A minha vinha é mais velha do que a tua

Luís Lopes

Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas. TEXTO Luís Lopes […]

Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas.

TEXTO Luís Lopes

O Douro é hoje, inquestionavelmente, a região de eleição dos consumidores portugueses nos segmentos superiores de preço. Um sucesso inteiramente merecido e que assenta, sobretudo, na qualidade dos seus vinhos, produzidos num território especialmente vocacionado para a excelência vínica. Mas também no elevado nível de profissionalismo, dedicação, foco, por parte da maioria dos seus produtores, que fazem um trabalho de formiguinha incansável junto das lojas de vinho e dos líderes de opinião (em Portugal e no mundo) batendo às portas certas e tocando a melodia perfeita. Do lado da estratégia comunicacional, a chave que abre mais portas chama-se “vinhas velhas”.

Dos 58 vinhos durienses de topo que apreciámos no nosso painel de prova, mais de metade apresenta-se no rótulo, no contra-rótulo ou na ficha técnica, como sendo oriundos de vinhas velhas. Se olharmos para estes números, podemos ser levados a acreditar que, ou no Douro a maioria das vinhas são velhas, ou a vinha velha é determinante para fazer um grande vinho nesta região. Conclusões absolutamente erradas que partem de uma premissa errada. É que ninguém sabe definir, em concreto, o que é isso de uma vinha velha.

O problema não se manifesta apenas no Douro, longe disso. “Vinhas Velhas” tornou-se um designativo que, por falta de enquadramento legal, é usado indiscriminadamente como bandeira de qualidade um pouco por todo o país. Noutras regiões, já visitei “vinhas velhas” com 20 anos. E porque não, se é a vinha mais velha do produtor? Para ele, faz todo o sentido. Mas sentido, significado, valor, é precisamente o que vamos perder se continuarmos a banalizar a expressão “vinhas velhas” ao sabor da vontade de cada um. Numa pesquisa rápida pelos sites das cadeias de retalho, encontro tintos intitulados “vinhas velhas” a €4,50. Acho que isto resume tudo.

Vinha velha não significa necessariamente qualidade, todos os produtores o sabem, mas a expressão tem sido vendida ao consumidor como um sinónimo de excelência e personalidade. O Douro, sendo a região de Portugal onde se preservaram mais vinhas antigas e, consequentemente, aquela que mais utiliza o conceito para promover os seus vinhos, tem aqui responsabilidade acrescida. Deverá por isso ser o Douro, no seu próprio interesse, a liderar o processo de definição e regulamentação da designação vinhas velhas. Uma associação de viticultores, a Prodouro, que congrega 72 agentes económicos regionais, já deu o primeiro passo propondo, para definir uma vinha velha duriense, resumidamente, algo como isto: “vinha plantada até ao ano 1965 segundo o modelo comum ‘socalco pós-filoxera’, embora, por razões de topografia do terreno, possa não ter obrigado à construção de socalcos suportados por muros de pedra posta.  Contudo a vinha velha em socalco pós-filoxera constituirá um subgrupo de eleição a que sugerimos chamar ‘vinha velha histórica’.”

É um ponto de partida, para ser apreciado e discutido no Douro. Como é evidente, este modelo, idade e descritivo não serve a todas as regiões de Portugal. Por isso, cada uma deverá encontrar critérios e regras adequadas ao seu passado e presente vitícola. Mas acredito que, se o Douro der o exemplo, as outras regiões o seguirão. E se o fizerem, conseguiremos duas coisas: primeiro, deixar de iludir/confundir os consumidores; e depois, trazer verdade e valor ao conceito de vinhas velhas e aos vinhos que originam, contribuindo assim para preservar esse tão importante património genético, histórico e cultural do Portugal do vinho.

Edição n.º31, Novembro 2019

Uma discreta elaboração de acasos

Mexemos, remexemos e buscamos no baú das memórias e dos canhanhos e vamos que todas as criações culinárias são acidentais. Confirma-se tanto nos clássicos franceses como por cá. A globalização do talento nunca aceitou barreiras. TEXTO OPINIÃO Fernando Melo Quando olhamos para o molho Béchamel, supostamente criado por Louis de Béchamel, marquês de Nointel e […]

Mexemos, remexemos e buscamos no baú das memórias e dos canhanhos e vamos que todas as criações culinárias são acidentais. Confirma-se tanto nos clássicos franceses como por cá. A globalização do talento nunca aceitou barreiras.

