decorrer da cerimónia, foram também atribuídos os 20 Troféus Grandes Escolhas, nas diversas categorias: Restaurante Cozinha Tradicional Portuguesa 2022 – ‘DeRaiz, Rebordinho, Viseu’; Restaurante Cozinha do Mundo 2022Ruvida, Lisboa’; Restaurante 2022 – ‘Prado, Lisboa’; Sommelier 2022Ricardo Morais, Amorim Luxury Group’; Prémio David Lopes Ramos 2022 – ‘Ricardo Nogueira do restaurante Mugasa, em Sangalhos’; Loja Gourmet 2022 – ‘Pátio das Marias, Porto’; Garrafeira 2022Estado d’Alma, Lisboa’; Wine Bar 2022Garage Wines Wine Bar, Matosinhos’; Enoturismo 2022 – ‘Quinta de Ventozelo, Douro’; Iniciativa do Ano 2022 –Amphora Wine Day, da Herdade do Rocim’; Viticultura 2022 –Ana Mota, da Amorim Family Estates’; Adega Cooperativa 2022 – ‘Adega Ponte da Barca e Arcos de Valdevez’; Produtor Revelação 2022 – ‘Quinta Dona Sancha, Dão’; Produtor 2022 – ‘Herdade da Lisboa, Alentejo’; Empresa Vinhos Generosos 2022 – ‘Sociedade Vinícola de Palmela, Península de Setúbal’; Empresa 2022 – Aveleda, várias regiões; Prémio Singularidade 2022 – ‘Lés a Lés, várias regiões’; Enólogo Vinhos Generosos 2022 – Johnny Graham, da Churchill’s; Enólogo 2022 – Diogo Lopes, Adega Mãe e outras; Senhor/a do Vinho 2022 –Leonor Freitas, Casa Ermelinda Freitas’.

Este é um evento que ano após ano assume uma maior complexidade no que respeita à eleição e escolha dos melhores, dada a excelência do que temos em Portugal no setor vitivinícola e gastronómico. É sempre um desafio escolher entre tanta qualidade, tendo por base critérios de objetividade, rigor, isenção e profissionalismo, dentro do que é possível nestas áreas”, afirma João Geirinhas, diretor de negócio da revista Grandes Escolhas.

Para além dos prémios já referidos, foram ainda anunciados os Melhores Vinhos por região, num total de 299 vinhos.

De acordo com Luís Lopes, diretor da revista, “Conseguimos reunir, nesta edição, inúmeros protagonistas do mundo dos vinhos e da restauração/gastronomia, que são a prova viva que o nosso país se destaca nestes setores. Para a nossa equipa foi um enorme prazer premiar os melhores de 2022 sejam eles produtores de vinho, chefs de cozinha, enólogos, viticólogos, sommeliers, comerciais, proprietários de restaurantes e outros profissionais da área, se bem que esta tarefa vai sendo cada vez mais difícil tendo em conta a qualidade dos projetos. Mas diria que os vinhos portugueses estão de parabéns, e que o setor está cada vez mais consistente e mais forte para se impor também no mercado internacional”.

Grandes novidades a chegar

Prémios Grandes Escolhas

 

Além dos premiados, a Grandes Escolhas teve ainda a oportunidade de anunciar e apresentar três grandes novidades. O novo website, no qual os utilizadores podem não só saber mais acerca dos vinhos, como já acontecia anteriormente, mas agora também terão acesso à compra dos produtos, através de um protocolo de colaboração com as principais garrafeiras. “É como se fossemos o trivago ou o booking dos vinhos. Queremos tornarmo-nos o website de referência no que toca não só a informações sobre o mundo dos vinhos, como também o ‘go-to’ quando alguém pretende adquirir uma determinada garrafa. Além disso, acabámos também por fazer uma melhoria geral no website, tornando-o mais user friendly, mais moderno, mais rápido e funcional”, explica João Geirinhas.

O site conta atualmente com mais 100 mil visitantes mensais e meio milhão de visualizações de páginas também por mês e “por isso estamos apenas a tirar proveito deste interesse e a dar a todos os consumidores a oportunidade de ter toda a informação num só sítio, permitindo encontrar o que pretendem de uma forma mais rápida”, acrescenta o mesmo.

Quando o utilizador entra na página do vinho que pretende para ver as informações disponíveis como a classificação ou a descrição, encontrará um botão para comprar. Quando clicar, o website irá automaticamente buscar um print em tempo real da disponibilidade, em stock, para que possa ver, sem navegar fora do website, quais as garrafeiras que têm o produto disponível. Se encontrar o que pretende, é só clicar na garrafeira em questão e entrar diretamente na página do produto dessa mesma garrafeira, avançando com a compra.

Outra novidade anunciada foi a nova app da Grandes Escolhas que vai permitir que o utilizador, ao tirar uma foto ao rótulo, receba de imediato informações como a descrição do vinho, o preço médio, entre outras informações relevantes. “No caso da app Grandes Escolhas, a classificação será baseada na opinião dos nossos jornalistas e críticos, o que torna automaticamente este fator diferenciador perante o que já existe no mercado. Contamos que a mesma entre em funcionamento no início do verão”, esclarece João Geirinhas.

Os Prémios Grandes Escolhas, organizados pela revista Grandes Escolhas, vão já na sua sexta edição com a atual equipa, e podem ser vistos ou revistos online no site da Grandes Escolhas, uma vez que a cerimónia foi transmitida em streaming, ficando assim disponível a todos. A gala que distingue e premeia os melhores vinhos, bem como empresas, profissionais e instituições na área de vinhos e gastronomia, em Portugal, contou com mais de 800 convidados, que se no reuniram C.A.R. – Centro de Alto Rendimento (Velódromo), em Sangalhos para uma noite dedicada aos Melhores do Ano.

 

Entrevista: António e Martim Guedes

António Martim Guedes

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”  Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem […]

“Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável”

 Texto: Luís Lopes   Fotos: Anabela Trindade

Se é verdade que, no mundo dos negócios, raras são as empresas familiares que sobrevivem à terceira geração, o sector do vinho pode ser considerado uma raridade. A quinta geração da Aveleda, liderada pelos primos António e Martim Guedes, tem levado ainda mais longe o trabalho dos seus antecessores, crescendo em todos os parâmetros. Um dos segredos está em pensar a longo prazo, no negócio e em tudo o que o rodeia. Para que a empresa, fundada em 1870, “possa cá estar mais 150 anos.”

