Dom Vicente: Regresso às origens

Dão Dom Vicente

Depois de muitos anos a viver em Angola, onde tem escritório, o advogado Vicente Marques, originário do Dão, decidiu, há quase sete anos, investir na produção de vinhos na sua terra. Hoje tem cerca de 100 hectares, duas adegas e produz também vinhos no Douro e no Algarve. Até agora, investiu cerca de 10 milhões […]

Depois de muitos anos a viver em Angola, onde tem escritório, o advogado Vicente Marques, originário do Dão, decidiu, há quase sete anos, investir na produção de vinhos na sua terra. Hoje tem cerca de 100 hectares, duas adegas e produz também vinhos no Douro e no Algarve. Até agora, investiu cerca de 10 milhões de euros.
Vicente Marques tem 56 anos. Nasceu no extremo oeste do concelho de Carregal do Sal, bem no seio da região do Dão, onde teve contacto com a terra desde tenra idade, numa região que praticava, na altura, principalmente uma agricultura de subsistência.
Vivia então com o avô, Manuel Vicente, já que o seu pai estava em França. “Sendo praticamente analfabeto, era uma pessoa com uma nobreza de caracter muito grande”, diz, acrescentando que ele e a avó são as grandes referências da sua vida. “Tudo o que possa fazer para os homenagear é muito pouco em relação ao que consegui colher dos seus ensinamentos”, explica, salientando que a vida que teve com eles até à adolescência contribuiu para ganhar um grande gosto pela natureza. E defende que, “embora o trabalho agrícola seja penoso e difícil, quando o fazemos com as pessoas certas pode tornar-se num momento de prazer”, acrescentando que era sempre com essa sensação que ficava quando estava com o seu avô. O nome Dom Vicente, que criou para a marca principal da sua empresa vitivinícola, a Artemis, é pois uma homenagem a Manuel Vicente.

Dão Dom Vicente
O espaço de enoturismo da Adega Dom Vicente, na Região do Dão, está inserido no meio das vinhas e do olival de uma propriedade com 25 hectares.

Experienciando o mundo

Esteve ainda, um período curto em França, mas voltou e frequentou o liceu em Carregal do Sal. Foi depois para Coimbra, com o objetivo de estudar Economia no início da década de 80. Mas não foi isso que aconteceu, porque precisava de sair de Portugal. Sentia que “o país estava estagnado” e queria ir para longe, viver noutro continente.
Optou pelo Canadá, onde esteve durante oito anos. Por lá trabalhou na rádio, em televisão (chegou a ser produtor na MTV) e colaborou em alguns jornais. Após algum tempo por terras canadianas, Vicente Marques pensou que tinha de fazer mais qualquer coisa dali para a frente. Ou dava mais um passo na sua carreira, indo até Los Angeles, nos Estados Unidos, para estudar Media e Cinema, ou regressava às origens. Optou por voltar e regressou à universidade, mas para cursar Direito na Universidade de Coimbra, onde se licenciou e fez mestrado, sempre a trabalhar ao mesmo tempo. Pouco depois de perceber, através de conversas com colegas mais velhos, que o país se mantinha num ritmo lento, decidiu ir de novo para fora. Quando surgiu uma oportunidade para dar aulas na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em Angola, candidatou-se ao concurso público e foi um dos dois dos candidatos selecionados. E assim mudou de novo de continente. “Sempre tive um fascínio por África, apesar de não ter familiares lá e, por isso, queria passar pela experiência de lá viver e trabalhar”, conta.
A vida em Angola não foi fácil, no início, e era só possível numa zona um pouco mais alargada do que a cidade de Luanda, “porque a insegurança era muito grande a partir daí”. A morte de Jonas Savimbi, em fevereiro de 2002, deu origem ao início do processo de paz, e Angola começou depois um novo caminho. Vicente Marques conta que, na altura, “havia grande procura de serviços jurídicos no âmbito da consultoria”, e começou a ser contactado, com frequência, por pessoas que os queriam prestados por profissionais com experiência internacional e conhecimento de línguas. Por isso decidiu abrir a sua empresa de advocacia, que tem hoje escritórios, para além de Angola, em Portugal e Moçambique. Quanto já estava próximo de fazer 50 anos, e depois de muitos anos em África, já com quatro filhos, começou a pensar em fazer algo que fosse disruptivo em relação ao que tinha feito até aí. Queria mudar de novo.

