O Tempo e o Modo (do vinho e da rolha)

Edição nº11, Março 2018 Macroscópio Não vou falar da célebre revista, o que seria muito intelectual mas a despropósito. O assunto aqui é mais vinho e rolhas. Sempre o mesmo? Afinal, pensando bem, adianto qualquer coisa. A revista “O Tempo e o Modo” era de leitura obrigatória pelos intelectuais da nossa praça nos idos de […]

Edição nº11, Março 2018

Macroscópio

Não vou falar da célebre revista, o que seria muito intelectual mas a despropósito. O assunto aqui é mais vinho e rolhas. Sempre o mesmo?

Afinal, pensando bem, adianto qualquer coisa. A revista “O Tempo e o Modo” era de leitura obrigatória pelos intelectuais da nossa praça nos idos de 60 e começou a publicar-se em 1963. Por lá passaram quase todos os anti-fascistas encartados que se reuniam no café Monte Carlo (por baixo do cinema Monumental), local onde se entretinham em conspiração suave. Tão suave que, com eles, a PIDE não perdia tempo: eram os “do contra” ou “do reviralho”, mas não faziam mossa a ninguém.
Como eu frequentava o mesmo café, via-os quase todas as tardes na converseta. Com um deles, António Alçada Baptista – que era intelectual e escritor, mais do que anti-fascista militante – acabei por conviver bastante já depois do 25 de Abril, quando, sentindo ventos da História mais adversos, se remeteu a uma existência eremita, algures na serra de Sintra, em casa emprestada por amigos. Acabou ou seus escritos na revista “Máxima”, onde manteve uma coluna carregada de reflexões e receios sobre a morte e onde eu tinha uma coluna que tratava da associação dos vinhos e das comidas. Mas não voltámos a falar nem a conviver. Dos restantes “modistas” li alguns dos livros, coisa que caía muito bem à época.

O tempo dos vinhos

Mas o tempo também é assunto dos vinhos, como sabemos. E é assunto controverso, não exclusivo dos tintos ou generosos; é tema genérico que até a rosés pode dizer respeito. O vinho precisa de tempo. Antigamente dizia-se, e alguns escribas de hoje ainda usam o termo, que o vinho ia “envelhecer” para os cascos, como que à espera que o tempo fizesse o seu papel.
O termo é, quanto a mim, totalmente desapropriado. Os vinhos “amadurecem” em casco; só “envelhecem” quando lhe deixámos passar o momento óptimo de consumo e iniciam a inexorável descida para a morte. Essa descida é vertiginosa nos vinhos vulgares, e muito lenta nos grandes vinhos. Assim se percebe que eu tenha bebido um Quinta da Aguieira branco de 1945 que era um monumento, independentemente dos padrões de análise. Era um branco a quem o tempo não incomodou nada e fez bem.
A pressa acaba por nos derrotar e muitas vezes não conseguimos dar ao vinho o Tempo que ele requer e necessita para amadurecer. Os meus amigos mais chegados em termos de idade, receosos que o seu tempo e final estejam mais próximos do que desejariam, entram no delírio do “para velho basto eu, toca a beber os vinhos jovens, quanto mais jovens melhor”, tese que aplicam a vinhos em geral e a Porto Vintage em particular. O disparate está à vista.
Há uns anos (poucos) tive a sorte de participar num almoço no restaurante Tavares (à data oficiava por lá o José Avillez) e o motivo do mesmo foi a prova de quatro garrafas do Domaine de la Romanée-Conti (DRC), incluindo o propriamente dito. Todas as garrafas eram de 2005. Ora bem, o que ali aconteceu foi um assassinato vínico. Porquê? Porque, de tão novos, os vinhos não se distinguiam entre si de forma evidente, ou seja, o Romanée Saint-Vivant e o La Tâche pareciam-se em demasia e no meio deles o Romanée-Conti não sobressaía. Foi giro, mas foi um erro crasso, porque não demos aos vinhos o tempo que precisavam e ficámos com a sensação de que as diferenças até nem eram assim tão grandes e os preços altíssimos de alguns deles não teriam razão de ser.
Como estes, muitos outros casos poderiam ser aqui chamados. A questão pode ser colocada assim: não vale a pena estar a beber antes do tempo! Se não houver vida que chegue, outros mais tarde beberão as garrafas. No fundo é o que fazemos quando bebemos vinhos velhos, os tais que alguém não bebeu e entendeu deixar repousar na garrafeira. Resta a pergunta final: de quanto tempo estamos a falar? Ou como se atribui a cada garrafa o tempo que precisa? Como ninguém sabe a resposta, o melhor é mesmo ter mais do que uma garrafa dos vinhos que se querem guardar e ir bebendo com intervalos largos. Só tem uma? Azar, lance a moeda ao ar e decida…

O Modo da rolha

O problema dos vinhos com rolha permanece, sobretudo nos que têm uma rolha de cortiça natural. A ciência tem avançado, as empresas estão a gastar muito dinheiro em investigação, mas o certo é que problema não está resolvido. E não me refiro apenas ao clássico TCA (tri-cloroanisol, composto responsável pelo cheiro a rolha) mas também às modificações dos aromas dos vinhos, motivados pela rolha mas que não são facilmente identificáveis. Apenas conseguimos detectar que os vinhos não estão bem mas, convenhamos, é preciso muita prática para perceber que “é da rolha mas não é TCA”. Alguns produtores estão a optar por rolhas técnicas, rolhas de aglomerado de cortiça, totalmente isentas de TCA. Existe, ainda assim, algum preconceito em usar esse tipo de rolhas para vinhos de topo porque ah e tal, o consumidor bla, bla, exige, gosta mais, etc, etc.
Ao que me apercebi, alguns produtores mandaram os preconceitos às urtigas. A mais recente prova foi-me dada por um vinho que comprei e consumi há umas três semanas. Tratava-se de um Chablis do produtor Droin, mas atenção, não era um Chablis qualquer mas um Grand Cru Grenouilles. Ora, como sabemos, a região de Chablis é bem mais moderada na atribuição daquela categoria máxima do que, por exemplo, sua vizinha Alsácia, onde os Grand Cru aumentam desmesuradamente todos os anos. Em Chablis apenas existem sete parcelas de vinha classificadas como Grand Cru: Les Clos (a maior parcela e também o Chablis mais famoso), Grenouilles, Blanchot, Bougros, Les Preuses, Valmur e Vaudésir. Todas lado a lado, numa encosta com boa exposição e onde apenas se planta Chardonnay. Confesso que inicialmente fiquei admirado pelo facto de a rolha ser técnica e não de cortiça natural, mas rapidamente me apercebi de que o produtor optou pelo lado seguro do negócio, em detrimento do lado tradicional, sem preconceitos e sem medos. A rolha talvez não aguente 50 anos, mas provavelmente o produtor Droin não aponta os seus vinhos para uma longevidade tão larga.
É preocupante a incerteza que grassa e o desespero que presenciamos nos produtores ao verem os seus melhores vinhos com problemas de rolha. É desprestigiante para Portugal, é mau para a indústria e é mau também para a percepção de qualidade dos vinhos porque, caso se tenha menos hábito de prova, vamos opinar negativamente sobre um vinho quando ele tem problemas de rolha, ainda que não sejam TCA. Quando vai estar o assunto resolvido não sei. Mas o produtor de Chablis já resolveu o problema dele. E na mesma região, outros vinhos que não são Grand Cru já optaram pela rolha de rosca. Futuro incerto, digo eu…

