Sugestão: Os (outros) licorosos de Portugal

licorosos

Se estivéssemos a fazer um script para um filme sobre este tema, poderia ser mais ou menos assim: Cena 1: Um grupo de amigos a fazer uma prova de vinhos. Eu também estava presente. Coisa caseira, sem pretensões, apenas para desfrutar o vinho e, como dizem em Angola, estar junto. A certa altura, e após […]

Se estivéssemos a fazer um script para um filme sobre este tema, poderia ser mais ou menos assim:

Cena 1:
Um grupo de amigos a fazer uma prova de vinhos. Eu também estava presente. Coisa caseira, sem pretensões, apenas para desfrutar o vinho e, como dizem em Angola, estar junto. A certa altura, e após alguns vinhos terem sido degustados em prova cega, eu trouxe para a mesa um vinho já decantado. Retinto, percebia-se que era um generoso. De imediato começou o jogo: Porto Vintage ou LBV? Logo aí houve alguma controvérsia porque não era evidente se seria de um tipo, ou de outro. Pelo perfil logo se puseram de lado quer os Madeira quer os Moscatéis; era claramente um vinho retinto engarrafado novo. O segundo momento foi tentar perceber quem seria a casa produtora: seriam empresas inglesas de vinho do Porto, seria um perfil mais tradicional português? Se sim, qual poderia ser a empresa? Novamente várias opiniões, tudo algo baralhado. Resultado da prova: não era um vinho do Porto, era um licoroso de Borba!

Cena 2:
Almoço no Porto, no restaurante Gaveto. Convidador: Dirk Niepoort. À mesa estaríamos uns 8 ou 10, quase todos ligados ao vinho do Porto e vários da própria empresa. Para a sobremesa, Dirk serve o vinho às cegas: logo ali a primeira discussão foi se seria Niepoort ou de outra firma. Um dos presentes, o senhor Nogueira – “cheirista” encartado da Niepoort e já então acabado de se reformar, vaticinou: este seguramente não é o estilo Niepoort! A conversa continuou, a cada cabeça sua sentença. Resultado: era um licoroso da África do Sul, apelidado de Cape Fortified. Vinho notável, a todos os títulos, se a memória não me falha.

Cena 3:
Tenho em minha casa para jantar Dirk Niepoort e David Guimaraens, então acabados de chegar a Lisboa após uma passeata de mota pelo país, uma versão Easy Ryder do séc. XXI. A certa altura do serão servi um vinho bem carregado na cor, rústico de perfil, mas impressionante no conjunto. Ambos entraram em modo de dúvida, sobre que tipo de Porto seria e de quem, ou seja, a conversa do costume nestas coisas das provas cegas. Às tantas um deles, que não recordo quem, disse: espera, este é capaz de ser o licoroso do Mouchão que provámos ontem quando estivemos na herdade! Era mesmo!

 

 

sugestão licorosos

Eram dezenas as destilarias no Bombarral e a grande quantidade de aguardente produzida destinava-se ao Porto e, também, aos licorosos locais.

 

 

 

Vamos casar mosto com aguardente?

As três cenas ajudam-nos a perceber que o universo dos licorosos pode ser desafiante. Podemos encontrar um de dois perfis que, ainda mais, ajudam a confundir com o “universo” Porto; um perfil engarrafado mais jovem e que lembra, de facto, um Vintage ou LBV, e um outro tipo, mais longamente envelhecido em casco e que pode fazer-nos pensar se não estaremos perante um Porto Tawny ou, em alguns casos, um Madeira.
Há razões que ajudam a perceber porque é que nos podemos enganar; em primeiro lugar, as castas: o tal licoroso de Borba era feito de Aragonez e o licoroso da África do Sul era elaborado com castas do Douro, para lá levadas em tempos idos. Se a este “factor casta” juntarmos a forma como são feitos, ou seja, interrupção da fermentação por adição de aguardente vínica, igual à que se usa para vinho do Porto, percebemos melhor que todos estamos desculpados por termos sido iludidos com o licoroso.

Alguns dos vinhos aqui provados entram na designação Abafado: tratam-se de licorosos em que, cumprindo o que a legislação determina, se interrompe a fermentação no início da mesma, por adição de aguardente; se o mosto não chegar mesmo a fermentar, então estamos perante uma Jeropiga.
Algumas casas – como a Companhia Agrícola do Sanguinhal ou o Mouchão têm já uma história secular na produção de vinhos licorosos. No Mouchão a tradição remonta ao início do séc. XX (1901) e, no caso do Sanguinhal há que lembrar que a firma de Abel Pereira da Fonseca, ainda nos finais do séc. XIX, tinha uma empresa de vinho do Porto; e a partir do momento em que adquiriu as 3 quintas na zona do Bombarral – Sanguinhal, Cerejeiras e S. Francisco – dedicou-se a produzir vinhos licorosos. Estávamos então na segunda década do séc. XX. Além desta grande empresa, outras como os Patuleia e Vinhos Bernardino eram destiladores de aguardente. Eram dezenas as destilarias na região e enorme a quantidade de vinhos que ali eram “queimados”; a aguardente destinava-se sobretudo a beneficiar o Vinho do Porto. Era assim tentador fazer algo semelhante nos vinhos da região. Na Companhia Agrícola do Sanguinhal a tradição manteve-se até hoje e as reservas mais antigas que são usadas na preparação dos lotes têm, segundo o actual proprietário, mais de 80 anos.

Já no caso das adegas cooperativas estamos em crer que o desejo dos sócios de terem um vinho de sobremesa, não para imitar nem substituir o vinho do Porto, mas que pudesse ser a expressão das virtudes da região, levou à proliferação deste tipo de vinho um pouco por todo o país, incluindo Tejo e Algarve, onde os licorosos chegaram a ter alguma projecção.
Enquanto consumidores que somos, não devemos perder de vista o que, de original, se vai fazendo aqui e ali. Nota final: estes, como outros vinhos do mesmo tipo, devem ser consumidos frescos. E se tem a sua garrafa há muito tempo em casa (há que a conservar ao alto), não hesite em decantar primeiro porque pode ter criado depósito no fundo da garrafa. Boas provas!

 

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

Costa Boal Family Estates: Família com nome de casta

costa boal

A história da Costa Boal mostra como uma abordagem clássica aos vinhos e à vinha, herdada por gerações anteriores, pode ser combinada com a modernização do negócio e das técnicas, para produzir vinhos de qualidade excepcional. António Boal iniciou a actividade vitivinícola no Douro, no planalto de Alijó, onde a sua família já trabalhava vinhas […]

A história da Costa Boal mostra como uma abordagem clássica aos vinhos e à vinha, herdada por gerações anteriores, pode ser combinada com a modernização do negócio e das técnicas, para produzir vinhos de qualidade excepcional.
António Boal iniciou a actividade vitivinícola no Douro, no planalto de Alijó, onde a sua família já trabalhava vinhas para empresas exportadoras desde 1857. No entanto, foi na cidade de Mirandela, na região de Trás-os-Montes, onde cresceu e constituiu família, que decidiu comprar um terreno em 2011, que incluía uma vinha bastante antiga. Boal tinha a intenção de replantar a vinha, mas foi aconselhado por um amigo a experimentar as uvas da vinha velha em barricas novas, o que levou, para sua surpresa, à produção do seu primeiro vinho, lançado em 2013, o Flor do Tua Grande Reserva 2011. Nascia assim um (novo) projecto familiar com DNA verdadeiramente transmontano, Costa Boal Family Estates, que, desde então, tem surpreendido pela qualidade crescente dos seus vinhos — hoje com assinatura enológica de Paulo Nunes — num portfólio variado em perfis, regiões e castas.