TEXTO OPINIÃO Fernando Melo

Quando olhamos para o molho Béchamel, supostamente criado por Louis de Béchamel, marquês de Nointel e maître d’hotel de do rei-sol Luís XIV, custa-nos crer na autoria, tal o uso comum que lhe foi sempre dado. É um molho branco feito com leite, farinha e manteiga e na verdade trata-se de uma apropriação ilícita do trabalho do célebre cozinheiro francês La Varenne. Como em tantos casos, não foi o seu nome que vingou pela história fora. A plêiade de gratinados, pastéis e pratos a que deu origem é interminável e ainda hoje o desafio de cozer bem a farinha continua na esmagadora maioria dos casos por cumprir. Justa Nobre faz desde sempre um gratinado de legumes que é referencial e padrão, irrepreensível na cozedura. Nos bons tempos do Nobre na Ajuda, era servido à colher no prato de cada um aconchegava o estômago e a alma. Quando não é o caso, o efeito é exactamente o contrário. A brandada de bacalhau deve ter surgido no final do Séc. XVIII, das mãos de autor francês anónimo, ao aquecer por acidente o bacalhau que vinha da Terra Nova, depois emulsionado com azeite; a origem será sempre difícil de rastrear, mas a certo ponto a emoção da emulsão protagonizada pelo bacalhau toca-nos bem a nós também, curiosamente sem nunca termos vulgarizado o pil-pil, quando em Espanha se faz muito, a partir do colagénio contido na própria estrutura e pele do peixe. Por cá, está por toda a parte mesmo sem darmos por isso, a começar no pastel de bacalhau – bolinho no Norte – e a terminar na complexa receita fixada por João Ribeiro no glorioso Hotel Aviz, e que dá pelo nome de bacalhau à Conde da Guarda. Temos em Vítor Sobral o guardião dessas transformações inefáveis do peixe que ainda gostamos de processar seco, com que ele intima frequente e avidamente. Já que temos a âncora no final do Séc. XVIII é também nessa altura que começa a imparável epopeia da batata, pela mão de Parmentier. No longo período de cativeiro não só elevou a planta meramente decorativa a alimento, como a elevou a iguaria e medicamento sem rival. Parmentier é o nome do assado de batata, leite e às vezes queijo, a que o mundo inteiro continua a render homenagem. O conduto já destronou em Portugal a castanha, passou ainda pouco tempo para a transição plena, mas já vive bem nos nossos empadões, alegria e sustento das famílias além, de prato festivo, com múltipla declinações. Em 1888, pegando em tomilho, alho, manteiga e ovos de forma inédita, Annette Poulard sacraliza a sua omelete souflée na pensão Poulard, no Monte Saint Michel. Foi para lá com o patrão, arquitecto encarregue da restauro do forte que era prisão e passou a templo turístico. Graças a um trabalho excepcional separando as claras das gemas, respeitando as cozeduras diferentes, a Mere Poulard superou em popularidade o próprio monumento. Não houve celebridade que não provasse a especialidade, cenário interior e exterior formidáveis, o prato sempre feito na sala à vista de toda a gente e a encantar. Grande omelete servia o Café Guarany, na Avenida dos Aliados, Porto, logo desde que abriu, em 1933, talvez inspirado nesse enorme sucesso de Annette na Normandia, nunca saberemos. Certo é que a omelete de gambas que ali se serve ainda configura tentação. Mas, tal como aconteceu com o peixe cozido, as pessoas deixaram de pedir omeletes. Pior, deixaram de as fazer também. Entre ambas as venturas, acontece a glória do pato do Tour d’Argent, em Paris. Criação de Frédéric Delair em 1890. Comporta um trabalho de sala fascinante, a extracção muito rápida dos peitos do pequenino pato, o corte das coxas e depois a extracção do sangue por prensagem, também na sala, e que vai dar origem ao molho do primeiro serviço. Um outro molho é depois produzido para acompanhar o segundo serviço, das coxas desossadas e servidas em pedaços. Delair vendeu cedo o restaurante ao mítico André Terrail, e ao longo de mais de cinquenta anos teve três estrelas Michelin. Na mente poderosa de Jorge Valle, fundador da Casa da Comida, o pato teve sempre preponderância e uma receita, actualmente disponível apenas por encomenda, continua sem par. É o pato com azeitonas, fabuloso e copioso prato. O malogrado Bernard Loiseau foi um dos mais geniais criadores da nova cozinha francesa e deixou um legado grande de pratos e pistas de desenvolvimento de muitos outros. Inesquecíveis as coxas de rã com puré de alho e jus de salsa. Mas o que dizer das coxas de rã em tomatada de António Nobre, ainda disponíveis nos hoteis M’Ar de Ar, em Évora? Rusticidade e alta cozinha de mãos dadas, converte mesmo o maior detractor das coxas de rã. Todo um tratado, que Loiseau prova agora no Olimpo e certamente aprova. O mítico e maravilhoso Paul Bocuse, o chef dos chefs, teve no início dos anos setenta duas iluminações próximas uma da outra. A primeira aconteceu durante um jantar em casa do seu apanhador de trufas, em que as ditas eram laminadas para a sopa de legumes que estava a ser servida; a segunda foi no restaurante de um seu contemporâneo, Paul Haeberlin, onde lhe foi servida uma tigela com foie gras e um pedaço de trufa, tudo coberto com massa folhada. Combinou as duas numa e criou a sopa de trufas Valérie Giscard d’Estaing, para comemorar a atribuição da legião de honra que lhe foi feita pelo então presidente francês em 1975. Pedro Mendes, do Alentejo Marmóris em Vila Viçosa levou-me às lágrimas com os seus pézinhos de porco de coentrada, criados em homenagem a Paul Bocuse e servidos migados, numa cebola vazada. O batimento existe, cabe-nos a nós ir acompanhando o pulsar imanente dos territórios. Só não podemos ficar quietos no lugar, partir em descoberta é a grande premissa.

O vintage 2017 e o fim das tradições

Finalmente foram quebradas as antigas regras não escritas que determinavam que “Porto Vintage, só três vezes em cada década”. Espera-se que acabem de vez e que não tenha sido apenas um fogacho. TEXTO OPINIÃO João Paulo Martins As declarações de um ano como Vintage sempre foram acontecimentos importantes para o sector do Vinho do Porto. […]

Finalmente foram quebradas as antigas regras não escritas que determinavam que “Porto Vintage, só três vezes em cada década”. Espera-se que acabem de vez e que não tenha sido apenas um fogacho.