O Dão, de novo

O seu gosto pela natureza, e pela sua região, levou-o a investir na compra de terra no Dão, “para arrancar eucaliptos e plantar vinha, olival, produzir mel e ter alguns animais”. E foi assim, que a Artemis começou, há meia dúzia de anos. Hoje, Vicente Marques possui mais de 100 hectares de terra, que resultaram da junção de várias propriedades, num processo que implicou “muita paciência”. A quinta onde fica a adega da empresa tem, actualmente, 25 hectares. A umas centenas de metros ficam mais 40 e um pouco mais longe, outros 29 ha.
O objetivo da união de parcelas foi juntar terrenos com dimensão suficiente para a vinha, que foi plantando, ser rentabilizada num espaço mais curto de tempo. “Gasta-se quase tanto a montar uma estrutura de rega para dois hectares como para 20”, explica Vicente Marques, salientando, também, que ambas as áreas podem ser trabalhadas por um tractor e que o mesmo enólogo tanto gere dois, 20 ou 200 hectares.
Para o proprietário da Artemis, “há economias de escala que é preciso respeitar para um investimento deste tipo fazer sentido”. A experiência que Vicente Marques tinha adquirido com o trabalho realizado para os seus clientes, ajudou-o a perceber que precisava de fazer um empreendimento com escala, para ter a certeza de que o negócio que iria ter retorno. “Quando se faz uma coisa muito pequena nos vinhos, está-se a investir num hobby semelhante à compra de um iate, por exemplo, onde se tem apenas a certeza que se vai gastar dinheiro”, explica.
Entretanto o empresário tinha comprado, alguns anos antes de investir no vinho, uma quinta na zona próxima do litoral algarvio, entre o Livramento e a Luz de Tavira. E decidiu aproveitar o conhecimento adquirido no Dão para avançar na plantação de 12 hectares de vinha e produção de vinho no Algarve, com a marca Monte da Ria. E, em 2022, entrou também na região duriense, com a aquisição de seis hectares de vinha perto de Nagozelo do Douro, S. João da Pesqueira. E porquê? “Porque quando falamos com potenciais compradores dos nossos vinhos nos dizem, muitas vezes, que o Dão é difícil de vender e que o Douro é que é”, explica Vicente Marques argumentando que essa é a principal razão do investimento. Por agora apenas serão produzidos um tinto de entrada e um Reserva, numa propriedade que tem 14 pipas de benefício. “No futuro, se o negócio de vinhos desta região tiver sucesso, poderei comprar mais propriedades no Douro”, avança o empresário.

Dão Dom Vicente
Hoje o projecto produz 400 mil litros de vinho no Dão e no Algarve, nas duas adegas que esta empresa possui.

Um cunho muito pessoal

O produtor confessa que todos os seus investimentos no sector vitivinícola foram feitos de uma forma muito pessoal. Consultou profissionais, claro, mas muito do que construiu foi feito com base na sua experiência. Foi o que aconteceu quando selecionou as castas para plantar. Escolheu algumas das mais habituais na região, como a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro, Encruzado e Malvasia Fina, que representam 70% do encepamento, mas também a Syrah, porque gosta dos vinhos que origina e “porque se dá bem em qualquer lugar, embora produza vinhos com características diferentes conforme a geografia e os terroirs onde está plantada” e ainda, pelos mesmos motivos, Chardonnay, Sémillon e Pinot Grigio. Há também um hectare de Alicante Bouschet, “para dar cor aos vinhos de lote, quando falta”. Como é evidente, as escolhas foram feitas com o acordo enólogo consultor, António Narciso, um dos profissionais mais conhecidos no Dão.
Entretanto, globalmente, o projecto da Artemis já foi além dos objetivos iniciais: este ano espera-se que ultrapasse os 400 mil litros de vinho. Há que vendê-lo, portanto.
“Inicialmente não estava muito preocupado, porque acreditava, devido ao conhecimento que tenho do mercado angolano, que este país iria absorver mais de 50% da nossa produção”, conta o empresário. Mas a crise de 2015 e a falta de divisas consequente originaram uma crise económica que trocou os planos a Vicente Marques, que teve de se voltar para outros mercados de exportação. Mais recentemente, e à medida que Angola está a retomar a sua capacidade económica, a sua Artemis passou a exportar para este país, “um destino importante para os vinhos portugueses dos segmentos médio e alto”. Outros destinos externos dos seus produtos são a Holanda, Suécia e o Canadá.
Vicente Marques refere que o objectivo do seu projecto é produzir o melhor que puder em cada região onde está presente. Meia dúzia de anos passados, tem todas as razões para ter orgulho no que já alcançou e esperança no que o futuro lhe vai trazer.

