Herdade do Freixo: Elegância e longevidade

A Herdade do Freixo nasceu da paixão dos irmãos Pedro e José Luís Vasconcelos e Sousa, de desenvolver um projecto de vinhos diferente na região. Hoje já não estão ligados à empresa, mas foi isso que comunicaram, num jantar de amigos, alguns deles potenciais investidores, proposta que originou o interesse dos comensais. “Acreditava-se que existia, […]
A Herdade do Freixo nasceu da paixão dos irmãos Pedro e José Luís Vasconcelos e Sousa, de desenvolver um projecto de vinhos diferente na região. Hoje já não estão ligados à empresa, mas foi isso que comunicaram, num jantar de amigos, alguns deles potenciais investidores, proposta que originou o interesse dos comensais. “Acreditava-se que existia, ali, um terroir diferenciador”, conta Carolina Tomé, 50 anos, directora de Marketing e Comercial da Herdade do Freixo.
Um toque inovador
O posicionamento da herdade em relação à Serra de Ossa, a localização do vale onde hoje se desenvolvem as vinhas das castas brancas e fica a adega, o monte que fica em frente, com os seus 450 metros de altitude no topo, onde estão plantadas castas tintas “com exposições diferentes que permitem equilibrar a frescura com a concentração, são alguns dos contributos para a existência deste terroir distinto. O mesmo acontece com o seu microclima, que contribui para a ocorrência de maturações mais lentas e vinhos mais frescos, e os seus solos de origem xistosa e granítica. Na sua plantação foram selecionadas, para além de castas tradicionais da região, outras que podiam contribuir, com a tecnologia certa usada na adega, para originar vinhos mais frescos e elegantes, com maior capacidade de evolução positiva em garrafa com o tempo. No fundo, o melhor de dois mundos: a concentração e a alma típica do Alentejo com mais frescura, elegância, longevidade em garrafa e maior apetência gastronómica, algo que o enólogo consultor desta casa, Diogo Lopes, procura fazer reflectir nos vinhos de cada colheita.
Depois de ter sido estudado o local, as vinhas começaram a ser plantadas, a partir de 2010, com esse objectivo, e também com o potencial de dar um toque inovador aos vinhos produzidos pela herdade, alguma diferença em relação ao habitual do Alentejo. Foi, por isso, que foi introduzido o Alvarinho, “que se dá muito bem no Freixo”, mas também Sauvignon Blanc, Chardonnay, Riesling, “que só foi lançado há dois anos”. A casta branca Arinto foi plantada para potenciar longevidade nos brancos. Nas tintas, a base é a Touriga Nacional. Mas também há Cabernet Sauvignon de clones seleccionados para o tipo de solos da propriedade, Alicante Bouschet e Petit Verdot, “para trazer frescura e capacidade evolutiva aos vinhos” e Petite Syrah, da qual foi lançado o primeiro vinho há pouco tempo. “Também plantámos Syrah, que está a ser conduzida no modo biológico, a pensar no lançamento de um futuro vinho biológico da herdade”, diz Carolina, revelando, depois, que toda a vinha está a ser conduzida no modo de protecção integrada. “É evidente que o modo de produção biológico pode ser interessante, mas é essencial garantir a produção de vinhos com um perfil de frescura, concentração e longevidade, estrutura e elegância”, defende. Todos os anos há uvas, e é preciso produzir e vender vinhos que sejam apreciados pelo mercado, ou seja, nenhum negócio persiste sem sustentabilidade económica. Para garantir a sua qualidade e consistência ao longo dos anos, “a vindima é feita no ponto óptimo de maturação”, de forma manual, quando há mão de obra disponível, ou à máquina, quando não há.

Paisagem intocada
A propriedade tem 300 hectares, que estavam intocados, sem terem sido sujeitos a agricultura intensiva, na altura em que o projecto começou a ser desenvolvido “Era e é um eden paisagístico, onde passam e poisam aves migratórias e se podem ver lebres ou raposas, cuja natureza era preciso preservar”, conta Carolina Tomé. Por isso, a adega integra-se quase na perfeição nesta paisagem. Para além de ter condições para potenciar a produção de vinhos com longevidade em garrafa, mais frescos e elegantes, é conceptualmente interessante de visitar, o que incentiva a procura do seu enoturismo e ajuda a promover o seu vinho. “O objetivo é que as pessoas percorram as vinhas, sintam a paisagem e entrem na adega, numa outra realidade que seja uma novidade para os sentidos, para conhecer um pouco do processo de produção, se quiserem, e terminarem a experiência com a prova de vinhos coerentes com as sensações tidas durante a visita”, explica a gestora.
Para a sua construção foi feito um concurso, ganho pelo atelier do arquitecto Frederico Valsassina com a proposta de uma adega totalmente enterrada, qua alberga escritórios, zona de fermentação, estágio em barricas e em inox, armazenamento e laboratórios. Todo o seu interior, que é iluminado com luz natural, pode ser visitado 365 dias por ano sem haver interferências entre os visitantes e a produção.
A adega demorou dois anos e meio a ser construída e o projecto terminou em Outubro de 2015. Assim nasceu um edifício que foi premiado pela publicação especializada ArqDaily, de Nova Iorque, em 2018, um par de anos após ter aberto. Em Maio/Junho foram lançados os primeiros vinhos.
Além de preservar a paisagem rural e permitir o contacto dos visitantes com o vinho, numa experiência sensorial completa, a adega da Herdade do Freixo possibilita o controlo do efeito das amplitudes térmicas do interior do Alentejo, sobretudo as extremas do verão, quando as máximas podem chegar aos 50 ºC, e as mínimas aos 20 ºC. Isso é essencial durante o processo de produção, estágio em barrica ou inox, engarrafamento e repouso das garrafas até irem para os clientes, para a manutenção da frescura e evitar a evolução antecipada dos vinhos.
O desafio do mercado
Desde o início que a Herdade do Freixo privilegia as vendas para a restauração e lojas da especialidade, “porque os nossos produtos têm de se ser apresentados, explicados, e beneficiam quando são provados com comida”, diz Carolina Tomé. Conta também que foi um desafio lançar, no início do trajecto da empresa, vinhos distintos, de nicho, com origem no Alentejo, região conhecida, na altura em que começou a trabalhar, pelas suas marcas de volume. Foi necessário abrir muitas garrafas, fazer a formação das equipas de vendas, muitas masterclasses e muitas conversas pessoais com os clientes para mudar a perspectiva do mercado em relação à sua casa. “Nas primeiras apresentações ouvíamos dizer que os vinhos eram interessantes, frescos, mas não pareciam do Alentejo”, conta, salientando que hoje isso já não acontece, não só porque os vinhos do Freixo já são conhecidos em Portugal e nos mercados para onde a casa exporta, mas também porque surgiram mais produtores com vinhos semelhantes aos seus, mais frescos, longevos e elegantes, com origem no Alentejo. Hoje a Herdade do Freixo exporta 20% dos seus vinhos para a Suíça, “mas também um pouco para a Holanda, Bélgica e Suécia, e Brasil, China e Angola, mais recentemente”, revela ainda a responsável. Em Portugal, para além dos restaurantes e lojas da especialidade, estão disponíveis nos supermercados Apolónia e no El Corte Inglés.
(Artigo publicado na edição de Março de 2025)
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Freixo Family Collection
Tinto - 2019 -
Freixo Special Edition
Tinto - 2020 -
Freixo Reserva
Tinto - 2021 -
Freixo Elementar
Tinto - 2022 -
Freixo Terroir
Tinto - 2020 -
Freixo Special Edition
Rosé - 2023 -
Freixo Reserva
Branco - 2022 -
Freixo Special Edition
Branco - 2021 -
Freixo Terroir
Branco - 2023 -
Freixo
Branco - 2022 -
Freixo
Branco - 2023 -
Freixo
Branco - 2023
S. Salvador da Torre: Emancipação do Loureiro

Analisando os dados referentes às exportações de vinhos oriundos da região dos Vinhos Verdes, em relação logo ao primeiro semestre do ano transato, compreendemos porque motivo esta se mostra cada vez mais atrativa para investimentos de longo prazo. O ano de 2023 havia terminado com um crescimento, em volume, na ordem dos 8%, contabilizando 35 […]
Analisando os dados referentes às exportações de vinhos oriundos da região dos Vinhos Verdes, em relação logo ao primeiro semestre do ano transato, compreendemos porque motivo esta se mostra cada vez mais atrativa para investimentos de longo prazo. O ano de 2023 havia terminado com um crescimento, em volume, na ordem dos 8%, contabilizando 35 milhões de litros, de um total de 90 milhões de litros exportados, e cerca de 11% em valor. O primeiro semestre de 2024 surpreendeu com números pouco usuais para a conjuntura atual, representando, apenas nos dois primeiros meses do ano, um acréscimo de 30% no volume de exportações, o que mostra como a região se encontra dinâmica. Aparte isso, há uma toda uma nova conjuntura de consumo mundial que traz uma evidente vantagem competitiva à região.
