Peter Eckert: o autodidata da Quinta da Marias

Peter Eckert veio pela primeira vez a Portugal de férias, logo a seguir ao 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos ainda se fazia sentir nos rostos dos portugueses. Gostou tanto que quis voltar, o que fez em trabalho, quando veio gerir a Companhia de Seguros Metrópole, hoje Zurique, no nosso país. Oito anos […]
Peter Eckert veio pela primeira vez a Portugal de férias, logo a seguir ao 25 de Abril, quando a Revolução dos Cravos ainda se fazia sentir nos rostos dos portugueses. Gostou tanto que quis voltar, o que fez em trabalho, quando veio gerir a Companhia de Seguros Metrópole, hoje Zurique, no nosso país. Oito anos de trabalho intenso, que o levaram aos quatro cantos do país, reforçaram as suas ligações ao território e às suas pessoas. De tal forma que decidiu investir num terreno na região do Dão, onde pretendia passar a reforma com sua mulher Elisabeth. Pelo menos parcialmente, já que hoje, 15 anos depois de se ter jubilado da sua companhia, reparte o seu tempo entre a Suíça e a casa beirã onde possui 12 hectares de vinha. Ela estava lá, abandonada, quando comprou a primeira parcela de terra. Talvez por isso tenha decidido substituí-la por uma vinha nova, naquela altura com dois hectares, e começar a produzir vinho. Com muito experimentalismo à mistura, alguns erros pelo meio e muito estudo em livros da especialidade, o proprietário da Quinta das Marias foi produzindo vinhos com qualidade crescente, até se tornar uma referência incontornável entre os vinhos do Dão. O seu Touriga Nacional é, talvez, o melhor exemplo disso. Mais recentemente, a entrada do enólogo Luís Lopes, o actual responsável pela produção de todos os vinhos desta casa, veio acrescentar um toque ainda mais experimentalista, naquilo que tem sido a essência e, talvez, a principal razão do sucesso desta empresa familiar.

Tudo começou na Índia
Peter Eckert nasceu em Fevereiro de 1945 em Berna, na Suíça, “no mesmo sítio e ano do nascimento de D. Duarte, o duque de Bragança”, como gosta de salientar. Trabalhou durante muitos anos na companhia de seguros Zurique, para onde veio como gestor em 1980, quando ainda se chamava Metrópole em Portugal. Mas conta que a primeira vez que ouviu falar do nosso país foi há muito mais anos.
Aconteceu em 1967, quando fez uma viagem entre a Suíça e a Índia num Citroen 2CV, atravessando a Turquia, Irão e Afeganistão antes de entrar na Índia pelo Nepal. Depois percorreu o país até ao sul, onde se cruzou com um padre, de que não se lembra o nome, que o incentivou a rumar a Goa, “por ser um lugar fantástico”. E foi o que fez.
Depois de ter entrado na cidade pelo sul, esteve por lá durante duas semanas a conhecer as suas pessoas e recantos antes de reiniciar a viagem. Durante esse tempo foi, entre outras coisas, convidado por locais para frequentar o Clube Vasco da Gama, onde lhe contaram como era a vida no tempo em que Goa ainda era portuguesa e ouviu pela primeira vez cantar fado. “Naquela altura, as pessoas de lá ainda viviam como se o território pertencesse a Portugal, apesar de isso não acontecer, e algumas diziam-me que o seu único sonho era visitar Lisboa”, conta. Diz, também, que foi durante esse período que se interrogou, pela primeira vez, como é que um país tão pequeno como Portugal, com uma população mais ou menos semelhante à da Suíça, deixara marcas tão profundas em Goa, que as pessoas até falavam de forma completamente diferente do resto dos indianos. Foi algo que o deixou curioso, e com vontade de conhecer Portugal, que visitaria apenas em 1974 pela primeira vez. Dessa altura, quando tinha acabado de acontecer a Revolução dos Cravos, Peter Eckert lembra-se “da alegria das pessoas por se sentirem livres”, e nunca esqueceu a canção Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, talvez por a ter escutado tantas vezes.
O início da história no Dão
Em 1980 veio para Portugal gerir a seguradora Metrópole e diz que aproveitou bem a estada de oito anos no país. “Fiz mais de 60 mil quilómetros nas estradas portuguesas para visitar os agentes da empresa”, revela, explicando que “é importante fazê-lo, porque são eles que vendem e distribuem os seguros”. Acrescenta que gostou muito, e ainda gosta, de viver em Portugal, onde construiu amizades que ainda perduram. De tal forma que pediu ao delegado da Metrópole em Viseu, quando foi transferido para a Austrália, para lhe procurar um terreno na região para passar a sua reforma.
Alguns anos depois, quando voltou à Suíça para ocupar um lugar na Direção Geral do Grupo Zurique, perguntou-lhe se tinha encontrado alguma propriedade. E ele respondeu-lhe que tinha uma pequena quinta para ele, cujo terreno e a casa estavam abandonados. A aquisição deu início à história da produção de vinhos de Peter Eckert no Dão, naquela que se tornou a Quinta das Marias, por ser o nome comum da mulher Elisabeth e das suas filhas Ester, Isabel e Julia.
A propriedade estava abandonada e era preciso remover a vegetação que a cobria e lavrar a terra. Por isso, a primeira coisa que fez foi comprar um tractor. Mas precisava que alguém o conduzisse. Após algum tempo, encontrou quem o fizesse na junta de freguesia local, António Lopes. E foi ele que realizou os trabalhos de surriba para a plantação da vinha da Quinta das Marias, que deu origem às primeiras uvas dois anos depois. “Foi nessa altura que construi a primeira adega, aquela onde fica hoje o enoturismo, que tinha uma cave onde ficavam os lagares e as cubas de inox”, conta Peter Eckert, que vivia na altura na Suíça, onde trabalhou até 2007, ano em que se reformou. Hoje todos os trabalhos de vinificação, estágio e engarrafamento são feitos numa outra, a pequena distância deste edifício. Naquela altura o gestor vinha a Portugal sobretudo durante as férias, com a família, deixando os cuidados das vinhas a António Lopes, e a supervisão da evolução dos vinhos ao enólogo António Narciso.
Os primeiros destaques
No ano em que se reformou, quando decorreu uma prova de vinhos do Dão em Lisboa, decidiu estar presente, com a sua mulher, a representar a sua casa. Era a primeira vez que o fazia e, por isso, estranhou que a sua mesa fosse frequentada por muito mais pessoas do que as suas vizinhas. Depois soube que o director de uma das revistas da especialidade tinha indicado, a sua mesa, como aquela onde se encontrava o melhor Touriga Nacional do Dão. “Isso deu-nos um grande empurrão, até porque a seguir fomos a Descoberta do Ano da revista e muita gente começou a falar da Quinta das Marias, aumentando o interesse do público pelos nossos vinhos”, diz. Outro contributo, este para o seu sucesso na Suíça, foi um artigo publicado por um jornalista do país num dos principais jornais de Zurique, o Tages-Anzeiger, que o destacou também a seguir ao prémio atribuído, no Concurso organizado pela ViniPortugal, em 2014, para o seu monocasta de Touriga Nacional Reserva de 2011. “Fiquei muito surpreendido, porque nunca tinha esperado uma coisa destas na minha vida”, diz, com convicção, salientando que este prémio contribuiu para que tenha hoje sempre a sala cheia quando faz uma apresentação dos seus vinhos no seu país.