(Artigo Publicado na Edição de Março de 2023)

 

Casa Villae 1255 da Taboadella junta-se à Relais & Châteaux

Casa Villae 1255 Taboadella

É a primeira propriedade vitivinícola do Dão a assumir a insígnia. A Taboadella, situada em Silvã de Cima, no Dão, acaba de ver a sua Casa Villae 1255 — uma casa de 720m2, com oito quartos e vista para o sopé da Serra da Estrela, originalmente construída na época medieval — juntar-se à colecção da […]

É a primeira propriedade vitivinícola do Dão a assumir a insígnia. A Taboadella, situada em Silvã de Cima, no Dão, acaba de ver a sua Casa Villae 1255 — uma casa de 720m2, com oito quartos e vista para o sopé da Serra da Estrela, originalmente construída na época medieval — juntar-se à colecção da Relais & Châteaux.

Fundada em 1954, a Relais & Châteaux é uma associação criadora de viagens com 580 hotéis e restaurantes autênticos, nos cinco continentes, que assume o objectivo de promover a riqueza e diversidade gastronómica e das culturas hospitaleiras de todo o Mundo.

A Casa Villae 1255, totalmente recuperada no seguimento da incrementação do projecto de vinhos e enoturismo Taboadella, por parte da família Amorim, pode ser reservada na totalidade por quem desejar desfrutar de momentos em família e amigos, num ambiente mais privado e de conforto.

“O Dão é uma das regiões mais emblemáticas de Portugal, com um enorme potencial para novos projectos de enoturismo. A Casa Villae 1255 foi convertida com o intuito de sentirmos o ambiente de uma quinta de vinho. Para a decoração de interiores, reunimos vários artistas e artesãos locais que criaram peças exclusivas, com destaque para a lã natural e o cobertor de papa, criando um ambiente acolhedor e sofisticado”, explica Luísa Amorim, CEO da empresa.

Caminhos Cruzados usa morcegos na vinha para combater pragas

Caminhos Cruzados morcegos

No âmbito do seu projecto de sustentabilidade e biodiversidade, o produtor Caminhos Cruzados, do Dão, convidou dezenas de crianças de uma escola primária de Nelas — onde se situa a Quinta da Teixuga — a pintar casas para morcegos (na fotografia) que vão ser espalhadas pela propriedade. O objectivo é estimular os morcegos a permanecer […]

No âmbito do seu projecto de sustentabilidade e biodiversidade, o produtor Caminhos Cruzados, do Dão, convidou dezenas de crianças de uma escola primária de Nelas — onde se situa a Quinta da Teixuga — a pintar casas para morcegos (na fotografia) que vão ser espalhadas pela propriedade. O objectivo é estimular os morcegos a permanecer na quinta, no seu habitat, junto das culturas, para que estes ajudem no controlo de pragas

Lígia Santos, directora de sustentabilidade da Caminhos Cruzados, explica que “sendo a dieta do morcego maioritariamente constituída por traças, pretende-se com este projecto reduzir os estragos causados na vinha. Paralelamente, esperamos reduzir a necessidade do uso de pesticidas, pois teremos frutos mais sãos e recuperaremos a vida biológica dos solos e da fauna existente”.

A empresa do Dão tem levado a cabo, nos últimos anos, um programa agroecológico que teve início com a plantação de 105 árvores espalhadas pela Quinta da Teixuga, formando um bosque com 10 espécies diferentes da região, com bagas e frutos que fornecem alimento à avifauna, ao longo de, praticamente, todo o ano. Um bosque que também contou com o envolvimento da comunidade escolar, “tendo em vista sensibilizar as crianças desde tenra idade para a importância da regeneração, preservação e valorização das matas”, comunica o produtor do Dão.