António Azevedo Guedes e Martim Andersen Guedes dirigem a Aveleda enquanto co-CEO’s. Ainda que bem distintos na maneira de ser e no percurso académico e profissional, afinam pelo mesmo diapasão no que toca a estratégia e aos objectivos. Nessa quase mágica complementaridade está um dos segredos que têm permitido, com criatividade, espírito de inovação e investimento, mas também muita segurança e contenção, continuar a desenvolver uma empresa já de si extremamente sólida e rentável mas que, como tantas outras desta dimensão, está sujeita a imponderáveis conjunturais dos mercados ou constrangimentos estruturais das regiões vinícolas onde opera.

Martim, 45 anos de idade, especializou-se em gestão e coordena a área financeira, marketing, vendas, recursos humanos; António, 46, herdou de seu pai António Guedes, recentemente falecido, a paixão pelas coisas da terra, estudou viticultura e enologia e é o responsável por toda a área de produção da empresa. Empresa que fechou o ano de 2022 com 45 milhões de euros de facturação (há 10 anos facturava 25 milhões…) e tem no seu plano estratégico alcançar 53 milhões em 2025.

70% do que a Aveleda produz é destinado a exportação (75 países, EUA, Alemanha e Brasil à cabeça), com os Vinhos Verdes a representarem 78% do negócio. Nas marcas, pontifica o incontornável Casal Garcia, com 69% do total.

O crescimento recente da empresa tem também sido alicerçado em aquisições – Quinta Vale D. Maria, no Douro, ou Vila Alvor, no Algarve – mas também em grandes investimentos em vinha. Ao contrário do que muitos consumidores possam pensar, esta é uma empresa produtora: só na região dos Vinhos Verdes possui 450 hectares (objectivo: 600 ha) em 6 distintos pólos vitícolas, a que se somam mais 75 hectares no Douro, 18 na Bairrada (Quinta da Aguieira) e 30 no Algarve. Este é um breve retrato de uma Aveleda que aprofundámos em animada conversa com António e Martim Guedes.

António Martim Guedes
Martim e António Guedes são a quinta geração familiar à frente dos destinos da Aveleda.

Com uma facturação que quase duplicou numa década (45 milhões em 2022), a Aveleda tem também fama de ser a empresa portuguesa de vinhos mais rentável. A que se deve esse sucesso?

AG: Antes de mais, nós herdámos, e isso ajuda muito: os nossos pais deixaram-nos uma empresa que, no início da década de 2000, era já altamente rentável. Herdámos esse histórico mas também herdámos o “mindset”, ou seja, foi-nos ensinado que o negócio tinha de ser rentável porque, caso contrário, seria muito difícil gerar dinheiro para investir no desenvolvimento do próprio negócio.

MG: Sempre nos focámos muito nas nossas marcas e na sua valorização. Evitámos, por exemplo, o negócio das marcas exclusivas ou marcas próprias dos supermercados. É um modelo que a curto prazo sabe bem, mas que a longo prazo acaba por destruir valor. Isto também contribuiu muito para que a empresa e os seus colaboradores estejam focados no que interessa.

No futuro, queremos passar para 30 a 40% de autossuficiência em uva. Isso implica ter 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

É grande verdade que herdaram marcas fortes e uma empresa rentável. Mas acrescentaram valor (e num contexto concorrencial bem mais difícil…) o que nem sempre acontece nestas empresas familiares do vinho, quando há uma mudança geracional…

AG: A Aveleda em 2000 tinha duas ou três marcas, o portefólio era muito pequeno, era uma empresa orientada para poucas marcas, grandes volumes e elevada rentabilidade. Procurámos manter essa disciplina, essa cultura interna de foco na nossa marca, embora hoje tenhamos muito mais referências por marca. Mas continuamos a ter a marca mãe (Casal Garcia) muito forte, o que nos permite fazer os investimentos necessários ao desenvolvimento de negócio.

Vou colocar a pergunta de forma muito simples: onde é que se gasta o dinheiro? Quais os focos de investimento estratégico: viticultura, equipamento, enoturismo, marketing?

AG: Vai variando muito. O último quadro de investimento estratégico, até 2020, sem prejuízo do investimento nas marcas, que tem sempre de existir, foi sobretudo muito estrutural, nomeadamente vinha, adegas, aquisições de marcas e empresas. Passou muito pelo lado, se quiser, patrimonial.  Nos próximos anos vamos claramente baixar o nível de investimento em aquisições e sabemos que, no que a vinha respeita, 70% do esforço de investimento planeado já está feito. Daqui para a frente o nosso investimento será mais na capacitação, embora tenhamos já optimizado muito esta vertente: produzimos mais 50 e tal por cento com os mesmos equipamentos. Mas há um limite para essa optimização. Por isso, agora, para podermos crescer no volume teremos de investir no sentido de acompanhar esse crescimento. Se crescermos mais 2 milhões de litros nas vendas, precisamos de mais 2 milhões de litros de capacidade em cubas…

MG: Desde que chegámos à empresa passámos por três ciclos, ou planos estratégicos, muito distintos. De 2010 a 2014 foi um plano muito virado para a eficiência. Não houve grande crescimento em vendas, mas melhorámos muito rácios de eficiência e rentabilidade através do controlo de custos. O plano 2015-2020 foi o contrário, virado para a expansão: triplicámos a área de vinha, comprámos duas quintas no Douro e uma no Algarve, passámos de 22 para 81 produtos, de 14 milhões para 20 milhões de garrafas. Um plano de crescimento “agressivo” se assim se pode chamar. O plano 2021-2025 visa dar solidez ao trajecto mais recente. O objectivo é continuar a crescer, sim, mas não com mais produtos, antes consolidando o que existe. Os investimentos acompanham essa estratégia e vão ser canalizados sobretudo para os equipamentos de produção, não para aumentos de área de vinha ou entrada em novas regiões.

Ainda assim, a Aveleda aproxima-se já dos 600 hectares de vinha em produção, 450 dos quais na região dos Vinhos Verdes. Numa região onde o preço da uva é, digamos, modesto, tamanho investimento em vinha só se entende pela dificuldade em obter a matéria-prima certa. E isso leva-me à questão: como avaliam a viticultura dos Vinhos Verdes e o seu futuro a médio e longo prazo?