Quando começou a sua aventura no Dão não percebia nada sobre a cultura da vinha e a produção de vinho. E, por isso, acreditou naquilo que os vizinhos lhe contaram, “que toda a gente da região sabia fazer vinho” e pôs mãos à obra. Só que se esqueceu de perguntar “qual era o vinho?” e o resultado do primeiro empreendimento “foi um carrascão terrível, muito mau, com muita acidez”. Então, decidiu aprender a fazer estudando e experimentando. Comprou muitos livros sobre o tema, leu-os, e foi aprendendo também com as conversas que ia tendo com António Narciso, então um jovem enólogo da Adega Cooperativa de Nelas. Numa delas “disse-lhe que iria fazer os vinhos como queria, porque pretendia experimentar, mesmo que ele não estivesse de acordo com isso, e que não o iria responsabilizar se as coisas corressem mal”. E foi assim que foi fazendo os seus vinhos durante muitos anos, sozinho, com o apoio de António Narciso.
Tintos famosos na Suíça
António Lopes tratava da terra, cuja área foi crescendo à medida que o suíço ia comprando mais terrenos à volta dos quatro primeiros hectares, que se transformaram em 12. A vinha, essa, foi plantada entre 1991, a mais velha, e 2006, a mais recente. Na pequena parcela inicial plantou Encruzado, Malvasia Fina, Bical e Cerceal-Branco. Também plantou Touriga Nacional, que hoje representa cerca de 60% do encepamento, Alfrocheiro, Jaen e Tinta Pinheira, que arrancou cinco anos mais tarde, “porque dava muito mosto e originava vinho de fraca qualidade”. Para a substituir, escolheu Tinta Roriz.
Das 60.000 garrafas produzidas anualmente, a Quinta das Marias vende hoje cerca de 40% em Portugal, sobretudo em Lisboa e na região onde está sediada. Outros 30% vão para o mercado suíço e o remanescente para a Bélgica, Canadá, Macau. “Vendia um pouco também para o Brasil, mas cortei por causa da instabilidade do país”, diz. Conta também que as vendas para o seu país começaram através dos seus conhecimentos pessoais e que hoje referências como o Cuvée TT e monocasta Touriga Nacional são um sucesso naquele mercado.
Desde o início, Peter Eckert diz que procurou produzir apenas vinhos de segmento superior, o que se reflecte nos preços de venda à porta da adega. Os mais baratos, o monocasta de Encruzado e o tinto de lote, custam 10 euros, enquanto o Crudos, “um vinho feito com base numa filosofia diferente”, custa 30. “Para além do tinto de lote, um vinho típico do Dão, tinha os monocastas de Alfrocheiro, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Cuvée TT. De vez em quando fazia um Garrafeira”, conta.
Hoje, quando passa metade do tempo na Suíça e outra metade em Portugal, confia todo o aparelho produtivo à sua equipa de cinco pessoas, entre eles Luís Lopes, o enólogo residente, e Victor, o filho de António Lopes, que é hoje responsável pela produção. Para si deixou a visita a clientes e distribuidores e o marketing da empresa. Já a caminho dos 80, mantém o entusiasmo da primeira hora: “Quero ficar aqui, a fazer vinho no Dão, por muito mais tempo…”, remata com um sorriso.
Um desafio para Luís Lopes
A trabalhar na Quinta das Marias desde 2018, Luís Lopes conta à Grandes Escolhas que foi com muito respeito por todo o trabalho até aí realizado que aceitou o desafio de Peter Eckert para trazer uma nova visão enológica para a empresa. Após provar todas as referências, fez uma proposta com o que sugeria manter e o que achava se podia fazer de diferente. Foram assim mantidos os monocasta Encruzado e Touriga, os vinhos de maior sucesso da casa, tal como o Cuvée TT e o Alfrocheiro. Depois foi criada a linha Out of The Bottle, que permite, ao enólogo, experimentar e fazer um estudo mais aprofundado sobre as variedades plantadas na vinha. Também para Luís Lopes, o factor que diferencia uma casa pequena e familiar como a Quinta das Marias é a qualidade. “Mas não pode ser excessivamente padronizada, porque há pequenas variações nos vinhos conforme decorrem os anos, mas também na maneira como os pensamos e fazemos”, explica, defendendo que “até é bom que haja alguma variação”. Nas duas gamas que esta casa comercializa, o Quinta das Marias é mais consistente no perfil, depende do clima de cada ano. A Out of The Bottle muda um pouco mais, porque resulta de ensaios que faz e considera importante comunicar. Diz que gosta de os explicar, “de escutar as críticas”, para que quem os aprecia conheça qual é o processo criativo e de aprendizagem que lhes dá origem.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)
Grande Prova: Tintos do Dão – Touriga e mais além

A região do Dão é das mais clássicas e respeitadas em Portugal. O próprio nome Dão (que se refere a um rio…) é uma marca que qualquer consumidor imediatamente identifica como região de vinho. Parece que não, mas isso não sucede com todas as regiões portuguesas… Tal reconhecimento resulta, sobretudo, de séculos de produção de […]
A região do Dão é das mais clássicas e respeitadas em Portugal. O próprio nome Dão (que se refere a um rio…) é uma marca que qualquer consumidor imediatamente identifica como região de vinho. Parece que não, mas isso não sucede com todas as regiões portuguesas… Tal reconhecimento resulta, sobretudo, de séculos de produção de vinho afamado. Reza a história, que antes da partida dos portugueses para a conquista de Ceuta, foi servido vinho do Dão nos luxuosos festejos organizados pelo Infante D. Henrique em Viseu… Uma coisa é certa: já no século XIX, a exportação para França e Brasil de vinhos produzidos na área que hoje conhecemos como Dão superava a de outros territórios vitivinícolas portugueses (com excepção do vinho do Porto, claro). Os consumidores reconheciam autenticidade e qualidade no vinho do Dão, e a região cedo se assumiu como das mais reputadas a nível nacional para a produção de vinho. Prova também do sucesso na comercialização, é a existência de registos que relatam que os vinhos ali produzidos eram, muitas das vezes, comercializados a preços mais elevados que a média nacional, sobretudo após alguns desses vinhos terem obtido distinções nas grandes exposições nacionais e internacionais da altura, em Lisboa, Londres, Berlim e Paris. Igualmente demonstrativo da vetustez da fama dos vinhos do Dão, é que a região foi estabelecida, formalmente, no distante ano de 1908 (mais de 110 anos de história, portanto!), sendo que dois anos mais tarde foi aprovado o regulamento para a produção e comercialização dos vinhos aí produzidos. Com esta decisão, o Dão integrou (com Vinhos Verdes, Colares e Bucelas) o primeiro grupo de regiões de vinhos não licorosos a serem demarcadas e regulamentadas no nosso país. Algumas décadas volvidas, e a região do Dão já beneficiava da presença de produtores de renome, sendo que algumas propriedades eram vistas como pioneiras e mesmo modelo a nível nacional, caso da Casa da Ínsua, Conde de Villar Seco, Conde de Santar ou José Caetano dos Reis.