TEXTO OPINIÃO João Paulo Martins

As declarações de um ano como Vintage sempre foram acontecimentos importantes para o sector do Vinho do Porto. O Vintage é o vinho mais prestigiado mas também, entre os “grandes”, aquele que tem menos custos de produção, sobretudo se comparado com os tawnies com indicação de idade. Fazer um bom tawny é uma dor de cabeça que se prolonga por vários anos , qual criança que tem de ser apoiada e educada para vir a ser um adulto à séria. O Vintage, quase inexplicavelmente, já nasce adulto e feito e por isso trata-se é não estragar o que a natureza deu e colocar essa qualidade rapidamente dentro da garrafa para que depois o tempo faça o seu papel, mas já em interferência do produtor. O primeiro deveria ser bem mais caro que o segundo mas a verdade é de sentido inverso: para se vender um tawny ao preço que actualmente se vendem os vintages das empresas mais prestigiadas, temos de apontar para um 30 ou 40 anos de idade. Só de pensar as voltas que tal vinho deu, o que se perdeu para os bebedolas lá de cima (há quem lhes chame anjos…) ficamos com os cabelos em pé. Mas é assim que o sistema funciona, vamos em frente. A tradição, criada sabe-se lá por quem, de apenas declarar como clássico um vintage duas ou três vezes por década não tem dado grandes frutos. Os ingleses, muito ligados a essa tradição, fizeram questão de a cumprir por mais de um século e por isso deixaram algumas potenciais declarações fora do “classicismo” como 1995, 2005 e 2015.
A tese é deles, mas casas como Ramos Pinto, Poças, Sogrape, Porto Cruz, Noval ou Niepoort não querem nem ouvir falar de termos como “clássico” e “não clássico”. Para estes produtores, a declaração acontece quando o ano é bom, independentemente da frequência. Mas o que ninguém nega, mesmo os outsiders, é que em ano “clássico” as vendas são rápidas e os preços bem convenientes. Vantagens para todos à boleia da tradição inglesa.
Foi preciso chegar à segunda década deste século para ver ruir a tradição. Diz-se nos mentideros que não se declarou o 2015 porque se percebeu que o 2016 era de grande qualidade e foi esse o escolhido para ser clássico. Só que, ironia do destino, o 2017 logo à nascença deu mostras de ser um grande Vintage, o que se veio a confirmar. Estavam lançados os dados para se furar a tradição e declarar um Vintage “clássico” dois anos seguidos. Toda a gente declarou e muitos já venderam tudo. Só que…o 2018 está em cave à espera e ninguém é por agora capaz de afiançar se vai declarar ou não. Falta tempo mas não tanto assim, uma vez que a partir de Janeiro se podem começar a enviar amostras para aprovação. Vamos ter um tri-clássico? É cedo mas, como sabemos, depois de pecar a primeira vez os pecados seguintes soam apenas a pecadilhos. E o Porto bem precisa de promoção e que se fale dele por esse mundo fora. Os consumidores portugueses, dizem-nos no comércio, andam um pouco arredados do Vintage e as vendas estão muito longe de serem o que eram há uma ou duas décadas. Mas os actuais vintages têm a enorme vantagem de darem cartas na elegância mesmo em novos, coisa que os antigos não davam. E lá se vai assim, de uma penada, mais uma tradição pelo cano: à ideia antiga de que o vintage ou se bebia muito novo ou tinha de se esperar 15 a 20 anos sucedeu a geração actual, assente em melhor viticultura e em aguardente de qualidade incomparavelmente superior à que se usava antigamente, Dessa forma, permite-se que o vinho seja apreciado novo e mesmo na década a seguir à colocação no mercado. Confesso que continuo a gostar mais dele com 15 ou 20 anos mas tiro o chapéu aos novos vinhos, muito mais assentes na fruta e na elegância e que dão boa prova em qualquer momento. É verdade que as quantidades actualmente declaradas são cautelosas (3 a 5 000 caixas de 12) e a Taylor’s faz figura de “exagerada” por ter declarado, no 2017, 11 500 caixas mas, voltando ao exemplo clássico, em 1927 a Cockburn’s e a Croft terão declarado entre 20 e 30 000 caixas. Isso sim, eram declarações à grande!
Ficamos assim na expectativa sobre o que vai acontecer com o 2018 e quem sabe, dados os bons prenúncios desta vindima, com o 2019… Isto está a complicar-se, disso não tenhamos dúvidas, mas é destas complicações que nós gostamos.

 

Edição Nº30, Outubro 2019

Factor X

Luís Lopes

Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano. TEXTO Luís Lopes O […]

Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano.

TEXTO Luís Lopes

O vinho é um produto da civilização. Ao contrário de outros bens que a natureza nos oferece, o vinho não pode existir sem a intervenção humana. Essa intervenção começa na própria videira, a vitis vinifera, resultado da domesticação da videira selvagem, e prolonga-se em todos os trabalhos de campo, sem os quais a videira não frutificaria. Diferentemente do que acontece com uma ameixeira ou macieira, por exemplo, uma vinha abandonada, passados alguns anos, deixa de dar frutos.

A progressiva banalização da palavra terroir pode levar-nos a pensar que a natureza tudo determina, e que o perfil de um determinado vinho é quase exclusivamente definido pelas características do local. Mas não é verdade.

A natureza é importantíssima na definição de um vinho, todos o sabemos. A mesma casta, trabalhada na adega da mesma forma, origina vinhos diferentes consoante o local onde nasceu, ou as condicionantes climáticas do ano vitícola. Mas a quantidade de variáveis introduzidas pela intervenção humana acaba sempre por sobrepor-se aos desígnios da natureza, com um impacto determinante no resultado final. Um exemplo, muito simples: perante um dado talhão de vinha, posso vindimar agora com 11% de álcool provável ou optar por colher as uvas mais tarde, com 14%. A decisão é minha, e desse exercício de livre arbítrio nascem vinhos completamente distintos. Multipliquemos isto por todo o tipo de variáveis aplicáveis na vinha e na adega decorrentes da intervenção humana e facilmente percebemos que cada decisão (mesmo a de não intervir) condiciona sempre o resultado final.

Nesta edição da Grandes Escolhas temos vários exemplos do poder do factor X na definição do perfil de um vinho. Desde logo, a grande prova de vinhos brancos de Monção e Melgaço. Em pouco mais de 30 vinhos provados, a diversidade de estilos patenteada é enorme. Estamos a falar da mesma casta (Alvarinho) e da mesma região, ainda que com diferenças de produtor para produtor ao nível de tipologia de solos, exposição solar ou altitude, que introduzem nuances distintas no aroma e sabor. Mas quando avaliamos dois vinhos produzidos em vinhas contíguas e nos deparamos com um deles exuberante, intenso e tropical, e outro, austero, citrino, mineral, percebemos então facilmente o efeito do factor humano no perfil de um vinho.

Veja-se, também nesta edição o caso de Cortes de Cima. Um produtor da Vidigueira resolve plantar vinha à beira mar, em Vila Nova de Milfontes. Podia ter dado mau resultado, pois não havia histórico vitivinícola no local. Dez anos depois, com muito trabalho para superar os exigentes desafios que a humidade atlântica traz, o novo terroir é uma aposta ganha. O mesmo se pode dizer de José Afonso, um médico que gosta (literalmente) de deitar as mãos à terra, em Souropires, Pinhel. Ali, a quase 700 metros de altitude, trabalha as vinhas antigas com as castas tradicionais, mas também faz belos vinhos das “imigrantes” Verdelho ou Chardonnay. Esses vinhos são, tal como os outros, produto daquele terroir. Um terroir do qual o Homem faz obrigatoriamente parte.

O factor X tem obviamente limites. Não é possível fazer um grande vinho num terroir que não está vocacionado para isso. Do mesmo modo, o ser humano é capaz, e demonstra-o com frequência, de desperdiçar um terroir de excelência fazendo vinhos vulgares. Ainda bem que assim é. É preferível tomar decisões, agir e aprender com os erros, até alcançar o máximo que um terroir pode dar, do que deixar um produto criado pelo Homem ao cuidado dos insondáveis desígnios da natureza. A natureza não faz vinho. Mas pode fazer um bom vinagre….