AG: Nós fazemos um tratamento estatístico da informação que recebemos, pelos nossos meios ou através da CVR dos Vinhos Verdes. Visitamos com frequência os viticultores que nos entregam uva e conhecemos os problemas que enfrentam. Conhecemos, portanto, a realidade no terreno e confrontamos essa realidade com a estatística. A partir daí, é fácil perceber várias coisas. Sabemos que a região tem vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Olhamos para a média de idades dos nossos fornecedores e vemos que é muito elevada. A dimensão da parcela por viticultor é baixíssima, menos de um hectare. Esta é uma viticultura “caseira”, em que os proprietários fazem tudo. Como não gastam na plantação da vinha pois têm os apoios financeiros, e são eles que tratam das videiras, conseguem ter alguma rentabilidade. Mas no dia em que desaparecerem, os filhos, que já vivem em Lisboa, Porto, ou outra cidade, não vão querer continuar com o “hobby” dos pais. Porque há também aqui um elemento cultural, de paixão pelo campo, pela vinha, pela horta, um apego às raízes que os seus filhos dificilmente terão. Eles vão ao supermercado comprar o que precisam, não vão querer trabalhar no campo para obter o produto. Todos juntos, estes viticultores já bastante envelhecidos representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente. A estatística confirma isto: em cada ano, na região, perdemos 2% de área de vinha; e perdemos, por falecimento, 3% das pessoas.

Portanto, estávamos obrigados a fazer alguma coisa. Mas não nos limitámos a plantar vinhas. Fortalecemos as parcerias que temos com os nossos fornecedores de uva, a quem damos apoio técnico e incentivamos a serem mais rentáveis e competitivos. Sabemos que vamos ter menos viticultores, mas procuramos que ampliem a sua área de vinha e que, sobretudo, que sejam mais profissionais, que encarem a viticultura como um negócio e não uma actividade exercida apenas por paixão e amor à terra. Hoje, para entrar no CPA (Clube de Produtores Aveleda), é preciso ter, no mínimo, 5 hectares. Mas a maioria tem muito mais do que isso, vários com 50 hectares. Acreditamos que 10 hectares é o mínimo para poder exercer uma viticultura profissional e rentável.

Na Aveleda sabíamos também que temos uma excessiva dependência de compra de uva. O CPA funciona bem, mas não é suficiente para suportar o crescimento de 50% nas nossas vendas de Verdes, onde se inserem também aqui os rosés (só o Casal Garcia rosé já vale 1,6 milhões de litros). Sentimos que a pressão sobre a matéria-prima era cada vez maior, até porque a região dos Vinhos Verdes, como um todo, também cresceu nas vendas. Estamos com 10 a 15% de auto-suficiência e queremos, no futuro, e se tudo correr bem, passar para 30 a 40%, no máximo. Isso implica ter, a médio prazo, 600 hectares de vinha própria na região dos Vinhos Verdes, ou seja, vamos plantar mais 150 hectares.

Um dos grandes problemas da região assenta na criação de valor, ainda as marcas mais cotadas nos Verdes de volume não tenham um preço tão baixo assim quando comparado com congéneres de outras regiões. Mas a verdade é que o Verde é muitas vezes associado a produto mais barato. Como inverter a situação?

MG: Esse “comboio” de criação de valor já está a andar, e bem. Cada vez mais temos dois segmentos: um Vinho Verde “clássico”, correspondendo a um perfil bem definido no mercado com, é verdade, uma percepção de preço barato; e um Verde “premium”, ou “superior”, como lhe queiramos chamar, que começou com o Alvarinho mas que hoje já abarca outras castas. Este movimento em torno do Verde mais ambicioso já ganhou alguma força e, naturalmente, na Aveleda queremos ser parte activa. Daí investirmos muito nas nossas gamas premium, com os Aveleda Solos, Aveleda Parcelas, Manoel Pedro Guedes. Nada disto existia há quatro anos e hoje são produtos importantes no nosso portefólio. Significa que acreditamos vivamente na criação de valor no Vinho Verde. Os Verdes podem ser grandes vinhos brancos, é a natureza desta região. Como referi, este é um comboio em andamento, mas a começar o seu percurso, está mais perto da estação de partida do que da estação de chegada.

Os Verdes têm vindo a perder área de vinha ano após ano, e de forma significativa. Estes viticultores, já bastante envelhecidos, representam uma enorme área de vinha que se vai perder muito rapidamente.

Uma das grandes apostas da empresa, no ciclo que agora terminou, foi a diversificação, não apenas de produtos mas também através de aquisição, no Algarve e no Douro. Como avaliam os resultados obtidos em cada um destes projectos?

MG: São projectos muito diferentes. Curiosamente, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Hoje já podemos dizer que foi uma aposta vencedora e em muito pouco tempo, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid”, particularmente maus no Algarve turístico. O Douro é um filme completamente distinto, apostámos numa marca de elevadíssimo prestígio como é Vale D. Maria. A primeira etapa foi fazer a transição dessa marca consagrada para o universo Aveleda, e o processo correu muitíssimo bem, consolidando a notoriedade e a percepção de qualidade dos vinhos super premium Vale D. Maria. A segunda etapa vai ser fazer crescer a marca global no segmento mais abaixo, para volumes maiores, com o apoio das vinhas do Douro Superior, no vale do Sabor.

António Martim Guedes
As antigas garrafas espelham a longa história da Aveleda.

A Aveleda tem ambição de, até 2025, facturar 2 milhões em enoturismo. É uma área em franco crescimento, ainda que sem grande expressão nos Vinhos Verdes, ou pelo menos não comparável a outras regiões. Como pensam desenvolver este segmento?

MG: Esta é uma área em que gostávamos de ter mais concorrência nos Vinhos Verdes, de forma a podermos estabelecer um cluster, como existe no Douro. Mas acreditamos que há futuro no enoturismo nesta região. A procura tem sido enorme, o ano de 2022 ficou acima de todas as expectativas, tivemos de recusar muitas visitas por falta de capacidade. O que queremos fazer no polo de Penafiel, onde estamos sedeados, é dar um carácter mais premium à oferta, torná-la mais segmentada. Há espaço para isso, podemos proporcionar experiências diferenciadoras a grupos mais exigentes. O Algarve e o Douro estão a começar e assentam em estratégias distintas. No Algarve queremos ser os primeiros a apostar a sério no “enoturismo algarvio”, algo que hoje praticamente não existe. Estamos a trabalhar para poder receber 50 a 100 mil pessoas por ano. No Douro é o oposto. Queremos dar uma superior dignidade à Quinta Vale D. Maria, aproveitando um edifício que hoje está em ruínas. Será um enoturismo com outro nível de exclusividade, para grupos de 20 ou 30 pessoas, uma experiência personalizada numa marca mais premium.