A região do Dão é delimitada a sul por Arganil e a norte por Aguiar da Beira, num total de 388 000 hectares, sendo que 18 000 hectares se encontram plantados com videiras, dos quais 13 500 é vinha aprovada para DO Dão e IGP Terras do Dão. Ao nível do relevo, tem como principal característica o facto de ser circundada por um conjunto de grandes serras — a poente encontra-se a serra do Caramulo, a sul o Buçaco, a norte a serra da Nave e a leste a imponente Estrela —, que a protegem das influências exteriores ao constituírem uma barreira às massas húmidas do litoral ou aos agrestes ventos continentais da não distante Espanha. Com solos generalizadamente graníticos, divide-se por 7 sub-regiões, desde a solarenga Silgueiros até à invernosa Serra da Estrela. O acidentado do terreno — marcado pela passagem de três rios importantes, o Dão, o Mondego e o Alva — e o tecido económico-social potenciam o minifúndio. O cultivo da vinha está bem implementado na região, e é muito disperso, ainda que nem sempre facilmente visível devido às muitas manchas de floresta (com o eucalipto bem presente) e de rocha granítica, com algum afloramento de xisto no sul da região. O clima, muitas vezes (incorretamente) apelidado de mediterrânico é sim temperado nas estações intermédias como Primavera e Outono (com temperatura média por volta dos 16-18ºC), sempre com bons níveis de precipitação (média entre 1200 – 1300 mm). Nas zonas mais altas, os Invernos podem ser rigorosos (com dias consecutivos de neve) e, nas mais baixas, o Verão pode ser caracterizado como seco, com vários dias com temperaturas acima dos 30ºC, mas beneficiando quase sempre de noites relativamente frescas. A vinha está, como acima referido, bem disseminada pela região e, no que toca a altitude, situa-se entre os 200 e os 800 metros, sendo que é entre os 400 e os 500 metros que vegeta em maior quantidade.
Passado, presente e futuro
Com um passado tão glorioso e condições naturais tão específicas, não espanta que o presente seja risonho e o futuro promissor. Depois das últimas décadas do anterior milénio terem sido menos fáceis, período em que outras regiões nacionais despontaram e se consolidaram, a segunda década do novo milénio (2010-2020) revelou uma renovação do Dão assente em investimentos recentes, sendo disso bom exemplo as históricas Quinta da Passarella (destaque para a enorme recuperação das vinhas e do património edificado), e Taboadella (com uma das adegas mais bonitas do país). Mas não só, falamos também do projeto MOB (dos enólogos durienses Jorge Moreira, Xito Olazabal e Jorge Serôdio Borges), da Niepoort que adquiriu a Quinta da Lomba, da Quinta da Alameda, da Quinda da Sancha, do projecto Textura Wines, entre outros. Com esses investimentos vieram enólogos de outros pontos do país para a região, que se juntariam a uma nova fornada local. Tanto assim é que, hoje no Dão, nomes como Paulo Nunes, Nuno Mira do Ó, Jorge Alves, Luis Lopes, Luis Seabra, João Cabral de Almeida, Mafalda Perdigão ou Pedro Ribeiro juntam-se a quem há mais tempo oficia por estas terras, casos de Nuno Cancella de Abreu, Manuel Vieira, Carlos Lucas, Sónia Martins, Osvaldo Amado ou Paulo Narciso, entre outros. Com efeito os, investimentos recentes muito beneficiaram da fundação de um Dão moderno, que em muito deve a produtores e cooperativas que se modernizaram precisamente no final dos anos ’90, caso da UDACA, Global Wines, Quinta dos Carvalhais, Casa Agrícola de Santar, Lusovini, União Comercial da Beira, ou Adega Coop. de Penalva do Castelo, entre outras. Não espanta, assim, que, de forma progressiva, os excelentes vinhos do Dão sejam cada vez mais valorizados, dentro e fora do país, na senda do que o eram há décadas. Por falar de estrangeiro, em 2022, os vinhos da região demarcada do Dão tiveram um aumento do volume de vendas de mais de 18%, e de 16% no preço medio, (dados do INE), muito acima da média nacional. Ainda quanto ao ano transacto, falamos de mais de 24,5 milhões de euros de facturação, com as vendas para o estrangeiro, tendo como principais mercados de destino o Canadá, a Alemanha, os Estados Unidos da América, a Bélgica e o Brasil.
A prova: as castas e os vinhos
Um dos aspectos mais interessantes do painel foi constatar que os vinhos em prova, tanto de lote como monocasta, foram produzidos essencialmente com recurso a uvas das mesmas 3 ou 4 castas, todas autóctones e, com excepção da Tinta Roriz (e, cada vez mais, da Touriga Nacional), praticamente exclusivas da região. Por isso, quando fomos estudar os registos da CVR, os números e dados estatísticos não nos surpreenderam. Temos, portanto, as castas Jaen e a Touriga Nacional como as variedades tintas actualmente mais presentes no encepamento da região, seguidas de perto pela Tinta Roriz, sendo que Alfrocheiro, Baga e Rufete/Tinta Pinheira também marcam presença, mas a grande distância das anteriormente referidas. Ora, foi isso mesmo que encontrámos na nossa prova — essencialmente vinhos de lote e alguns monocastas de Touriga Nacional, de Alfrocheiro e até, mas menos, de Jaen. Isto quer dizer, também, que não provámos nenhum vinho que tivesse uva de castas “de fora” (com a potencial excepção de algum Alicante Bouschet presente em vinha velha…), o que, não sendo inédito no país, é de assinalar. Por falar em vinha velha, algumas existem com encepamentos muito antigos, onde encontramos castas como Alvarelhão, Castelão, Trincadeira, Uva Cão, ou Tinta Carvalha. Outro aspeto muito positivo que retiramos da prova foi constatar que, com algumas excepções, todos os vinhos se revelaram muito elegantes e com teores alcoólicos ajustados entre os 12,5% e os 14%. Quase sempre com perfis gastronómicos, acidezes média-altas e óptima frescura, muitos foram os casos de tintos a revelarem uma perfeita evolução em garrafa, seja com 5 anos de idade (jovens, mas já a dar boa prova), seja com 15 (ainda cheios de saúde). Com efeito, a fama da região na produção de vinhos macios e longevos ficou comprovada, com os néctares mais jovens a encontrarem-se austeros e profundos e os mais antigos a revelarem grande complexidade e elegância. A par da silhueta gastronómica, é impossível não destacar algum classismo no recorte dos vinhos provados, na medida em que estivemos, quase sempre, perante tintos de boa concentração com barrica discreta e notas aromáticas clássicas na região, como seja aquelas derivadas de matizes florais maduras, como violetas e rosas, e as provenientes de sensações vegetais secas, como casca de árvore e caruma. Em conclusão, tivemos uma prova assombrosa na qualidade e consistência, na qual provámos alguns dos melhores tintos produzidos em Portugal e na qual também descobrimos grandes escolhas resultantes do binómio preço + qualidade. O facto acima destacado de os vinhos serem quase todos produzidos a partir das mesmas castas revela uma região orgulhosa das suas variedades e que privilegia as uvas mais bem-adaptadas ao território. Destapa-se, assim, uma região singular, com tanto de Velho Mundo como de novos desafios. Uma região única com vinhos maravilhosos!