O compromisso ecológico da Caminhos Cruzados tem, além dos morcegos, outros “ajudantes”, como o as ovelhas: “Começámos em 2022 a usar ovelhas certificadas para a produção de Queijo da Serra, para controlar infestantes e promover uma cobertura regenerativa dos solos da vinha, o que trará como resultado uma terra mais fértil e rica em biodiversidade e carbono”, adianta Lígia Santos.

 

Passarella: Saber e tradição da Serra

casa da passarella

O lançamento oficial do Casa da Passarella Vindima 2011 foi o pretexto para este produtor da serra da Estrela mostrar as novidades da quinta. Entre vinhos recém chegados e promessa de outros, a vitalidade da empresa é uma realidade. Texto: João Paulo Martins   Fotos: Anabela Trindade/Abrigo da Passarela Esta quinta do Dão, situada na sub-região […]

O lançamento oficial do Casa da Passarella Vindima 2011 foi o pretexto para este produtor da serra da Estrela mostrar as novidades da quinta. Entre vinhos recém chegados e promessa de outros, a vitalidade da empresa é uma realidade.

Texto: João Paulo Martins   Fotos: Anabela Trindade/Abrigo da Passarela

Esta quinta do Dão, situada na sub-região da serra da Estrela, tem sido amiúde objecto de notícias, sempre por boas razões. Trata-se de uma propriedade antiga, mais propriamente 130 anos, ao que nos foi dito, estendendo-se os vinhedos por inúmeras parcelas espalhadas nos 100 ha da quinta. Renovar e dar nova vida a estas vinhas e dar o salto para um hotel rural a funcionar na antiga casa da quinta são os objectivos do novo proprietário, personagem que faz questão de se manter distante da comunicação social ou destes eventos de apresentação de novidades, o que se respeita.

casa da passarella

Uma velha quinta produtora tem necessariamente tradições, hábitos e formas de fazer que podem ter duas leituras e dois destinos: o primeiro é o mais habitual: sim senhor, muito interessante, muito etnográfico mas vamos fazer a coisa em moldes modernos, ter uma vinha nova a produzir bem com castas que nos interessam e uma adega adequada e preparada para receber as novas tecnologias; o segundo destino é menos espectacular: vamos tentar perceber o que aqui se fazia, vamos olhar para o património com olhos do séc. XXI mas na perspectiva de conservar o que for de conservar; na adega a mesma coisa – manter o que for útil, descartar o que já não serve. Paulo Nunes está aos comandos da enologia desde que esta nova história da Passarella se iniciou nos anos 90 e a sua perspectiva e o seu olhar sobre todo o projecto “encaixam” no segundo modelo que acima referi: não estragar, não arrancar, não deitar abaixo, não cair na ditadura da folha Excel, manter, inclusivamente, as pessoas que são as guardiãs das memórias da casa. É o caso da adegueira que lá trabalha há já muitos anos, filha de adegueira e neta de adegueira. Como nos diz Paulo, “há um saber empírico que vai passando de geração em geração e temos de ser capazes de saber ouvir”. Depois, dizemos nós, há que ir para casa pensar e dormir sobre o assunto para perceber o que é de manter e o que há que alterar. Sabendo-se que “naquelas terras serranas fazer vinho é uma consequência de estar vivo”, há sempre muito para ouvir e entender. Também porque a perspectiva de Paulo Nunes quanto ao vinho é muito clara quando diz, “não nos interessa fazer um vinho perfeito mas sim criar um vinho que respeite o saber e a tradição da casa”. Quase me apetecia aqui adaptar a frase, que já está no altar das frases célebres do mundo do vinho, um dia proferida por Aubert de Villaine, co-proprietário do Domaine de la Romanée-Conti, a mítica propriedade da Borgonha: “Eu não sou enólogo, sou apenas o guardião do terroir!” A atitude de Paulo Nunes sugere algo de semelhante: manteve vinhas que estavam na calha para serem arrancadas, conservou as velhas cubas de cimento e os lagares da adega e está a tentar que o perfil dos vinhos desta nova era sejam o espelho da fama e glória passadas. Pelo que temos visto e provado, a missão está ser levada a bom porto.