Alvarinho, Loureiro, Avesso são as variedades de que se fala. Mas o leque de castas autorizadas ou recomendadas é bem maior. Faz sentido recuperar castas antigas, como Cainho, ou apostar noutras transversais, como Fernão Pires?

AG: Faz todo o sentido. O percurso da Trajadura é um bom exemplo. A Aveleda apostou muito na Trajadura porque, com a viticultura dos anos 80, os Vinhos Verdes eram em geral demasiado ácidos e com muito pouco grau. A Trajadura era o oposto, tinha graduações superiores e baixa acidez, embora com problemas na parte aromática e na tendência oxidativa. Mas foi importante naquela época e momento. Só que muita coisa evoluiu e a Trajadura, com os problemas que tem (a produção média também não é brilhante) deixou de cumprir o objectivo. Na Aveleda procurámos uma casta que pudesse ser semelhante à Trajadura na parte ácida, mas com uma componente aromática mais expressiva e maior consistência na produção. Encontrámos tudo isso no Fernão Pires, casta que se tornou um sucesso nas nossas vinhas. É muito importante explorar castas novas, ir fazendo ensaios na vinha e na adega. Há quatro anos trouxemos varas do campo ampelográfico da EVAG (Estação Vitivinícola Amândio Galhano) e reenxertámos uma das nossas vinhas. Algumas das castas são “meias galegas” como o que chamamos Branco Legítimo e que é o Cainho. Todos os anos vamos avaliando a produção, a maturação, a acidez, etc. É importante experimentar. Claramente, existe espaço para ter mais castas na região, que mais não seja para não perdermos esse património genético. Quem sabe, um dia, vamos precisar dessa diversidade para fazer vinhos distintos.

Dos projectos noutras regiões, o que deu mais rápido retorno foi o Algarve. Foi uma aposta vencedora, sobretudo se pensarmos que comprámos em 2019 e apanhámos com os “anos covid” no Algarve turístico.

A uva Alvarinho cria no consumidor a percepção de qualidade associada a valor. Para a Aveleda a menção Vinho Verde Alvarinho na rotulagem dos vossos vinhos é suficiente ou pensam investir na sub-região de Monção e Melgaço?

AG: Pergunta provocadora… (risos). A nossa estratégia não passa por investir em Monção e Melgaço. Nos últimos anos plantámos 80 ou 90 hectares de Alvarinho em diversos tipos de solos e climas. Entendemos por isso que temos muito por onde nos entreter. Estamos seguros de que a casta Alvarinho tem condições para ter um comportamento exemplar no resto da região dos Vinhos Verdes, não apenas em Monção e Melgaço. É uma uva de enorme plasticidade e adaptabilidade, talvez melhor na parte atlântica do que na parte mais interior da região, mas mesmo assim nas nossas vinhas de xisto, na zona mais interior, tem uma performance fantástica.

Acreditam que o Loureiro pode vir a ter a mesma notoriedade e percepção de valor dos vinhos de Alvarinho?

AG: Sem dúvida que sim, mas vai demorar. O facto é que são duas belíssimas castas, em todos os aspectos. O Loureiro um pouco mais plástico, porque consegue produtividades maiores e, portanto, pode entrar em todos os segmentos, desde os bases até aos topos de gama. O Alvarinho, não sendo superior enquanto casta, como tem produtividade bem mais baixa obriga a atirar os preços mais para cima. O Loureiro vai ter de fazer o seu caminho nos vinhos de topo. Vai levar algum tempo até as pessoas perceberem que com Loureiro podemos fazer um bom vinho a 5 euros e, com trabalho diferenciado na vinha e na adega, também um grande vinho, com carácter e potencial de longevidade, a 30 ou 40 euros.

A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido.

A Aveleda está em regiões muito distintas em termos de clima: Vinho Verde, Douro, Bairrada, Algarve. Como têm sentido a evolução (ou alteração, como preferirem) do clima nestas regiões? E o que pensam fazer para reduzir o impacto dos anos mais difíceis?

 AG: Primeiro, olhar para trás. As pessoas esquecem-se facilmente do histórico, esquecem-se de onde viemos. É que o clima vai tendo os seus humores. Tivemos uma década de 40 muito boa, depois tivemos um período frio nos anos 60, 70 e parte dos 80. Depois começou de novo a aquecer. O clima vai tendo as suas oscilações. O que é factor humano, ou o que é factor dinâmico do planeta, não consigo dizer. Não sei se estamos numa fase contínua de aquecimento global ou se estamos numa destas curvas de aquecimento e arrefecimento. Mas olhar para o passado permite olhar para o futuro com alguma serenidade e perceber que já alguém cá esteve antes de nós e com o mesmo problema. No tempo de Jesus Cristo fazia-se vinho em Inglaterra. Em parte dos anos 70 de 1600 não se colheu um único cacho no Château Latour, devido ao frio. Entre 1300 e 1600 houve uma pequena era glaciar na Europa. E agora estamos num período de aquecimento. Temos de trabalhar com esta perspectiva.

É evidente que nós temos muitas ideias do ponto de vista técnico e eco-fisiológico da planta. Adoptamos medidas de curto prazo como, simplesmente, aplicar caulino nas folhas (fomos pioneiros na região a fazê-lo) ou colocar rede de ensombramento. Tudo isto tem o seu custo, claro. Portanto, no curto prazo, temos soluções para minimizar os efeitos do progressivo aquecimento do globo, e a médio e longo prazo temos de perceber onde vamos plantar as próximas vinhas e com que castas. Não podemos pôr os ovos todos no mesmo cesto. Na vinha de Cabração, por exemplo, as primeiras parcelas foram plantadas a 80-100 metros de altitude; agora vamos iniciar uma segunda fase, com plantações a 350-450 metros. Em Felgueiras temos uma vinha a 100 metros de altitude e outra a 400, separadas por meio quilómetro. Isto dá-nos flexibilidade, não apenas face à evolução do clima mas também à irregularidade dos anos de colheita.

No Algarve temos vinhas plantadas a 2 km do mar. Há pouca pluviosidade, é certo, mas temos barragens e Monchique ali ao lado, onde há água. Ali não temos soluções de médio/longo prazo, a não ser passar a vinha para Sagres…

O amor pela Natureza que existe na nossa família faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão.

E no Douro?