Dão, uma região em busca do seu estilo

Dirceu Vianna Junior MW

A Escolha do Mestre Não é segredo ou novidade que a qualidade dos vinhos do Dão vem crescendo nos últimos anos. A região oferece vinhos únicos, interessantes e intrigantes e com isso tem conquistado óptimos resultados em competições nacionais e internacionais. Por esse motivo achei por bem ir em busca de vinhos tintos do Dão […]

A Escolha do Mestre

Não é segredo ou novidade que a qualidade dos vinhos do Dão vem crescendo nos últimos anos. A região oferece vinhos únicos, interessantes e intrigantes e com isso tem conquistado óptimos resultados em competições nacionais e internacionais. Por esse motivo achei por bem ir em busca de vinhos tintos do Dão que realmente oferecem boa relação entre custo e benefício para aquecer as longas e frias noites de inverno.

TEXTO: Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS: Ricardo Palma Veiga

Após tomar a decisão passei a refletir sobre a região. Qual é o seu papel? O tem a oferecer ao consumidor? Quais os seus diferenciais? E será de facto uma região onde poderíamos guiar consumidores em busca de vinhos de bom custo benefício?
O Dão é uma região em transição. Em vários projetos nota-se uma preocupação em reconverter vinhedos e modernizar adegas. Enólogos experientes esbanjam confiança enquanto os profissionais mais jovens demostram criatividade e com isso aumenta o número de produtores que se destacam. Além disso as empresas de grande porte parecerem estar cada vez mais preocupadas em fazer vinhos de qualidade ao invés de quantidade – e isso é importante para que a região continue crescendo em prestígio.
A região possui uma rica história para contar, porém esse passado nem sempre é auspicioso pois muitos consumidores ainda continuam com a percepção de que o Dão é uma região de vinhos elaborados quase só por cooperativas e empresas de grande porte. Algumas falhas do passado ainda não foram totalmente apagadas da mente do consumidor e para algumas pessoas a região ainda não possui vinhos com um perfil claramente definido. Certamente existe um trabalho a ser feito em relação à comunicação.
A região caracteriza-se pela elevada diversidade edafoclimática e predominância de castas autóctones que, juntas, combinam para fazer vinhos autênticos. Os estilos de vinhos tintos variam desde exemplos mais leves e elegantes até vinhos encorpados e com taninos firmes. Em comum os vinhos apresentam frescor e estilo de frutas frescas e vibrantes. É comum ouvir comparações com vinhos da Borgonha, apesar de os vinhos do Dão geralmente apresentarem mais cor, perfil de fruta mais escura e estrutura mais firme. Examinando as minhas notas de prova dos últimos anos, confesso que raramente encontrei um vinho do Dão que tenha perfil suficientemente semelhante para ser confundido com um leve e delicado Savigny-lès-Beaune, um subtil e perfumado Volnay, um elegante Chambolle-Musigny ou com um exótico, encorpado e sedoso Gevrey-Chambertin, por exemplo.
Talvez o que o Dão tem mais em comum com Borgonha será a complexidade de uma região extremamente fragmentada e, aliado a isso, os desafios impostos por esses minifúndios, incluindo o custo elevado da viticultura. Por esse motivo eu questionei a minha decisão de buscar vinhos de bom custo/benefício na região do Dão: será realmente uma boa aposta para o consumidor? A resposta é enfaticamente “sim”, pois oferecer um vinho que tenha boa relação entre custo e benefício é indispensável para todo e qualquer produtor. Isso não significa necessariamente que o vinho deva ser um produto de baixo custo. Essa relação pode ocorrer em qualquer faixa de preço, contando que o consumidor tenha a percepção de que está recebendo bom retorno pela quantia de dinheiro que está saindo de seu bolso.

Qualidade, preço, perfil

Acredito que os vinhos listados abaixo oferecem uma relação adequada entre custo e beneficio. São vinhos elegantes, com óptimo frescor, cujo uso da madeira é bem julgado e sem excessos. A região, de modo geral não cedeu à pressão global de fazer vinhos alcoólicos e excessivamente amadeirados.
Quando bem feitos os vinhos do Dão reflectem muito bem a região, exibindo frescor e aromas intensos e intrigantes que incluem notas de frutas escuras, ervas secas, pinho, eucalipto e especiarias doces. Esses aromas selvagens e exóticos arrancam o consumidor das suas cadeiras e transportam-nos até à região. São vinhos que expressam o terroir do Dão e mostram-se realmente inigualáveis. Apesar das suas merecidas qualidades, o obstáculo principal em relação aos vinhos na região é o facto de os taninos muitas vezes pareceres firmes demais para o consumidor internacional, que frequentemente não tem tempo, espaço ou paciência para envelhecer as suas preciosas garrafas e acabam consumindo vinhos demasiadamente jovens e muitas vezes sem comida. Enfim, os vinhos são consumidos cedo demais, antes de poderem mostrar as suas reais qualidades e atingir o seu potencial.
Os produtores deveriam reflectir e considerar seriamente refinar o perfil e estilo de vinho para determinado segmento do mercado, sem sacrificar o carácter e tipicidade. Caso optem por fazer vinhos para serem apreciados cedo, o que parece estar acontecendo na grande parte dos casos devido à realidade comercial do negócio, o processo de extração deve ser feito mais delicadamente. Assim sendo, esses vinhos certamente dariam mais prazer ao consumidor na hora de beber. Talvez assim pudéssemos voltar a pensar em fazer comparações com sedosos tintos da Borgonha, pois elegância e frescor os vinhos do Dão possuem em abundância.
Por outro lado, se o objetivo for realmente elaborar vinhos de guarda, os produtores deveriam considerar o exemplo dos grandes produtores de Brunello di Montalcino ou Piemonte e realmente fazer vinhos de guarda, vinhos estruturados, envelhecê-los nas suas próprias adegas, lançá-los no momento adequado e cobrar o preço que reflicta o trabalho, tempo e investimento necessário para elaborar grandes clássicos. Não existe motivo para que os produtores do Dão não mostrem mais ambição e se empenhem para fazer alguns dos melhores vinhos de guarda do planeta.
A região tem muito a oferecer ao consumidor, mas ficar no meio termo em relação ao seu estilo é perigoso. Potencial a região tem (e muito!) e isso já está comprovado. Basta examinar os resultados de concursos nacionais e internacionais dos últimos anos e nota-se que a região do Dão regularmente triunfa quando comparada com regiões vizinhas. Lembro-me quando há pouco tempo tive o privilégio e a responsabilidade de selecionar 50 Grandes Vinhos Portugueses para o mercado brasileiro. Vinhos de todas regiões integraram a lista final. Fiquei impressionado com a relação entre custo e beneficio oferecido por vários vinhos da região dos Vinhos Verdes ou com a consistência dos vinhos do Douro, mas entre os vinhos que mais me chamaram a atenção estavam os vinhos do Dão, devido à sua alta qualidade, carácter e personalidade distinta.