Novas castas, histórias velhas

O encontro em Lisboa teve lugar a 12 de Outubro, o primeiro dia que se seguir ao fecho da vindima, uma vez que no dia anterior ainda estavam a entrar uvas da casta Baga, curiosamente com apenas 12% de álcool provável; o facto tem alguma graça porque a Baga, ainda que nascida no Dão, foi na Bairrada que encontrou o seu ambiente preferido e os varietais de Baga são praticamente inexistentes no Dão. Paulo, porém, adianta que irá sair um Baga na colecção Fugitivo.

No momento tivemos duas estreias absolutas: um branco de Barcelo e um tinto de Pinot Noir. Barcelo, diz-nos Paulo Nunes, estava, juntamente com a casta Dona Branca, na base dos principais lotes de brancos do Dão, segundo Cincinato da Costa (em 1900). O interesse enológico da casta levou a que se plantasse, já há dois anos, mais um hectare para manter a produção no futuro. A casta, que não tem sinonímia, sobrevive na Passarella numa parcela que tem agora 80 anos. No estágio deste vinho apenas utilizam barricas com muito uso, por forma a manter toda a delicadeza aromática e o perfume que este vinho exala.

A outra novidade foi o Pinot Noir. A casta era muito antiga na quinta e, dada a localização da vinha, era uma casta precoce e usada para fazer um “pé de cuba” que funcionava como concentrado de leveduras que ajudava despois ao arranque da fermentação dos volumes grandes. A vinha que deu origem a este vinho foi plantada em 2008 e na confecção usou-se algum engaço por forma a conferir ao vinho um carácter mais vegetal e um pouco mais rústico, ou seja, mais próximo do modelo inspirador, os tintos da Borgonha. Também este tinto vai passar a ter produção anual.

Um dos vinhos que foi apresentado tem já estatuto de habitué: o branco de curtimenta, cuja primeira edição remonta há 10 anos. Trata-se de um vinho de homenagem, já que até há 40 anos era assim que se faziam os vinhos brancos, com as películas a fermentaram juntamente com o mosto. O resultado é um branco carregado na cor, todo ele a transpirar rusticidade. Quando sai do lagar está castanho de cor mas, segundo Paulo, “com dois invernos em cima a cor cai muito e fica com este tom alaranjado”. É de tal forma diferente dos actuais brancos que virou uma curiosidade, com muitos adeptos. É sempre um branco difícil, mas com inesperada capacidade de ser bom parceiro à mesa.

O Villa Oliveira Encruzado, verdadeiro porta-estandarte da empresa, nasceu na colheita de 2011 e tem, em cada ano, origem em parcelas diferentes, conforme a maturação. É já hoje uma referência obrigatória dos brancos do Dão feitos com a casta-rainha da região. E para completar a apresentação tivemos “o vinho que aqui nos trouxe”, o Casa da Passarella Vindima 2011, em segunda edição, após a estreia com o 2009. O longuíssimo tempo de estágio em garrafa é a sua principal característica e, pensado que está para viver muito tempo em cave, todas as garrafas foram re-rolhadas já este ano. Um método que se aplaude e que bem podia encontrar seguidores noutras casas produtoras. Com o hotel em fase final, é caso para dizer que não faltarão motivos para ver e rever os segredos da Passarella.

(Artigo publicado na edição de Novembro de 2022)

Messias celebra 96 anos com 5 lançamentos especiais

Messias 96 anos

A caminho da celebração do centenário da sua fundação, que ocorrerá em 2026, a Messias juntou à mesa três das cinco gerações que completam a história da empresa com origem na Bairrada, fundada por Messias Baptista, lançando nesse momento cinco produtos muito especiais. Estas novidades vêm juntar-se a um vasto portefólio, que abarca vinhos tranquilos, […]

A caminho da celebração do centenário da sua fundação, que ocorrerá em 2026, a Messias juntou à mesa três das cinco gerações que completam a história da empresa com origem na Bairrada, fundada por Messias Baptista, lançando nesse momento cinco produtos muito especiais. Estas novidades vêm juntar-se a um vasto portefólio, que abarca vinhos tranquilos, espumantes, vinhos do Porto e aguardentes, oriundos de três regiões vitivinícolas: Bairrada, Dão e Douro.