AG: O Douro, é um desafio. Temos um colete de forças que são os regulamentos e a resistência a novas plantações, o que torna a região muito estática. A vinha do Douro foi montada para fazer Porto, com alto grau e muita concentração. Com o DOC Douro a crescer tanto, faz sentido queremos fazer tudo no mesmo sítio? Não seria melhor pensar numa estratégia de futuro, mantendo as vinhas para Porto em cotas mais baixas e passar as vinhas destinadas a Douro para cotas altas e com rega sempre que possível? Esta é uma questão de fundo que merecia maior atenção. As ideias existem, mas se queremos plantar vinha nova num local adequado, não há autorizações. Quando muito, com sorte, podemos encontrar uma boa vinha de altitude, que compramos. Assim, em termos de estratégia a longo prazo para o Douro, estamos manietados pelas regras e pelas mentalidades. No Douro discute-se muito, mas pouco se faz.

António Martim Guedes
As velhas aguardentes são um produto clássico da casa.

Como é que a empresa encara o cada vez mais premente tema da sustentabilidade, seja económica, social ou vitivinícola?

MG: Esse é, na verdade, um tema do dia. Como empresa “low profile” que somos, sentimos sempre que fazemos muito mais do que aquilo que é comunicado. Mas a verdade é que fazemos mais do que a nossa parte. Fazemos a medição rigorosa da pegada de carbono, por exemplo. Para além dos nossos emblemáticos jardins, onde existe enorme biodiversidade, há muito que plantamos 2000 árvores em cada ano. Estudamos e pesquisamos no sentido de trabalhar não contra a Natureza mas com a Natureza.

AG: Há muito que a sustentabilidade faz parte da maneira de estar da Aveleda, mesmo quando o próprio conceito não existia. Uma empresa com 150 anos tem de ser sustentável. A rentabilidade da Aveleda não acontece por acaso. Nós não queremos usar mais recursos para produzir um litro de vinho do que aqueles que são absolutamente necessários. Existe muito a tendência de fazer como sempre se fez, pelo hábito e pelo conforto. Nós questionamos tudo, procuramos sempre fazer mais com menos. Se pudermos melhorar o equilíbrio, vamos fazê-lo. Dá mais trabalho? Sem dúvida, mas é o nosso dever moral.

O meu pai tinha a paixão pela beleza das coisas. Sempre que plantava uma vinha, plantava árvores nas bordas, fazia muros. Hoje sabemos que os muros trazem enorme biodiversidade à vinha, escondem-se lá lagartos, insectos. E as árvores trazem sombra. Aquilo que, no tempo dos nossos pais era intuitivo, hoje é um modelo de sustentabilidade. É este amor pela Natureza que existe na nossa família que faz com que se ganhe uma sensibilidade acrescida. Em tempos, fazíamos as coisas por intuição, porque achávamos que “é assim que deve ser”. Depois, o tempo e a ciência vieram dar-nos razão. E, afinal, quando reduzimos drasticamente, seja a intervenção química, seja a energia, estamos também a falar de poupança. Em 2012 implementámos um plano de racionalização energética que levou a enormes poupanças. Hoje, é quase obrigatório montar painéis fotovoltaicos, por exemplo. Mas nós já os temos desde há mais de uma década. Se posso isolar as cubas, para gastar menos energia, porque não fazê-lo? Se em vez de usar pellets ou gás posso usar restos de matéria orgânica para fazer o aquecimento das águas utilizadas nas linhas de enchimento, porque não fazê-lo? A motivação não foi trabalhar para o “rótulo” de sustentabilidade. Foi uma questão de consciência e de racionalidade financeira. Não só ganhámos dinheiro com isso, como faz sentido. Significa que a sustentabilidade, se for bem feita, dá retorno.

Nós pensamos a longo prazo. Para isso, não podemos pensar só no nosso negócio, mas também no que está à nossa volta. A região dos Vinhos Verdes pagou muito mal as uvas no início dos anos 2000 e na década seguinte não tinha uvas suficientes. Depois houve que plantar à pressa. Pensar a sustentabilidade, pensar o bem de todos, pensar toda a cadeia de negócio, é fundamental para que o negócio e a empresa possam cá estar daqui a mais 150 anos.

(Artigo publicado na Edição de Fevereiro de 2023)

Novos Andreza: muita qualidade, excelente preço

Andreza

A Lua Cheia-Saven, projecto da empresária Lara Dias e do enólogo Francisco Baptista, apresentou no passado dia 24 de Fevereiro de 2023, as mais recentes colheitas da linha premium e super premium Andreza. O branco Reserva agora lançado nasceu na vindima de 2021, enquanto o tinto Reserva é de 2020. Já o Andreza Altitude mostra […]

A Lua Cheia-Saven, projecto da empresária Lara Dias e do enólogo Francisco Baptista, apresentou no passado dia 24 de Fevereiro de 2023, as mais recentes colheitas da linha premium e super premium Andreza.

O branco Reserva agora lançado nasceu na vindima de 2021, enquanto o tinto Reserva é de 2020. Já o Andreza Altitude mostra toda a frescura da vindima de 2019 e das cotas altas do vale duriense, enquanto o topo, Grande Reserva, criado em 2015, ostenta a complexidade e polimento do longo estágio em garrafa. Em comum, estes quatro vinhos evidenciam a genuína origem Douro, forte carácter e excelente relação qualidade/preço.

AndrezaOs Andreza Reserva branco e tinto custam €8,20 no mercado, o Altitude aponta aos €13,60 e o Grande Reserva é comercializado a €22. Os vinhos da Lua-Cheia Saven são produzidos a partir de uva própria (Quinta do Bronze, em Vale de Mendiz) e uvas adquiridas a viticultores, sendo vinificados na adega da empresa situada em Martim, Murça. L.L.

Reportagem completa numa das próximas edições da revista Grandes Escolhas.

Lançamento: Herdade do Sobroso Élevage

Herdade do sobroso

E, de mansinho… dois grandes vinhos No último mês de 2022, a segunda edição dos topos de gama da Herdade do Sobroso bateu à porta: Élevage, branco e tinto 2021. Únicos, de excelência, e da Vidigueira.  Texto: Mariana Lopes     Fotos: Herdade do Sobroso Na Herdade do Sobroso, situada em Pedrogão junto ao Alqueva, na […]

E, de mansinho… dois grandes vinhos

No último mês de 2022, a segunda edição dos topos de gama da Herdade do Sobroso bateu à porta: Élevage, branco e tinto 2021. Únicos, de excelência, e da Vidigueira.