Comunicar mais e melhor

Além de melhor clareza com relação ao estilo dos vinhos, o que pode ajudar a região dar os próximos passos? Na opinião de pessoas que vivem e conhecem a região intimamente, existe um longo caminho a percorrer. José Perdigão, proprietário da Quinta do Perdigão, acredita que o trabalho de educação e divulgação deve iniciar-se dentro do próprio país. Observa frequentemente a falta de conhecimento dos consumidores quando presente em eventos nacionais e acredita que aulas básicas de iniciação à prova dos vinhos asseguradas por enólogos, críticos e sommeliers seria um bom início. Paulo Nunes, enólogo da Casa da Passarella, acredita que a região sofre devido ao facto de não ter escala para fazer grandes campanhas publicitárias e a solução é fazer um trabalho intenso de comunicação juntos dos canais específicos. Deve ser um trabalho muito focado, comparável ao trabalho feito pelos missionários na idade dos Descobrimentos, diz ele. Para Sandra Alves Soares, que está à frente da sua empresa familiar, Soito Wines, a solução para pequenos e médios produtores que não dispõem de recursos financeiros para investir em grandes campanhas de marketing é trazer consumidores para a região e tornar os seus vinhos mais visíveis, levando quem prova a associar o vinho às pessoas, à região, às tradições, à história e à paisagem vitícola. Trata-se de dar a conhecer e vender o vinho pela região, não apenas colocar o produto lá fora ao lado dos outros, como sendo apenas mais um vinho.
Pedro Mendonça, director executivo da Comissão Vitivinícola da Região do Dão (CVRD), defende que a região não é tão desconhecida em termos internacionais como muitos pensam, mas concorda que existe muito trabalho a desenvolver em termos de divulgação. Por esse motivo a CVRD está no processo de desenvolvimento de um plano estratégico de comunicação para os próximos 10 anos que pretende abranger o consumidor final, media e trade.
O que é que o Dão tem a oferecer e qual a mensagem que a região deve tentar passar ao consumidor? Pedro Mendonça acredita que as influências mediterrânica, atlântica e continental ajudam a proporcionar um ambiente único, sem paralelo em qualquer outra região no mundo. Influências climáticas, juntamente com as principais castas da região, como Touriga Nacional e Encruzado, ajudam formar um carácter regional fortemente distintivo com base na elegância e, além disso, os vinhos destacam-se também pela sua inquestionável capacidade de envelhecimento.
Para Lígia Santos, jovem CEO da adega familiar Caminhos Cruzados, o Dão tem tudo isso a oferecer e muito mais. A região precisa divulgar projectos familiares, tradicionais, sustentáveis focados na qualidade e produções controladas. Para Lígia, a região exibe uma identidade forte que não tem cedido a perfis internacionais, mantendo o foco nas suas castas e na sua tradição. Lígia vai além e diz que para consumidores que procuram vinhos diferentes, que refletem o local onde são feitos, que são elegantes, perduram e melhoram no tempo e que são ideais para a mesa, não há região como o Dão. Em conversa com produtores locais é fácil constatar a energia, paixão, orgulho e confiança de quem está trilhando o caminho certo.
Sem dúvida a região tem vinhos excelentes, diferentes e muito a oferecer aos consumidores que buscam vinhos distintos e autênticos. No entanto, o estilo precisa de ser refinado e feito com mais precisão para se assegurar que o consumidor tenha uma grande experiência toda a vez que optar por uma garrafa de vinho da região. Existem várias e boas ideias de grandes profissionais do que fazer e de como fazer para comunicar com o consumidor. Será que numa região fragmentada, onde ainda se detectam comportamentos um pouco individualistas, é possível atingir consenso e trabalhar em conjunto para o bem comum? Esperamos e acreditamos que sim. Sendo assim, mais garrafas de vinho do Dão irão aparecer nas mesas dos consumidores, não apenas em Portugal, mas também em vários cantos do mundo.

Tejo, os vinhos que faltavam

Editorial Março 2018 O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e […]

Editorial Março 2018

O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e promoção de uma identidade regional.

Algumas das mais famosas regiões de vinho do mundo têm o seu nome associado ao rio que as atravessa. Ribeira del Duero, em Espanha; Côtes du Rhone, em França; Mosel, Rheingau, Rheinhessen e Nahe, na Alemanha; Napa Valley, nos Estados Unidos da América; ou Mendoza, na Argentina, são apenas algumas das mais importantes. Em Portugal, avultam naturalmente o Douro, o Dão e o Tejo.
Foi nessa tradicional ligação entre rio e vinho que a antiga região do Ribatejo pensou quando, em 2009, resolveu mudar de nome para Tejo, libertando-se de eventuais conotações negativas do “Ribatejo vínico” no mercado nacional. Curiosamente, apesar da mudança, os produtores do Tejo mantêm com o rio uma relação tímida, ao contrário de outras regiões da Europa (incluindo o Douro) que ostentam os seus rios como factor identitário…
Esse distanciamento é tema que me levaria longe e que este espaço editorial não permite desenvolver. Fica para outra ocasião. O importante é focar o gigantesco salto qualitativo dos vinhos do Tejo ao longo da última década. As bases para isso sempre estiveram lá, na verdade. Quem assistiu à descoberta do bom vinho por parte dos consumidores lisboetas, no início da década de 90, lembra-se certamente do furor que nos restaurantes da capital fizeram certos brancos e tintos de marcas ribatejanas, algumas entretanto desaparecidas (D. Hermano, Quinta Grande), outras que hoje regressam ao seu melhor (Falcoaria, Casa Cadaval). Nesse primeiro assomo da qualidade dos vinhos do Tejo, é de inteira justiça recordar a “mão” de João Portugal Ramos, que orientava várias dessas casas. E, também a título de curiosidade, relembrar que uma boa parte desse sucesso inicial assentava em vinhos brancos de Fernão Pires, uma casta de enorme potencial, com forte identidade regional, e que, a meu ver, ainda não recebeu do Tejo toda a atenção que merece… Mais um tema que fica para segundas núpcias.