O interesse da Granvinhos pela expansão além da sua zona de conforto, o Douro, já viria de há uns seis ou sete anos.
Perfil mais leve
Aliada à quebra do consumo mundial, há hoje uma busca mais premente por vinhos brancos, com um perfil mais leve e de mais reduzido teor alcoólico, algo que assenta como uma luva aos Vinhos Verdes.
Contudo, para Jorge Dias, CEO da Granvinhos, as decisões nem sempre se movem pela estrita e absoluta racionalidade. A aquisição da Quinta de São Salvador da Torre possuí essa mesma premissa.
O interesse da Granvinhos pela expansão além da sua zona de conforto, o Douro, já viria de há uns seis ou sete anos atrás, buscando novos projetos para alargar a sua área de influência. Inicialmente, o Alentejo foi aventado como uma hipótese, logo colocada de parte por se entender que não acrescentaria valor e diferenciação ao negócio. Numa perspetiva que alia a racionalidade à emoção, para Jorge Dias apenas duas regiões preenchiam, para si, as virtudes e características que pretendia acrescentar ao grupo: a Bairrada e os Vinhos Verdes. Colocada, por ora, de parte a Bairrada, com um negócio que não chegou a bom porto, o foco passou a incidir sobre os Verdes e, em 2022, surge a hipótese da Quinta de S. Salvador da Torre.
Alguns meses de negociações com o Grupo Soja de Portugal, proprietário da Quinta, e o negócio fez-se, mais uma vez com uma forte carga emocional pelo meio. Jorge Dias mantém, há mais de 30 anos, uma amizade forte com Anselmo Mendes, o enólogo e produtor que, à data, era o consultor do grupo agroalimentar, tendo sido já ele quem, em 2015, planeou a plantação das vinhas na vasta propriedade de Viana do Castelo.
No modelo para o futuro risonho desta quinta, o Loureiro é peça fulcral da engrenagem idealizada pela Granvinhos.
Cinco séculos preservados
É um extenso manto verde que envolve a quinta, cuja história remonta a 1512. São cerca de 37 hectares, 30 deles de vinhedos, que compõem uma propriedade totalmente murada, situada na margem direita do rio Lima e apenas 10 km de distância do Atlântico. No centro, e no seu ponto mais alto, ergue-se uma imponente casa senhorial, cuja edificação original remonta às primeiras décadas do séc. XVI, tendo, ao longo dos séculos, sido objeto de diversas intervenções e ampliações, remontando a última a 1925.
Percebendo a singularidade do património que ali se ergue, Jorge Dias entregou a sua reabilitação ao gabinete de arquitetura de Luis Pedro Silva, o autor da conceção do arrojado Terminal de Leixões. Com ele trouxe uma equipa de especialistas de arquitetura de reabilitação e história, vincando a pretensão de seguir, com rigor, uma obra que mantenha uma forte linha de coerência com um passado de cinco séculos.
É ainda na Idade Média que surgem as primeiras referências à Quinta, inicialmente parte integrante do Mosteiro Beneditino de S. Salvador da Torre, que recebeu carta de couto de D. Afonso Henriques em 1129. Ao longo dos séculos foram vários os proprietários que promoveram modificações de monta ao edificado original, destacando-se a família Rocha Brandão, que manteve a quinta na sua posse durante cerca de 400 anos, tendo sido, da sua lavra, a construção do solar, e a capela em devoção a Santo Isidoro, no século XVII, por Bula do Papa Júlio III.
Já no século XX, a quinta é adquirida pelo banqueiro José Carreira de Sousa, que, consigo, traz o arquiteto que, em 1912, ganhou o Prémio Valmor, pela “mais bela casa de Lisboa”, Villa Sousa. Manuel Joaquim Norte Júnior era o mais brilhante arquiteto da sua geração, representando um estilo eclético, com influências do geometrismo e do modernismo inspirado na Arte Nova. Em 1925, o solar acolhe, agora, a sua mais importante e recente obra de reabilitação, mantendo intacta a beleza das suas fachadas. Durante todo o século XX é desenvolvida, de forma mais sistemática e intensiva, a viticultura na Quinta, que chegou a produzir cerca de 120 pipas de vinho branco de qualidade admirada.
Em 1980, é adquirida pela Soja de Portugal, empresa que expande a atividade agrícola à pecuária, transformando a quinta num campo de ensaios nas suas áreas de atuação, tendo-a alienado à Granvinhos em 2022.
A consagração do Loureiro
No modelo para o futuro risonho desta quinta, o Loureiro é a peça fulcral da engrenagem idealizada pela Granvinhos para a sua entrada, com pompa, na região dos Vinhos Verdes. As condições naturais são perfeitas para qualquer modelo, seja ele de maximizar produções ou, como é o objetivo do grupo proprietário, criar vinhos de quinta, de absoluta diferenciação e produções que nunca ultrapassarão os 120 mil litros anuais.
A contiguidade ao Rio Lima e a abundância de água marcaram, durante séculos, o retrato da propriedade murada, com as suas charcas e fonte de mergulho medieval, dona da identidade que acaba por dar cor ao figurativo da marca. A água tem aqui duas vertentes umbilicalmente ligadas pela religião e pelas suas propriedades curativas.
A vinha domina a paisagem, cobrindo 30 hectares contínuos, cabendo ao Loureiro a maior mancha do vinhedo, com 14 hectares, sobretudo nas cotas mais elevadas da quinta, aí se encontrando também a parcela mais exclusiva, a Vinha dos Castanheiros, de onde são oriundas as melhores uvas da casta. Os solos estratificados permitem uma melhor avaliação da aptidão das suas diversas dimensões e composições – xisto, granito e aluvião – a cada uma das castas ali plantadas. Anselmo Mendes, que já desempenhava funções de consultoria há uma dezena de anos na propriedade, e foi o responsável pela plantação das vinhas atuais em 2015, desenhou-as de modo a delas extrair a máxima qualidade e identidade.
Os resultados começaram a surgir logo em 2023, tendo sido, recentemente, lançado o primeiro vinho com a chancela Quinta de S. Salvador da Torre, um Loureiro estreme, casta que, segundo Anselmo Mendes, encontra ali as condições ótimas para uma expressão de elegância e personalidade muito vincadas. Há, em Jorge Dias, uma crença muito elevada de que a Quinta se transformará, muito em breve, num referencial na região dos Vinhos Verdes. Para tal, afastaram-se ideias de volume, estando apenas a apostar-se na singularidade qualitativa, ensaiada numa componente de sustentabilidade ambiental muito forte que, por ora, passa pela produção integrada.
“Acredito no futuro do Vinho Verde e, em particular, nas castas Alvarinho e Loureiro. É um produto muito bem-adaptado aos novos tempos e hábitos de consumo, que necessita, contudo, de ser valorizado pela ligação às respetivas zonas de produção, bem como à dieta atlântica, na qual Portugal tem uma oferta ímpar”, refere Jorge Dias, Diretor-Geral da Granvinhos.
Para um futuro próximo, está planificada a construção de uma adega para vinificação própria, uma vez que, atualmente, os vinhos são elaborados numa adega externa, crendo-se que esteja concluída em 2027. Para a casa senhorial, cuja reabilitação segue a bom ritmo, ainda não há planos específicos, sendo certo que constituirá peça fundamental para o projeto de enoturismo que o grupo almeja para a Quinta.
Projetos de médio prazo, sob uma orientação disciplinada, mas apaixonada de Jorge Dias, homem cuja dimensão para sonhar e concretizar em nome da valorização do vinho português parece não ter limites.
(Artigo publicado na edição de Março de 2025)
Haut-Brion, a jóia de uma brilhante coroa

A empresa Vinitrust, que representa algumas das grandes marcas de vinho em Portugal, organizou uma masterclasse de vinhos da Domaine Clarence Dillon, com presença de Guillaume-Alexandre Marx, o director comercial dos três châteaux emblemáticos do grupo – Haut-Brion, La Mission Haut-Brion e Quintus. O banqueiro norte-americano Clarence Dillon, apaixonado pela França, não hesitou quando recebeu […]
A empresa Vinitrust, que representa algumas das grandes marcas de vinho em Portugal, organizou uma masterclasse de vinhos da Domaine Clarence Dillon, com presença de Guillaume-Alexandre Marx, o director comercial dos três châteaux emblemáticos do grupo – Haut-Brion, La Mission Haut-Brion e Quintus.
O banqueiro norte-americano Clarence Dillon, apaixonado pela França, não hesitou quando recebeu uma proposta para comprar o lendário Château Haut-Brion, na sub-região de Graves em Bordeaux. Com esta aquisição de uma propriedade icónica, um terroir excepcional e um pedaço da história vínica de França, nasceu, em 1935, o Domaine Clarence Dillon, agora gerido pela quarta geração da família, representada pelo Príncipe Robert de Luxemburgo. Em 1983, a família expandiu a sua presença em Bordeaux ao integrar o Château La Mission Haut-Brion, também em Graves, e, em 2011, ao adicionar ao portefólio o Château Quintus, localizado em Saint-Émilion.
