Antes, durante, depois

Editorial da revista  nº38, Junho 2020

Escrevo estas linhas pouco mais de 24 horas após ter terminado o chamado confinamento. Ou, melhor dito, um dia depois do início da primeira fase do desconfinamento. No que ao mercado do vinho respeita, sabemos como foi o antes, estamos agora a analisar o que se passou durante, e não temos qualquer indicação sobre o que acontecerá depois. Mas, entretanto, surgiram interessantes estudos de mercado que nos ajudam a perceber (e tentar antever) o comportamento dos consumidores em diferentes países. 

Luís Lopes

Ao longo destes últimos dois meses, fechado em casa, tenho falado diariamente com inúmeros produtores de vinho, grandes, médios e pequenos, especializados em diferentes mercados e segmentos de preço, e a unanimidade é impressionante relativamente a um dado em particular: até ao estado de emergência decretado a 18 de março, o primeiro trimestre do ano estava a ser o melhor de sempre em termos de facturação para o mercado interno e externo. Tão positivos foram os números que, apesar da quase total ausência de negócio nas últimas duas semanas do mês, o rótulo de 1º trimestre campeão” não lhe pode ser retirado. Mas isso foi o antes. E o antes já é história. 

Quanto ao durante, esse vai durar até uma relativa normalidade ser reposta. Mas tive acesso a alguns estudos de mercado que ajudam a perceber em que ponto estamos. Talvez o mais interessante de todos seja o promovido pela European Association of Wine Economists (EuAWE), da qual faz parte a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), através do Prof. João Rebelo. A 17 de abril foi lançado um inquérito em 8 países (Espanha, Bélgica, Itália, França, Áustria, Alemanha, Portugal e Suíça) para determinar como a crise da Covid-19 afeta o comportamento dos consumidores europeus de vinho. Apesar de o inquérito ter terminado apenas a 10 de maio, a 30 de Abril existiam já dados que permitiam conclusões “estatisticamente robustas” em Espanha, França, Itália e Portugal, com base em 6600 respostas de consumidores de vinho e bebidas alcoólicas.  

Eis alguns dos dados mais impactantes recolhidos pelo estudo da EuAWE. Nos quatro países, a frequência do consumo de vinho aumentou acentuadamente com o confinamento, ao passo que caiu para a cerveja e, ainda mais, para as bebidas espirituosas. O preço médio de compra do vinho diminuiu significativamente. Os supermercados continuam a ser o principal canal de distribuição. O e-commerce cresceu muito, ainda que partindo de uma base reduzida: 80% dos inquiridos continuam a não fazer compras on-line, mas 8,3% dos italianos, 6,6% dos espanhóis, 5,2% dos portugueses e 4,6% dos franceses compraram vinho pela primeira vez via Internet; os stocks pessoais levaram um rombo – as garrafeiras de casa têm sido o principal vector para aumentar a frequência do consumo de vinho. Registou-se uma explosão das “provas digitais”, especialmente entre os franceses, com quase metade dos inquiridos a referir ter experimentado esta forma de degustação. Outras fontes confirmam o padrão. A fiável Wine Intelligence, relativamente aos EUA e ao Reino Unido (o estudo relativo a Portugal chegou-me depois do fecho desta edição), aponta para mais consumo em casa, mas compras a preços mais baixos.  

E quanto ao futuro a curto prazo, aquilo que vem depois? Bom, também aí o estudo da EuAWE deixa algumas pistas. Por exemplo, 70% dos inquiridos consideram que é necessário favorecer a compra de vinho local, o que é consistente com a tendência, que já se esboçava antes da crise, de privilegiar circuitos curtos na indústria alimentar. Três quartos das pessoas pensam que deixarão de lado as provas on-line. Por outro lado, é possível prever alguma retoma na compra de vinhos mais ambiciosos, para repor o stock das garrafeiras pessoais. Já a Wine Intelligence refere que cerca de 40% dos consumidores norte-americanos inquiridos disseram que teriam menos probabilidade de ir a um restaurante nos tempos pós confinamento. E mostram-se bastante cautelosos relativamente às finanças domésticas e à ideia de embarcar num avião. Mas nem tudo está perdido. Ao que o estudo indica, a intenção parece ser substituir grandes luxos, como férias no estrangeiro, por pequenos luxos, como uma garrafa de vinho de melhor qualidade. O desafio está em fazer com que esse vinho seja português… 

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