Em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente

Dos anos 90 até aos nossos dias, o Tejo revolucionou-se na vinha, na adega, na cultura vínica, com a qualidade média a subir em flecha. Porém, fazer bons vinhos a bom preço não chega para potenciar a imagem de uma região. Os vinhos bandeira são essenciais nesse processo e estes, apesar de existirem, eram até há bem pouco tempo em número insuficiente para fazer a diferença. Porém, em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente. Entre marcas mais clássicas e outras mais recentes, o Tejo tem hoje uma dúzia de nomes e vinhos que podem e devem constituir-se como cartão de visita e locomotiva da região. Permitam-me que destaque aqui apenas uma casa, a Companhia das Lezírias, não apenas pela notável transformação ali operada e que conduziu a alguns grandes vinhos, como também pelo facto invulgar de ser uma empresa estatal, ou seja, “de todos nós”, cujo sucesso deveria servir de exemplo para as suas congéneres.
Com qualidade média em alta e um razoável número de vinhos de topo, o que falta agora ao Tejo para obter o pleno reconhecimento do mercado? Arrisco uma sugestão: encontrar denominadores comuns (o rio, a Fernão Pires, lembram-se?), realçar factores pontuais diferenciadores (as vinhas velhas que poucos sabem que existem…), assumir a história (que nada tem que envergonhe, pelo contrário). Em suma, construir, reforçar e comunicar uma identidade. Eu iria por aí.

Assim, não me convidem

Pior do que esperar para comer à porta do restaurante, só mesmo ter de escolher entre dois turnos. É que esta forma de exploração em jeito de moda, que antes se limitava às grandes cidades e aos fins-de-semana, alargou agora os seus horizontes. Quinta-feira, 18 de Dezembro 2018 Aveiro, chamada para o restaurante X – […]

Pior do que esperar para comer à porta do restaurante, só mesmo ter de escolher entre dois turnos. É que esta forma de exploração em jeito de moda, que antes se limitava às grandes cidades e aos fins-de-semana, alargou agora os seus horizontes.

Quinta-feira, 18 de Dezembro 2018 Aveiro, chamada para o restaurante X

– Boa tarde, é possível marcar uma mesa para três pessoas, para as 20h30?
– De momento, só estamos a sentar os clientes às 19h30 ou às 21h30.
– Então não posso marcar para as 20h30?
– Pode, mas fica só com uma hora para comer.
– Hum… Não, obrigada!

Já me deparo há algum tempo com este tipo de prática, mas em Lisboa. E em todas as vezes que aconteceu, recusei. Mas não estava à espera que, numa cidade pequena como Aveiro, num dia de semana e em pleno Inverno, me saísse essa do outro lado do telefone. Infelizmente, era um dos meus restaurantes de eleição da “Veneza Portuguesa”, e não voltarei.
Não consigo cooperar com este modus operandi. O desrespeito pelo cliente será consciente? Voltamos à velha estória do “se você não vier, outros virão”? Ou será pura ingenuidade e falta de profissionalismo? Inclino-me mais para a primeira situação. Quando quem gere um restaurante sabe que é um de apenas dois a fazer aquele tipo de comida numa cidade (sushi/sashimi, no caso), provavelmente não sente necessidade de criar uma relação de confiança com o cliente, prefere sacar o máximo de dinheiro que consiga, mas também não conhece o país onde está.
A cultura portuguesa das refeições à mesa tem muito que se lhe diga. Almoçar, jantar e, por vezes, até cear, é um acontecimento importante no dia do português e é intrínseco às nossas práticas sociais com um peso só comparável ao “chá das cinco” em Inglaterra (e até isso se deve a Catarina de Bragança). Trabalhamos a pensar no que e onde vamos comer. Comemos a pensar no que, onde e com quem vamos comer amanhã. Dizer ao português que tem o tempo contado para estar à mesa e que tem de parar de comer, beber e conversar, para que outro se sente no seu lugar, é mandá-lo dar uma volta. Não acredito que, mesmo aqueles que aceitam dessa forma, não o façam com um certo desconforto ou por falta de alternativas. Gostava de saber o que aconteceria se eu, numa hipotética situação dessas, ainda estivesse sentada à mesa à hora em que acabasse o meu turno. Convidar-me-iam “gentilmente” a levantar? Tocaria uma sineta para avisar que a clientela iria renovar? Pois também vos digo, os bons restaurantes rodam as suas mesas naturalmente, e os que não rodam… bem, esses nem são chamados para o assunto.

Um país sem regras, um mundo diferente…

No tempo em que se fazia vinho sem o escrutínio da burocracia, a José Maria da Fonseca identificava a proveniência ou outras características dos seus Garrafeira com uma ou duas letras. Hoje, descobrir o significado destas siglas é um desafio aliciante. E ainda há algumas sem explicação…   AS regiões demarcadas, todos sabemos ou imaginamos, […]

No tempo em que se fazia vinho sem o escrutínio da burocracia, a José Maria da Fonseca identificava a proveniência ou outras características dos seus Garrafeira com uma ou duas letras. Hoje, descobrir o significado destas siglas é um desafio aliciante. E ainda há algumas sem explicação…

 

AS regiões demarcadas, todos sabemos ou imaginamos, têm de se reger por regras. Isto é válido para todas as regiões e mesmo na primeira, na que o Marquês de Pombal mandou demarcar, estava claramente estabelecido o que se podia e onde se podia produzir vinho com direito à Denominação de Origem. Imaginamos que, se assim não fosse, a rebaldaria estaria instalada e a noção de região demarcada deixava de ter sentido.

Depois desta demarcação de 1756 houve um hiato enorme, que durou até 1908, e foi a partir daí e nos anos subsequentes que se demarcaram em Portugal algumas regiões como o Dão, Madeira e Vinhos Verdes e as minúsculas regiões de Bucelas, Carcavelos e Colares. O tal hiato instalou-se de novo e até aos finais dos anos 70 ninguém mais ouviu falar em regiões demarcadas.

Assim sendo, e porque ninguém estava a infringir a lei, cada produtor ou empresa podia editar o seu vinho (seu ou comprado) sem ter sequer de dizer de onde ele era originário. Refiro aqui o “vinho comprado” porque muitas empresas eram sobretudo armazenistas, ou ajuntadores, se lhes quiserem chamar assim, porque vendiam vinho que compravam já feito ou a produtores individuais ou a adegas cooperativas.

Não esqueçamos que o movimento cooperativo arrancou em força nos anos 50 do século passado e isso mudou, e muito, o vinho português. Pode mesmo falar-se de um “antes” e um “depois” da criação das adegas. A principal razão é o tegão único onde cada viticultor passou a despejar as suas uvas – por muita originalidade que pudessem ter, tal deixava de ser tido em conta; depois, o próprio conceito de produção de uva mudou, estando agora todos mais interessados na quantidade e no grau e menos na qualidade ou originalidade. Foi assim, é história, e felizmente muito mudou desde então.

Todas as empresas (Caves) da Bairrada se inseriam neste grupo de compradores de vinho, abastecendo-se quase sempre na própria região e no Dão. A falta de regras permitia também que se misturassem vinhos do Dão com outros da Bairrada e, não juro que com todos mas com alguns sim, os Garrafeira eram muitas vezes vinhos que resultavam do lote das duas regiões.