Embora o Château Haut-Brion e o Château La Mission Haut-Brion partilhem raízes e terroirs semelhantes, cada um tem uma identidade distinta
Haut-Brion e La Mission, duas expressões de terroir
Poucos nomes no mundo dos vinhos evocam tanto respeito e admiração quanto o Château Haut-Brion. Provavelmente, não há enófilo que não tenha os vinhos desta propriedade histórica na sua bucket list.
Haut-Brion é um dos château mais antigos e célebres de Bordeaux. A produção regular de vinhos teve início em 1521, embora registos históricos indiquem a presença de vinhas na propriedade desde o início do século XV. Ganhou reconhecimento internacional ainda no século XVII, tendo sido mencionado no livro de adega de 1660 do Rei Carlos II e, em 1663, referenciado no famoso diário de Samuel Pepys, um grande apreciador e coleccionador de vinhos, que o descreveu como possuindo “um gosto bom e muito particular, como nunca antes experimentara”.
O Château Haut-Brion foi pioneiro em práticas enológicas que hoje são amplamente adoptadas. Nos meados do século XVII, ao atestar os cascos para evitar oxidação e realizar transfegas regulares, retirando o vinho das borras durante o estágio, era uma autêntica inovação que resultava num vinho final mais limpo e aromático. O estágio prolongado nestas condições permitiu a criação de vinhos mais refinados, com maior complexidade e potencial de guarda.
Localizado em Pessac-Léognan, é a única propriedade fora do Médoc a figurar na famosa Classificação de 1855 como Premier Grand Cru Classé, um dos cinco châteaux no topo absoluto da hierarquia de Bordeaux. Quase cem anos mais tarde foi também incluído na Classificação de Graves, sendo o único château a figurar em duas classificações.
Curiosamente, o branco do Château Haut-Brion, altamente exclusivo e de produção muito limitada (apenas poucas centenas de caixas de 12 garrafas), não consta na Classificação de Graves. No entanto supera o tinto a nível de preço, sendo o vinho branco mais caro do mundo.
O Château La Mission Haut-Brion também foi fundado no início do século XVI por Jean de Pontac, o mesmo proprietário do Haut-Brion. Mais tarde foi adquirido pela Ordem dos Lazaristas, que manteve a propriedade durante 130 anos. Daí o nome “La Mission”.
Embora não tenha entrado na classificação de 1855, que incluiu apenas os vinhos do Médoc e o incontornável Haut-Brion, de Graves, La Mission Haut-Brion é reconhecido como Cru Classé de Graves. A partir de 1927 juntou ao seu portefólio vinho branco, que continua a ser um dos grandes brancos de Bordeaux, rivalizando com o do Château Haut-Brion.
Ambas as propriedades estão localizadas em Pessac-Léognan, a menos de 500 metros uma da outra, separadas por uma estrada, e têm um terroir semelhante, com diferenças subtis. O solo de cascalho assenta sobre um subsolo de argila, calcário e areia com fragmentos de conchas.
A presença de Merlot e Cabernet Sauvignon nas vinhas do Haut-Brion é igual, 45% de cada, e o resto é Cabernet Franc, conta o director comercial. Desta forma diminui a dependência de uma casta só e consegue-se a flexibilidade necessária para manter a consistência dos vinhos independentemente do ano. Para além dos 51 hectares com castas tintas, três hectares são dedicados às variedades brancas: Semillon e Sauvignon Blanc. No La Mission Haut-Brion, com 25 hectares, há alguma prevalência do Cabernet Sauvignon. As mesmas castas brancas são plantadas numa área com mais de quatro hectares.
Guillaume-Alexandre Marx confirma que os efeitos do aquecimento global já são perceptíveis, resultando em colheitas com maior maturidade e consistência. Por enquanto, não está previsto alterar as variedades plantadas. A equipa monitoriza de perto o desempenho de cada parcela vinificada, e, quando percebem que alguma não apresenta um bom desempenho ao longo de alguns anos, optam por deixá-la em repouso por três anos antes de replantá-la, geralmente com a mesma variedade. Em alguns casos, contudo, há uma substituição de Cabernet Sauvignon por Merlot, ou vice-versa, de acordo com as condições observadas.
A viticultura nos châteaux não é certificada como orgânica, mas os seus responsáveis procuram actuar de forma mais ecológica possível, reduzindo o número de tratamentos, não usando insecticidas e promovendo a biodiversidade.
Abordagem enológica e consistência
Nas propriedades com uma rica história e tradição é essencial preservar os valores e o legado ao longo das diferentes épocas. No Château Haut-Brion e La Mission Haut-Brion, a continuidade e a consistência são garantidas pela sucessão da responsabilidade enológica, actualmente nas mãos de Jean-Philippe Delmas, a terceira geração da família Delmas.
Embora as técnicas de vinificação sejam semelhantes em ambos os châteaux, a seleção das uvas e o blend final são cuidadosamente ajustados para realçar os estilos únicos e característicos de cada propriedade.
A vindima começa em Setembro e acaba no início de Outubro. O primeiro a vindimar é sempre o Haut-Brion. “Vinificamos separadamente por parcelas”, conta o director comercial. Ao completar a fermentação alcoólica e maloláctica, a cada depósito/parcela é atribuido o nível de qualidade com base na prova sensorial: 1 – primeiro vinho, 2 – segundo vinho, 3 e 4 – para vender. Guillaume-Alexandre Marx explica que, ao contrário de muitos châteaux, a abordagem não se baseia nas parcelas em si, mas na qualidade que entregam em cada ano e na possível combinação. “Simplesmente lotear todas as melhores parcelas nem sempre se traduz num grande vinho. Por vezes uma parcela que, sozinha, não dá grande prova, contribui com algo muito particular ao conjunto final. E estas decisões são tomadas na sala de provas entre as quatro pessoas”, conta Guillaume-Alexandre Marx. As sessões de loteamento decorrem entre meados de novembro e de dezembro, mais cedo do que em muitos outros châteaux.
O estágio em barrica dura entre 16 e 18 meses, sendo ajustado com base em provas regulares. Para o primeiro vinho utilizam normalmente 75% de barricas novas e 30% para o segundo. As barricas são, em grande parte, fabricadas na tanoaria própria, e cerca de 20% são adquiridas, geralmente à Seguin Moreau.
Embora o Château Haut-Brion e o Château La Mission Haut-Brion partilhem raízes e terroirs semelhantes, cada um tem uma identidade distinta. Haut-Brion é a expressão suprema de elegância e finesse, enquanto La Mission Haut-Brion exibe uma força sedutora e uma opulência marcante.
Ambos os châteaux produzem o segundo vinho: tintos Le Clarence de Haut-Brion e La Chapele de La Mission Haut-Brion e um branco La Clarté de Haut Brion, feito com as uvas das duas propriedades.
No Château Haut-Brion e La Mission Haut-Brion, a continuidade e a consistência são garantidas pela sucessão da responsabilidade enológica, actualmente nas mãos de Jean-Philippe Delmas.
Château Quintus – o novo nome em Saint-Émilion
Após a aquisição pela Domaine Clarence Dillon, em 2011, a propriedade foi renomeada para Quintus. A área de vinhas foi ampliada de 15 hectares iniciais para os atuais 45 hectares, através da incorporação de duas propriedades próximas do château. A composição das vinhas é predominantemente da casta Merlot (75%), com o restante a ser ocupado por Cabernet Franc. O antigo Cabernet Sauvignon, presente nas vinhas, foi gradualmente substituído por Cabernet Franc. A idade média das videiras ronda os 30 anos, embora algumas parcelas sejam quase centenárias.
A filosofia de vinificação é conduzida pela equipa liderada por Jean-Philippe Delmas. O processo é orientado pelo equilíbrio, evitando extração excessiva ou o uso exagerado de barricas, onde a madeira nova geralmente não ultrapassa 50%.
Em 2022, a Domaine Clarence Dillon organizou uma prova cega com 8 colheitas do Château Quintus, onde estas foram avaliadas lado a lado com os vinhos icónicos de Saint-Émilion, como o Château Angélus, Château Ausone, Château Cheval Blanc, Château Figeac e Château Pavie. Apesar da forte concorrência, o Château Quintus mostrou-se à altura dos grandes nomes.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
KRUG: A materialização líquida de uma ideia sólida

Em 1834, Joseph Krug recebeu e aceitou uma proposta de trabalho endereçada pelo representante alemão de uma das mais prestigiadas casas de champanhe da altura, a Jacquesson & Fils. A oportunidade de integrar o borbulhante setor era demasiado atraente e aliciante para declinar. Ao longo dos nove anos seguintes, Joseph Krug ficou a conhecer bem […]
Em 1834, Joseph Krug recebeu e aceitou uma proposta de trabalho endereçada pelo representante alemão de uma das mais prestigiadas casas de champanhe da altura, a Jacquesson & Fils. A oportunidade de integrar o borbulhante setor era demasiado atraente e aliciante para declinar.