Entretanto, com a aquisição de mais vinhas, a Costa Boal produziu, em 2014, um Porto Vintage e o primeiro Palácio dos Távoras, marca para os vinhos D.O.C. Trás-os-Montes, a par de Flor do Tua e Quinta dos Távoras. Nesta região, o produtor tem 14 hectares de vinha com 67 anos, e um hectare de vinha centenária, em Sendim, mesmo junto à fronteira com Espanha. O enólogo consultor Paulo Nunes, actualmente um dos mais expressivos da cena vínica nacional, confessa que foram as vinhas velhas da Costa Boal que o convenceram a aceitar o convite para liderar a equipa de enologia residente. A adega, por sua vez, é mesmo na zona urbana de Mirandela, uma unidade descomplicada e pragmática que serve perfeitamente o seu propósito: fazer vinho de qualidade.
Já no Douro, a Costa Boal detém cerca de 40 hectares, entre Alijó, Murça e Vila Nova de Foz Côa. É também em Alijó, a 400m de altitude, que se encontra a adega antiga da família, com mais de 150 anos de idade, um edifício muito bonito erguido em lâminas de xisto. Esta adega mantém os tradicionais lagares de granito, nos quais ainda se faz pisa a pé das uvas com destino aos melhores vinhos da casa, e “esconde” vinhos do Porto antiquíssimos, relíquias mantidas pela família em nobre descanso.

O significado da Família

Basta passar algumas horas com António Boal para perceber que a família é o pilar mais fundamental da sua empresa. A proximidade, o comprometimento e o forte sentido de propósito da Costa Boal são valores nutridos num núcleo familiar onde se insere António, a companheira Raquel e a filha Carolina, ambas envolvidas no projecto, acompanhados pelos três cães Serra da Estrela, Flor, Tua e Côa.
Carolina Boal, apenas com 17 anos, já integra um curso de enologia e viticultura e não se vê a fazer outra coisa. A energia que emana, e a obstinação e disciplina que mostra, asseguram que será o futuro da Costa Boal. Desde muito pequena que afirma querer ser produtora de vinho. Quando tinha 5 anos, já era difícil tirá-la de uma vinha recém-plantada, e por isso essa parcela de Baga recebeu o nome de Parcela CB, as suas iniciais. O pai, claramente orgulhoso, olha para Carolina como se esta fosse todo o seu mundo, e é esta dinâmica que dá ao projecto uma identidade muito própria e o alicerça.

 

António Boal tem 43 anos. Nasceu em 1979, em Cabeda, Alijó, numa rua que hoje se chama Rua Bernardino Boal, membro da sua família e um dos fundadores da Casa do Douro. Esteve sempre ligado ao vinho e à terra, por influência do pai, e começou a sua formação na Escola Agrícola do Rodo, no Peso da Régua, antes de ingressar em Engenharia Alimentar, em Mirandela. Acabou por se apaixonar por (e em) Mirandela, onde se casou, e por isso resolveu comprar ali um terreno com vinha em 2011, ano de fundação do projecto Costa Boal Family Estates. “O meu pai dizia-me muitas vezes que, para mandar, é preciso saber fazer, e hoje dou-lhe toda a razão”, confessa. “Graças a ele sei fazer tudo na vinha, menos uma tarefa, que é enxertar”. António Boal criou os vinhos Costa Boal Homenagem em honra do pai. Recentemente, ganhou um novo hobby, que o faz feliz: andar de bicicleta pelos montes.

 

A expansão

A mais recente novidade da empresa, a nível de negócio, foi a expansão para uma região totalmente diferente da de origem: em 2021, a Costa Boal deu um pulo para Estremoz, no coração do Alentejo vitivinícola, como parte da sua estratégia de crescimento. Em Estremoz — a sub-região que não o é, infelizmente e incompreensivelmente — a empresa encontrou uma propriedade ideal para fazer vinhos de qualidade superior e com carácter, desafio em relação ao qual Paulo Nunes esteve à altura, como seria de esperar. A Herdade dos Cardeais agrega 10 hectares de vinha com 25 anos a uma adega, e já deu origem às marcas Monte dos Cardeais e Quinta dos Cardeais, que vieram ampliar o segmento premium do portefólio da Costa Boal.

costa boal
António Costa Boal e o enólogo Paulo Nunes.

Rendido às três regiões, António Boal criou, com Paulo Nunes, o tinto 3 Flores, que junta Alicante Bouschet de Trás-os-Montes, Tinto Cão do Douro e Cabernet Sauvignon do Alentejo. Poderíamos pensar que é mistura a mais — um pouco como aqueles restaurantes que oferecem, por exemplo, cozinha indiana e pizzas, ou sushi e pratos mexicanos, mas aqui o resultado foi um vinho ambicioso e complexo, muito interessante. Igualmente surpreendente é o Costa Boal Douro Moscatel Galego Branco que, na colheita de 2022, mostra um lado mais premium da casta, com imensa elegância e precisão, mantendo o perfil aromático característico.

Da mesma região, os Costa Boal Homenagem, branco e tinto, destacam-se pela estrutura e complexidade, e sobretudo pela capacidade de guarda e evolução positiva em garrafa. Já os Quinta dos Cardeais Grande Reserva branco e tinto mostram um lado fresco e envolvente de Estremoz, ambos com muita elegância e carácter. Uma prova vertical de Palácio dos Távoras Gold Edition tinto mostrou, à mesa, que Trás-os-Montes é uma região a pedir para ser explorada e valorizada: o 2015, já com 8 anos, apresenta charuto, musgo, caruma, muita especiaria, incenso exótico e resina de pinheiro. Elegantíssimo, mas cheio de vida, tem corpo suave mas pleno de carácter. Os taninos são sedosos e fruta de luxo, a acabar em especiaria longa e mentolados subtis (19 pontos). O 2016 sugere muita folha de tabaco, fruta negra, pimenta branca, agulha de pinheiro, balsâmicos e levíssimo toque de Earl Grey. Tem muito sabor e excelente prolongamento, textura e presença (18,5). Por último, o 2017 revela fruta intensa, a conferir imensa energia aromática, vegetal bem presente, especiarias vivas, todo ele expressivo e a pedir para ser guardado (18).