Sem regras a servirem de empecilho, sem burocratas a embirrarem com o tamanho da letra dos rótulos e sem câmaras de prova lhes reprovassem os vinhos “por falta de tipicidade”, várias empresas foram editando vinhos que ficaram famosos e que ninguém sabia de onde vinham. É o caso dos famosíssimos Garrafeira da empresa C.R. & F. e os enigmáticos vinhos da casa José Maria da Fonseca, apenas identificados com uma sigla, cuja descodificação não era revelada.

O que começou como uma brincadeira, uma ideia original de António Soares Franco que em 1945 lançou o primeiro vinho com a letra P, tornou-se num enigma digno de livro policial. Foi a amizade com Álvaro Santos Lima, dono da Quinta da Passarela, a causadora de tudo. Em 45, Soares Franco comprou um tonel de vinho na quinta do Dão e depois do estágio considerado necessário, resolveu engarrafá-lo. Para não revelar a origem chamou-lhe apenas P. Seguiram-se muitas outras colheitas deste vinho (sempre estagiado no mesmo tonel) e a ideia de fazer vinhos que identificassem o local, o enólogo, a região ou a quinta e o modo de fabrico levou a que fossem então criadas inúmeras siglas.

Estávamos na época (dourada, dirão alguns) em que estas coisas se podiam fazer sem dar cavaco a quem quer
que fosse. Só a imaginação (nuns casos), o bom gosto (noutros) e a ousadia comandavam as decisões que se tornaram tão difíceis mais tarde quando se começaram a recusar rótulos porque Touriga Nacional estava escrito sem hífen e outras coisas importantíssimas, tão importantes que até me emocionam, só de pensar nelas.

Voltando aos nossos Garrafeira, aqui incluímos a lista possível que nos foi disponibilizada pela empresa de Azeitão, a quem agradecemos. Mas, para que o assunto não perca de todo o carácter encriptado, ficam aqui duas sugestões para os leitores: identificar as siglas que na empresa não há maneira de serem descodificadas porque não há ninguém que o saiba; e, em segundo lugar, acrescentar alguma que conheçam (melhor ainda se houver foto do rótulo) porque em Azeitão não se tem a certeza de que esta lista esteja completa. Creio que até na Casa José Maria da Fonseca iriam apreciar o contributo. Cá estaremos para dar conta da contribuição que quiserem dar. Aqui ficam então as siglas e respectivas descodificações. As que vão em branco, quem sabe, talvez o Dan Brown nos ajude…

Garrafeiras de José Maria da Fonseca (e outros que não eram Garrafeira)
TE – Tinto Especial, (Qta Camarate)
RA – Região Algeruz (Castelão areias)
CO – Clara de Ovo (Castelão calcários)
EV – Eng. Vieira (Azeitão)
AP – Alentejo Portalegre
AE – Alentejo Estremoz (Júlio Bastos, pai)
PN – Dão Penalva
DT – Dão Tondela
DS – Dão Silgueiros
CB – Cova da Beira (Fundão)
AC – Aveiras de Cima
VB – Bairrada (Vilarinho do Bairro)
DA – Dão Albuquerque (Ínsua)
MC – Maceração Carbónica (Azeitão)
CS – Bairrada (Souselas)
PT – ?
C – ?
Alguns brancos de experiências:
R – Riesling (Qta. Camarate)
S – Semillon, Sauvignon (Qta. Camarate)
ED – Eng. Domingos (Roupeiro, Azeitão)
V – ?

O brilho do Dão antigo

Uma prova de vinhos velhos do Dão reuniu vários amigos numa das mais conhecidas quintas da região. Foi um feliz e inesperado encontro entre estilos bem distintos de vinhos de uma época em que o Dão era líder entre as regiões vinícolas de Portugal.   O tema escolhido (e há sempre um diferente em cada […]

Uma prova de vinhos velhos do Dão reuniu vários amigos numa das mais conhecidas quintas da região. Foi um feliz e inesperado encontro entre estilos bem distintos de vinhos de uma época em que o Dão era líder entre as regiões vinícolas de Portugal.

 

O tema escolhido (e há sempre um diferente em cada um destes encontros) foi, como já se escreveu, “vinhos velhos do Dão”.

Cada conviva teria de levar uma ou mais garrafas de branco ou de tinto ou de ambos para o evento. E é sempre bom levar mais do que uma garrafa porque com vinhos velhos nunca se sabe e, por vezes, só à terceira rolha tirada podemos encontrar o vinho certo (as rolhas e o vinho velho têm uma relação bastante temperamental e são tantas as vezes que estão de acordo como aquelas em que não estão).

Começámos pelos brancos. Em prova, dos mais novos para os mais velhos, duas colheitas (2000 e 1999) de Malvasia Fina da Quinta de Cabriz, um Encruzado 1992 da Quinta de Carvalhais, um Constantino Escolha (Mesa Branco) sem data de colheita e um Porta dos Cavaleiros 1984.

Todos mostravam oxidação, em maior ou menor grau, e nada de muito entusiasmante até chegar o Porta dos Cavaleiros, um branco extraordinário, que revelou o belo e exótico passado vínico no Dão. Muito longe do registo actual de vinho branco, mostrou, além de uma excelente cor, uma complexidade e um carácter verdadeiramente brilhantes. Um dos convivas com mais cabelos brancos e mais memória lembrou que aquele vinho foi sempre assim, fantástico, a cheirar e a saber a vinho, longe dos registos mais “trabalhados” que hoje abundam por aí.

As Caves de São João, produtoras deste branco, abasteciam-se na época em cooperativas e casas particulares nas zonas de Vila Nova de Tazém, Penalva do Castelo, Sampaio e Silgueiros. Suspeita-se que este branco, pelo menos em parte, terá vindo da Casa da Ínsua mas, infelizmente, as Caves não faziam na época rastreio da origem dos seus vinhos, pelo que não é possível assegurá-lo.

No andar morno da prova este vinho teve o condão de acordar em mim o bichinho da curiosidade.

Depois mudámos para os tintos, os tintos que fizeram a fama do Dão de meados do século passado. Aqui dos mais velhos para os mais novos: Dão Federação 1971, Porta dos Cavaleiros 1975, Real Vinícola 1976, Dão Pipas 1980, Centro de Estudo de Nelas 1980, Garrafeira “P” (Passarella) 1984 (de José Maria da Fonseca), Sogrape Reserva 1985, Clube do Vinho Alcafache 1986, Quinta de Saes 1992, Quinta dos Carvalhais Touriga Nacional 1996, Castas de Santar Alfrocheiro Preto 1997, Borges Touriga Nacional 1999.

Divido os vinhos em dois grupos (quase todos com graus alcoólicos de 12% ou 12,5%): até 1985 e depois de 1985. Entre esta colheita e a seguinte (1986) tudo começou a mudar e a novidade das castas e novos métodos de fermentação animou e projectou todo o sector para novos paradigmas de vinho e mercado.