Ao longo dos nove anos seguintes, Joseph Krug ficou a conhecer bem de perto os interstícios do negócio que, na altura, se desenvolveu muito rapidamente, dentro e fora das fronteiras francesas. Aparentemente, desempenhou tão diligentemente as suas funções que acabou por integrar a sociedade da empresa. No entanto, na cabeça de Krug fermentava uma ideia que viria a mudar radicalmente a sua vida profissional.
A Krug et Cie foi criada em 1843 com o objectivo de lançar anualmente no mercado os melhores champanhes que pudesse produzir, independentemente das variações climáticas.
Minúcia apurada
Em 1843, ele e um associado criaram a empresa Krug et Cie, tendo por base uma ideia forte destinada ao sucesso: lançar anualmente no mercado os melhores champanhes que pudessem produzir, independentemente das variações climáticas. No entanto, para consubstanciar esta ideia, teve de implementar uma organização relativamente diferente do habitual.
As empresas que operam em Champanhe obtêm a maior parte de suas uvas de produtores externos. Normalmente, as casas contratam um fornecedor para uma determinada quantidade de uvas, especificando a casta e o local de origem. No entanto, a Krug opera de uma forma um pouco diferente das restantes. Com base na experiência acumulada, percebeu que a especificidade parcelar de proveniência das uvas aportava uma melhoria significativa de qualidade. Assim, para garantir que recebia as uvas das parcelas que pretendia, celebrou contratos isolados com os proprietários de cada parcela individual, especificando a superfície exata e a quantidade de uvas fornecidas, o que obrigou a um trabalho infinitamente superior e de minúcia apurada. Para além deste lavor de extremo pormenor na compra da matéria prima, Joseph Krug implementou um curioso sistema de duplo cuvée, com o mesmo nível de importância e qualidade, um leve cuvée légère e outro encorpado cuvée corsée, com a composição de ambos a ajustar-se ao ano agrícola, e o licor de expedição a ser adaptado às preferências do cliente.
O primeiro dos dois cuvées recebeu o nome de Private Cuvée, em 1861, que foi alterado para Grande Cuvée em 1978. A casa Krug fez seu primeiro Champagne Vintage em 1904. Este duplo sistema, idealizado por Joseph Krug, foi transmitido de geração em geração e continua a ser, até aos dias de hoje, a impressão digital da empresa.
Mais tarde, em 1983, foi adicionado ao portefólio um Champagne rosé. Só depois foram lançados os famosíssimos e muito ambicionados néctares provenientes de um único vinhedo, o Clos du Mesnil, em 1986 e o Clos d’Ambonnay, em 2007.
A Krug no Gaveto
Nos últimos anos, a Krug iniciou uma nova tradição mundial que consiste em convidar a comunidade global de chefes de cozinha a interpretar um único ingrediente, elaborando receitas inesperadas para acompanhar o Krug Grande Cuvée ou o Krug Rosé. Em 2024, a empresa celebrou a elegância delicada, a diversidade requintada e o potencial incomparável da flor.
Curiosamente, o evento no nosso país ocorreu no restaurante o Gaveto, de Matosinhos, que este ano comemorou o quadragésimo aniversário e se apresentou como o maior vendedor nacional deste produto. Para João Silva, membro da família proprietária do restaurante, “este é o ponto alto das comemorações dos nossos quarenta anos de existência”.
O jantar comemorativo deu o mote para a apresentação de duas novas referências da Krug, a 172ª edição do Grande Cuvée e a 28ª edição do Rosé. No final da refeição, os participantes ainda foram brindados com uma surpresa, um Krug Vintage do ano 2000.
Para André Alves, o embaixador da marca no nosso país, “estes são os vinhos que representam a visão do nosso fundador, de olhar para cada uma das parcelas da região individualmente e escolher apenas as melhores”.
Curiosamente, também o restaurante Gaveto aplica a mesma filosofia, não nas vinhas, mas na escolha da matéria prima com que elabora os diversos pratos. Assim, apenas adquirem os produtos aos fornecedores que apresentam as melhores e mais exclusivas mercadorias, o que leva a uma aturada procura e longa escolha.
Foi uma noite que ficará na memória, como confirmação da qualidade dos produtos e da força das ideias.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
Quinta das Bágeiras: De pai para filho…

Mário Sérgio é um homem instintivo e sonhador. A família, desde sempre, foi a argamassa que o moldou e transformou naquilo que o define hoje, um agricultor criador de vinhos enormes. A notoriedade jamais lhe toldou o raciocínio. É na família que encontra a segurança e daí nunca ter adquirido uma propriedade sem antes ter […]
Mário Sérgio é um homem instintivo e sonhador. A família, desde sempre, foi a argamassa que o moldou e transformou naquilo que o define hoje, um agricultor criador de vinhos enormes. A notoriedade jamais lhe toldou o raciocínio. É na família que encontra a segurança e daí nunca ter adquirido uma propriedade sem antes ter a bênção de Abel, seu pai.
Bernardo, dandie errante que passou pela Bairrada, tinha uma estima profunda pela Quinta das Bágeiras. Encontrado por Mário Sérgio a trabalhar no Mugasa, na aldeia da Fogueira, em boa hora o leva para junto de si, assumindo quase uma função de seu cuidador. Versado no inglês falado e escrito, foi um importante impulso aos primeiros tempos, permanecendo nas Bágeiras até ao seu fim terreno.
Nos últimos tempos de vida, Bernardo insistia com veemência para que Mário Sérgio comprasse uma determinada vinha em Mogofores. Uma insistência que, no entanto, não lhe aguçou a curiosidade. O assunto foi esmorecendo e acabou esquecido. Num frio dia de Dezembro, Bernardo entrega-se ao Criador e vai a enterrar, com a família das Bágeiras a acompanhá-lo até à sua derradeira casa. Nesse mesmo dia, alguém se aproxima de Mário e diz-lhe: “Sr. Mário, tenho uma vinha para vender, mas a minha família só aceita vendê-la se for a si”. Mário estranhou a abordagem, hesitou, mas disse que, no dia seguinte iria vê-la com o seu pai. Dito e feito, logo pela manhã puseram-se a caminho e, lá, encontraram a vinha que Bernardo lhe havia confidenciado desejar que adquirisse, situada num local mágico que tantas vezes Mário via de longe e dizia para o seu pai, “ainda vamos ali comprar uma vinha!”. E o que a torna ainda mais especial? As suas características de composição de solos, exposição solar e orientação são absolutamente siamesas à sua vinha de Ancas, donde nasce… o Pai Abel tinto.
Transição geracional
A apresentação comemorativa dos 35 anos da Quinta das Bágeiras, ocorrida por estes dias, marca o início de uma transição geracional. Desde 1989 e até ao seu falecimento, Rui Moura Alves foi o enólogo assumido das Bágeiras. O “Sr. Rui”, não sendo enólogo de formação, praticou-a, desde os anos 60 nas mais prestigiadas casas da Bairrada, algumas entretanto desaparecidas. Com ele nasciam vinhos austeros, fermentados com engaço, duros e bem protegidos da oxidação. Se, nos primeiros anos, eram difíceis e exigentes, volvidos muitos e muitos anos, como que renasciam para mostrar todo o encanto longevo da Bairrada. E, nas últimas três décadas, foi esse o perfil intransigente que transmitiu aos vinhos e espumantes. Somente nos últimos anos se tornou mais permissivo, passando a ouvir Mário Sérgio e a interpretar nos vinhos os seus desejos. Provavelmente, sentia-o, somente agora, preparado para seguir o seu caminho.
Entretanto, Frederico Nuno, o filho de Mário, licencia-se em enologia e passa a acompanhar mais de perto, não apenas a feitura dos vinhos, mas todos os trabalhos de vinha, ainda monitorizados de perto pelo seu avô Abel. Pouco a pouco, é a sua formação e conhecimento técnico que vão deixando marca e, nos vinhos ora apresentados – Quinta das Bágeiras Grande Reserva 2019, Pai Abel branco 2022 e Pai Abel tinto 2017 – ela já é notória.
A transição ainda não é plena, mas a verdade é que já se sente uma outra mão que ajuda a embalar cada um deles. Não será uma mudança de estilo de uma casa que ostenta orgulhosamente a virtude de apenas produzir vinhos de uvas próprias, mas há um refinamento absoluto, transformando aquilo que anteriormente revelava algumas arestas, austeridade e cariz rústico, em vinhos quase imaculados e tocados pelo Divino.