 

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

 

Grande Prova: O expoente do Alvarinho

PROVA ALVARINHO

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na […]

Alvarinho é uma variedade ibérica. 70% das plantações mundiais da casta encontram-se em Espanha, predominantemente na Galiza, onde responde pelo nome Albariño, e mais de 20% ficam em Portugal. Tem alguma presença nos Estados Unidos (California, Oregon e Washington), Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Desde 2019 é uma das variedades autorizadas na região de Bordeaux graças à sua capacidade de adaptação às diferentes condições climáticas, boa capacidade de retenção de acidez e perfil aromático de qualidade.
Em Portugal, é a 5ª casta branca mais plantada, correspondendo a 2% da área de vinha nacional (IVV). Embora comece a ganhar popularidade noutras regiões, desde o Douro ao Algarve, a sua maior expressão continua a ser na região do Minho, onde é a 3ª casta branca, representando mais de 15% da área plantada da região, a esmagadora maioria em Monção e Melgaço. O fim do uso exclusivo do Alvarinho no rótulo pela sub-região de Monção e Melgaço levou à criação de um selo próprio de certificação dentro da denominação de origem Vinho Verde. É caso único em Portugal.

Prova Alvarinho

Casta e região

As primeiras referências de Alvarinho relacionadas com a zona de Monção e Melgaço surgem em 1790, mas até à fama de hoje ainda havia muito caminho a percorrer. A investigação do engenheiro agrónomo Amândio Galhano nos anos 40 do século XX foi o primeiro passo à descoberta das qualidades da casta.
O primeiro rótulo de vinho Alvarinho foi da Casa de Rodas nos anos 20 do século passado. Esta propriedade histórica no concelho de Monção foi recentemente adquirida pela Symington Family Estates com o intuito de produzir vinhos da quinta.

Nos anos 40, já com expressão comercial, surgiu a marca Cepa Velha e no final dos anos 50 a marca Deu-la-Deu. Em 1976 chegou uma especialidade ao mercado – Alvarinho do Palácio da Brejoeira, também em Monção. Em 1982 Luís Cerdeira inicia a sua actividade em Melgaço com a marca Soalheiro e Anselmo Mendes em 1997, hoje duas referências incontornáveis na sub-região.

A sub-região de Monção e Melgaço representa um vale rodeado por montanhas, quer do lado de Espanha pela serra da Galiza, quer de Portugal pela serra de Gerês e Cabreira. Estas barreiras montanhosas oferecem a protecção dos ventos atlânticos e do Norte. É precisamente o que o Alvarinho gosta – estar perto do mar, mas não demasiado exposto. A amplitude térmica existente durante a maturação, caracterizada por dias quentes e noites frias contribui para a melhor síntese dos aromas e retenção da frescura.

Os solos são maioritariamente de origem granítica, mas variam ao longo do vale desde os solos de aluvião, mais profundos e mais pesados em Monção até os mais arenosos na encosta, havendo também zonas de calhau rolado, zonas com mais argila e uma faixa de xisto entre Monção e Melgaço. Anselmo Mendes considera a diversidade de solos um dos factores mais importantes no carácter do vinho.

Com cachos e bagos pequenos e uma película espessa, o Alvarinho produz pouco, na ordem dos 65 hl/ha. Muita película e pouca polpa resultam em rendimento mais baixo na prensagem em comparação com outras castas. Isto reflecte na regulamentação própria para o Alvarinho: de 100 kg de uvas só pode ser obtido 65 litros de mosto. Isto é menos 10 litros do que para outras castas na região pelo mesmo peso de uvas, o que encarece a produção. Já 1 kg de uva de Alvarinho também é mais caro, a oscilar à volta de 1 euro por quilo (sem contar com Colares e as ilhas, é a uva mais cara do país), enquanto as outras castas brancas regionais custam cerca de 35-45 cêntimos por quilo.

A película grossa do Alvarinho contém muitos precursores aromáticos e polifenóis (o índice de polifenóis totais é mais alto do que em muitas castas tintas), daí a estrutura e algum final amargo no vinho. “É por isto que a casta é boa para curtimenta e ganha mais cor com o estágio” – explica Anselmo Mendes.
Os aromas do Alvarinho podem variar desde marmelo e pêssego, notas de fruta citrina doce, fruta tropical (maracujá e por vezes, líchia). Notas florais de laranjeira e violeta e de frutos secos (avelã, noz) também são comuns, podendo desenvolver nuances de mel com evolução. Mas o seu perfil e composição aromática variam muito em função da zona de plantação e da abordagem enológica.
É comum associar a casta aos aromas tropicais, mas isto tem mais a ver com a tecnologia de produção. “O ADN da casta não é este”, – defende Anselmo Mendes que praticamente “respira Alvarinho” desde 1987, quando começou a trabalhar a casta em casa dos seus pais.

É preciso perceber de onde vêm os aromas. Se fermentar em inox a temperaturas muito baixas, o vinho é mais propenso a ganhar a tal tropicalidade exuberante. Se fermentar com temperaturas mais altas, revelam-se mais os aromas varietais e citrinos e o estágio em madeira confere outra dimensão e complexidade.

Uva multifacetada

Nem todas as castas conseguem brilhar no palco sozinhas. Os vinhos monovarietais por vezes são limitativos, mas claramente, não é o caso do Alvarinho. É como um actor com grande capacidade de representação, capaz de interpretar papeis mais diversos e corresponder a abordagens enológicas por vezes contraditórias.
Alvarinho e barrica é uma parceria relativamente recente. Anselmo Mendes começou a fazer ensaios de fermentação em madeira com as uvas da família nos finais do século passado. O primeiro Alvarinho “comercial” em barrica nasceu na Provam, sob marca Vinhas Antigas de 1995.

Márcio Lopes, que em 2010 começou o seu projecto Pequenos Rebentos, prefere barricas usadas de 225 e 500 litros, com mais de 8 anos e também usa balseiros de castanho porque “tiram o que está a mais, o carácter mais directo da casta”. E experimenta abordagens, como a curtimenta e estágio com flor. Luís Seabra no seu projecto Granito Cru prefere madeiras de maior capacidade, usa toneis de 3.000, 2.000 e 1.000 litros.

Entretanto, o estágio em barricas novas não parece que seja uma boa solução para o Alvarinho. “Uma casta de perfil aromático intenso com madeira nova fica desorganizada” – resume Miguel Queimado, enólogo e produtor da Vale dos Ares. Relativamente à fermentação também há abordagens diferentes, mas normalmente para obter vinhos mais complexos e sérios, a temperatura de fermentação anda pelos 20˚C.

Anselmo Mendes e Márcio Lopes fazem bâtonnage com borras totais, obtendo assim mais complexidade e estrutura a longo prazo. No início o vinho até pode parecer mais reduzido e vegetal, mas passado um ano em barrica, ganha complexidade, fica limpo e fino de aromas.