Edição n.º29, Setembro 2019

Apologia do esclarecimento

Saber o que se come, perceber o que se bebe, percorrer as muitas veredas das harmonizações de comidas com bebidas torna claro sobretudo que depois do muito que já se sabe, está quase tudo por fazer. Há que abraçar sempre o inteiramente novo. TEXTO Fernando Melo Cena 1. Reunião do I Capítulo da Confraria do […]

Saber o que se come, perceber o que se bebe, percorrer as muitas veredas das harmonizações de comidas com bebidas torna claro sobretudo que depois do muito que já se sabe, está quase tudo por fazer. Há que abraçar sempre o inteiramente novo.

TEXTO Fernando Melo

Cena 1. Reunião do I Capítulo da Confraria do Arroz Carolino das Lezírias Ribatejanas. Melhor, criação da dita confraria, em Benavente, com honras de desfile, apadrinhamento formal pelas muitas confrarias enogastronómicas presentes e almoço com uma notável demonstração das muitas possibilidades culinárias da gramínea. O biónico José Maria Lino metido na mesma luta desde que o conheço, já vai para uma década, de pugnar por que a centelha criativa de quem cozinha não se extinga, antes ganhe força e fogo redobrados, sempre com o arroz carolino de permeio. Notável a sua paixão, comovente a forma como se empenha na pedagogia em contínuo, sem esmorecimento.
Cena 2. Visita à fábrica do bacalhau Giraldo, em Bilbau. É pouco conhecido do grande público, pois não tem venda a retalho, mas bem conhecido dos cozinheiros nacionais, representado pela Qualhouse, conhecida pela excelência dos produtos do seu portfólio. Já visitei alguns outros produtores de bacalhau e as diferenças não eram muitas, no domínio da transformação do pescado, mas os detalhes foram chamando a atitude e em vez de resistir, com uma atitude do tipo o que é que eu estou aqui a fazer, decidi acompanhar e vestir a pele do aluno diligente. Foi imediato o contacto com uma realidade verdadeiramente orientada para o negócio, pontos de sal afinados a gosto, cortes diversos das diversas partes do bacalhau, lombos altos e baixos, bacalhau preparado para tempura, dezenas de soluções ali apresentadas, tudo orientado para a produtividade e qualidade. Completamente fora da minha zona de conforto, assisti à excelência de produto e serviço, de superação difícil.
Cena 3. Jantar da Confraria da Cerveja no Hotel Intercontinental Cascais-Estoril, organizado pela À Mesa Com, o mesmo é dizer Fátima Moura e Teresa Santos, a primeira autora de reconhecidos pergaminhos a segunda conhecedora e cultora de cerveja e do produto português. O tema do jantar era o mar, e o chef Miguel Laffan foi o autor e executante de um menu extravagante a todos os níveis, sobretudo pela proposta da harmonização com cervejas, actividade complexa e com mais interrogações que certezas. A questão principal está na forma como o nosso palato percebe os amargos, a acidez e os polifenóis de uma cerveja, termos que também se aplicam ao vinho mas que na verdade não têm muitos pontos de contacto. É certo que no vinho se usa e abusa do termo acidez, mas existe uma terminologia estabelecida que nos permite contar um vinho a alguém, em poucas palavras, pelos vis¬tos na cerveja também. Ficou na memória umas maravilhosas migas de berbigão harmonizadas com total eficácia com uma witbier – cerveja branca. Total disparo de sabor, experiência totalmente inédita para mim, serenou-me a proficiência do chef Laffan no assunto, tudo explicado por ele e entendido por mim.
As três situações relatadas têm e denominador comum da novidade, e indicam o mais que óbvio colorido da vida de quem frequenta o edifício da comunicação sem preconceitos. No confortável universo da harmonização de vinhos com comida, sem querer deixamo-nos cair na vulgaridade e dizemos quase sempre o que se espera ouvir. O caso do arroz não enfrenta adamastores menores, está instalada a noção de bondade do arroz agulha porque o carolino tem tendência para empapar. Ora empapar to¬dos empapam, há que saber trabalhá-lo e levá-lo ao ponto certo. Fazemos isso na carne, no peixe, nos legumes e nos ovos, por que não fazê-lo também com o arroz? Grosso modo, vamos na terceira geração de chefs inovadores nas nossas cozinhas e estão a forçar um desenvolvimento inédito na nossa história, que é levar o conhecimento até ao limite e sujeitá-lo ao paradigma das raízes e proximidade. Temos de ser simples, e ao mesmo tempo temos de estar em constante aprendizagem, com espírito aberto. Ainda há bem pouco tempo, o arranque de cada campanha de arroz era feito com grãos lançados por uma avioneta, de¬pois por competição desenvolvia-se a planta, o conhecimento da variedade que se estava a semear era inexistente, a nossa expectativa mudou e tornámo-nos mais exigentes; agora queremos e podemos saber tudo. Seja em que domínio for, estamos obrigados a cultivar-nos e a saber mais, procurar esclarecimento em todas as frentes. A extraordinária obra “Peixes de Portugal”, de Maria José Costa (Edições Afrontamento, Julho 2018) elenca praticamente todas as espécies portuguesas com que nos relacionamos e uma boa forma de o usar é estudar uma delas por semana. Pode acontecer por curiosidade querermos estudar com mais pormenor um certo peixe, ainda há dois meses quis saber mais sobre o ruivo e fui dar com um manancial considerável de informação sobre o simpático e cabeçudo peixe. Daí podemos saltar para outras variedades e de repente estamos na espiral ascendente do conhecimento, só temos de nos sentir bem por isso. Penso que mesmo os fãs de bacalhau conhecem o formato triangular da versão seca e salgada, e que o peixe propriamente dito é pouco ou nada conhecido. Mas isso é outra conversa.

Ser sustentável

Luís Lopes

Vivemos numa sociedade de consumo o que implica, por um lado, delapidação de recursos naturais e, por outro, desperdício. A produção de bens alimentares (vinho incluído) não foge a esta regra. O que mudou, sobretudo na última década, foi a consciência ambiental, e hoje em dia a preocupação de muitos consumidores e produtores esclarecidos passa […]

Vivemos numa sociedade de consumo o que implica, por um lado, delapidação de recursos naturais e, por outro, desperdício. A produção de bens alimentares (vinho incluído) não foge a esta regra. O que mudou, sobretudo na última década, foi a consciência ambiental, e hoje em dia a preocupação de muitos consumidores e produtores esclarecidos passa por minimizar os efeitos da nossa pegada no planeta.