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Quinta da Falorca Garrafeira Old Vines
Tinto - 2017 -
Tesouro da Sé Private Selection
Tinto - 2020 -
Quinta do Serrado
Tinto - 2019 -
Quinta do Cerrado
Tinto - 2018 -
Quinta da Cerca
Tinto - 2020 -
Quinta das Camélias
Tinto - 2020 -
Crono
Tinto - 2021 -
Casa do Castelo Premium
Tinto - 2020 -
Adega de Penalva
Tinto - 2016 -
Terras de Santo António
Tinto - 2017 -
Quinta dos Três Maninhos Premium
Tinto - 2020 -
Quinta dos Monteirinhos Manuel Chaves
Tinto - 2020 -
Quinta do Perdigão
Tinto - 2013 -
Quinta Dona Sancha
Tinto - 2019 -
Quinta da Ramalhosa VV
Tinto - 2017 -
Madre de Água
Tinto - 2017 -
Opta
Tinto - 2017 -
Dom Vicente Vinhas Velhas
Tinto - 2017 -
Alameda de Santar Parcelas
Tinto - 2017 -
Villa Oliveira
Tinto - 2017 -
Textura Pura
Tinto - 2020 -
O Estrangeiro
Tinto - 2021 -
Líquen
Tinto - 2020 -
Fonte do Ouro
Tinto - 2018 -
Quinta de Lemos Dona Santana
Tinto - 2005 -
Casa de Santar 8 Parcelas
Tinto - 2012 -
Cabriz 30 anos
Tinto - 2014 -
Allgo
Tinto - 2018 -
Teixuga
Tinto - 2017 -
Quinta do Soito
Tinto - 2015 -
Quinta da Vegia Superior
Tinto - 2015 -
Quinta da Lomba
Tinto - 2016 -
Pedra Cancela Amplitude
Tinto - 2016 -
Carlos Lucas Primos
Tinto - 2018 -
Taboadella Grande Villae
Tinto - 2019 -
Quinta dos Carvalhais Único
Tinto - 2017 -
MOB Gauvé
Tinto - 2016
(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)
Dom Vicente: Regresso às origens

Depois de muitos anos a viver em Angola, onde tem escritório, o advogado Vicente Marques, originário do Dão, decidiu, há quase sete anos, investir na produção de vinhos na sua terra. Hoje tem cerca de 100 hectares, duas adegas e produz também vinhos no Douro e no Algarve. Até agora, investiu cerca de 10 milhões […]
Depois de muitos anos a viver em Angola, onde tem escritório, o advogado Vicente Marques, originário do Dão, decidiu, há quase sete anos, investir na produção de vinhos na sua terra. Hoje tem cerca de 100 hectares, duas adegas e produz também vinhos no Douro e no Algarve. Até agora, investiu cerca de 10 milhões de euros.
Vicente Marques tem 56 anos. Nasceu no extremo oeste do concelho de Carregal do Sal, bem no seio da região do Dão, onde teve contacto com a terra desde tenra idade, numa região que praticava, na altura, principalmente uma agricultura de subsistência.
Vivia então com o avô, Manuel Vicente, já que o seu pai estava em França. “Sendo praticamente analfabeto, era uma pessoa com uma nobreza de caracter muito grande”, diz, acrescentando que ele e a avó são as grandes referências da sua vida. “Tudo o que possa fazer para os homenagear é muito pouco em relação ao que consegui colher dos seus ensinamentos”, explica, salientando que a vida que teve com eles até à adolescência contribuiu para ganhar um grande gosto pela natureza. E defende que, “embora o trabalho agrícola seja penoso e difícil, quando o fazemos com as pessoas certas pode tornar-se num momento de prazer”, acrescentando que era sempre com essa sensação que ficava quando estava com o seu avô. O nome Dom Vicente, que criou para a marca principal da sua empresa vitivinícola, a Artemis, é pois uma homenagem a Manuel Vicente.

Experienciando o mundo
Esteve ainda, um período curto em França, mas voltou e frequentou o liceu em Carregal do Sal. Foi depois para Coimbra, com o objetivo de estudar Economia no início da década de 80. Mas não foi isso que aconteceu, porque precisava de sair de Portugal. Sentia que “o país estava estagnado” e queria ir para longe, viver noutro continente.
Optou pelo Canadá, onde esteve durante oito anos. Por lá trabalhou na rádio, em televisão (chegou a ser produtor na MTV) e colaborou em alguns jornais. Após algum tempo por terras canadianas, Vicente Marques pensou que tinha de fazer mais qualquer coisa dali para a frente. Ou dava mais um passo na sua carreira, indo até Los Angeles, nos Estados Unidos, para estudar Media e Cinema, ou regressava às origens. Optou por voltar e regressou à universidade, mas para cursar Direito na Universidade de Coimbra, onde se licenciou e fez mestrado, sempre a trabalhar ao mesmo tempo. Pouco depois de perceber, através de conversas com colegas mais velhos, que o país se mantinha num ritmo lento, decidiu ir de novo para fora. Quando surgiu uma oportunidade para dar aulas na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em Angola, candidatou-se ao concurso público e foi um dos dois dos candidatos selecionados. E assim mudou de novo de continente. “Sempre tive um fascínio por África, apesar de não ter familiares lá e, por isso, queria passar pela experiência de lá viver e trabalhar”, conta.