Luís Seabra fermenta com leveduras indígenas, mas sem bâtonnage. Acha que os seus vinhos já têm muito volume. Depois da fermentação não adiciona sulfuroso propositadamente para permitir a fermentação maloláctica (é assim que se fazia Alvarinhos na Galiza antigamente). Não se preocupa com eventual descida de acidez, em contrapartida o vinho fica mais estável e, se vindimar na altura certa, tem acidez suficiente, diz. Engarrafa sempre passado dois Invernos para estabilizar naturalmente. Desta forma “o vinho nasce já mais velho, mas isto também o protege futuramente”. Miguel Queimado também engarrafa com um ano em barrica e mais dois em garrafa.

É pena que a pressão comercial force alguns produtores, por vezes conta vontade, a lançarem Alvarinho ambiciosos na Primavera seguinte à vindima. Os vinhos chegam ao mercado ainda com algum sulfuroso sensível, a cobrir a expressão de fruta e levam mais alguns meses até equilibrar tudo. Porque numa coisa produtores e consumidores estão de acordo: é com o tempo em garrafa que o Alvarinho de Monção e Melgaço melhor se diferencia da “concorrência” e mostra tudo o que vale.

 

(Artigo publicado na edição de Maio de 2023)

Andreza: Douro de referência, a preço sensato

Andreza douro

Lara Dias, a presidente da Saven, abriu as portas de sua casa, ali bem perto de Aveiro, para a apresentação das novas colheitas Andreza, espelhando, no seio do ambiente familiar, parte do que é o legado de seu pai, Manuel Dias. Empresário dinâmico e criativo, Manuel Dias fundou a Saven no ano de 1988, em […]

Lara Dias, a presidente da Saven, abriu as portas de sua casa, ali bem perto de Aveiro, para a apresentação das novas colheitas Andreza, espelhando, no seio do ambiente familiar, parte do que é o legado de seu pai, Manuel Dias. Empresário dinâmico e criativo, Manuel Dias fundou a Saven no ano de 1988, em Ílhavo, e dedicou-se a exportar para todo o mundo, com enorme sucesso, produtos alimentares portugueses, entre eles o vinho. Como acontece com frequência, o salto da distribuição para a produção ocorreu quase sem se dar por isso. E Manuel Dias encontrou no enólogo Francisco Baptista o parceiro ideal para, em 2009, numa empresa conjunta, a Lua Cheia-Saven, dedicar-se ao vinho enquanto produtor, assentando nas regiões do Douro e dos Vinhos Verdes. Para alcançar o seu sonho transpôs integralmente todos os degraus do processo: compra de uvas a lavradores, construção de adega, aquisição de propriedades, plantação de vinha. Manuel Dias, infelizmente, faleceu demasiado cedo, em 2019, mas deixou importante obra feita. Hoje, a Lua Cheia-Saven possui no Douro, em Vale de Mendiz (por muitos considerado o “filé mignon” da região) a magnífica Quinta do Bronze. São 13 hectares de vinha aos quais se juntam, através de parcerias com diversos viticultores, mais cerca de 100 hectares. A vinificação é feita em adega própria, situada em Alijó, de onde saem marcas como Lua Cheia, Andreza ou Quinta do Bronze. Na região dos Vinhos Verdes, a Lua Cheia-Saven detém 5 hectares de vinha em Melgaço, uma adega em Monção e faz a gestão de mais 20 hectares de vinhedos através de parcerias locais, tendo como marcas principais Maria Bonita, Maria Papoila ou Nostalgia.
Os vinhos agora apresentados por Lara Dias e Francisco Baptista levam ainda mais longe a ambição do fundador, Manuel Dias. Posicionada acima da gama Lua Cheia e abaixo dos “vinhos de vinha” da Quinta do Bronze, a linha Andreza Reserva mostra a região do Douro em todas as suas múltiplas nuances. O Andreza Reserva branco 2021 tem origem em uvas cultivadas nas zonas altas (500 a 600 metros) de Martim e Porrais, localidades do concelho de Murça de onde saem boa parte dos brancos mais ambiciosos do Douro. As castas são as tão tradicionais Viosinho, Gouveio e Rabigato. O mosto das duas últimas variedades fermenta em inox com agitação regular das borras finas. Já o Viosinho vai para barrica usada de carvalho francês, também com bâtonnage após a fermentação. Depois de um ano de estágio, é elaborado o lote final.

Andreza Douro
A Quinta do Bronze, em Vale de Mendiz, é importante activo da empresa.

Se, para o branco, Francisco Baptista selecionou uvas de uma zona muito concreta, para o Andreza Reserva tinto a opção do enólogo foi outra: traduzir toda a diversidade do Douro, ao nível de climas, solos, altitudes e orientações solares. Assim, a matéria-prima que está na base do Andreza Reserva tinto 2020 tem origem nas três sub-regiões durienses. Segundo Francisco Baptista, o objectivo “é ir buscar a frescura ácida do Baixo Corgo, o equilíbrio e complexidade do Cima Corgo e a fruta madura do Douro Superior”. As diferentes origens possuem outra vantagem: permitem-lhe manter a consistência de qualidade e perfil da marca colheita após colheita. São uvas de vinhas antigas, com várias castas misturadas, mas também de parcelas estremes mais jovens. No lote, encontramos sobretudo Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz e, em menor percentagem, Alicante Bouschet, Tinto Cão e Sousão. A fermentação decorre em inox, seguindo-se um estágio de cerca de 12 meses em barrica usada.
Já o Andreza Altitude parte de um conceito distinto, estreado na vindima de 2017 e agora recuperado na de 2019. Tal como o nome indica, é feito a partir de uvas de zonas altas, sempre a cotas superiores a 450 metros. No caso, são parcelas selecionadas no concelho de Alijó, assentes em dois solos distintos, xisto e granito. Para Francisco Baptista, “só assim é possível conseguir o perfil que pretende para este tinto, assente numa mistura de elegância, frescura e expressão de fruta”. São vinhas de idade avançada e com castas misturadas, a que se juntou uma parcela estreme de Tinto Cão para reforçar o equilíbrio ácido. Fermentação clássica em inox, maceração pós fermentativa de três semanas (o enólogo segue o modelo “bordalês” de macerações prolongadas), seguindo depois o vinho para estágio de mais de um ano em barrica nova e usada.
No topo da linha Andreza está Grande Reserva tinto, tendo sido apresentada a colheita de 2015. Tal como no Reserva, também aqui as uvas têm origem nas três sub-regiões do Douro. Predominam as vinhas de maior idade e de baixa produção e diversas parcelas com muitas castas plantadas em “field blend”. “É uma forma de obter sólida estrutura, acidez muito equilibrada e também taninos gordos e maduros”, refere Francisco Baptista. “Um Grande Reserva do Douro tem de ser longevo, crescer largos anos em garrafa”, acrescenta. Assim, no lote encontramos, entre muitas outras variedades, uma boa parte de Touriga Franca, Touriga Nacional e Sousão. As uvas são vinificadas em cuba inox, com maceração prolongada após a fermentação. Longo é também o processo de estágio: o 2015 esteve quase 24 meses em barrica nova e depois largos anos em garrafa até o enólogo o dar como pronto para entrar no mercado.
No seu conjunto, esta linha Andreza apresenta fortíssimos argumentos: superior qualidade, vincado carácter Douro e preço sensato. Talvez, mesmo, demasiado sensato para um nível tão elevado…