Pai Abel 2017, na sua versão tinto, é uma edição limitada (1600 garrafas) de um vinho de apenas uma parcela. Num futuro próximo, este número reduzido de garrafas irá crescer, se a vinha siamesa da original de Ancas conferir à uva a qualidade que se lhe exige para aumentar a produção deste vinho de topo da casa. 2017 permitiu acuidade plena na escolha do dia perfeito para vindima. As chuvas chegaram tardiamente, já a tocar Novembro, fator que, na Baga se mostra fundamental para ajuizar um grande ano. Já a Touriga Nacional, que tempera levemente o vinho, não é dada a tais humores. Maior rigor, estágio longo em barricas avinhadas de 225 litros e um descanso de alguns anos em garrafa trouxeram-lhe a fineza e elegância que só o tempo e a região ajudam a transformar em vinhos de culto.
É no Pai Abel branco 2022 que se revela, de modo mais notório, a transição na enologia. Para Frederico Nuno, é no controlo de temperatura que se definem os pequenos detalhes daquilo que faltava fazer na Quinta das Bágeiras. Um refinamento que atinge o seu ponto alto num sublimado Quinta das Bágeiras Grande Reserva, um Bruto Natural da colheita de 2019, elaborado com as locais Maria Gomes e Bical, resultando naquele que, muito provavelmente, será o mais perfeito espumante alguma vez criado naquela aldeia da Fogueira.
De pai para filho, a Quinta das Bágeiras recria-se, refina-se, mantendo inamovível toda a solidez e princípios que definem a casa familiar que, nunca descurando as origens, vai definindo com segurança o futuro.
Nota: O autor deste texto escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
Colares contra Collares: A Lisboa do desassossego

Nem de propósito encaixo-me nas ondas que os tempos trazem. Ainda há pouco protestava que, fazendo uma prova de Lisboa, onde tanto acontece, me limitei a encarar tintos topos de gama que seguem cânones que já não são tanto destes tempos, salvas as devidamente assinaladas excepções e sem deixar de aceitar a grande qualidade dos […]
Nem de propósito encaixo-me nas ondas que os tempos trazem. Ainda há pouco protestava que, fazendo uma prova de Lisboa, onde tanto acontece, me limitei a encarar tintos topos de gama que seguem cânones que já não são tanto destes tempos, salvas as devidamente assinaladas excepções e sem deixar de aceitar a grande qualidade dos vinhos provados. Também há pouco tempo me lamentava, em tom sentimental, de como a minha terra tinha levado com o selo “Lisboa”, sendo eu da Leiria tão distante.
Pois agora a providência juntou-se com os actores certificados e não certificados e foi-me entregue um desafio: perceber o puzzle espacial, temporal, ampelográfico e estilístico (chega para começar?) de Colares. Já explico de que forma isto agrava todos os meus problemas anteriores, mas também adianto já a conclusão: enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar. Muito menos a gente de Colares. Ou será Collares?
Uma pequena região de velhas tradições
Começamos já com tempo e espaço. Colares é uma pequena região muito próxima de Lisboa, onde as velhas tradições impuseram regras rígidas na especificação dos vinhos. Incluída na segunda leva de criação de denominações de origem, em 1908, tinha já pergaminhos que remontavam ao século XIII, e gentes com convicções fortes sobre as regras. DOC Colares só de Malvasia ou Ramisco, com videiras plantadas em pé-franco (sem porta-enxerto americano) em terra de areia, numa área circunscrita a partes bem demarcadas de três freguesias: Colares, São João das Lampas e São Martinho. Há alguma discussão sobre a Malvasia, que é na verdade uma família de castas. Diz, quem sabe, que a Malvasia de Colares é uma casta diferente da Malvasia Fina, a Bual/Boal da Madeira. Aliás, diga-se que também na Madeira as discussões sobre as várias Malvasias são acesas e incluem a rara Malvasia Cândida e a hoje predominante Malvasia de São Jorge. Onde há diversidade há origens antigas.
A terra de areia + pé-franco tem origem na praga da filoxera, já que só em algumas condições a filoxera (americana) não destrói a velha Vitis vinífera (europeia), obrigando ao porta-enxerto de Vitis rupestris (americano). Uma dessas condições é a terra de areia, e temos Collares. Com dois Ls porque é antigo.
Estas histórias foram já todas contadas, mas há muitas, muitas mais. A Adega Regional de Colares (ARC) é uma cooperativa (1931) que agrupa vários papéis, que já incluíram o de certificador (hoje é a CVR Lisboa). Em 1941, a escassez de uvas levou à criação de uma lei que obrigava todos os produtores a entregar as uvas na ARC, que fazia o vinho para mais tarde ratear pelos seus associados. Esta obrigação durou muito mais do que a escassez de uvas, até cerca de 1994. O carácter híbrido da instituição impediu-a de se candidatar a subsídios europeus. E não se modernizou, nem pôde apoiar a modernização das vinhas da região. Hoje a ACR não tem vinhas, mas aceita uvas dos seus associados que as têm, elabora os vinhos (pela mão de Francisco Figueiredo e sua equipa), estagia-os e vende-os a produtores da região, com os quais está historicamente comprometida. Isto faz com que muitas empresas vendam na verdade o mesmo vinho, com ligeiras variações de lote e estágio. Por outro lado, a ACR faz hoje marcas próprias, incluindo os DOC Arenae, para além de outros vinhos de Chão Rijo, que aliás é sua marca registada.
Um puzzle complexo e fascinante
Em várias visitas de reportagem, e com o apoio do próprio Francisco Figueiredo e do dinâmico Diogo Baeta, da Viúva Gomes, procurei decifrar este puzzle até um ponto que vo-lo consiga explicar. Aqui importa explicar melhor o contexto. São 1000 anos de história, mas vou focar nos mais recentes.
Praticamente todos os actores de Colares são pessoas ali nascidas e criadas, que vivem profundamente um grande amor pelo seu sítio e têm um grande orgulho pela sua tradição. Se têm opiniões diferentes sobre o rumo a tomar, isso não se deve a falta desta devoção.
Ainda não falei das terras que não são de areia, o Chão Rijo, que engloba nessa definição todos os solos que não são de areia. Mas rijos ou moles, ambos têm muita variação, um incrível degradé de composições que explica a especificidade do terroir, se lhe juntarmos a proximidade ao mar (há vinhas literalmente a 40 m do Atlântico) e a exposição aos terríveis ventos salgados que tudo queimam e obrigam a carinhos e desvelos, incluindo técnicas e instrumentos próprios para evitar as humidades do solo e aproveitar os raios do sol que se podem tornar raros. Os muros e paliçadas são icónicas destas vinhas, que se fazem muito rasteiras, e ainda têm de disputar os terrenos com as muito apreciadas maçãs reinetas locais, que todos os anos têm o seu próprio festival. Terra de areia (ou seja, DO Colares) é um total de 24ha, na posse de 12 produtores de vinho e uns 20 viticultores (não necessariamente os mesmos).
Para explicar o imbróglio é preciso dizer que o amor dos locais pelo seu chão e o seu vinho não os impede de repetir, pelo contrário, paradoxalmente até o dizem com um certo orgulho, que em Lisboa se dizia amiúde: “este vinho ou está azedo ou é de Colares.” O Ramisco é uma casta feroz de taninos. A maturação não era assegurada, a enologia seria possivelmente optimista, e eu, na minha vida de provador de vinhos, habituei-me a tintos de Colares rústicos, herbáceos, magros, por vezes sujos, exigindo muitas dezenas de anos para amaciar, ou então não amaciando de todo. Mas por vezes uma réstia de esperança lá saía de dentro de uma garrafa e eu percebia algum do velho e prometido encanto.
Entram a enologia e viticultura modernas, o poder do povo, o vinho para o povo, e todos nos habituámos a vinhos mais encorpados, concentrados, macios, bebíveis mais cedo. Colares foi ficando para trás. Veja-se o que aconteceu na Bairrada, onde os Merlot e Syrah iam afastando a Baga, tal como a má moeda afasta a boa moeda. Veja-se como a Bairrada tradicional resistiu, sobreviveu e se impôs pelo carácter dos seus vinhos que respeitam o terroir local e a gastronomia. Pois o mesmo aconteceu em Colares. Começou de mansinho, com o vinho branco, a Malvasia impondo uma mudança súbita de métrica, onde a secura salina oferecia qualidades sedutoras, e depois o Ramisco, afinado aos tempos modernos, a oferecer salinidade e autenticidade com moderação da rusticidade. Em suma, num mundo mais global e globalizado, estes vinhos começaram a oferecer diferença, e a sua raridade impôs preços altos e o regresso aos radares do mercado.
Areia ou nada?
Se tudo isto é novo para o meu caro leitor, também o é para mim, só posso recomendar que volte a acreditar e vá provar os vinhos. Vai valer a pena.
O problema é que a região tem apenas 24 ha de terra de areia, e tudo o que não é terra de areia tem de cair no imenso tegão dos “Regionais Lisboa” (Como o vinho da minha terra Cortes, lembram-se? Só que as Cortes não têm o mesmo peso histórico). Os fervorosos produtores defensores de Colares querem, ao mesmo tempo, defender o seu velho cânone (chamemos-lhe, por argumento, Collares), um dos mais específicos e rigorosos de que há registo. Mas os mesmos produtores não conseguem viver das poucas garrafas que produzem (alguns fazem 200, outros 400). E para os vinhos oriundos do outro chão (que “chão rijo” é marca registada), não podem nem escrever a palavra Colares no rótulo, nem como endereço postal da sua adega. Collares vs. Colares, uma espécie de Kramer contra Krammer (cf. Google).