TEXTO Luís Lopes

 

Convenhamos, o conceito de sustentabilidade não é algo inteiramente claro aos olhos do apreciador de vinho. Para muitos, a sustentabilidade junta-se no mesmo saco a um vasto conjunto de sub-categorias, muitas das quais pouco ou nada têm a ver com sustentabilidade. O mais recente trabalho da Wine Intelligence (empresa de referência que realiza estudos de mercado um pouco por todo o mundo) define nada menos do que 13 categorias naquilo que baptizou de índice SOLA (acrónimo de “sustainable, organic and lower alcohol”). Listadas por ordem de interesse e oportunidade em 15 diferentes mercados (incluindo o português), são elas: vinho orgânico, vinho produzido de modo sustentável, vinho de comércio justo, vinho amigo do ambiente, vinho sem conservantes, vinho sem sulfitos, vinho de adega com neutralidade carbónica, vinho de baixo teor alcoólico, vinho “laranja”/curtimenta, vinho biodinâmico, vinho sem álcool, vinho vegan, vinho vegetariano. Por aqui se vê que pegada de carbono, orgânico, sulfitos, vegan (e ainda podíamos juntar aqui os chamados “vinhos naturais”, que ninguém sabe bem o que são) se misturam num caldeirão de conceitos que traduzem algo bastante vago e indefinido, mas que poderíamos resumir como “vinhos alternativos”.

Na verdade, é óptimo que as pessoas procurem coisas diferentes, que fujam do chamado “mainstream”. Mas seria ainda melhor que não se confundissem gostos, modas, ou tendências, com algo tão fundamental para a vida de todos nós quanto a sustentabilidade.

A começar, desde logo, pelos dois conceitos mais atractivos para os novos consumidores: sustentável e orgânico são coisas distintas. É possível ser-se orgânico sem se ser mais sustentável (sobretudo ao nível da pegada de carbono, além da polémica questão do cobre) e é possível ser-se mais sustentável sem aderir ao orgânico. O orgânico é um dos vários caminhos para a sustentabilidade e, tal como todos os outros, um caminho com desafios difíceis e buracos escondidos. Não existe um modelo perfeito, isento de danos colaterais. A sustentabilidade é, antes de mais, equilíbrio. E esse equilíbrio deve atravessar toda a fileira do vinho, desde a uva até ao copo do consumidor. Uma viticultura sustentável tem de estar associada a uma adega sustentável, a uma embalagem sustentável, a uma logística sustentável, a um comércio sustentável, no fundo, se quisermos, a um modo de vida sustentável.

Os vinhos “amigos do ambiente” são negócio de presente e de futuro. Mas mais do que estampar no rótulo da garrafa uma certificação ambiental que ajude a comunicar um produto diferente, é a consciência ambiental, ao nível do individuo, das empresas, da sociedade, que é realmente importante. Um cada vez maior número de produtores de vinho acredita, verdadeiramente, que não pode e não deve desenvolver o seu negócio prejudicando o meio ambiente, a sua sustentabilidade e, em última análise, o futuro das gerações vindouras. Ou seja, opta pela protecção ambiental por convicção, e não por ser “trendy” ou por ser um mercado em crescimento. Da mesma forma que cada vez mais consumidores optam por vinhos produzidos por empresas amigas do ambiente, não porque sejam melhores vinhos mas, sobretudo, porque se preocupam.

Os ganhos ao nível da sustentabilidade conseguem-se através da educação, promovendo uma consciencialização e uma cultura ambiental individual e colectiva. Nesse sentido, o sector do vinho, tendo embora muito para melhorar, tem também boas razões para se orgulhar do muito que já foi feito. Cabe-nos a nós, consumidores, fazer a nossa parte.

Edição n.º28, Agosto 2019

Escolha do Mestre – Sauvignon Blanc, a casta que o mundo quer adorar

O exotismo da Sauvignon Blanc tem originado um enorme sucesso junto de produtores e consumidores um pouco por todo o mundo. Portugal não é excepção, com resultados muito interessantes, mas há ainda trabalho a fazer no conhecimento da casta no terreno (atenção ao excesso de calor!), de forma a intervir menos na adega e deixar […]

O exotismo da Sauvignon Blanc tem originado um enorme sucesso junto de produtores e consumidores um pouco por todo o mundo. Portugal não é excepção, com resultados muito interessantes, mas há ainda trabalho a fazer no conhecimento da casta no terreno (atenção ao excesso de calor!), de forma a intervir menos na adega e deixar a uva exprimir o local onde está plantada.

Texto: Dirceu Vianna Junior MW

São poucas as pessoas capazes de distinguir entre um Sancerre e um Pouilly-Fumé ou discernir entre as sub-regiões neozelandesas de Awatere e Wairau numa prova à cega. Enquanto a uva Riesling é capaz de expressar o terroir com facilidade, a Sauvignon Blanc é uma casta maleável, onde as decisões tomadas pelo enólogo durante a vinificação são muitas vezes o factor dominante no estilo do vinho. Entre os melhores atributos da casta Sauvignon Blanc estão as suas impressionantes qualidades aromáticas juntamente com seu frescor penetrante. O sucesso global pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, à reação dos consumidores entediados com estilos tradicionais de Chardonnay pesados, demasiadamente amadeirados e que actualmente buscam um perfil mais leve. É impossível ignorar na Sauvignon Blanc a incrível capacidade de expressar aromas e sabores exóticos que saltam do copo, dançam no paladar e deixam um final de boca persistente e refrescante. Esta é a razão pela qual a área total de vinhedos plantados no mundo em 2000 representava 65.000 hectares (ha), atingiu 110.000 ha uma década mais tarde e as plantações desta antiga casta continuam crescendo. A primeira menção ocorreu em 1534 sob um de seus sinónimos “Fiers” no Vale do Loire. Como Sauvignon, há uma menção específica no início do século XVIII em relação à pequena vila de Margaux, em Bordéus. A casta é conhecida por vários sinónimos, incluindo Blanc Fumé e Sauvignon Fumé no Loire. Na Áustria e na Alemanha é referida como Muskat-Silvaner e na Califórnia como Fumé Blanc, um termo inventado por David Stare de Dry Creek Vineyard em Sonoma.
Evidências históricas juntamente com análises de DNA sugerem o Vale do Loire como o berço da casta que nasceu devido ao cruzamento entre um pai desconhecido e Savagnin, portanto Sauvignon Blanc é meio irmão da casta Verdelho e genéticamente próximo à Sémillon. Além de ter alcançado fama por conta própria, Sauvignon Blanc, juntamente com Cabernet Franc, são os pais da Cabernet Sauvignon. É provável que esse cruzamento tenha ocorrido na região de Bordéus no século XVIII.
Sauvignon Blanc possui pele esverdeada, bagos pequenos e cachos compactos. É altamente vigorosa, mas relativamente fácil de cultivar. Brota tarde e amadurece cedo. Porta-se bem em climas ensolarados, mas não gosta de calor excessivo. Responde melhor quando plantada em porta-enxertos de baixo vigor e solos não muito férteis. A Sauvignon possui uma variedade de clones com personalidades distintas. Existem mais de 20 clones registados na Universidade de Davis na Califórnia, no entanto estima-se que a maioria das plantações na Califórnia e no mundo assentam no clone Wente FPS 01, originário do Chateaux d’Yquem.