Importa rever a matéria, ou seja, o passado, para vermos se conseguimos ter de novo o Dão extraordinário que em tempos tivemos

Provados os vinhos, algumas decepções, principalmente nos vinhos do após 1985, menos frescos e complexos e com extracções por vezes deselegantes, e algumas e enormes surpresas no grupo até 1985, com 3 vinhos do “arco da velha”: Porta dos Cavaleiros 1975, com uma fibra “muscular” (tanino elegante) absolutamente fora de série; um Centro de Estudo de Nelas 1980 perfeito, com uma finura e complexidade raríssimas (por analogia ao antigo dizer que comparava os vinhos do Dão aos vinhos borgonheses, acrescento que só mesmo os melhores Borgonhas conseguiriam este feito), um daqueles raros néctares que mudam a nossa “cabeça”, leia-se “conceito de vinho”; e um Garrafeira P 1984, com uma elegância de extracção, frescura e profundidade muito difíceis de conciliar nos tempos modernos.

E escrevo esta crónica para bater nesta tecla: por que que razão o Dão já não faz vinhos assim?

Dominado pela extração, pela cor carregada, por poucas castas de clones selecionados e por teores alcoólicos elevados, aparte diversas exceções, o Dão que temos é bem diferente do Dão anterior a 1985. E ainda que haja vontade de mudar o figurino, como o mostram alguns vinhos menos alcoólicos e menos concentrados da nova onda de Dão, estão mesmo assim afastados destes três magníficos tintos. Importa rever a matéria, ou seja, o passado, para vermos se conseguimos ter de novo o Dão extraordinário que em tempos tivemos.

E se posso ajudar, pela minha parte ainda tenho duas garrafas de Centro de Estudos de Nelas 1980, que dormitam na minha garrafeira. Tenho quase 25 anos de escrita sobre vinho, pensava estar cada vez mais seguro do meu “conceito de vinho”, mas este tinto conseguiu mexer de novo as premissas e confesso que fiquei diferente depois de o provar. Muito honestamente, não esperava tanta elegância e tanta coisa boa num tinto de 1980. Absolutamente admirável (sem desfazer nos outros dois, claro está!).

Um futuro para alimentar

Oque achávamos que estava para chegar já se instalou e não nos resta se não tentar entender e ler os sinais a que por teimosia não demos a devida atenção. Temos de comer de forma inteligente e ter presente tudo o que se passa à nossa volta. É a proposta “from origin to original” que […]

Oque achávamos que estava para chegar já se instalou e não nos resta se não tentar entender e ler os sinais a que por teimosia não demos a devida atenção. Temos de comer de forma inteligente e ter presente tudo o que se passa à nossa volta. É a proposta “from origin to original” que o Vila Joya de Joy está a fazer.

 

TEM a certeza de que não é vegetariano? Eu gostava de responder energicamente “não sou”, mas depois da passagem do chef austríaco Paul Ivic pela Rota das Estrelas deste ano no Vila Joya, penso doutra forma. Ele próprio não é vegetariano, gosta de marisco, peixe e carne, mas aconteceu-lhe um dia voltar-se para os sabores e produtos da sua infância, deu-se bem com as experiências que fez com legumes, frutos e sementes e decidiu abrir o Tian, em Viena.

O guia Michelin disse sim, ganhou a sua primeira estrela e o caminho ascensional na difícil galáxia está traçado, não vai ficar por aqui. Nada que Alain Passard, três estrelas no parisiense Arpège, não tenha conseguido, mas sem a proteína animal no centro torna-se tudo muito mais difícil. Paul Ivic não só resolveu a complexa equação como conseguiu mais sabor nos seus pratos. E sabor representa prazer à mesa. Joy Jung, proprietária do Vila Joya, indigitou-o para integrar a lista de chefs que já estão a trabalhar o que vamos comer no futuro. Quando soube pareceu-me demasiado radical, um overkill mesmo, mas à mesa devemos estar em festa e tive a felicidade de fazer a experiência totalmente livre de preconceitos.

Três pratos dos oito servidos ficaram incrustados para sempre, considero-os verdadeiramente fundadores de uma nova proposta de sabor. O Jardim Zen, composto de aipo, caldo miso e yuzu, pelo incrível trabalho de extracção operado e pela contenção de cozeduras, casado, a propósito, com um chardonnay do Loire de grande talante. De referir, a propósito, que a pedido do sommelier do Vila Joya, Arnaud Vallet, os vinhos do jantar vieram todos da garrafeira do Tian, tal o acerto e complexidade das harmonizações. Um prato carinhosamente chamado Milho do Campo de Gailtaler, uma variedade que evoca a juventude do chef, com queijo dos alpes e lírio a complementar. Serviu-se um chardonnay austríaco da região de Burgenland. Finalmente, um prato dramaticamente baptizado como Sangue de Touro, conquistou-me o pouco que restava por conquistar, genial combinação de beterraba, melancia e levedura que dividiu muito as opiniões, especialmente na ponte com um não menos genial vinho austríaco, da zona do lago Neusiedler, um lote com Pinot Noir e outras castas, equilíbrio notável com o prato.

O dia seguinte foi marcado pelo jantar dos duas estrelas Michelin portugueses: Dieter Koschina pelo Vila Joya, Hans Neuner pelo Ocean, Benoit Sinthon pelo Il Gallo d’Oro, Ricardo Costa pelo Yeatman e José Avillez pelo Belcanto. O desfile de pratos e novas experiências impressionou-me pela solidez e pelo nível elevado a que se chegou em Portugal. A primeira perplexidade que me ocorre está relacionada com a elevada plataforma de qualidade a que se chegou. A outra é que provavelmente todas as estrelas que nos têm calhado devem-se ao labor do Vila Joya. O Peixe-galo com Cozido à Portuguesa e o Pombo Mineral, do chef Ricardo Costa, o Corneto de Presunto e a sobremesa de Chocolate e Tinta de Choco, do chef José Avillez, brilharam, mas há mais por detrás. Todos no geral brilharam e todos fazem brilhar todos.

Embora traga uma série de desafios no campo, é reverenciada logo que entra na adega. Na década de 70, a Touriga Nacional representava apenas 0,1% das plantações durienses

No momento em que escrevo esta crónica, estamos a duas semanas apenas de conhecer o guia Michelin de 2018 e as expectativas são naturalmente elevadas. É importante, contudo, constatar que não são as estrelas que movem cozinheiros e empresários, é antes a instalação da excelência e um certo colectivo uno que já tem vida própria e quer crescer de forma orgânica. O movimento iniciado por Joy Jung dá pelo nome de crEATivity, tem no meio o verbo “eat”, que quer dizer comer. Para nós, portugueses, “comer” tem uma dupla génese. Resulta por um lado do termo latino “comer”, etimologicamente na base por exemplo de palavras como comércio e que significa especificamente “fazer alguma coisa com alguém”; por outro, vem de “cum edere” – alimentar-se – edere – com alguém. O acto de comer é para nós também um acto de partilha, por isso temos a mesa como base de tantos actos. Por isso nos sentamos à mesa em família, trabalho, política e debate. Nutrimos a alma e o corpo e por isso é profunda a proposta de Joy.