 Texto: Mariana Lopes     Fotos: Herdade do Sobroso

Na Herdade do Sobroso, situada em Pedrogão junto ao Alqueva, na sub-região alentejana da Vidigueira, Filipe Teixeira Pinto e Sofia Ginestal Machado têm um projecto de vinhos igual a “eles próprios”: descontraído, moderno, divertido, com muita ambição. Ao longo dos pouco mais de 20 anos desse projecto, o mesmo tem crescido ao ritmo do desenvolvimento das vinhas (as primeiras foram plantadas em 2021) que é o mesmo que dizer de forma gradual, mas sólida. Todos os vinhos do portefólio são hoje um sucesso de vendas, segundo Sofia — dos AnAs aos Arché, passando pelos Sobroso ou os Herdade do Sobroso Reserva e Grande Reserva, com destaque para os Cellar Selection (fortíssimo na restauração) — provavelmente pelo talento de Filipe, enólogo, para fazer vinhos fiéis ao local e às castas, de elevada qualidade e perfil amplamente atractivo, e onde o seu espírito experimentativo, que o enólogo tem em barda, não arranha o resultado final. Os Élevage, topos de gama agora na segunda edição, são o reflexo de tudo isto, da maturidade das vinhas do Sobroso e de uma experimentação cuidada. “De mansinho”, porque nada aqui é feito ou comunicado com demasiada bazófia (como se tem visto cada vez mais, infelizmente, em coisas infundadas ou vazias, sem suporte), surgiram um tinto e um branco de nível elevadíssimo. O Élevage branco é um lote de Antão Vaz e Perrum, e o tinto, um monovarietal de Alicante Bouschet. Existe um hectare de Perrum na Herdade Sobroso, uma casta tradicional do Alentejo, mas rara; e sete de Antão Vaz, sendo que o do Élevage vem de uma zona mais alta e com encosta exposta a Norte, numa parte de transição entre calhau e solo arenoso, franco-argilosa, como explicou Filipe Teixeira Pinto. O Alicante Bouschet, por sua vez, vem de parcelas xisto-argilosas expostas a Sul. O tinto fermenta em lagar e o branco fermenta em ânforas, as mesmas onde ambos estagiam, as italianas de nome Tava, produzidas, como já nos tinha elucidado Filipe no lançamento da primeira edição dos vinhos, “a partir de argila de elevada pureza, à qual os oleiros aplicam um processo de cozedura de altas temperaturas, entre os 1300 e os 1400ºC”, que resulta numa baixíssima porosidade, que proporciona trocas gasosas muito controladas. O formato estreito e elegante, bem diferente das tradicionais talhas alentejanas, e a sua tampa, “permitem estágios mais prolongados”, atestou o enólogo. Assim, os Élevage estagiam nestas ânforas durante 12 meses, com a particularidade de, nesta nova colheita, parte do tinto estagiar numas pequenas ânforas de 125 litros. São dois vinhos estrondosos.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)

David Guimaraens é conhecido no Douro, em jeito de brincadeira, como o “Ayatollah do vinho do Porto”, mas também é o homem que se emocionou quando viu os trabalhadores da vindima entrar no lagar, pela primeira vez depois do início da pandemia. Nasceu no Porto, a 13 de Outubro de 1965, e representa a sexta geração de uma família inglesa dedicada exclusivamente a este negócio, sendo hoje director técnico, enólogo e master blender do grupo The Fladgate Partnership (Taylor’s, Croft, Fonseca Guimaraens, Krohn…). Uma conversa sobre o ano vitivinícola de 2022 acabou por desaguar em temas mais fracturantes e controversos, como a sustentabilidade social e económica da região, e David terminou a denunciar os calcanhares de Aquiles do Douro.

 Texto: Mariana Lopes   Fotos: The Fladgate Partnership

Numa visita por algumas das propriedades durienses do grupo The Fladgate Partnership — que resultou, em edição anterior, numa peça sobre as inovações tecnológicas da empresa — acabámos sentados com David Guimaraens, na Quinta da Roêda, a conversar sobre “o estado da nação”. Primeiro, o clima, as vinhas e a vindima de 2022, num ano que, para quem produz vinho no Douro, segundo o enólogo, não foi dos melhores. Estávamos em finais de Setembro.

David Guimaraens“As vinhas estão acastanhadas, com ar cansado”, começou por dizer. “Normalmente, no fim da vindima estão mais verdes, mas este ano castigou-as e ficou marcado por falta de chuva, com um Inverno muito seco. Aqui, na Roêda, choveram 75 milímetros, o que é muito pouco face aos normais 300. Em Março, ainda vieram 70 milímetros que foram importantes, mas de modo geral, todo o ano foi muito seco. Paralelamente, tivemos várias vagas de calor. Usualmente, temos no Douro a ‘queima de São João’, no final de Junho, altura em que o tempo muda radicalmente. Este ano tivemos aquilo a que chamámos ‘queima de Santo António’, porque o calor forte veio no início de Junho. Daqui para a frente, houve muitos dias acima dos 40ºC, e Julho foi dos mais quentes que registámos. Por cima dos solos com pouquíssima água, estas vagas de calor só vieram agravar tudo”, explicou, com a calma e boa disposição que já lhe é característica.

Esta declaração levou à pergunta óbvia que, traduzida “para miúdos”, não é mais do que “isso significa que os vinhos vão ser maus?”, ao que David respondeu: “Não. O que foi extraordinário, foi que, quando eu vim de férias em meados de Agosto, esperava encontrar as uvas numa desgraça total. Mas, como elas nasceram já com sede, criaram uma resistência extraordinária. Bagos pequenos, como é característico, mas nenhuma uva passa, ao contrário de 2017. Tivemos sim, aquilo que acontece quando está muito calor, que é os ácidos muito, muito baixos. Mas isso não é tão dramático no vinho do Porto. Porque um dos segredos deste tipo de vinho é que a aguardente vem equilibrar tudo. Nos vinhos não fortificados, não há aguardente para equilibrar. Não fosse esta uma região de vinho do Porto…”, afirmou, cautelosamente, já a abrir caminho para um tema que lhe diz muito. Assim, nas propriedades da Fladgate iniciou-se a vindima de 2022, pelas vinhas que estavam, como diz David Guimaraens, pela “hora da morte”, em zonas mais quentes.