Zambujeira Velha, Cortes de Cima

Os estilos clássicos de França e Nova Zelândia

A região do Vale do Loire, em França continua sendo a grande referência com exemplos puros, elegantes e expressivos oriundos das famosas vilas de Sancerre e Pouilly-Fumé. Entre os produtores de Sancerre destacam-se Alphonse Mellot, Domaine Lucien Crochet e Domaine Vacheron. Bons exemplos de Pouilly Fumé incluem Chateau de Tracy e Domaine Didier Dagueneau. Os vinhos destas denominações tornam-se cada vez mais caros e consumidores astutos buscam alternativas nas denominações vizinhas de Menetou Salon, Reuilly, Quincy e Coteaux du Giennois, bem como Sauvignon de Touraine, onde é possível encontrar vinhos leves e elegantes por uma fracção do preço, como Domaine Joël Delaunay. Sauvignon Blanc é cultivado no clima marítimo de Bordéus onde é possível encontrar vinhos leves, elegantes e bem feitos na sub-região de Entre-Deux-Mers, mas os melhores exemplos estão em Graves e Pessac-Léognan. Esses vinhos podem conter proporções de Semillon e Muscadelle e frequentemente são fermentados e envelhecidos em carvalho produzindo um estilo mais exuberante que além de envelhecer bem, se porta bem com comida. Domaine de Chevalier, Smith-Haut-Lafitte e Haut Brion Blanc são exemplos clássicos. Sauvignon é plantada perto da vila de Chablis sob a denominação de St Bris, onde produz vinhos notoriamente secos, magros com alta acidez e persistentes notas minerais. Um facto surpreendente é que a maioria dos 29.000 ha de Sauvignon Blanc plantados em França se encontram em Languedoc-Roussillon, região mais conhecida pelos seus tintos.
Semelhante ao Alicante Bouschet que teve origem em França e foi adoptado por Portugal, onde produz excelentes vinhos, a casta Sauvignon Blanc encontrou a sua segunda casa na Nova Zelândia, onde foi plantada pela primeira vez na década de 1970. O estilo pungente foi bem recebido pelo consumidor internacional e o país tem sido extremamente bem-sucedido, o que resultou num aumento significativo nas plantações, que hoje atingem 21.400 ha. O solo e as condições climáticas são perfeitos. O clima é ensolarado e seco, mas não excessivamente quente. Os solos pesados produzem vinhos herbáceos a partir de uvas que amadurecem mais tarde. As vinhas plantadas em solos mais pobres e rochosos amadurecem mais cedo, transmitindo notas tropicais exuberantes com nuances minerais. Marlborough, no extremo norte da Ilha Sul, é tida como referência para esse estilo, mas as plantações estão espalhadas por todo país, particularmente Martinborough, Gisborne, Hawkes Bay e Waipara Valley. De forma geral, os Sauvignon da ilha do Norte são mais maduros, com notas de frutas de caroço e melão em comparação aos vinhos do sul que tendem a ser mais leves com notas herbáceas. Entre os bons produtores destacam-se Clos Henri, Craggy Range, Dog Point, Greywacke, Huia, St. Clair, Seresin Estate, Vavasour, Villa Maria e novo projeto de Steve Smith MW chamado Smith & Sheth.

Adega Mãe

Sauvignon Blanc nas Américas…

Nos Estados Unidos, as primeiras plantações de Sauvignon Blanc foram introduzidas na adega Cresta Blanca em Livermore Valley, na Califórnia. Devido à aversão dos consumidores americanos pelo caráter herbáceo e alta acidez, os produtores desenvolveram um estilo chamado Fumé Blanc. Os vinhos são mais maduros, encorpados, enriquecidos por estágio em carvalho e muitas vezes contêm açúcar residual. Segundo a Universidade de Adelaide, existem cerca de 6.600 ha de Sauvignon nos EUA, principalmente em Sonoma, Napa e Vale Central. O Estado de Washington faz bons exemplos, mas é no Vale de Santa Ynez que o efeito do nevoeiro ajuda refrescar o clima e criar Sauvignon Blanc com mais delicadeza, tensão e frescor. Entre os melhores exemplos encontram-se Araujo Eisele, Chalk Hill, Duckhorn e Robert Mondavi To Kalon, um dos melhores exemplos de Sauvignon Blanc do mundo. Logo ao norte, no Canadá, bons exemplos de Sauvignon podem ser encontrados na Península de Niágara e na Colúmbia Britânica, como Clos du Soleil e Burrowing Owl Estate Winery.
O Sauvignon Blanc é uma das castas brancas mais importantes do Chile com 15.200 ha plantados, embora historicamente a varietal tenha sido confundida com Sauvignon Vert (Muscadelle) e com Sauvignonasse (Friulano na Itália). Essas castas ainda representam uma proporção significativa das plantações em Curicó e Maule e estão sendo gradualmente substituídos pelo verdadeiro Sauvignon Blanc. Em termos de estilo, os vinhos tendem a mostrar notas tropicais e sabores herbáceos geralmente com mais corpo do que os exemplos da Nova Zelândia. Os melhores vêm do Vale de Leyda e Vale de San Antonio, a poucos quilómetros do Oceano Pacífico. Entre os melhores produtores do Chile estão Casa Marin, Amayna, Montes, Matetic, Errázuriz, De Martino e Laberinto. Apesar de ser uma varietal menos difundida na Argentina, produtores como Zorzal, Pulenta Estate, Doña Paula e Finca Sophenia merecem reconhecimento. No Brasil, a casta mostra potencial na região de altitude de Santa Catarina com a Vinicola Thera a produzir um exemplo convincente.