As uvas para DO Colares chegam a ser vendidas a €5 o quilo, e há sempre falta. Não ouvi ninguém a defender que Colares deixasse de exigir areia e pé-franco. Mas ouvi produtores protestando que há empresas e marcas que só querem ter um Colares no seu portefólio para aumentar o interesse nos seus outros vinhos, que depois vão comprar já feitos muito longe das encostas salgadas da Praia das Maçãs, Adraga ou Azenhas do Mar.
Quem acredita em Collares faz vinhos de extraordinário carácter, cada vez melhores e com uma identidade própria do lugar, um incrível terroir cuja dimensão impõe raridade e preços altos. São, sempre, vinhos para a mesa. À volta de Colares fervem projectos, com mais ou menos identidade, mas que são essenciais para manter vivas e sustentáveis as adegas. Se têm falta de um nome que os una, têm pelo menos uma vantagem. Estão próximos uns dos outros e conseguem sentar-se à volta de uma mesa. Apareça a identidade, que o nome aparecerá, porque este incrível amor pelo seu sítio vai dar frutos, e nós agradecemos esta teimosia milenar.
Quem é Quem em Colares
A Adega Regional de Colares tem 13 associados com 14ha de vinhas em chão de areia, ou seja, mais de metade da área disponível para DOC. Elabora o vinho destes associados e vende-o a alguns deles e alguns negociantes que pagam um royalty. Ou seja, há produtores com vinha e viticultores sem adega.
Viúva Gomes é um produtor já muito antigo, que passou por diversas e históricas mãos até que em 1988 foi comprado pela família Baeta. Hoje é liderado por José Baeta, pai de Diogo, que nasceu nesse mesmo ano. Diogo estudou enologia e insuflou uma nova tendência à Viúva Gomes, que pouco a pouco deixou de ser apenas “négociant” e passou a “vigneron.” O trabalho de Diogo na adega e principalmente na vinha leva a Viúva Gomes a ser um dos principais motores da renovação da região de Colares, em estreita colaboração com a ACR e em sintonia com valores locais e respeito pelo terroir e seu futuro.
António Bernardino Paulo da Silva, por vezes referido pelo nome da sua marca, Chitas, é um histórico da região. Sediado nas Azenhas do Mar, mesmo de frente para o oceano bravio, aos 96 anos ainda gere a sua companhia, com marcas históricas como o Colares Chitas ou o Beira-Mar. Não tem vinhas, compra o vinho na ARC (da qual a sua casa é sócia fundadora), e estagia-o, loteia-o e engarrafa-o na sua adega.
Daniel Afonso produz há vários anos o Baías e Enseadas. Apaixonado e rigoroso, tem fascínio pela prova e é a prova que o leva a respeitar o terroir e explorá-lo da forma menos interventiva possível, mas sempre seguindo as suas convicções.
O Casal de Santa Maria ficou famoso no mundo do vinho quando o Barão Bodo von Bruemmer plantou uma vinha, em 2006, já com a bonita idade de 96 anos. Ainda viveu muitos anos para ver o sonho de fazer o seu vinho em Almoçageme, no coração da DO Colares. Plantou castas internacionais, mas a propriedade também faz vinhos DOC de grande qualidade. Hoje liderada pelo neto, Nicholas von Bruemmer, tem enologia de António Figueiredo e Jorge Rosa Santos, que continuam a tradição dos vinhos da magnífica quinta.
João Corvo e a sua filha Ana Bárbara são os orgulhosos cuidadores das vinhas do Mare et Corvus, as vinhas mais ocidentais do continente europeus, a escassos 40m da falésia sobre a icónica – e cónica – pedra Vitoreira, uma visão deslumbrante que se eleva do mar selvagem. Os Corvos têm Ramisco e Malvasia, mas também Fernão Pires e Chardonnay, que não dão DOC, em vinhas belíssimas, cujas uvas são vinificadas à parte na ACR.
Alexandre Guedes é o responsável pela Vinhas e Vinhos, que produz os vinhos da Quinta de San Michel, com vinhas em Janas, freguesia de São Martinho. Com vinhas de Malvasia e Arinto plantadas em chão rijo, tem também Ramisco (meio hectare) e Malvasia (2ha) em terra de areia. Manuel Francisco Ramilo & filhos é um produtor familiar com vinhas no vale do rio Lizandro, incluindo a Quinta do Cameijo e a Quinta do Casal do Ramilo. Pedro e Nuno Ramilo foram desafiados pelo pai a retomar a tradição familiar de fazer vinhos e decidiram fazê-los à sua maneira, procurando inovar a tradição do chão de areia, fazendo rosés, espumantes (ambos não admitidos na DO Colares).
Haja Cortezia vinhos é explorado pelo casal Luís Duarte e Teresa Gamboa Soares. Luís é filho de António Maria Perpétuo Duarte, o proprietário das vinhas, que ficam em São João das Lampas. São 5ha, entre vinhas velhas e vinhas novas, situadas perto das praias da Samarra e São Julião. Cada parcela faz um único vinho. Os vinhos Infinitude de Osório & Gonçalves, têm João Lino na enologia, e exploram castas internacionais no chão rijo, enquanto mantêm os cânones DOC na areia. O seu Ramisco é o mesmo da ACR, com mais 6 meses de estágio. Esta tradição de vinificar em conjunto é usual na região, devido às pequeníssimas produções das parcelas.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
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Mare et Corvus
Branco - 2022 -
Chitas
Tinto - 2015 -
Arenae
Branco - 2021 -
Viúva Gomes Viticultores
Tinto - 2022 -
Baías e Enseadas
Branco - 2022 -
Arenae
Branco - 2015 -
Quinta de San Michel Malvarinto
Branco - 2021 -
Collares Viúva Gomes
Tinto - 2017 -
Collares Viúva Gomes
Branco - 2021 -
Chitas
Branco - 2020 -
Baías e Enseadas
Branco - 2022 -
Casal Santa Maria
Tinto - 2011
Quinta da Plansel: Mostrar as castas através dos vinhos

Dorina Angelica Lindemann, 59 anos, enóloga e gestora da Plansel, empresa produtora de vinhos alentejana, nasceu na Alemanha e vive em Portugal desde 1993. O pai, Hans Jörg (Jorge) Böhm, tem uma grande paixão pelo país desde uma estadia forçada em Lisboa, quando tinha 18 anos, depois de o veleiro que o transportava e mais […]
Dorina Angelica Lindemann, 59 anos, enóloga e gestora da Plansel, empresa produtora de vinhos alentejana, nasceu na Alemanha e vive em Portugal desde 1993.
O pai, Hans Jörg (Jorge) Böhm, tem uma grande paixão pelo país desde uma estadia forçada em Lisboa, quando tinha 18 anos, depois de o veleiro que o transportava e mais alguns amigos se ter afundado perto da capital. A volta ao mundo em perspectiva não foi feita, mas alguns dias de estadia em Portugal sim. Era o início dos anos sessenta, numa altura em que era difícil de sair ou entrar do país sem autorização e documentos como o passaporte, que tinham mergulhado e desaparecido nas águas com a embarcação. Era o tempo da ditadura e ainda existiam fronteiras a dividir toda a Europa, o que dificultava a circulação de pessoas de e para Portugal.
Os primeiros tempos foram dedicados aos viveiros, à selecção das castas, sua plantação e às necessárias microvinificações para avaliar o comportamento dos clones.
“Esse período de tempo levou o meu pai a apaixonar-se pelo país e a querer voltar”, conta Dorina Lindemann. Descendente orgulhosa de uma família que existe há 400 anos e trabalha há cerca de 200 no sector de vinhos na Alemanha, revela que o seu pai, Jörg Böhm, envolveu-se também no negócio e chegou a ser o maior importador de vinhos portugueses para o seu país de origem. “Era uma altura em que não tinham uma qualidade estável, que variava de ano para ano”, mas o pai insistia, devido à atracção que sentia por Portugal. No entanto, aquilo que mais o apaixonava eram as plantas, a inovação e a procura da sustentabilidade no sector vitícola, e foi isso que o fez vender os seus negócios na Alemanha e vir para Portugal. Comprou um terreno em Montemor-o-Novo, “porque achava que a zona tinha um terroir muito especial, com muita mineralidade e muita frescura”, como conta Dorina, com a ideia de estudar as plantas e fazer a selecção de videiras. A filha ainda era muito jovem na altura, mas já tinha também o “bichinho” pela procura de conhecimento sobre a videiras e as suas variedades.