(Legenda da foto *Francisco Baptista e Lara Dias são sócios no projecto Lua Cheia – Saven)

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

Melhores vinhos do Douro Superior já são conhecidos

Concurso Vinhos Douro Superior

No âmbito da décima edição do Festival do Vinho do Douro Superior que, como habitualmente, aconteceu em Vila Nova de Foz Côa (de 26 a 28 de Maio de 2023), mais de 200 vinhos desta sub-região duriense foram submetidos a concurso. Em prova cega, um júri de 25 especialistas do sector — incluindo jornalistas e […]

No âmbito da décima edição do Festival do Vinho do Douro Superior que, como habitualmente, aconteceu em Vila Nova de Foz Côa (de 26 a 28 de Maio de 2023), mais de 200 vinhos desta sub-região duriense foram submetidos a concurso.

Em prova cega, um júri de 25 especialistas do sector — incluindo jornalistas e outros “wine writers”, sommeliers, compradores profissionais, entre outros — orientado por Luís Lopes, director editorial da Grandes Escolhas, elegeu os Melhores Vinhos nas categorias Branco, Tinto e Vinho do Porto e atribuiu medalhas de Ouro e de Prata. O Melhor Vinho Branco foi o Terras do Grifo Vinhas Velhas 2018, da Rozès; o Melhor Tinto coube ao Avô Escrivão Grande Reserva 2019, da Vinilourenço; e o Melhor Vinho do Porto foi o Quinta de Ervamoira Vintage 2020, da Ramos Pinto.

Esta foi a edição do Concurso de Vinhos do Douro Superior com mais vinhos inscritos de sempre, um record que toma ainda mais relevância porque, ao contrário do que é habitual neste tipo de concursos, para nesta competição os produtores inscrevem sobretudo os seus vinhos topo de gama. Tratando-se do Douro Superior, o conjunto integra alguns dos melhores e mais conceituados vinhos do país.

O Festival do Vinho do Douro Superior é um evento organizado pelo Município de Vila Nova de Foz Côa e produzido pela Grandes Escolhas.

Conheça todos os vinhos premiados na décima edição do Concurso de Vinhos do Douro Superior:

CATEGORIA “VINHO BRANCO”

Melhor Vinho
Terras do Grifo Vinhas Velhas 2018, Rozès

Medalha de Ouro
Crasto Superior 2021; Quinta do Crasto
Dona Berta Curtimenta Reserva 2020; H. & F. Verdelho – Dona Berta
Kaputt; Barão de Vilar
Quinta Vale d’Aldeia Grande Reserva 2020; Quinta Vale d’Aldeia
Soulmate Grande Reserva 2018; Cortes do Tua Wines
Vineadouro Special Edition 2021; Vineadouro

Medalha de Prata
Altitude by Duorum 2022; Duorum Vinhos
Colinas do Douro Reserva 2021; Colinas do Douro
Couquinho 1º Ensaio 2020; Quinta do Couquinho
Duvalley Reserva 2021; Sociedade Agrícola Castro de Pena Alba
Pai Horácio Grande Reserva 2021; Vinilourenço
Quinta da Bulfata 2020; Quinta da Bulfata
Quinta da Pedra Escrita 2021; Rui Roboredo Madeira Vinhos
Quinta da Silveira Reserva 2018; Sociedade Agrícola Vale da Vilariça
Quinta da Terrincha Reserva 2020; Quinta da Terrincha
Rebelo Afonso Reserva 2021; Casa Rebelo Afonso
Restrito Reserva 2021; Restrito
Souza Dias Moscatel do Douro 2006; Caves da Quinta do Pocinho
Valle do Nídeo 2022; Miguel Abrantes

CATEGORIA “VINHO TINTO”

Melhor Vinho
Avô Escrivão Grande Reserva 2019; Vinilourenço

Medalha de Ouro
Casa Ferreirinha Quinta da Leda 2019; Sogrape Vinhos
Castello D’Alba Limited Edition 2020; Rui Roboredo Madeira Vinhos
Cortes do Reguengo Premium 2018; Vinaze – Quinta do Reguengo
Cortes do Tua Reserva 2020; Cortes do Tua Wines
Crasto Superior Syrah 2020; Quinta do Crasto
Duas Quintas Reserva 2015; Adriano Ramos Pinto
Duorum Reserva 2019; Duorum Vinhos
Grandes Quintas Reserva 201; Casa D’Arrochella
Quinta da Touriga Chã 2020; Jorge Rosas
Quinta do Vesúvio 2020; Symington Family Estates
Selores Premium 2018; Viniselores
Vales Dona Amélia 2018; Gerações de Xisto

Medalha de Prata
Arribas do Côa Reserva 2018; Sotero Ferreira – Arribas do Côa
DA Dina Aguiar Grande Reserva 2018; Adão e Filhos
Fonte Videira Reserva 2020; Casa Agricola Quinta dos Lagares
Gravuras do Côa Grande Reserva 2019; Mateus & Sequeira Vinhos
Iter 2019; Duplo PR – Serviços de Enologia
Mix Grape Reserva 2019; Terraloga, Sociedade Agrícola
Montes Ermos Grande Reserva 2020; Adega Cooperativa de Freixo de Espada à Cinta
Muxagat Vinhas Velhas 2017; Muxagat
Palato do Côa Grande Reserva 2017; 5 Bagos
Quinta da Silveira Grande Escolha 2017; Sociedade Agrícola Vale da Vilariça
Quinta da Terrincha 2019; Quinta da Terrincha
Quinta das Mós Grande Reserva 2020; Mikael Monteiro Cabral
Quinta do Arnozelo Grande Reserva 2018; Sogevinus Fine Wines
Quinta do Couquinho Touriga Nacional Reserva 2020; Quinta do Couquinho
Quinta dos Romanos Reserva 2010; Maria Lucinda Todo Bom Damião Cardoso
Rasga Reserva 2019; Artur Rodrigues
Remisi’us Grande Reserva 2020; Valley & Co.
Roquette & Cazes 2019; Roquette & Cazes
Salgados Reserva 2021; Mário Salgado e Maria de Lurdes Salgado
Sebarigos Reserva 2019; Caves da Quinta do Pocinho
Vale da Teja Reserva 2019; Adega Cooperativa do Vale da Teja
Vale de Pios tinto 2017; Quinta Vale de Pios
Vale Marianes Reserva 2018; Rui Saraiva Caldeira
Vallado Douro Superior 2020; Quinta do Vallado
Vineadouro Vinhas Antigas 2019; Vineadouro