Niagara, EUA

…e no resto do Mundo

A África do Sul tem uma longa história com Sauvignon Blanc. O estilo combina a exuberância de frutas dos vinhos do novo mundo com a elegância do velho mundo. As plantações estão distribuidas por várias regiões, especialmente Stellenbosch, Walker Bay e Elgin, totalizando cerca de 9.500 ha. Alguns dos melhores produtores são Mulderbosch, Klein Constancia, Neil Ellis, Strandveld, De Grendel, Diemersdal, Steenberg e Graham Beck. Na Austrália, o Sauvignon Blanc tem-se tornado popular devido ao sucesso da Nova Zelândia. Apesar da maioria das regiões serem demasiadamente quentes, existem cerca de 7.000 ha plantados. Um dos melhores é feito por Shaw e Smith em Adelaide Hills. Outros bons exemplos podem ser encontrados na Tasmânia e partes mais frias de Victoria e New South Wales. A parte oeste do país é responsável por um estilo distinto, onde a Semillon frequentemente faz parte do lote ajudando produzir vinhos mais encorpados como Cape Mentelle. A Itália possui cerca de 4.000 ha de Sauvignon Blanc, principalmente espalhados no nordeste do país, Alto Adige e Friuli. A Espanha tem uma área de plantação semelhante à Itália, apesar de que as condições climáticas sejam demasiadamente quentes para essa varietal. Existem plantações principalmente em em Castilla-La Mancha e Rueda. Outras regiões da Europa onde Sauvignon é encontrado inclui Roménia, Moldávia, Suíça, Eslovênia, República Checa, Rússia e Alemanha, especialmente em Württemberg, Franken e Pfalz. A região de Styria na Áustria é responsável por vinhos subtis e cremosos e a Hungria é fonte de Sauvignon Blanc de boa qualidade e preços acessíveis.

Nova Zelândia

A Sauvignon Blanc e o estilo português

Dados do Instituto da Vinha e do Vinho mostram que a parcela mais antiga de Sauvignon Blanc em Portugal foi estabelecida pela Sociedade Agrícola da Quinta da Lagoalva de Cima em 1977. Actualmente existem 1.305 ha espalhados pelo país, predominantemente no Alentejo (383 ha), Tejo (328 ha) e Lisboa (222 ha). O desejo de explorar o potencial da casta dentro das características climáticas portuguesas foi um dos motivos que levaram produtores a plantar Sauvignon Blanc. Francisco Baptista, enólogo e sócio da empresa Saven, explica que a Sauvignon Blanc em Barcelos, região dos Vinhos Verdes, apresenta características similares às da baía de Arcachon, em Bordéus. Devido à sua proximidade ao oceano atlântico e solos mais profundos origina vinhos frescos. Outro motivo do interesse pela casta foi tentar capitalizar na oportunidade comercial. Paula Fernandes, enóloga residente da Quinta da Boa Esperança, explica que no início do projeto, pensando na internacionalização da marca, optaram em plantar a casta pelo facto de ser reconhecida internacionalmente acreditando que poderia ser uma vantagem comercial.
Vasco Rosa Santos, enólogo responsável pelos vinhos do Monte da Ravasqueira refere que o estilo do Sauvignon da casa é fruto da experiência adquirida em adegas Neo-Zelandesas. O objectivo é simplesmente reflectir as características da casta e buscar um perfil fresco com notas herbáceas, caracter cítrico e mineral. Paula Fernandes cita a região de Sancerre no Vale de Loire como inspiração e adianta que em Lisboa os solos argilo-calcáreos e o clima moderado com influência atlântica imprimem aos vinhos estrutura, acentuada acidez e mineralidade. Pedro Lufinha, Director Geral da Quinta da Alorna, diz que não procura estilo específico, mas gosta dos componente exóticos, tropicais e, ao mesmo tempo, aprecia o lado vegetal e mineral da casta. O importante é que o vinho seja harmonioso. Para isso, o controlo da maturação e o momento da colheita da Sauvignon Blanc, mais do que em muitas outras castas, é crucial, explica Pedro. Após a vindima manual as uvas são desengaçadas e vão directamente à prensa sem qualquer maceração pelicular. A fermentação é mantida numa temperatura de cerca de 17 a 18ºC e feita com leveduras selecionadas que possuem melhor capacidade de revelar os tióis. O vinho permanece em inox até a data do enchimento.
Na adega do Monte da Ravasqueira, o enólogo Vasco Rosa Santos prefere inibir as enzimas responsáveis pela oxidação dos compostos aromáticos, usando baixa temperatura desde a hora do esmagamento. A temperatura de fermentação é cerca de 4 ou 5 graus mais baixa em comparação ao Sauvignon Blanc da Quinta da Alorna. Subsequentemente as borras finas são colocadas em suspensão para dar melhor textura e corpo ao vinho.

Sancerre, França

Um sucesso no mercado

No que respeita ao desempenho comercial dos Sauvignon Blanc portugueses, Francisco Baptista mostra-se positivo e explica que no mercado nacional o vinho é vendido maioritariamente em locais turísticos principalmente Algarve e Lisboa, mas 88% da produção é comercializada no mercado externo. O mesmo acontece com o Monte da Ravasqueira Sauvignon Blanc onde 60% da produção é vendida no mercado externo, especialmente Irlanda, Polónia e Rússia. Ao invés, tanto as vendas da Quinta da Boa Esperança como da Quinta da Alorna são dominadas pelo mercado nacional, 80% e 75% respectivamente. Devido ao seu potencial gastronómico e à facilidade do consumidor estrangeiro em identificar a casta, o vinho é comercializado principalmente no canal HORECA. Comparando a qualidade do Sauvignon Blanc português com de outros países, Vasco Rosa Santos considera a qualidade muito boa e realça o perfil diferente do dos famosos vinhos do Loire e Marlborough. Na sua opinião, o Sauvignon Blanc nacional raramente é influenciado por madeira, portanto é mais acessivel. Paula Fernandes está convencida que Portugal tem capacidade de produzir excelentes Sauvignon Blanc. Apesar de ser um país de pequena dimensão, mostra condições distintas e cada uma dessas regiões possui microclimas onde podem ser produzidos Sauvignon Blanc de estilo “Novo Mundo”, com aromas tropicais, untuosos e com acidez menos marcada, até vinhos com perfil mais clássico, como os do Vale de Loire, com mineralidade, acidez vincada e aromas elegantes e cítricos. Sendo assim é capaz de agradar qualquer tipo de consumidor, o que se torna uma vantagem competitiva.