A vida em Angola não foi fácil, no início, e era só possível numa zona um pouco mais alargada do que a cidade de Luanda, “porque a insegurança era muito grande a partir daí”. A morte de Jonas Savimbi, em fevereiro de 2002, deu origem ao início do processo de paz, e Angola começou depois um novo caminho. Vicente Marques conta que, na altura, “havia grande procura de serviços jurídicos no âmbito da consultoria”, e começou a ser contactado, com frequência, por pessoas que os queriam prestados por profissionais com experiência internacional e conhecimento de línguas. Por isso decidiu abrir a sua empresa de advocacia, que tem hoje escritórios, para além de Angola, em Portugal e Moçambique. Quanto já estava próximo de fazer 50 anos, e depois de muitos anos em África, já com quatro filhos, começou a pensar em fazer algo que fosse disruptivo em relação ao que tinha feito até aí. Queria mudar de novo.
O Dão, de novo
O seu gosto pela natureza, e pela sua região, levou-o a investir na compra de terra no Dão, “para arrancar eucaliptos e plantar vinha, olival, produzir mel e ter alguns animais”. E foi assim, que a Artemis começou, há meia dúzia de anos. Hoje, Vicente Marques possui mais de 100 hectares de terra, que resultaram da junção de várias propriedades, num processo que implicou “muita paciência”. A quinta onde fica a adega da empresa tem, actualmente, 25 hectares. A umas centenas de metros ficam mais 40 e um pouco mais longe, outros 29 ha.
O objetivo da união de parcelas foi juntar terrenos com dimensão suficiente para a vinha, que foi plantando, ser rentabilizada num espaço mais curto de tempo. “Gasta-se quase tanto a montar uma estrutura de rega para dois hectares como para 20”, explica Vicente Marques, salientando, também, que ambas as áreas podem ser trabalhadas por um tractor e que o mesmo enólogo tanto gere dois, 20 ou 200 hectares.
Para o proprietário da Artemis, “há economias de escala que é preciso respeitar para um investimento deste tipo fazer sentido”. A experiência que Vicente Marques tinha adquirido com o trabalho realizado para os seus clientes, ajudou-o a perceber que precisava de fazer um empreendimento com escala, para ter a certeza de que o negócio que iria ter retorno. “Quando se faz uma coisa muito pequena nos vinhos, está-se a investir num hobby semelhante à compra de um iate, por exemplo, onde se tem apenas a certeza que se vai gastar dinheiro”, explica.
Entretanto o empresário tinha comprado, alguns anos antes de investir no vinho, uma quinta na zona próxima do litoral algarvio, entre o Livramento e a Luz de Tavira. E decidiu aproveitar o conhecimento adquirido no Dão para avançar na plantação de 12 hectares de vinha e produção de vinho no Algarve, com a marca Monte da Ria. E, em 2022, entrou também na região duriense, com a aquisição de seis hectares de vinha perto de Nagozelo do Douro, S. João da Pesqueira. E porquê? “Porque quando falamos com potenciais compradores dos nossos vinhos nos dizem, muitas vezes, que o Dão é difícil de vender e que o Douro é que é”, explica Vicente Marques argumentando que essa é a principal razão do investimento. Por agora apenas serão produzidos um tinto de entrada e um Reserva, numa propriedade que tem 14 pipas de benefício. “No futuro, se o negócio de vinhos desta região tiver sucesso, poderei comprar mais propriedades no Douro”, avança o empresário.

Um cunho muito pessoal
O produtor confessa que todos os seus investimentos no sector vitivinícola foram feitos de uma forma muito pessoal. Consultou profissionais, claro, mas muito do que construiu foi feito com base na sua experiência. Foi o que aconteceu quando selecionou as castas para plantar. Escolheu algumas das mais habituais na região, como a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro, Encruzado e Malvasia Fina, que representam 70% do encepamento, mas também a Syrah, porque gosta dos vinhos que origina e “porque se dá bem em qualquer lugar, embora produza vinhos com características diferentes conforme a geografia e os terroirs onde está plantada” e ainda, pelos mesmos motivos, Chardonnay, Sémillon e Pinot Grigio. Há também um hectare de Alicante Bouschet, “para dar cor aos vinhos de lote, quando falta”. Como é evidente, as escolhas foram feitas com o acordo enólogo consultor, António Narciso, um dos profissionais mais conhecidos no Dão.
Entretanto, globalmente, o projecto da Artemis já foi além dos objetivos iniciais: este ano espera-se que ultrapasse os 400 mil litros de vinho. Há que vendê-lo, portanto.
“Inicialmente não estava muito preocupado, porque acreditava, devido ao conhecimento que tenho do mercado angolano, que este país iria absorver mais de 50% da nossa produção”, conta o empresário. Mas a crise de 2015 e a falta de divisas consequente originaram uma crise económica que trocou os planos a Vicente Marques, que teve de se voltar para outros mercados de exportação. Mais recentemente, e à medida que Angola está a retomar a sua capacidade económica, a sua Artemis passou a exportar para este país, “um destino importante para os vinhos portugueses dos segmentos médio e alto”. Outros destinos externos dos seus produtos são a Holanda, Suécia e o Canadá.
Vicente Marques refere que o objectivo do seu projecto é produzir o melhor que puder em cada região onde está presente. Meia dúzia de anos passados, tem todas as razões para ter orgulho no que já alcançou e esperança no que o futuro lhe vai trazer.
(Artigo Publicado na Edição de Março de 2023)
Casa Villae 1255 da Taboadella junta-se à Relais & Châteaux

É a primeira propriedade vitivinícola do Dão a assumir a insígnia. A Taboadella, situada em Silvã de Cima, no Dão, acaba de ver a sua Casa Villae 1255 — uma casa de 720m2, com oito quartos e vista para o sopé da Serra da Estrela, originalmente construída na época medieval — juntar-se à colecção da […]
É a primeira propriedade vitivinícola do Dão a assumir a insígnia. A Taboadella, situada em Silvã de Cima, no Dão, acaba de ver a sua Casa Villae 1255 — uma casa de 720m2, com oito quartos e vista para o sopé da Serra da Estrela, originalmente construída na época medieval — juntar-se à colecção da Relais & Châteaux.
Fundada em 1954, a Relais & Châteaux é uma associação criadora de viagens com 580 hotéis e restaurantes autênticos, nos cinco continentes, que assume o objectivo de promover a riqueza e diversidade gastronómica e das culturas hospitaleiras de todo o Mundo.
A Casa Villae 1255, totalmente recuperada no seguimento da incrementação do projecto de vinhos e enoturismo Taboadella, por parte da família Amorim, pode ser reservada na totalidade por quem desejar desfrutar de momentos em família e amigos, num ambiente mais privado e de conforto.
“O Dão é uma das regiões mais emblemáticas de Portugal, com um enorme potencial para novos projectos de enoturismo. A Casa Villae 1255 foi convertida com o intuito de sentirmos o ambiente de uma quinta de vinho. Para a decoração de interiores, reunimos vários artistas e artesãos locais que criaram peças exclusivas, com destaque para a lã natural e o cobertor de papa, criando um ambiente acolhedor e sofisticado”, explica Luísa Amorim, CEO da empresa.