Mas como se lida com uma situação destas, quais os mecanismos? Para David, não há dúvidas: “Uma das riquezas do Douro é exactamente o que temos aqui, uma viticultura de montanha, com três grandes factores para trabalhar. As sub-regiões, desde o Baixo Corgo que é menos árido, ao Douro Superior, que é mais, sendo que nos anos secos a primeira aguenta melhor esta aridez; depois, a altitude, quanto maior é, menos temperatura e maior pluviosidade; e a orientação, ou exposição solar, porque dentro da mesma quinta, as vinhas têm exposições diferentes. Tudo isto, conjugado com as grandes castas que temos no Douro, é um puzzle que podemos fazer a nosso favor. Em anos extremos como este, para o lado da aridez, haverá bastantes variações de quinta para quinta, e de produtor para produtor, no resultado dos vinhos”, desenvolveu o director técnico. Portanto, antes da vindima, o ano estava desanimador, assumimos. Ao que David replicou, seguro de si: “Os vinhos do início da vindima eram pouco entusiasmantes. Se não se deve dizer isto, e dizer que é tudo mágico? Alguns preferem, mas eu não”.

Mais tarde, houve dois episódios de chuva no Douro. “Aqui na Roêda, tivemos 5 milímetros no dia 6 de Setembro — um primeiro borrifo bom para aliviar — e depois, a 13 e 14 de Setembro, vieram 30 milímetros. Num ano ‘normal’, isto seria muito, mas os solos estavam tão sequiosos que absorveram tudo, e funcionou como uma rega. Eu sou a favor de rega, mas somente de rega pluvial, que é a da chuva. Esta água veio ajudar as uvas a refinar, e incentivar as vinhas a terminar a sua maturação”, adiantou David Guimaraens, que acabou por tornar o cenário mais animador: “O ano de 2022 é o ano do rio Pinhão. Nós temos muita área de vinha no vale do Pinhão, que sofreu no início da vindima pelo que já falámos, mas acabou por haver uvas fabulosas. Fizemos, nesta zona, muitos investimentos nos últimos tempos, com compra de propriedades, por exemplo. Este é, na verdade, o centro do Douro, e tem muitas quintas, também de outros produtores, que sempre foram extraordinárias”, admitiu.

Quanto ao comportamento das castas, o enólogo desvendou que as que melhor se aguentaram no início conturbado da vindima foram a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. A Touriga Francesa também mereceu destaque pela positiva, mas demorou mais tempo a amadurecer e a libertar a cor. Uma das que mais sofreram este ano foi, a título de exemplo, a Tinta Amarela. “Mas no vinho do Porto esta é outra vantagem, dá-se menos ênfase à casta e mais ao local, porque, e é aquilo que já se faz no Douro desde sempre, usam-se várias castas, que se complementam”, sublinhou David. “Os viticultores que têm andado a investir menos na vinha, e que as têm com menos vigor, são os mais afectados, porque estas vinhas se ressentem muito mais, e também por isto há tanta variação por local. Naturalmente que, quanto mais velha a vinha, mais resiste. Eu costumo comparar uma videira velha a um homem velho: já não produz tanto, mas o que produz é com mais sabedoria…”.

David Guimaraens

Um problema de estrutura

Perante a exposição de David Guimaraens sobre o ano vitivinícola de 2022, e os pontos mais gerais em que tocou sobre o clima, impôs-se a questão das alterações climáticas. O enólogo retorquiu com veemência: “As alterações climáticas são desculpa para muita incompetência. Neste momento, está-se a pôr debaixo das alterações climáticas muitas asneiras que têm sido feitas. Não digo, com isto, que elas não existam, pelo contrário, são muito reais. Mas por exemplo, a região do Douro tinha, antigamente, uma viticultura assente no field blend (mistura das castas) e em densidade de plantação, onde cada unidade produzia pouco, mas a soma das unidades produzia quantidade satisfatória. Além disso, o porta enxerto utilizado era o Rupestris, que é menos produtivo mas muito resistente à secura. O lote de castas que utilizávamos era também muito maior do que o que ficou depois do ‘afunilamento’ das décadas de 70/80. E quando veio a obsessão, que ainda temos hoje, a obsessão triste da mecanização, alterou-se o equilíbrio. A mecanização é uma necessidade, mas se a estamos a utilizar para baixar os custos, não estamos a ir pelo caminho certo. A nossa obsessão deve ser criar valor. A mecanização é uma evolução natural para se ir fazendo. A região está há 50 anos obcecada pela mecanização, e andamos aqui todos a chorar porque vendemos o vinho do Porto e os vinhos DOC Douro baratos, e vendemos mais barato do que regiões planas com 3 vezes mais produção. E isto leva-nos, naturalmente, ao problema da mão-de-obra”. Por esta altura da conversa, David Guimaraens, embora sempre sorridente, começava a agravar a voz, e sabíamos que o desabafo não tardava. “Nós só temos problema de mão-de-obra porque não temos dinheiro para a pagar. Os portugueses não emigram para França por gostarem de foie gras. Vão embora porque ganham mais dinheiro fora. No sector, temos visões muito deturpadas das coisas. E depois vem-se com chavões, a falar das alterações climáticas, para justificar tudo e permitir tudo. Elas são problemáticas, sobretudo ao nível dos acontecimentos extremos. Podemos dizer que o ano vitícola de 2022 foi efeito das alterações climáticas, mas se é para assumir, então, que vai ser sempre assim daqui para a frente, mais vale fechar as portas e ir embora. Temos de aprender a viver com elas. É uma chatice, há-que sermos criativos, mas já o fomos noutros momentos. Aliás, num determinado ano menos bom, em vez de ser a Quinta da Roêda a fazer um grande Vintage, será a quinta de outro produtor. Acredito vivamente que o Douro pode ser um exemplo, a nível mundial, na reacção às alterações climáticas, pela experiência que temos aqui. Podemos reconsiderar as nossas vinhas de preferência, consoante as condições. Não estou de acordo, por exemplo, que a forma de reagir seja regar a vinha”, referiu David. Mas este tema da rega daria outro almoço…

A controvérsia

No seguimento das dicas que David nos foi dando sobre as vantagens da produção de vinho do Porto, tendo em conta as adversidades climáticas, tivemos de perguntar… “é contra a existência da DOC Douro?”. O enólogo respondeu com murros na mesa: “Não, não e não. Não tem nada que ver com ser contra ou a favor. A minha visão é simples, um Vintage é engarrafado quando temos um conjunto perfeito de vinhos que reflectem um ano e um lugar, mas quando os vinhos não são perfeitos, lidamos com isso através do envelhecimento em cascos de carvalho. Estes estilos de vinho do Porto são ambos fabulosos, e são uma grande forma de nos adaptarmos às condições do nosso clima, porque somos uma região de clima mais extremado por natureza, que amadurece as uvas para álcool mais elevado. No vinho do Porto, isso não é um problema, porque adicionamos aguardente no processo. Para os produtores de DOC Douro, só não é um problema porque fazem ‘vinho do Porto para diabéticos’, que é o que eu costumo chamar, em tom de brincadeira, aos vinhos ‘de mesa’ [não-fortificados] com muito álcool e sem açúcar”, riu-se.