CATEGORIA “VINHO DO PORTO”

Melhor Vinho
Quinta de Ervamoira Vintage 2020; Adriano Ramos Pinto

Medalha de Ouro
Amável Costa Tawny 30 anos; Amável Costa
Burmester Tawny Porto Tordiz 40 anos; Sogevinus Fine Wines

Medalha de Prata
Burmester Tawny Porto 20 anos; Sogevinus Fine Wines
Cockburn’s Quinta dos Canais Vintage 2013; Symington Family Estates
Duorum LBV 2019; Duorum Vinhos
Palmer Vintage 2020; Barão de Vilar
Quinta do Grifo Vintage 2017; Rozès

Alvarinho: Symington e Anselmo Mendes criam empresa conjunta

Symington Anselmo Mendes

“É com enorme gosto e entusiasmo que as famílias Mendes e Symington anunciam a decisão de aprofundarem a cooperação que têm mantido ao longo dos anos e de trabalharem ainda mais estreitamente em conjunto na construção de marcas de Vinho Verde premium com prestígio e qualidade que possam afirmar, ainda mais, o enorme potencial que […]

“É com enorme gosto e entusiasmo que as famílias Mendes e Symington anunciam a decisão de aprofundarem a cooperação que têm mantido ao longo dos anos e de trabalharem ainda mais estreitamente em conjunto na construção de marcas de Vinho Verde premium com prestígio e qualidade que possam afirmar, ainda mais, o enorme potencial que ambas as famílias reconhecem nesta incontornável região vitivinícola de Portugal.

Assim, na sequência da aquisição por parte da Symington Family Estates da histórica propriedade da Casa de Rodas, na prestigiada sub-região de Vinho Verde DOC de Monção e Melgaço, no final do passado ano, as famílias Mendes e Symington decidiram criar uma nova empresa, em partes iguais, com o objetivo de comercializar os vinhos que serão produzidos nesta propriedade. O projeto conjunto incluirá também a aquisição, por parte desta nova empresa, da marca Contacto que tem conhecido um assinalável sucesso tanto em Portugal como no estrangeiro e cujo desenvolvimento ambas as partes acreditam ser possível, em conjunto, potenciar.

Anselmo Mendes (ao centro na foto) afirmou que ‘Monção e Melgaço tornou-se nos últimos anos numa singular região produtora de vinhos brancos de classe mundial. Como oriundo de Monção tenho imenso orgulho em fazer parte daquele sucesso. Esta parceria da minha família com a família Symington deixa-me duplamente satisfeito, pois juntos iremos criar valor acrescentado nas nossas marcas e ainda contribuir para o maior reconhecimento dos vinhos Monção-Melgaço. Ambos partilhamos o gosto pelas vinhas próprias e escolhemos com sabedoria os melhores terroirs. A minha família possui três quintas em Monção-Melgaço num total de 60 hectares, plantadas com a casta Alvarinho, sendo a Quinta da Torre o maior espaço vinhateiro da Região.’.

Rupert Symington afirmou sentir-se muito entusiasmado com este novo projeto nos Vinhos Verdes e que ‘a formalização desta cooperação entre as famílias Mendes e Symington é motivo de enorme orgulho para a nossa família e demonstra bem a importância que a Symington Family Estates dá ao estabelecimento de relações estáveis com famílias que partilham os mesmos valores que nós. Acreditamos muito no futuro dos Vinhos Verdes e iremos dedicar muito do nosso trabalho na sua promoção e valorização”.

Sobre a marca Contacto, Rupert acrescentou que ‘é um excelente exemplo de uma marca de excelência do Vinho Verde produzida inteiramente com a casta Alvarinho. Tem uma boa distribuição em Portugal, bem como noutros mercados internacionais. Acreditamos no enorme potencial do Vinho Verde premium em alguns mercados de exportação, e planeamos utilizar a nossa rede de distribuição internacional para expandir as vendas daquele que consideramos ser o mais famoso vinho branco de qualidade de Portugal.'”.

Peter Eckert: o autodidata da Quinta da Marias

Peter Eckert

Peter Eckert veio pela primeira vez a Portugal de férias, logo a seguir ao 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos ainda se fazia sentir nos rostos dos portugueses. Gostou tanto que quis voltar, o que fez em trabalho, quando veio gerir a Companhia de Seguros Metrópole, hoje Zurique, no nosso país. Oito anos […]

Peter Eckert veio pela primeira vez a Portugal de férias, logo a seguir ao 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos ainda se fazia sentir nos rostos dos portugueses. Gostou tanto que quis voltar, o que fez em trabalho, quando veio gerir a Companhia de Seguros Metrópole, hoje Zurique, no nosso país. Oito anos de trabalho intenso, que o levaram aos quatro cantos do país, reforçaram as suas ligações ao território e às suas pessoas. De tal forma que decidiu investir num terreno na região do Dão, onde pretendia passar a reforma com sua mulher Elisabeth. Pelo menos parcialmente, já que hoje, 15 anos depois de se ter jubilado da sua companhia, reparte o seu tempo entre a Suíça e a casa beirã onde possui 12 hectares de vinha. Ela estava lá, abandonada, quando comprou a primeira parcela de terra. Talvez por isso tenha decidido substituí-la por uma vinha nova, naquela altura com dois hectares, e começar a produzir vinho. Com muito experimentalismo à mistura, alguns erros pelo meio e muito estudo em livros da especialidade, o proprietário da Quinta das Marias foi produzindo vinhos com qualidade crescente, até se tornar uma referência incontornável entre os vinhos do Dão. O seu Touriga Nacional é, talvez, o melhor exemplo disso. Mais recentemente, a entrada do enólogo Luís Lopes, o actual responsável pela produção de todos os vinhos desta casa, veio acrescentar um toque ainda mais experimentalista, naquilo que tem sido a essência e, talvez, a principal razão do sucesso desta empresa familiar.

Peter Eckert
Peter Eckert com a companheira Elisabeth.