O festival Tribute to Claudia, em memória de sua mãe, fundadora do Vila Joya, teve agora a décima e última edição. Foi uma viagem grande, possível apenas por quem alimenta a utopia de um mundo genuinamente melhor. Se forem como eu, que odeio despedidas, ponho os olhos no caminho criado. Conto muito com os talentos que povoam hoje as nossas cozinhas e acredito que a proposta regressiva os vai fazer encontrar os sabores autênticos, a que nem os antigos chegaram. A humanidade irá sempre alimentar-se e precisará sempre de se nutrir. Há que saber manter e melhorar os recursos disponíveis e está mais que visto que a boa cozinha é caminho. Só por acordar para isso, já valeu tudo a pena. Obrigado, Vila Joya.

Quatro tendências para 2018

O novo ano será o da confirmação de diversas tendências na vinha e no vinho. Umas serão conjunturais, transitórias. Mas outras poderão representar caminhos estruturantes para o vinho português.   OS apreciadores querem diferença e, por isso mesmo, as vinificações especiais estão na moda. O carácter de um terroir ou de uma casta já não […]

O novo ano será o da confirmação de diversas tendências na vinha e no vinho. Umas serão conjunturais, transitórias. Mas outras poderão representar caminhos estruturantes para o vinho português.

 

OS apreciadores querem diferença e, por isso mesmo, as vinificações especiais estão na moda. O carácter de um terroir ou de uma casta já não é suficientemente singular, e assim a adega assume-se como factor diferenciador. Brancos de curtimenta, vinificações com cachos inteiros, fermentações ou estágios em talhas de barro ou ovos de cimento, garrafas armazenadas debaixo de água ou embarcadas em “torna viagem”, tintos com 17% ou com 11% de álcool, as possibilidades são infinitas. E não é só o consumidor de nicho ou com muito dinheiro que aprecia a diferença. Quando se fazem 80 mil garrafas de um branco de Aragonez e se vendem em poucos meses, a diferença democratiza-se, deixa de ser um luxo.

As “castas região” começam a mexer. Num país que promove como mais-valia a disponibilidade de 250 castas autóctones e a arte do lote, não deixa de ser interessante assistir ao avolumar de monovarietais de castas identitárias de regiões. Falo de castas cujo nome/imagem está associado ao nome/imagem de uma região, e que fora dessa região ou são pouco utilizadas ou não têm estatuto de nobreza. É o caso de Antão Vaz/Alentejo (aqui ajudando a promover uma sub-região, Vidigueira), Baga/Bairrada, Encruzado/Dão, Jaen/Dão, Castelão/Setúbal, Rufete/Beira Interior, Síria/Beira Interior, Fernão Pires/Tejo, Avesso/Verdes ou até Ramisco/Colares, entre outras. É mais fácil “vender” uma casta ou uma região? Fica a pergunta.

A viticultura sustentável não é uma moda, antes uma necessidade

Paralelamente, e talvez paradoxalmente, crescem as castas viajantes portuguesas, ou seja, aquelas que se espalham a partir da sua região tradicional porque são adaptáveis a diferentes climas/solos e consideradas mais valia para qualquer região. Nem vale a pena falar da ubíqua Touriga Nacional. Mencione-se antes as cada vez mais transregionais Alvarinho, Viosinho, Touriga Franca (aqui com alguns erros de casting, pois não é assim tão adaptável), Verdelho, Gouveio, Loureiro ou a “nossa” Alicante Bouschet. Se às portuguesas mais viajadas juntarmos as “globetrotter” internacionais, na maior parte das regiões é um exercício quase impossível adivinhar o que está dentro da garrafa.

A viticultura sustentável não é uma moda ou uma tendência, antes uma necessidade. E uma necessidade de que muitos produtores estão conscientes, sobretudo aqueles que querem deixar algo para as gerações vindouras (as suas e as dos outros). A protecção integrada, a produção integrada, a produção orgânica e, até, a biodinâmica, são distintas formas de procurar solucionar um problema. Os meios podem ser mais ou menos radicais, mais ou menos cumpridos ou assumidos, mais ou menos comunicados, mas o objectivo é apenas um: criar um modelo de produção sustentável, o mais possível amigo do ambiente, que promova a biodiversidade e a preservação dos solos. Que garanta o futuro, no fundo. Proteger a natureza custa dinheiro e o consumidor (ainda) não está disposto a pagar mais por isso, é verdade. Mas este é um dos raros casos em que a produção está à frente do mercado e há cada vez mais produtores a cuidar do ambiente porque acham que é o correcto, não porque daí advenham vantagens comerciais imediatas. Só posso aplaudir.

O Porto que (não) queremos

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.   HÁ POUCO mais de um […]

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.

 

HÁ POUCO mais de um mês estive num jantar organizado pela Sogrape, para a apresentação dos seus Vintages de 2015. A refeição foi exclusivamente acompanhada por Vinho do Porto, uma opção arriscada mas que, graças ao elevado nível dos vinhos e ao cuidado do chef Marco Gomes na sua harmonização, resultou plenamente. O enólogo Luís Sottomayor justificou a opção pouco comum como uma forma de chamar a atenção para o Vinho do Porto, injustamente relegado para segundo plano pelos consumidores nacionais. Se olharmos para os números, a preocupação com o baixo consumo de Vinho do Porto entre os portugueses pode parecer descabida. As estatísticas até são positivas, revelando o Porto em crescimento no mercado nacional. Não esqueçamos, porém, que os números também nos dizem que Portugal é, desde 2015, o país do mundo com maior consumo de vinho per capita. Como é que toda a gente desatou a beber vinho desenfreadamente e ninguém deu por isso? A resposta está no turismo. O salto no consumo coincide com o boom do turismo e Portugal recebe hoje, anualmente, o equivalente ao dobro da sua população em turistas. Que, felizmente, também bebem (muito) e apreciam (muito) os vinhos portugueses.

Não é possível tirar os turistas das estatísticas de consumo e, assim, para avaliar o comportamento dos portugueses perante o Vinho do Porto, só nos podemos guiar por aquilo que nos transmitem as pessoas, começando por quem vende (restaurantes e lojistas) e terminando no mais importante, quem bebe. E aquilo que as pessoas nos dizem não é animador. Regra geral, o consumidor português, mesmo o mais esclarecido e exigente, tem uma relação distante com o Vinho do Porto.