Da Bairrada, região onde a empresa deu os primeiros passos, surgem os vinhos tranquilos Messias Clássico branco 2017, um lote composto pelas castas Bical e Cercial; e Messias Garrafeira tinto 1998, um vinho 100% Baga que homenageia a capacidade de guarda tão singular na região. Na categoria dos espumantes, o Messias Sur Lie é a grande novidade, com um pequeno “twist”: elaborado a partir de Chardonnay, pelo método clássico (faz a 2ª fermentação em garrafa), é colocado à disposição do consumidor sem ter sido feito o degorgement, dando oportunidade ao consumidor de estagiar e fazer evoluir este espumante em sua casa, ainda com as borras consequentes das leveduras, até decidir abri-lo. Seguindo uma tradição da empresa, e agora com novo design, é também lançada a Aguardente Vínica Velhíssima “Avô”. Finamente destilada, foi preservada durante anos em cascos, onde envelheceu nobremente. 

A partir de cinco castas tradicionais no Douro – Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão – nasce ainda o Messias 50 Anos, um Porto Tawny que estagiou por 5 décadas nos armazéns da Messias, em Vila Nova de Gaia. Um Tawny que, segundo o produtor, “retrata com sumptuosidade e delicadeza a história do vinho do Porto e a identidade de uma família”.

19|90 Premium Wines: Santar volta ao mapa

A 19|90 Premium Wines, divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, assina agora o mais recente projecto de enoturismo do grupo, no Dão: WineX, um conjunto de experiências que promete fazer de Santar a nova coqueluche da região.  Texto: Mariana Lopes  Fotos:1990 Premium Wines  Quem conhece a vila e a zona de Santar, […]

A 19|90 Premium Wines, divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, assina agora o mais recente projecto de enoturismo do grupo, no Dão: WineX, um conjunto de experiências que promete fazer de Santar a nova coqueluche da região.

 Texto: Mariana Lopes  Fotos:1990 Premium Wines

 Quem conhece a vila e a zona de Santar, até se pergunta “como é que isto não está cheio de gente?”. A resposta é simples: por muito bonita que seja a paisagem, natural e urbana, se não houver actividades interessantes e chamativas, as pessoas não chegam a saber que o sítio existe. Foi com consciência disto mesmo que a 19|90 Premium Wines — divisão de vinhos topo de gama da Global Wines, que integra as marcas Vinha do Contador e Casa de Santar (Dão), Encontro (Bairrada) e Saturno (Alentejo) — decidiu agir. Com direcção-geral de Vítor Castanheira, também administrador da Global Wines, a 19|90 contratou, recentemente, Marisol Benites para o cargo de directora da unidade de negócio e responsável de enoturismo. Contratação de peso, Marisol tem no currículo passagens por casas como o grupo Vranken-Pommery Monopole (que detém a Rozès), Symington Family Estates ou Sandeman (antes desta ser adquirida pela Sogrape), onde geriu marcas e integrou equipas de enoturismo. Sob a sua coordenação, a 19|90 Premium Wines começou a desenvolver um novo projecto de enoturismo, sério e profissionalizado, mas sobretudo adaptado ao perfil de enoturista que consome vinhos e experiências segmento premium, condizentes com o potencial de Santar. “Autenticidade com patine e requinte”, resume assim Marisol Benites as WineX (Wine Experiences), que são uma das fases de investimento da 19|90 no enoturismo, (a par da construção de um “wine center”) e nas instalações de vinificação e estágio, que serão reabilitadas gradualmente.

wines santar mapaGirando em torno das adegas e vinhas da Casa de Santar (são cerca de 113 hectares, de um total de 200 no Dão), e das vinhas e do restaurante do Paço dos Cunhas — antiga casa senhorial com quatro séculos — as WineX dividem-se pelos níveis Standard, Prestige, Gold e Platinum, e não incluem apenas as habituais provas de vinho e espumantes (da enologia de Osvaldo Amado) e visitas às adegas. Essas também há, a começar nos 20 euros por pessoa, mas as estrelas são, por exemplo, o programa Santar Gold (€90 pax), com visita guiada aos jardins do Paço dos Cunhas e à emblemática Vinha do Contador, passeio de jipe pelas vinhas da Casa de Santar e até ao alto da Vinha dos Amores, um local tão romântico quanto o nome sugere, e prova de vários vinhos Casa de Santar harmonizados com tábua beirã; o Pic-Nic Beirão (€55 pax), actividade intimista com iguarias do chef Henrique Ferreira (responsável pelo restaurante Paço dos Cunhas) que também inclui visita guiada ao Paço e passeio de jipe ao redor da Casa de Santar; ou o Almoço Beirão no Sobreiro (€120 pax, mínimo de 10), uma luxuosa, mas autêntica, refeição de 5 horas à sombra do centenário sobreiro que faz companhia às vinhas do produtor, preparada pelo chef Henrique, com o seu sub-chef Alberto Correia, que explica que este almoço é inspirado “no que se trazia para comer no trabalho da vinha, e feito com produtos locais, de fornecedores próximos”. Para servir os vinhos da 19|90 Premium Wines, entra em cena André João, sommelier e chefe de sala do restaurante Paço dos Cunhas. Igualmente, esta experiência inclui a visita e passeio de jipe, que culmina na chegada ao sobreiro.