Loire, França

O futuro

Levando em consideração tendências comerciais e ameaças trazidas pelas mudanças climáticas, Pedro Lufinha faz uma análise sensata, declarando que a casta não deixará de existir, mas também não será auspiciosa tendo em conta o vasto património vitícola e a preferência do consumidor português pelas castas autóctones que o país oferece. Paula Fernandes considera o Sauvignon como uma casta de clima fresco e acredita no seu poder de adaptabilidade. Sendo assim a tendência será sua transição para latitudes mais elevadas e locais mais próximos do mar, onde as amplitudes térmicas são menores e o índice de humidade mais elevado, como é o caso da região de Lisboa.
Apesar dos Sauvignon Blanc portugueses ainda não apresentarem uma personalidade definida, ao contrário dos clássicos franceses ou neo-zelandeses, a qualidade dos Sauvignon Blanc nacionais, de forma geral, é solida. Além de satisfazer a demanda do mercado interno é capaz de aventurar-se no comércio internacional. Mas embora sejam elaborados com competência, ainda não estão no patamar de qualidade dos grandes clássicos mundiais. De forma geral, os estilos ainda são muito heterogéneos e manifestam sobretudo a filosofia do enólogo. Até vinhos da mesma região reflectem mais as decisões tomadas na adega do que o terroir que lhes deu origem. Produtores que apostaram na casta precisam continuar valorizando a qualidade acima de tudo, para evitar competir com Sauvignon Blanc de países onde os custos de produção permitem atingir faixas de preço inferiores, como é o caso do Chile. Para assegurar sucesso ao longo prazo, é preciso ir em busca de uma personalidade própria. E para isso é necessária paciência e muito trabalho. Trabalho que vai gerar conhecimento e confiança. Confiança para interferir menos e fazer o máximo para que a casta consiga expressar da melhor forma o terroir português.

Edição Nº26, Junho 2019

Superior

Luís Lopes

A parte mais a montante do Douro português desde há muito demonstra ser berço de vinhos brancos e tintos de grande nível, vinhos que unem qualidade e carácter de forma singular e entusiasmante, como agora se viu mais uma vez em Vila Nova de Foz Côa, no Festival do Vinho do Douro Superior. Ainda assim, […]

A parte mais a montante do Douro português desde há muito demonstra ser berço de vinhos brancos e tintos de grande nível, vinhos que unem qualidade e carácter de forma singular e entusiasmante, como agora se viu mais uma vez em Vila Nova de Foz Côa, no Festival do Vinho do Douro Superior. Ainda assim, a regionalite (doença mais comum do que possamos pensar) teima em não reconhecer essa grandeza.

TEXTO Luís Lopes

As regiões vinícolas não são todas iguais, nem têm igual potencial para produzir, de forma recorrente e consistente, grandes vinhos. É por isso que, quando pensamos nos maiores vinhos de França, surgem na nossa mente os nomes de Bordeaux, Bourgogne ou Champagne e não os de Corbières, Cahors ou Saumur; do mesmo modo, em Espanha, pensamos em Rioja ou Ribera del Duero, não nas denominações de origem Ribera del Guadiana, Madrid ou Jumilla; e, já agora, em Itália, a notoriedade de Chianti, Barolo ou Brunello di Montalcino nada tem a ver com a de Sagrantino, Valtellina ou Montepulciano d’Abruzzo. Curiosamente, algumas destas regiões menos conhecidas do enófilo português, são extremamente bem-sucedidas enquanto exportadoras de vinho para todo o mundo. O que evidencia, mais uma vez, que o negócio do vinho é multifacetado, há muitos modelos para chegar ao sucesso e o vinho, enquanto produto, é, felizmente, democrático. Mas isso é outra estória, o tema, hoje, é a capacidade natural de uma região para produzir grandes vinhos.

É sabido que, na mesma zona e, frequentemente, até na mesma vinha, temos parcelas que originam vinhos excelentes e outras, vinhos vulgares. Mais óbvio se torna que, em regiões distintas essas diferenças de consistência qualitativa se avolumem. Isto é natural e não devia ser motivo de disputa regional. O que verdadeiramente me espanta é que, em regiões com várias décadas de provas dadas, com marcas de prestígio mundial e evidente notoriedade junto dos consumidores e opinion makers mais exigentes, a sua capacidade para atingir a grandeza seja constantemente questionada por profissionais do mesmo ofício.

Chamando as coisas pelos nomes. Que diversos enólogos e produtores do Douro manifestem publicamente o seu desprezo global e globalizante pelos vinhos do Alentejo (“são todos iguais”, “são vinhos fáceis”, “é a Austrália de Portugal”, etc.) é algo a que tenho, infelizmente, de me habituar, embora me custe aceitar que alguém avalie dessa forma uma região que, manifestamente, não conhece nem quer conhecer. Mas que profissionais durienses sedeados no Cima Corgo, experientes e de créditos firmados, continuem a afirmar que a sub-região do Douro Superior não está naturalmente vocacionada para produzir vinhos brancos e tintos de primeira grandeza, é algo que só posso atribuir a regionalite aguda (talvez a mesma que em tempos ostracizou o Baixo Corgo e agora já nele vê qualidades e vantagens). Como é que uma zona vitivinícola que viu nascer Barca Velha, Vale Meão, Touriga-Chã, Monte Xisto, Conceito, Vesúvio, Vargellas, Duorum, entre muitas outras marcas de referência, não tem consistência para produzir grandeza? Como é que uma sub-região tão diversa em termos de solos (do xisto ao granito), altitude (do nível do rio aos 750 metros), castas (já viram bem o que a Rabigato está ali a fazer?) pode ser uniformizada desta forma?

O Douro é demasiado complexo, vasto, diverso, para ser amarrado, enquadrado, classificado num estereotipo. Permitam-me um conselho: deixem de lado os preconceitos, mostrem-se superiores a isso, e partam de mente aberta a conhecer os muitos Douro que há por aí. Vão apreciar as surpresas que vos esperam.

Edição Nº26, Junho 2019