E foi aqui que, no semblante de David Guimaraens, o vento mudou de direcção. “O vinho do Porto é um grande exemplo de sustentabilidade, e alguns vinhos do Douro também. Mas o grande tema que eu quero trazer para a mesa vai colocar-me em apuros, e quando falo nele todos se zangam: desafio os portugueses com sentido de moralidade a denunciar que esta região é uma vergonha. Estamos numa região extraordinária, e nunca se vendeu tanto vinho do Porto de qualidade como se vende hoje. Basta olhar para o número de projectos novos de famílias ligadas ao Douro, que hoje produzem vinhos do Porto de qualidade. Falo de Vieira de Sousa, Domingos Alves de Sousa, Wine&Soul, e muitos outros. Se não estamos a vender tanto volume, é porque o consumidor bebe menos mas bebe melhor. Não vamos confundir o vinho do Porto com um estilo de vinho que está condenado à morte, mas sim que se tem de adaptar ao mercado. O vinho DOC Douro é um grande vinho, que está a ganhar cada vez mais nome pelo Mundo fora, e é muito importante para a região a longo prazo. Está a dar muito dinheiro. O turismo, por sua vez, tem trazido muita riqueza, com os centros de visita, alojamentos, programas de enoturismo… mas quem sustenta isto tudo, e toda esta paisagem, está nas ruas da amargura: é o viticultor”, confessou, finalmente. “É muito triste, porque a razão é sermos todos uma cambada de incompetentes. Empresas de vinho do Porto, empresas de DOC Douro, Estado e viticultores. O viticultor do Douro, que produz e vende ao quilo, está a falir, porque o sector é imoral. Estou farto de assistir a isto. Este ano, mais um viticultor “meu” vendeu as vinhas por não ter viabilidade económica. Uma das razões pelas quais não temos pessoas, é ser difícil o trabalho da vinha e não dar dinheiro. Esta vergonha está por denunciar: nós temos vinhas, e estas vinhas e o Douro têm um conjunto de regras que foram desenhadas quando a região só tinha uma Denominação de Origem (D.O.), que era Porto. Há 20 e poucos anos atrás, nasceu uma segunda D.O., Douro. Eu falo mal dos vinhos DOC Douro não pela qualidade — até porque quem os faz são meus amigos, de quem gosto muito — mas não tivemos a competência, ou interesse, em alterar as regras. Cerca de três quartos das videiras da região, hoje (as que têm licença para produzir Porto) podem originar duas D.O., Porto e Douro, independentemente se têm ‘benefício’ ou não. Numa videira com 4 cachos, dois podem originar vinho do Douro, e os outros dois, Porto. O vinho do Porto paga €1,50 por quilo, e o do Douro paga €0,60”, disse, visivelmente zangado, enquanto batia com os punhos na mesa. E continuou. “Esta é a realidade. Duas D.O., dois preços diferentes. E a maior mentira, que ninguém reconhece, é esta: nunca uma vinha é vindimada primeiro para vinho do Porto e depois, uma segunda vez, para DOC Douro. Nós alimentamos uma mentira no Douro, porque não temos capacidade colectiva de actualizar as regras para reflectir a nova realidade. É imoral e, acima de tudo, uma mentira. É imoral porque eu vou a uma vinha, e pelas uvas até à cota de produção pago €1,50 por quilo, e a DOC Douro compra as outras, já a pagar bem, a €0,60 ou €0,70, abaixo do custo de produção. Isto só existe porque, para o vinho do Porto, há uma cota de produção, que é o chamado ‘benefício’, que limita a oferta e a procura, tudo o resto, e como a região é excedentária em produção, é mercado livre”, esmiuçou David. “Temos duas regras, para duas D.O., na mesma videira. Mas que grande mentira! E a incompetência de todos está no seguinte: nós, empresas de vinho do Porto, ou não nos entendemos para mudar as regras, ou juntamo-nos aos outros e passamos a fazer DOC Douro e tiramos partido dela. Os viticultores não se conseguem organizar para exigir alteração. O Estado, também não muda nada, não está ‘nem aí’. E às empresas de DOC Douro não lhes interessa, porque estão a comprar matéria-prima barata. Isto é uma tragédia, é muito errado”. Ao proferir estas palavras, estava à vista de todos que David se preocupa realmente com o problema, e os seus olhos pediam por alguém se se juntasse à causa. “Sozinho, não consigo mudar nada…”.

David GuimaraensA possível solução

“Como se pode solucionar o problema?”, questionámos. David tinha a resposta na ponta da língua: “Eu só peço uma simples alteração: todos terem de optar, parcela a parcela, se fazem vinho do Porto ou Douro. Se fizerem Porto, têm o ‘benefício’, e só as uvas que sobram é que vão para não-fortificado. Se fizerem Douro, não podem receber ‘benefício’. Assim, obrigamos a região a ser honesta, porque quando vindimamos, sabemos bem que uvas vão para uma D.O. ou para outra. Agora, esta incompetência colectiva está a levar à destruição da actividade de viticultor, que é o que eu digo há vários anos. Por tudo isto, eu apelo ao boicote do vinho DOC Douro, até a região mudar as regras!” lança, revoltado. “Vamos ser honestos, decentes… Está na hora de reconhecer que as regras estão desactualizadas e que estamos a fazer o viticultor, que vive de vender uva ao quilo, definhar. Não culpo nem aponto o dedo a um ou outro, porque não é assim que se resolvem as coisas. Eu afirmo que o sistema está mal, e que todos nós sabemos que está mal, um sistema em que uns enriquecem erradamente e outros empobrecem cada vez mais”, atirou David Guimaraens. “Esta é a razão principal pela qual o David não faz vinhos DOC Douro?”. “É”. “E se as regras mudassem e ficassem mais justas, ponderaria fazer?”. Sim”.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2023)