Não é preciso um momento especial para abrir uma garrafa de Porto

Eu vejo isso no meu próprio círculo de relações. Há 10 anos era constantemente solicitado para dar dicas sobre os melhores Vintage para comprar. Nos últimos tempos, as solicitações já não passam pelo Porto. E porquê? Porque cada vez bebem menos Porto e os vinhos em stock nas garrafeiras domésticas são mais do que su cientes para o baixo ritmo de consumo. Estarei a exagerar? Aqueles que fazem o favor de me ler que respondam: em média, quantas garrafas de Porto abrem por mês? Duas? Uma? Menos do que isso?

E aqui, coloco a questão: o que fazer para mudar estes padrões de consumo? Não tenho respostas concretas, mas acredito que a solução passará por dois níveis de intervenção. As organizações do sector (IVDP, associações de produtores e exportadores, empresas) deverão simplificar e comunicar muito mais e melhor um vinho que é bastante complexo em termos de categorias, tipos, designações, difícil de explicar e de entender. Mas a verdadeira mudança deverá começar no comportamento de cada um de nós, enquanto consumidores exigentes e líderes de opinião (pelo menos na nossa roda de amigos). O Porto de qualidade está cada vez melhor e mais acessível, como mostram os excelentes LBV que provámos nesta edição da Grandes Escolhas. Não há que inventar desculpas para não abrir uma garrafa de Porto. E não são precisos pretextos ou momentos especiais para o fazer. Vamos a isso?

Do silêncio e do tempo e da falta de ambos

Há lugares que nos adoptam sem condições e que numa certa altura da vida parecem moldar-se de tal forma a nós que nos dão a impressão de existirem para nosso exclusivo usufruto. O mundo mágico dos cafés e do prazer de estar.   PASTELARIA Mimo, na Avenida Duque de Ávila, ao pé do Instituto Superior […]

Há lugares que nos adoptam sem condições e que numa certa altura da vida parecem moldar-se de tal forma a nós que nos dão a impressão de existirem para nosso exclusivo usufruto. O mundo mágico dos cafés e do prazer de estar.

 

PASTELARIA Mimo, na Avenida Duque de Ávila, ao pé do Instituto Superior Técnico, onde passei grande parte do meu tempo no segundo ano a estudar, quando não estava no Núcleo de Arte Fotográfica quando não estava a fazer trabalhos de revelação para fora. Apanhei uma vez dois alunos a conversar um com o outro sobre teoria da relatividade por mais de uma hora, até perceber que nenhum dos dois sabia do que falava, eram apenas dois tolos na mesma jangada, a usar a asneira como força motriz.

O livro a que me entregava naquele instante era de física, as “Aulas de Física de Feynman”, um trabalho colossal de divulgação e generosidade por parte do Nobel americano da Física que inventou a cromodinâmica quântica. Tinha conhecido o professor Mariano Gago, naquela altura tinha criado uma turma especial de física de partículas e, apesar de o meu assunto favorito ser acústica, vim a mudar para engenharia física no terceiro ano, logo que o curso foi criado. Foi um conselho sábio, o de viver intensamente a academia, e que segui à risca. De cada cadeira que começava, lia o livro como se fosse um romance, de fio a pavio, só depois o utilizava como manual. E aproximei-me sempre dos melhores, para os ouvir de viva voz e frequentava as aulas deles como se estivesse num retiro espiritual. Dava-me muito trabalho e tirava-me muito tempo, mas nunca consegui fazer doutra forma.

Nos três anos de física tecnológica o Técnico transformou-se para mim num prazer indizível de encontro diário e convívio científico vivo. Os cafés eram a grande plataforma de sustentação da aventura que era um novo assunto, uma nova cadeira, um novo trabalho. Não sei como a pastelaria Capri, na Avenida de Roma, me deixou usar tantas horas seguidas uma mesa, não tenho forma de agradecer a simpatia com que os funcionários da biblioteca da Gulbenkian sempre me ajudavam a encontrar um lugar onde o ar condicionado não fosse demasiado forte para a brutal sinusite de que então sofria. Assim como não consegui nunca perceber por que nunca consegui sequer ler uma página de um livro na biblioteca do Técnico nem por que nunca entrei na Biblioteca Nacional.

Mas é tudo o mesmo e um só fenómeno, o silêncio. Não o de emudecer tudo e todos, mas o de estar em sintonia com o meio e o meio comigo. Em tudo o que faço no vinho e na comida tenho chegado à conclusão de que continuo a aplicar o método. As conversas de café são tanto ou mais importantes do que então eram. Os empregados que neles o ciam é que já não são daqueles que gostavam de nos ver ali todos os dias. Entrar com um livro para ler pode hoje ser decepcionante e não tenho como explicar que preciso absolutamente de o fazer, como preparação para um trabalho ou nova área que esteja a abordar.

Faz-me falta o caos e frenesim dos cafés onde se entra e sai sem ser notado, há um silêncio interior que de certa forma me embala. E sempre um ou dois acontecimentos inesperados desencadeiam novas descobertas, assim como sempre um ou dois encontros inesperados ajudam a criar o desejado caos e que acaba por ter o inefável efeito de ajudar à concentração. O conhecimento não vive mais em torres de marfim, e encerrados em quatro paredes dificilmente crescemos, quando esse é o maior, se não único, imperativo de consciência. As listas, as pontuações, os guias, as provas, as visitas, todas terão sido em vão se não tiverem tido na base o sentido do novo e da descoberta.

Partilhar a mesa com personalidades do mundo do vinho e gastronomia deu-me ao longo dos anos as maiores alegrias. Não tenho ainda a idade su ciente para ter direito a escrever sobre elas, chegará o tempo em breve e logo poderei reviver esses momentos memoráveis. Ainda estou imerso no exercício da actividade e sei que não chegarei onde queria chegar, implicaria sair muitas vezes, ir longe e voltar de terras distantes, experimentar os sabores, tocar nas texturas e sentar-me a mesas de muitas lógicas diferentes para que eventualmente me desse por satisfeito.

A lucidez e as mesas de café ajudam-me a perceber o muito que está ainda por fazer. Tenho os meus episódios felizes com os mais sábios dentre os sábios, mas não é coisa que se coleccione nem acumule, é importante a transformação que se dá em nós. Numa visita recente a uma escola de hotelaria, surgiu a pergunta inevitável sobre o que é preciso estudar para ser crítico de vinhos e comida. Acontece a todos com certeza não ter palavras por vezes para responder cabalmente ao que se pergunta, mas a verdade é que não tenho a resposta. A experiência da academia não está mais confinada hoje a um espaço físico apenas e a informação ui por toda a parte, cobrindo temas e mil assuntos derivados. Disse àquele aluno o que passarei sempre a dizer. Uma crítica é uma peça literária, ela própria sujeita ao crivo da crítica. O domínio da língua é, não tenho dúvida, o grande activo de quem escreve, pensa e fala. Logo a seguir, procurar provar e experimentar tudo o que a proximidade nos permite e estudar os assuntos que a nossa curiosidade nos mostra. O café ainda existe e tem muitas mesas. É preciso prosseguir e permanecer. Que o método é infalível.