Tudo começou na Índia

Peter Eckert nasceu em Fevereiro de 1945 em Berna, na Suíça, “no mesmo sítio e ano do nascimento de D. Duarte, o duque de Bragança”, como gosta de salientar. Trabalhou durante muitos anos na companhia de seguros Zurique, para onde veio como gestor em 1980, quando ainda se chamava Metrópole em Portugal. Mas conta que a primeira vez que ouviu falar do nosso país foi há muito mais anos.
Aconteceu em 1967, quando fez uma viagem entre a Suíça e a Índia num Citroen 2CV, atravessando a Turquia, Irão e Afeganistão antes de entrar na Índia pelo Nepal. Depois percorreu o país até ao sul, onde se cruzou com um padre, de que não se lembra o nome, que o incentivou a rumar a Goa, “por ser um lugar fantástico”. E foi o que fez.
Depois de ter entrado na cidade pelo sul, esteve por lá durante duas semanas a conhecer as suas pessoas e recantos antes de reiniciar a viagem. Durante esse tempo foi, entre outras coisas, convidado por locais para frequentar o Clube Vasco da Gama, onde lhe contaram como era a vida no tempo em que Goa ainda era portuguesa e ouviu pela primeira vez cantar fado. “Naquela altura, as pessoas de lá ainda viviam como se o território pertencesse a Portugal, apesar de isso não acontecer, e algumas diziam-me que o seu único sonho era visitar Lisboa”, conta. Diz, também, que foi durante esse período que se interrogou, pela primeira vez, como é que um país tão pequeno como Portugal, com uma população mais ou menos semelhante à da Suíça, deixara marcas tão profundas em Goa, que as pessoas até falavam de forma completamente diferente do resto dos indianos. Foi algo que o deixou curioso, e com vontade de conhecer Portugal, que visitaria apenas em 1974 pela primeira vez. Dessa altura, quando tinha acabado de acontecer a Revolução dos Cravos, Peter Eckert lembra-se “da alegria das pessoas por se sentirem livres”, e nunca esqueceu a canção Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, talvez por a ter escutado tantas vezes.

O início da história no Dão

Em 1980 veio para Portugal gerir a seguradora Metrópole e diz que aproveitou bem a estada de oito anos no país. “Fiz mais de 60 mil quilómetros nas estradas portuguesas para visitar os agentes da empresa”, revela, explicando que “é importante fazê-lo, porque são eles que vendem e distribuem os seguros”. Acrescenta que gostou muito, e ainda gosta, de viver em Portugal, onde construiu amizades que ainda perduram. De tal forma que pediu ao delegado da Metrópole em Viseu, quando foi transferido para a Austrália, para lhe procurar um terreno na região para passar a sua reforma.
Alguns anos depois, quando voltou à Suíça para ocupar um lugar na Direção Geral do Grupo Zurique, perguntou-lhe se tinha encontrado alguma propriedade. E ele respondeu-lhe que tinha uma pequena quinta para ele, cujo terreno e a casa estavam abandonados. A aquisição deu início à história da produção de vinhos de Peter Eckert no Dão, naquela que se tornou a Quinta das Marias, por ser o nome comum da mulher Elisabeth e das suas filhas Ester, Isabel e Julia.
A propriedade estava abandonada e era preciso remover a vegetação que a cobria e lavrar a terra. Por isso, a primeira coisa que fez foi comprar um tractor. Mas precisava que alguém o conduzisse. Após algum tempo, encontrou quem o fizesse na junta de freguesia local, António Lopes. E foi ele que realizou os trabalhos de surriba para a plantação da vinha da Quinta das Marias, que deu origem às primeiras uvas dois anos depois. “Foi nessa altura que construi a primeira adega, aquela onde fica hoje o enoturismo, que tinha uma cave onde ficavam os lagares e as cubas de inox”, conta Peter Eckert, que vivia na altura na Suíça, onde trabalhou até 2007, ano em que se reformou. Hoje todos os trabalhos de vinificação, estágio e engarrafamento são feitos numa outra, a pequena distância deste edifício. Naquela altura o gestor vinha a Portugal sobretudo durante as férias, com a família, deixando os cuidados das vinhas a António Lopes, e a supervisão da evolução dos vinhos ao enólogo António Narciso.

Os primeiros destaques

No ano em que se reformou, quando decorreu uma prova de vinhos do Dão em Lisboa, decidiu estar presente, com a sua mulher, a representar a sua casa. Era a primeira vez que o fazia e, por isso, estranhou que a sua mesa fosse frequentada por muito mais pessoas do que as suas vizinhas. Depois soube que o director de uma das revistas da especialidade tinha indicado, a sua mesa, como aquela onde se encontrava o melhor Touriga Nacional do Dão. “Isso deu-nos um grande empurrão, até porque a seguir fomos a Descoberta do Ano da revista e muita gente começou a falar da Quinta das Marias, aumentando o interesse do público pelos nossos vinhos”, diz. Outro contributo, este para o seu sucesso na Suíça, foi um artigo publicado por um jornalista do país num dos principais jornais de Zurique, o Tages-Anzeiger, que o destacou também a seguir ao prémio atribuído, no Concurso organizado pela ViniPortugal, em 2014, para o seu monocasta de Touriga Nacional Reserva de 2011. “Fiquei muito surpreendido, porque nunca tinha esperado uma coisa destas na minha vida”, diz, com convicção, salientando que este prémio contribuiu para que tenha hoje sempre a sala cheia quando faz uma apresentação dos seus vinhos no seu país.
Quando começou a sua aventura no Dão não percebia nada sobre a cultura da vinha e a produção de vinho. E, por isso, acreditou naquilo que os vizinhos lhe contaram, “que toda a gente da região sabia fazer vinho” e pôs mãos à obra. Só que se esqueceu de perguntar “qual era o vinho?” e o resultado do primeiro empreendimento “foi um carrascão terrível, muito mau, com muita acidez”. Então, decidiu aprender a fazer estudando e experimentando. Comprou muitos livros sobre o tema, leu-os, e foi aprendendo também com as conversas que ia tendo com António Narciso, então um jovem enólogo da Adega Cooperativa de Nelas. Numa delas “disse-lhe que iria fazer os vinhos como queria, porque pretendia experimentar, mesmo que ele não estivesse de acordo com isso, e que não o iria responsabilizar se as coisas corressem mal”. E foi assim que foi fazendo os seus vinhos durante muitos anos, sozinho, com o apoio de António Narciso.

Tintos famosos na Suíça

António Lopes tratava da terra, cuja área foi crescendo à medida que o suíço ia comprando mais terrenos à volta dos quatro primeiros hectares, que se transformaram em 12. A vinha, essa, foi plantada entre 1991, a mais velha, e 2006, a mais recente. Na pequena parcela inicial plantou Encruzado, Malvasia Fina, Bical e Cerceal-Branco. Também plantou Touriga Nacional, que hoje representa cerca de 60% do encepamento, Alfrocheiro, Jaen e Tinta Pinheira, que arrancou cinco anos mais tarde, “porque dava muito mosto e originava vinho de fraca qualidade”. Para a substituir, escolheu Tinta Roriz.
Das 60.000 garrafas produzidas anualmente, a Quinta das Marias vende hoje cerca de 40% em Portugal, sobretudo em Lisboa e na região onde está sediada. Outros 30% vão para o mercado suíço e o remanescente para a Bélgica, Canadá, Macau. “Vendia um pouco também para o Brasil, mas cortei por causa da instabilidade do país”, diz. Conta também que as vendas para o seu país começaram através dos seus conhecimentos pessoais e que hoje referências como o Cuvée TT e monocasta Touriga Nacional são um sucesso naquele mercado.
Desde o início, Peter Eckert diz que procurou produzir apenas vinhos de segmento superior, o que se reflecte nos preços de venda à porta da adega. Os mais baratos, o monocasta de Encruzado e o tinto de lote, custam 10 euros, enquanto o Crudos, “um vinho feito com base numa filosofia diferente”, custa 30. “Para além do tinto de lote, um vinho típico do Dão, tinha os monocastas de Alfrocheiro, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Cuvée TT. De vez em quando fazia um Garrafeira”, conta.
Hoje, quando passa metade do tempo na Suíça e outra metade em Portugal, confia todo o aparelho produtivo à sua equipa de cinco pessoas, entre eles Luís Lopes, o enólogo residente, e Victor, o filho de António Lopes, que é hoje responsável pela produção. Para si deixou a visita a clientes e distribuidores e o marketing da empresa. Já a caminho dos 80, mantém o entusiasmo da primeira hora: “Quero ficar aqui, a fazer vinho no Dão, por muito mais tempo…”, remata com um sorriso.