Pioneira num mundo de homens
Quando era uma menina, o negócio da vinha e do vinho ainda estava apenas na mão de homens na Alemanha. Mas Dorina gostava de andar e correr pelas vinhas, participar nas vindimas e cheirar os vinhos desde pequena, ao contrário do irmão, “que não aprecia coisas que têm a ver com o vinho, nem de o beber”. Por isso, foi natural que tivesse optado pela formação em vinha e vinhos, no seu caso dual, em que a primeira parte decorreu num local de trabalho, uma empresa de vinhos, e depois na universidade. Durante a primeira parte trabalhou “naquela que hoje se chama Von Winning, a Dr. Andreas Deinhard, em Deidesheim, Alemanha, uma região muito importante para a produção de vinhos da casta Riesling”, conta, realçando que gostou muito de uma experiência onde, entre outros, aprendeu a guiar um tractor, a cavar e a plantar vinhas novas, numa casa onde era a única mulher a trabalhar. Passados dois anos foi estudar enologia para a universidade de Geisenheim.
Mas como ainda se estava numa época em que, na Alemanha, se considerava que apenas os homens podiam trabalhar no sector de vinhos, teve de ouvir vozes contra esta opção. E quando começou a frequentar o ensino superior, em 1987, “eramos apenas duas mulheres e o resto eram homens, 99”, conta. Mas guarda boas recordações de um curso onde, para além do conhecimento, fez amizades e criou relacionamentos que “têm sido importantes tanto para os negócios como para a vida”. E ainda hoje mantém contactos com Geisenheim, universidade para onde é convidada para falar sobre Portugal e os seus vinhos e vinhas.
A selecção de plantas
Quando terminou o curso “não tinha vinhas nem empresa de vinhos”. Naquela altura era difícil arranjar emprego” no seu país natal, onde demorou algum tempo até as mulheres puderem fazer o seu caminho na área da enologia. Mas como já tinha paixão por Portugal, porque passava cá as férias a ajudar o pai, convenceu o primeiro marido, Thomas Lindemann, e veio em Fevereiro de 1993. Foi numa altura em que “o pai não estava nada feliz”, porque a actividade viveirista, que está sujeita a regras muito apertadas e depende subsídios que variam com os problemas económicos e políticos do país, estava em crise.
Os primeiros tempos foram intensamente dedicados aos viveiros, à selecção das castas, sua plantação e às necessárias microvinificações para avaliar o comportamento dos clones. O trabalho foi feito sob supervisão do Professor Colaço do Rosário que era, na altura, para além de docente da Universidade de Évora, o enólogo da Fundação Eugénio de Almeida. “Ele fazia trabalhos de selecção e observação, em parceria com o meu pai, e as microvinificações das plantas escolhidas”, conta Dorina Lindemann. “Cada vez que encontravam uma que achavam que tinha as condições certas, traziam-na para baixo, para ser plantada numa linha para observações do material no campo”, acrescenta. Foi também nesse período que conheceu o enólogo Paulo Laureano, com quem trabalhou em parceria durante muitos anos.
Entretanto, a paixão por fazer o próprio vinho manteve-se sempre, sobretudo espumantes. Os primeiros que fez, cerca de três mil garrafas, foram da colheita de 1996, engarrafadas de forma manual. “Fui, inclusive, buscar máquinas de colocar e tirar caricas à Alemanha, que um amigo nos emprestou, para fazer o processo e, depois, levámos tudo de volta”, conta. “Foi o início desta aventura”, acrescenta.

Vinhos de castas portuguesas
Dorina Lindemann criou a adega e empresa Quinta da Plansel em 1997, ano em que comprou os primeiros depósitos e lançou o seu primeiro vinho feito nas instalações da Universidade de Évora, com o apoio de Paulo Laureano. “Fizemos aqui a escolha das uvas e lá os trabalhos da adega, de um vinho que já foi engarrafado com a marca Quinta da Plansel”, diz. Nos três anos seguintes lançou apenas esta referência, mas, depois, passou a colocar no mercado mais, entre elas o Dorina Lindemann, o primeiro vinho de topo da casa, feito com uvas da colheita de 2000.
“A ideia foi sempre produzir vinhos a partir das nossas castas selecionadas”, revela a produtora, acrescentando que foi por isso que decidiu lançar, em 2001, monovarietais de Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Barroca. Mas não os conseguiu vender em Portugal, porque a sua empresa “não era muito conhecida” num país ainda sem apetência suficiente para este tipo de vinhos. A solução foi virar-se para a exportação. Primeiro, para o seu país natal. Depois avançou para a Suíça, Luxemburgo, Polónia e Reino Unido, antes de começar a vender no continente americano e extremo oriente. “A diversificação de mercados é importante para o negócio e também me permitiu continuar a apostar nos monocastas”, explica.
Há cinco/seis anos, a exportação da Quinta da Plansel rondava os 75 a 80%. Hoje essa proporção baixou para 50%, “o que me ajuda muito”, diz. É sabido, o reconhecimento pelo mercado nacional tem reflexos positivos sobre as marcas de vinhos portugueses no mercado externo. “Era algo que eu não me tinha percebido antes, porque só queria fazer vinho, sem pensar muito na parte comercial”, revela a produtora, que confessa que ainda não tem, em Portugal, um responsável pela parte comercial e que, fora do país, esse trabalho é feito por si e agora também pelas suas filhas, Júlia e Luísa Lindemann.
É um trabalho importante, porque as três são as caras desta empresa familiar e o vinho é muito um negócio de pessoas. “É a nossa casa e temos de ser nós, mas é um trabalho muito desgastante”, revela, acrescentando que a importância desse trabalho de ligação com os clientes verifica-se em todas as provas e feiras onde participam. E como são relacionamentos que têm de ser cultivados para serem mantidos, é “um trabalho fundamental que temos de fazer”, salienta a produtora.

Adaptação às mudanças do clima
Hoje a Quinta da Plansel, que produz entre 350 e 400 mil garrafas de vinho por ano, tem uma gama variada onde se inserem também vinhos de lote. Isso talvez tenha facilitado o crescimento das vendas em Portugal, depois de muitos anos de insistência no lançamento de monocastas. “A minha ideia sempre foi mostrar o que Portugal tem de melhor, as suas variedades”, mostrando os vinhos que podem originar.
O nome Plansel, o da empresa, significa planta selecionada, ou seja, que os vinhos da marca têm origem em clones de vinhas da casa, com idades que podem ir até aos 25 anos, para as mais velhas. “Também usamos clones novos, como uma Trincadeira de bago mais pequenino, que não rebenta logo quando chove, que é a base de um monocasta muito interessante, verdadeiro, com notas de cassis, herbáceos”, conta Dorina Lindemann, acrescentando que a sua aposta foi sempre na sustentabilidade, nas plantas, na tipicidade da sua região.
Diz que ainda hoje mantém a procura de novas variedades, mais adaptadas às condições resultantes das mudanças climáticas, pois acredita que serão a salvação do sector vitícola nos próximos 20 a 30 anos. Uma das suas preferidas é a Touriga Nacional.
“Difícil de trabalhar na vinha porque é brava, cresce para todo o lado, tem muitos cachos e, por isso, custa muito dinheiro vindimar”, explica, acrescentando que “é, no entanto, resistente ao escaldão, tem tipicidade, uma grande personalidade e adapta-se a todos os tipos de terrenos, coisas que temos de ter em conta para o futuro”. Salienta também que, “para além disso, dá origem a bons vinhos, sobretudo em solos mais frescos que permitam abrir mais o volume e libertar aromas como as notas de violetas, sem serem doces demais”. Também aprecia, entre outras, a Touriga Franca que “dá origem a vinhos frescos, com grande personalidade”, salientando que tem em casa alguns com 10 anos, “cujas características principais não mudam”.
Hoje Dorina Lindemann tem 55 hectares de vinha dedicados à produção de vinho, sobretudo da casta Touriga Nacional, que representa 25 a 28% do encepamento, porque se porta bem na sua zona. Para além da Touriga Franca, tem Aragonês, Trincadeira, pouco de Tinta Barroca, “porque é atreita ao escaldão” e Alicante Bouschet, porque a sua filha Luisa “gosta muito”. Mas a empresa apenas está a criar agora o clone agora.
Quanto às castas brancas, diz que é fã de Viosinho, “uma casta muito interessante para o futuro, tal como a Loureiro”, gosta dos vinhos que está a fazer de Azal e de Verdelho, e quer experimentar plantar Rabigato e Arinto, “uma casta muito boa no Alentejo”. Já plantou castas que arrancou depois, “porque o clima está a mudar e os produtores têm de o fazer quando as plantas já não se adaptam bem ao local”. Mas mantém sempre a aposta nas castas nacionais, convicta que está de que o “berço das castas ibéricas é Portugal” e afirma ainda que tem “a certeza de que o país poderia ser considerado o melhor produtor de vinhos do mundo se soubesse contar bem a sua história e estórias das suas vinhas e vinhos”.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
GRANDE PROVA: TOURIGA NACIONAL

O painel de prova que levámos a efeito contou com a resposta de 46 produtores. Com a expansão que a casta tem tido em todo o país, este painel poderia ter 100 ou mais vinhos presentes, um sinal evidente que as qualidades que esta variedade apresenta podem expressar-se em climas e solos diferentes, sem perda […]
O painel de prova que levámos a efeito contou com a resposta de 46 produtores. Com a expansão que a casta tem tido em todo o país, este painel poderia ter 100 ou mais vinhos presentes, um sinal evidente que as qualidades que esta variedade apresenta podem expressar-se em climas e solos diferentes, sem perda de qualidade. Essa é também a marca das grandes castas, as tais que mudam de país, mudam de ares, mas produzem sempre bem e originam grandes vinhos. Nem é preciso ir mais longe. Basta pensar em variedades internacionais como Cabernet Sauvignon, Merlot ou Chardonnay para exemplificar o que estamos a dizer.