Caminhos Cruzados usa morcegos na vinha para combater pragas

No âmbito do seu projecto de sustentabilidade e biodiversidade, o produtor Caminhos Cruzados, do Dão, convidou dezenas de crianças de uma escola primária de Nelas — onde se situa a Quinta da Teixuga — a pintar casas para morcegos (na fotografia) que vão ser espalhadas pela propriedade. O objectivo é estimular os morcegos a permanecer […]
No âmbito do seu projecto de sustentabilidade e biodiversidade, o produtor Caminhos Cruzados, do Dão, convidou dezenas de crianças de uma escola primária de Nelas — onde se situa a Quinta da Teixuga — a pintar casas para morcegos (na fotografia) que vão ser espalhadas pela propriedade. O objectivo é estimular os morcegos a permanecer na quinta, no seu habitat, junto das culturas, para que estes ajudem no controlo de pragas
Lígia Santos, directora de sustentabilidade da Caminhos Cruzados, explica que “sendo a dieta do morcego maioritariamente constituída por traças, pretende-se com este projecto reduzir os estragos causados na vinha. Paralelamente, esperamos reduzir a necessidade do uso de pesticidas, pois teremos frutos mais sãos e recuperaremos a vida biológica dos solos e da fauna existente”.
A empresa do Dão tem levado a cabo, nos últimos anos, um programa agroecológico que teve início com a plantação de 105 árvores espalhadas pela Quinta da Teixuga, formando um bosque com 10 espécies diferentes da região, com bagas e frutos que fornecem alimento à avifauna, ao longo de, praticamente, todo o ano. Um bosque que também contou com o envolvimento da comunidade escolar, “tendo em vista sensibilizar as crianças desde tenra idade para a importância da regeneração, preservação e valorização das matas”, comunica o produtor do Dão.
O compromisso ecológico da Caminhos Cruzados tem, além dos morcegos, outros “ajudantes”, como o as ovelhas: “Começámos em 2022 a usar ovelhas certificadas para a produção de Queijo da Serra, para controlar infestantes e promover uma cobertura regenerativa dos solos da vinha, o que trará como resultado uma terra mais fértil e rica em biodiversidade e carbono”, adianta Lígia Santos.
Passarella: Saber e tradição da Serra

O lançamento oficial do Casa da Passarella Vindima 2011 foi o pretexto para este produtor da serra da Estrela mostrar as novidades da quinta. Entre vinhos recém chegados e promessa de outros, a vitalidade da empresa é uma realidade. Texto: João Paulo Martins Fotos: Anabela Trindade/Abrigo da Passarela Esta quinta do Dão, situada na sub-região […]
O lançamento oficial do Casa da Passarella Vindima 2011 foi o pretexto para este produtor da serra da Estrela mostrar as novidades da quinta. Entre vinhos recém chegados e promessa de outros, a vitalidade da empresa é uma realidade.
Texto: João Paulo Martins Fotos: Anabela Trindade/Abrigo da Passarela
Esta quinta do Dão, situada na sub-região da serra da Estrela, tem sido amiúde objecto de notícias, sempre por boas razões. Trata-se de uma propriedade antiga, mais propriamente 130 anos, ao que nos foi dito, estendendo-se os vinhedos por inúmeras parcelas espalhadas nos 100 ha da quinta. Renovar e dar nova vida a estas vinhas e dar o salto para um hotel rural a funcionar na antiga casa da quinta são os objectivos do novo proprietário, personagem que faz questão de se manter distante da comunicação social ou destes eventos de apresentação de novidades, o que se respeita.
Uma velha quinta produtora tem necessariamente tradições, hábitos e formas de fazer que podem ter duas leituras e dois destinos: o primeiro é o mais habitual: sim senhor, muito interessante, muito etnográfico mas vamos fazer a coisa em moldes modernos, ter uma vinha nova a produzir bem com castas que nos interessam e uma adega adequada e preparada para receber as novas tecnologias; o segundo destino é menos espectacular: vamos tentar perceber o que aqui se fazia, vamos olhar para o património com olhos do séc. XXI mas na perspectiva de conservar o que for de conservar; na adega a mesma coisa – manter o que for útil, descartar o que já não serve. Paulo Nunes está aos comandos da enologia desde que esta nova história da Passarella se iniciou nos anos 90 e a sua perspectiva e o seu olhar sobre todo o projecto “encaixam” no segundo modelo que acima referi: não estragar, não arrancar, não deitar abaixo, não cair na ditadura da folha Excel, manter, inclusivamente, as pessoas que são as guardiãs das memórias da casa. É o caso da adegueira que lá trabalha há já muitos anos, filha de adegueira e neta de adegueira. Como nos diz Paulo, “há um saber empírico que vai passando de geração em geração e temos de ser capazes de saber ouvir”. Depois, dizemos nós, há que ir para casa pensar e dormir sobre o assunto para perceber o que é de manter e o que há que alterar. Sabendo-se que “naquelas terras serranas fazer vinho é uma consequência de estar vivo”, há sempre muito para ouvir e entender. Também porque a perspectiva de Paulo Nunes quanto ao vinho é muito clara quando diz, “não nos interessa fazer um vinho perfeito mas sim criar um vinho que respeite o saber e a tradição da casa”. Quase me apetecia aqui adaptar a frase, que já está no altar das frases célebres do mundo do vinho, um dia proferida por Aubert de Villaine, co-proprietário do Domaine de la Romanée-Conti, a mítica propriedade da Borgonha: “Eu não sou enólogo, sou apenas o guardião do terroir!” A atitude de Paulo Nunes sugere algo de semelhante: manteve vinhas que estavam na calha para serem arrancadas, conservou as velhas cubas de cimento e os lagares da adega e está a tentar que o perfil dos vinhos desta nova era sejam o espelho da fama e glória passadas. Pelo que temos visto e provado, a missão está ser levada a bom porto.
Novas castas, histórias velhas
O encontro em Lisboa teve lugar a 12 de Outubro, o primeiro dia que se seguir ao fecho da vindima, uma vez que no dia anterior ainda estavam a entrar uvas da casta Baga, curiosamente com apenas 12% de álcool provável; o facto tem alguma graça porque a Baga, ainda que nascida no Dão, foi na Bairrada que encontrou o seu ambiente preferido e os varietais de Baga são praticamente inexistentes no Dão. Paulo, porém, adianta que irá sair um Baga na colecção Fugitivo.