 

Peter Eckert

Um desafio para Luís Lopes

A trabalhar na Quinta das Marias desde 2018, Luís Lopes conta à Grandes Escolhas que foi com muito respeito por todo o trabalho até aí realizado que aceitou o desafio de Peter Eckert para trazer uma nova visão enológica para a empresa. Após provar todas as referências, fez uma proposta com o que sugeria manter e o que achava se podia fazer de diferente. Foram assim mantidos os monocasta Encruzado e Touriga, os vinhos de maior sucesso da casa, tal como o Cuvée TT e o Alfrocheiro. Depois foi criada a linha Out of The Bottle, que permite, ao enólogo, experimentar e fazer um estudo mais aprofundado sobre as variedades plantadas na vinha. Também para Luís Lopes, o factor que diferencia uma casa pequena e familiar como a Quinta das Marias é a qualidade. “Mas não pode ser excessivamente padronizada, porque há pequenas variações nos vinhos conforme decorrem os anos, mas também na maneira como os pensamos e fazemos”, explica, defendendo que “até é bom que haja alguma variação”. Nas duas gamas que esta casa comercializa, o Quinta das Marias é mais consistente no perfil, depende do clima de cada ano. A Out of The Bottle muda um pouco mais, porque resulta de ensaios que faz e considera importante comunicar. Diz que gosta de os explicar, “de escutar as críticas”, para que quem os aprecia conheça qual é o processo criativo e de aprendizagem que lhes dá origem.

 

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

Van Zellers & Co renasce com Vinho do Porto

Van zeller Instagram

A família de Cristiano van Zeller está ligada ao vinho do Porto desde sempre. Segundo informação fornecida no momento da apresentação, é preciso recuar até ao séc. XVII para encontrar os primeiros traços de familiares ligados ao negócio do vinho do Douro. O antepassado que deu nome à família, veio para Portugal em 1726 e, […]

A família de Cristiano van Zeller está ligada ao vinho do Porto desde sempre. Segundo informação fornecida no momento da apresentação, é preciso recuar até ao séc. XVII para encontrar os primeiros traços de familiares ligados ao negócio do vinho do Douro. O antepassado que deu nome à família, veio para Portugal em 1726 e, desde então, foi-se criando uma teia de relações entre familiares, com frequência relacionados ou com o Douro ou, mais especificamente, com o vinho do Porto. Terá sido em 1780 que se criou a empresa Van Zellers & Co, ligada ao negócio do Vinho do Porto, designação então já usada e que, segundo Cristiano informou, tinha sido utilizada pela primeira vez em 1675. Como é normal nas empresas familiares, há por vezes quebras ou mesmo cessação de actividades e foi isso que aconteceu com a empresa Van Zellers & Co. Ela pertencia a João van Zeller, primo de Cristiano e proprietário da Quinta de Roriz. Com a venda da quinta à Prats & Symington, João doou a empresa a Cristiano. Em boa verdade, tratava-se apenas do nome, uma vez que a empresa não tinha activos: nada de quintas e nada de vinhos em stock. Punha-se então a questão: que fazer com o nome, com muita história, mas sem vinho?

van zellers

Começar de novo

Cristiano esteve largos anos ligado à sua Quinta Vale D. Maria, situada no rio Torto. Ali, criou vinhos, nomeadamente o Vinha da Francisca, para celebrar o nascimento da filha. Quando a quinta foi vendida à Aveleda, a Van Zellers não estava incluída no negócio e foi assim que Cristiano resolveu alargar o nome para vinhos do Porto, uma vez que desde 2006 já existiam vinhos D.O.C. Douro com as marcas CV, em branco e tinto.
Nesta apresentação, apenas foram objecto de prova os vinhos do Porto, todos eles comprados, uma vez que a empresa não tinha stocks próprios. A gama irá incluir vinhos das três famílias de vinho do Porto: a gama Crafted by hand – onde se incluem os Tawny com indicação de idade; a linha Crafted by time – onde vamos encontrar os Porto Colheita e, por fim, a gama Crafted by nature – onde se incluirão os Vintage, LBV e Crusted. É no papel do tempo na construção de um vinho, que se pode fazer a ponte para as máquinas do tempo que são os relógios. E, para alguns em exposição na Boutique da Av. da Liberdade, em Lisboa, convenhamos que seriam precisas muitas paletes de vinho do Porto, e vendidas a bom preço…
A gama dos Tawny com indicação de idade incluirá quantidades pequenas: 6000 garrafas de 10 anos, 3000 de 20, 1500 de 30 e 700 de 40 anos.
Além destes, existirão as gamas Ruby, White e Tawny, todos a serem apresentados no final do ano. Os vinhos estão no Douro, em armazéns em S. João da Pesqueira, uma vez que “em Gaia os custos do imobiliário são brutais”, como nos lembrou Cristiano van Zeller.
Os vinhos D.O.C. Douro — entre 60 e 70 mil garrafas por ano — resultam de vinhas próprias e alugadas em três locais distintos da região, perfazendo um total de 16ha.
Nas provas que fizemos, tivemos oportunidade de provar o LBV de 2014, já fora do mercado mas a mostrar ainda muita qualidade e garra, ainda fechado e com anos pela frente (17 pontos); também o 2015 se mostrou muito bem, ainda que já não existam garrafas no produtor, um belíssimo LBV, muito austero, químico mas com excelente prova de boca (17,5); o 2017 foi engarrafado ao 5º ano (por falta de garrafas no mercado, em virtude da pandemia) e esse atraso não o beneficiou, surgiu um pouco cansado e com alguma evolução precoce, melhora na boca mas terá menos futuro (16). O próximo será o 2019. Por sua vez, os Vintage, ainda todos disponíveis, seguem de seguida, em nota de prova. Já o Vintage 2020 – 2700 garrafas – irá ser oferecido ao mercado en primeur, e foi aqui provado em antecipação. Massivo, opaco, cheio de classe e totalmente fechado, mais seco do que habitualmente, será um vinho a ter em atenção e que, segundo nos informaram, terá um PVP que deverá situar-se entre os 100 e os 120 euros.

 

 

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)