Uma grande variedade
Recordemo-nos, sucintamente, que o percurso da casta não foi fácil. Era assumida como uma grande variedade, nomeadamente no Dão onde integrou as experiências do Centro de Estudos de Nelas. Alberto Vilhena, à frente daquele Centro, levou a cabo entre 1958 e 88 muitas microvinificações que mostraram as enormes qualidades da casta e as potencialidades para gerar vinhos de guarda. Muito estudada depois pelos cientistas da vinha, como Antero Martins e Nuno Magalhães nos anos 70 e 80, a casta foi depois objecto de plantio em campos de ensaio em várias quintas, sobretudo na Quinta da Leda (Douro Superior), onde foram ensaiados 179 clones e se procedeu então à selecção dos melhores, posteriormente disponibilizados para a produção. Foi com esse estudo que se conseguiram bons resultados nas primeiras experiências feitas na quinta dos Carvalhais (Dão) em 1992, e depois nos primeiros produtores do Douro que se aventuraram a fazer vinhos que, para a época, eram uma verdadeira novidade para os consumidores. Muito rapidamente os produtores perceberam que tinham, em mãos, uma casta de elevado potencial enológico e logo de seguida ela começou a ser mencionada nas garrafas. As más-línguas vieram logo dizer que a Touriga Nacional era “a casta mais plantada nos contra-rótulos”, tal a frequência com que aparecia essa informação. Terá sido assim, no início, ninguém hoje duvida, mas a verdade é que a área de vinha de Touriga ganhou uma dimensão que a trouxe para o patamar das grandes castas nacionais.
Vejamos alguns exemplos. No Douro poderá ter começado “nos contra-rótulos”, mas adaptou-se de tal forma às condições da região que hoje ocupa 10% da área de vinha duriense, ou seja, 4 400 ha. E para ajuizar da valia da casta bastará dizer que, se se fizer uma escolha de grandes vinhos do Douro, sobretudo dos mais conhecidos topos de gama, o que mais frequentemente encontramos é tintos que resultam de um lote de Touriga Francesa com Touriga Nacional. Também existem muitos varietais da casta. Mas a ligação das duas Tourigas parece ser fórmula garantida de sucesso. Não esqueçamos que as variações de terroirs que o Douro tem, as variantes de exposição e altitude, originam vinhos de perfis diferenciados. Mais uma das características das grandes castas, camaleónicas por natureza.
Se o Douro é a região com mais área de vinha de Touriga Nacional, o Dão vem logo de seguida. Ali, onde a casta deverá (ainda sem certezas) ter nascido, a área de Touriga Nacional é de cerca de 2750 ha, qualquer coisa como 21,3% da área total de vinha. Por enquanto a Jaen ainda é a casta mais plantada (com 22,8%). A Tinta Roriz queda-se no terceiro lugar com 17,6% da área de vinha. Pelo crescimento que tem tido, a Touriga poderá vir a ultrapassar a Jaen num futuro próximo.
No Alentejo, o crescimento da casta tem sido constante, ainda que num ritmo moderado. Se em 2019 ela ocupava 1 416 ha, essa área subiu, em 2023, para 1 543 ha. Para se ter uma noção comparativa, a Touriga Nacional é actualmente a 5ª casta mais plantada no Alentejo. Em primeiro lugar temos a Aragonez, com 4 155 ha, seguida (por ordem decrescente) de Alicante Bouschet, Trincadeira e Syrah. Num quadro comparativo das áreas de vinha da região entre 2019 e 2023, percebemos que as principais castas têm tido um crescimento, ainda que moderado, e nota-se alguma quebra nas Castelão e Moreto. Onde a Touriga Nacional tem crescido mais é em Borba e Reguengos. Anotem-se mais duas informações de duas regiões. Em Lisboa a casta ocupa cerca de 500 ha e, segundo informação da CVR Lisboa, esse quantitativo tem-se mantido estável. Já em Setúbal, com uma área muito grande, que se estende do Montijo até Sines, a Touriga Nacional, que ocupa 258,38 ha, tem tido um crescimento, moderado, mas constante, de 11 ha por ano.
Se o Douro é a região com mais área de vinha de Touriga Nacional, o Dão vem logo de seguida.
Uma leitura da prova
O perfil dos vinhos de Touriga Nacional tem acompanhado o gosto dos consumidores e tem sido desafiante para os enólogos a missão de ultrapassar alguns constrangimentos inerentes à própria variedade. No primeiro tema – o gosto dos consumidores – a Touriga de hoje afasta-se bastante do perfil que tinha no início do século. Enquanto durou a “era Parker”, com o gosto moldado pelo crítico americano Robert Parker, a Touriga Nacional foi macerada, extraída e abusada de madeira nova. Vemos agora que era difícil captar-lhe todas as subtilezas com esse perfil, como o seu lado mais floral, e que o excesso de madeira nova em nada contribuía para uma melhor apreciação do vinho. Ao mesmo tempo que este estilo vigorava, os enólogos foram percebendo que algo de particular se passava com a Touriga Nacional, uma vez que ela tinha a capacidade de, já depois de engarrafada, desenvolver fenóis voláteis, o famigerado suor de cavalo. A casta é também muito rica em ácido felúrico e cumárico, que existem naturalmente nas uvas e são necessários para o metabolismo da bactéria Brettanomyces formar os fenóis voláteis. Por isso, o controlo dos níveis de sulfuroso e as filtrações são fundamentais para diminuir os riscos. Hoje o problema está ultrapassado para os produtores que aceitam os avanços e conhecimentos que advêm da ciência.
Desta prova podemos tirar algumas conclusões: que continua a haver espaço para variados tipos de tintos de Touriga Nacional, uns mais estruturados, ricos e cheios, e outros mais elegantes e finos; que o que mais se ajusta à casta é um moderado estágio em madeira nova, sendo preferível um amadurecimento em barrica usada, que tudo possa envolver mas sem marcar muito o vinho; que a qualidade elevada não é exclusivo desta ou daquela região. Os vinhos provados revelaram uma qualidade muito alta, com uma evidente vocação gastronómica, característica que, sobretudo em Portugal, convém ter sempre presente.
A Touriga veio para ficar e hoje não há quintal, por mais pequeno que seja, que não tenha a casta plantada. Estranho fascínio, quase hipnotizante, poder-se-ia dizer. Acreditamos que outras variedades não se importariam de ter o mesmo desígnio.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
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Ribeiro Santo
Tinto - 2021 -
Maçanita Cima Corgo
Tinto - 2022 -
Falua Unoaked
Tinto - 2021 -
Coragem
Tinto - 2021 -
Bacalhôa Vinha da Garrida
Tinto - 2019 -
Adega Mayor
Tinto - 2022 -
Adega Mãe
Tinto - 2021 -
Zom
Tinto - 2021 -
Touriga Nacional da Malhadinha
Tinto - 2022 -
Scala Coeli
Tinto - 2020 -
Quinta do Perdigão
Tinto - 2016 -
Quinta da Romaneira Três Parcelas
Tinto - 2020
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A Touriga Vai Nua
Tinto - 2022 -
Adega de Penalva
Tinto - 2020 -
Vallado
Tinto - 2019 -
Taboadella
Tinto - 2021 -
Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo
Tinto - 2022 -
Quinta dos Termos
Tinto - 2022 -
Quinta dos Carvalhais
Tinto - 2021 -
Quinta de S. José
Tinto - 2021 -
Quinta de Pancas Special Selection
Tinto - 2018 -
Quinta da Aguieira
Tinto - 2020 -
Paço dos Infantes
Tinto - 2021 -
Mingorra
Tinto - 2021
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A Serenada
Tinto - 2019 -
Quinta Vale de Fornos
Tinto - 2016 -
Bridão
Tinto - 2018 -
Adega de Pegões
Tinto - 2021 -
Solar da Ria
Tinto - 2020 -
Quinta de Ventozelo
Tinto - 2022 -
ODE
Tinto - 2023 -
Mainada
Tinto - 2021 -
Humilitas
Tinto - 2019 -
Howard’s Folly
Tinto - 2018 -
Casa Ermelinda Freitas
Tinto - 2022 -
Casa de Santar Vinha dos Amores
Tinto - 2019