No momento tivemos duas estreias absolutas: um branco de Barcelo e um tinto de Pinot Noir. Barcelo, diz-nos Paulo Nunes, estava, juntamente com a casta Dona Branca, na base dos principais lotes de brancos do Dão, segundo Cincinato da Costa (em 1900). O interesse enológico da casta levou a que se plantasse, já há dois anos, mais um hectare para manter a produção no futuro. A casta, que não tem sinonímia, sobrevive na Passarella numa parcela que tem agora 80 anos. No estágio deste vinho apenas utilizam barricas com muito uso, por forma a manter toda a delicadeza aromática e o perfume que este vinho exala.
A outra novidade foi o Pinot Noir. A casta era muito antiga na quinta e, dada a localização da vinha, era uma casta precoce e usada para fazer um “pé de cuba” que funcionava como concentrado de leveduras que ajudava despois ao arranque da fermentação dos volumes grandes. A vinha que deu origem a este vinho foi plantada em 2008 e na confecção usou-se algum engaço por forma a conferir ao vinho um carácter mais vegetal e um pouco mais rústico, ou seja, mais próximo do modelo inspirador, os tintos da Borgonha. Também este tinto vai passar a ter produção anual.
Um dos vinhos que foi apresentado tem já estatuto de habitué: o branco de curtimenta, cuja primeira edição remonta há 10 anos. Trata-se de um vinho de homenagem, já que até há 40 anos era assim que se faziam os vinhos brancos, com as películas a fermentaram juntamente com o mosto. O resultado é um branco carregado na cor, todo ele a transpirar rusticidade. Quando sai do lagar está castanho de cor mas, segundo Paulo, “com dois invernos em cima a cor cai muito e fica com este tom alaranjado”. É de tal forma diferente dos actuais brancos que virou uma curiosidade, com muitos adeptos. É sempre um branco difícil, mas com inesperada capacidade de ser bom parceiro à mesa.
O Villa Oliveira Encruzado, verdadeiro porta-estandarte da empresa, nasceu na colheita de 2011 e tem, em cada ano, origem em parcelas diferentes, conforme a maturação. É já hoje uma referência obrigatória dos brancos do Dão feitos com a casta-rainha da região. E para completar a apresentação tivemos “o vinho que aqui nos trouxe”, o Casa da Passarella Vindima 2011, em segunda edição, após a estreia com o 2009. O longuíssimo tempo de estágio em garrafa é a sua principal característica e, pensado que está para viver muito tempo em cave, todas as garrafas foram re-rolhadas já este ano. Um método que se aplaude e que bem podia encontrar seguidores noutras casas produtoras. Com o hotel em fase final, é caso para dizer que não faltarão motivos para ver e rever os segredos da Passarella.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2022)
Messias celebra 96 anos com 5 lançamentos especiais

A caminho da celebração do centenário da sua fundação, que ocorrerá em 2026, a Messias juntou à mesa três das cinco gerações que completam a história da empresa com origem na Bairrada, fundada por Messias Baptista, lançando nesse momento cinco produtos muito especiais. Estas novidades vêm juntar-se a um vasto portefólio, que abarca vinhos tranquilos, […]
A caminho da celebração do centenário da sua fundação, que ocorrerá em 2026, a Messias juntou à mesa três das cinco gerações que completam a história da empresa com origem na Bairrada, fundada por Messias Baptista, lançando nesse momento cinco produtos muito especiais. Estas novidades vêm juntar-se a um vasto portefólio, que abarca vinhos tranquilos, espumantes, vinhos do Porto e aguardentes, oriundos de três regiões vitivinícolas: Bairrada, Dão e Douro.
Da Bairrada, região onde a empresa deu os primeiros passos, surgem os vinhos tranquilos Messias Clássico branco 2017, um lote composto pelas castas Bical e Cercial; e Messias Garrafeira tinto 1998, um vinho 100% Baga que homenageia a capacidade de guarda tão singular na região. Na categoria dos espumantes, o Messias Sur Lie é a grande novidade, com um pequeno “twist”: elaborado a partir de Chardonnay, pelo método clássico (faz a 2ª fermentação em garrafa), é colocado à disposição do consumidor sem ter sido feito o degorgement, dando oportunidade ao consumidor de estagiar e fazer evoluir este espumante em sua casa, ainda com as borras consequentes das leveduras, até decidir abri-lo. Seguindo uma tradição da empresa, e agora com novo design, é também lançada a Aguardente Vínica Velhíssima “Avô”. Finamente destilada, foi preservada durante anos em cascos, onde envelheceu nobremente.
A partir de cinco castas tradicionais no Douro – Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão – nasce ainda o Messias 50 Anos, um Porto Tawny que estagiou por 5 décadas nos armazéns da Messias, em Vila Nova de Gaia. Um Tawny que, segundo o produtor, “retrata com sumptuosidade e delicadeza a história do vinho do Porto e a identidade de uma família”.
19|90 Premium Wines: Santar volta ao mapa

A 19|90 Premium Wines, divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, assina agora o mais recente projecto de enoturismo do grupo, no Dão: WineX, um conjunto de experiências que promete fazer de Santar a nova coqueluche da região. Texto: Mariana Lopes Fotos:1990 Premium Wines Quem conhece a vila e a zona de Santar, […]
A 19|90 Premium Wines, divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, assina agora o mais recente projecto de enoturismo do grupo, no Dão: WineX, um conjunto de experiências que promete fazer de Santar a nova coqueluche da região.
Texto: Mariana Lopes Fotos:1990 Premium Wines
Quem conhece a vila e a zona de Santar, até se pergunta “como é que isto não está cheio de gente?”. A resposta é simples: por muito bonita que seja a paisagem, natural e urbana, se não houver actividades interessantes e chamativas, as pessoas não chegam a saber que o sítio existe. Foi com consciência disto mesmo que a 19|90 Premium Wines — divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, que integra as marcas Vinha do Contador e Casa de Santar (Dão), Encontro (Bairrada) e Saturno (Alentejo) — decidiu agir. Com direcção-geral de Vítor Castanheira, também administrador da Global Wines, a 19|90 contratou, recentemente, Marisol Benites para o cargo de directora da unidade de negócio e responsável de enoturismo. Contratação de peso, Marisol tem no currículo passagens por casas como o grupo Vranken-Pommery Monopole (que detém a Rozès), Symington Family Estates ou Sandeman (antes desta ser adquirida pela Sogrape), onde geriu marcas e integrou equipas de enoturismo. Sob a sua coordenação, a 19|90 Premium Wines começou a desenvolver um novo projecto de enoturismo, sério e profissionalizado, mas sobretudo adaptado ao perfil de enoturista que consome vinhos e experiências segmento premium, condizentes com o potencial de Santar. “Autenticidade com patine e requinte”, resume assim Marisol Benites as WineX (Wine Experiences), que são uma das fases de investimento da 19|90 no enoturismo, (a par da construção de um “wine center”) e nas instalações de vinificação e estágio, que serão reabilitadas gradualmente.
Girando em torno das adegas e vinhas da Casa de Santar (são cerca de 113 hectares, de um total de 200 no Dão), e das vinhas e do restaurante do Paço dos Cunhas — antiga casa senhorial com quatro séculos — as WineX dividem-se pelos níveis Standard, Prestige, Gold e Platinum, e não incluem apenas as habituais provas de vinho e espumantes (da enologia de Osvaldo Amado) e visitas às adegas. Essas também há, a começar nos 20 euros por pessoa, mas as estrelas são, por exemplo, o programa Santar Gold (€90 pax), com visita guiada aos jardins do Paço dos Cunhas e à emblemática Vinha do Contador, passeio de jipe pelas vinhas da Casa de Santar e até ao alto da Vinha dos Amores, um local tão romântico quanto o nome sugere, e prova de vários vinhos Casa de Santar harmonizados com tábua beirã; o Pic-Nic Beirão (€55 pax), actividade intimista com iguarias do chef Henrique Ferreira (responsável pelo restaurante Paço dos Cunhas) que também inclui visita guiada ao Paço e passeio de jipe ao redor da Casa de Santar; ou o Almoço Beirão no Sobreiro (€120 pax, mínimo de 10), uma luxuosa, mas autêntica, refeição de 5 horas à sombra do centenário sobreiro que faz companhia às vinhas do produtor, preparada pelo chef Henrique, com o seu sub-chef Alberto Correia, que explica que este almoço é inspirado “no que se trazia para comer no trabalho da vinha, e feito com produtos locais, de fornecedores próximos”. Para servir os vinhos da 19|90 Premium Wines, entra em cena André João, sommelier e chefe de sala do restaurante Paço dos Cunhas. Igualmente, esta experiência inclui a visita e passeio de jipe, que culmina na chegada ao sobreiro.
Adicionalmente, o restaurante do Paço dos Cunhas de Santar inaugurou a carta de Verão que, além das opções à carta — onde constam reinvenções das estivais Sardinhas Assadas com Pimentos, dos Peixinhos da Horta e da Bifana no Pão; ou pratos de peixe como Massa Fresca de Lingueirão à Bolhão Pato, Arroz Caldoso de Polvo e Caldeirada de Peixes; e os de carne Frango do Campo de Fricassé, Barriga de Porco com Beterraba e Couve ou Bife de Cebolada — apresenta três menus de degustação: “Origens” (€27,50 pax ou €36,50 com harmonização de vinhos), “Santar” (€35 ou €50) e o menu “Do Chef” (€57,50 ou €82,50).
“Nesta área do enoturismo, o nosso objectivo foi criar experiências que permitissem avaliar o vinho no seu contexto original, perceber as suas diferenças, a sua história e a sua personalidade, associando-o à gastronomia, ao património, à cultura e à riqueza da região. Queremos que os nossos clientes conheçam bem os nossos vinhos, associando-os a experiências inesquecíveis”, esclarece Vítor Castanheira. Também a Quinta do Encontro, na Bairrada, e a Herdade Monte da Cal, no Alentejo, foram, e serão, alvo de investimento nesta área.
(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)
Iniciativa para restauração “Best Wine Selection” valoriza vinhos do Dão

O programa “Best Wine Selection” — iniciativa que nasceu de um esforço conjunto entre a ViniPortugal e a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) — tem agora o seu primeiro ensaio junto da CIM Viseu Dão Lafões, com o objectivo de valorizar o projecto “Enoturismo na Região Demarcada dos Vinhos do Dão”. Esta primeira fase, na região do […]
O programa “Best Wine Selection” — iniciativa que nasceu de um esforço conjunto entre a ViniPortugal e a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) — tem agora o seu primeiro ensaio junto da CIM Viseu Dão Lafões, com o objectivo de valorizar o projecto “Enoturismo na Região Demarcada dos Vinhos do Dão”. Esta primeira fase, na região do Dão, resulta de uma parceria promovida pela CIM Viseu Dão Lafões, com a AHRESP, o Turismo Centro de Portugal e a Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Dão.
Segundo a organização, a iniciativa tem como finalidade principal “dignificar e promover os vinhos portugueses, neste caso os vinhos do Dão, gerando uma rede de restaurantes que garanta a satisfação dos seus clientes, através da oferta de vinhos de qualidade e da prestação de um serviço irrepreensível.”
Fruto deste projecto, os restaurantes da região Viseu Dão Lafões vão poder exibir um novo selo de qualidade, o “Best Wine Selection”, que atesta a excelência do serviço prestado no domínio dos vinhos do Dão. Para poderem ser candidatos ao “Best Wine Selection”, os restaurantes têm de ser previamente aderentes ao programa “Seleção Gastronomia e Vinhos”, lançado pela AHRESP. Depois, devem manifestar o interesse na candidatura através do preenchimento de um boletim de inscrição, disponível no site da AHRESP.
Os restaurantes que integrem esta Rede passam a usufruir de várias vantagens, como o direito de exibirem uma placa e um diploma “Best Wine Selection”, podendo utilizar a marca para promover e divulgar iniciativas próprias, aceder a canais de promoção inerentes ao próprio programa e serem incorporados no site das entidades parceiras, com ligação a outros sites de interesse turístico. Além disso, ficam abrangidos por estímulos a processos de modernização e de implementação de boas práticas.
Feira do Vinho do Dão é em Nelas

O Município de Nelas vai organizar, de 1 a 4 de setembro de 2022, mais uma Feira do Vinho do Dão. Trata-se da 31º edição deste evento já clássico, que conta, como habitualmente, com uma alargada participação de produtores da região, incluindo as casas de maior notoriedade, grandes, médias e pequenas. Além do espaço de […]
O Município de Nelas vai organizar, de 1 a 4 de setembro de 2022, mais uma Feira do Vinho do Dão. Trata-se da 31º edição deste evento já clássico, que conta, como habitualmente, com uma alargada participação de produtores da região, incluindo as casas de maior notoriedade, grandes, médias e pequenas. Além do espaço de exposição dos produtores (no jardim em frente à Câmara Municipal), onde podem ser provados os melhores vinhos que o Dão tem para oferecer, os visitantes contam ainda com mostras de artesanato e produtos regionais (queijos, enchidos, azeite), bem como, entre outros, um espaço showcooking, onde decorrem sessões de cozinha ao vivo e cozinha infantil e ainda uma Praça da Alimentação.
Paralelamente, realiza-se ainda o “Concurso Feira do Vinho do Dão – Grande Prémio Eng. Alberto Vilhena” destinado aos produtores participantes no evento. Os vinhos vencedores deste concurso serão objecto de duas provas comentadas, a realizar nos dias 3 e 4, coordenadas pelo crítico Luís Antunes. Música ao vivo e animação fazem também parte do programa do evento, que pode ser consultado na totalidade AQUI.