wines santar mapaAdicionalmente, o restaurante do Paço dos Cunhas de Santar inaugurou a carta de Verão que, além das opções à carta — onde constam reinvenções das estivais Sardinhas Assadas com Pimentos, dos Peixinhos da Horta e da Bifana no Pão; ou pratos de peixe como Massa Fresca de Lingueirão à Bolhão Pato, Arroz Caldoso de Polvo e Caldeirada de Peixes; e os de carne Frango do Campo de Fricassé, Barriga de Porco com Beterraba e Couve ou Bife de Cebolada — apresenta três menus de degustação: “Origens” (€27,50 pax ou €36,50 com harmonização de vinhos), “Santar” (€35 ou €50) e o menu “Do Chef” (€57,50 ou €82,50).

“Nesta área do enoturismo, o nosso objectivo foi criar experiências que permitissem avaliar o vinho no seu contexto original, perceber as suas diferenças, a sua história e a sua personalidade, associando-o à gastronomia, ao património, à cultura e à riqueza da região. Queremos que os nossos clientes conheçam bem os nossos vinhos, associando-os a experiências inesquecíveis”, esclarece Vítor Castanheira. Também a Quinta do Encontro, na Bairrada, e a Herdade Monte da Cal, no Alentejo, foram, e serão, alvo de investimento nesta área.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2022)

 

Iniciativa para restauração “Best Wine Selection” valoriza vinhos do Dão  

Best Wine Selection

O programa “Best Wine Selection” — iniciativa que nasceu de um esforço conjunto entre a ViniPortugal e a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) — tem agora o seu primeiro ensaio junto da CIM Viseu Dão Lafões, com o objectivo de valorizar o projecto “Enoturismo na Região Demarcada dos Vinhos do Dão”. Esta primeira fase, na região do […]

O programa “Best Wine Selection” — iniciativa que nasceu de um esforço conjunto entre a ViniPortugal e a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) — tem agora o seu primeiro ensaio junto da CIM Viseu Dão Lafões, com o objectivo de valorizar o projecto “Enoturismo na Região Demarcada dos Vinhos do Dão”. Esta primeira fase, na região do Dão, resulta de uma parceria promovida pela CIM Viseu Dão Lafões, com a AHRESP, o Turismo Centro de Portugal e a Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Dão.

Segundo a organização, a iniciativa tem como finalidade principal “dignificar e promover os vinhos portugueses, neste caso os vinhos do Dão, gerando uma rede de restaurantes que garanta a satisfação dos seus clientes, através da oferta de vinhos de qualidade e da prestação de um serviço irrepreensível.” 

Fruto deste projecto, os restaurantes da região Viseu Dão Lafões vão poder exibir um novo selo de qualidade, o “Best Wine Selection”, que atesta a excelência do serviço prestado no domínio dos vinhos do Dão.  Para poderem ser candidatos ao “Best Wine Selection”, os restaurantes têm de ser previamente aderentes ao programa “Seleção Gastronomia e Vinhos”, lançado pela AHRESP. Depois, devem manifestar o interesse na candidatura através do preenchimento de um boletim de inscrição, disponível no site da AHRESP.

Os restaurantes que integrem esta Rede passam a usufruir de várias vantagens, como o direito de exibirem uma placa e um diploma “Best Wine Selection”, podendo utilizar a marca para promover e divulgar iniciativas próprias, aceder a canais de promoção inerentes ao próprio programa e serem incorporados no site das entidades parceiras, com ligação a outros sites de interesse turístico. Além disso, ficam abrangidos por estímulos a processos de modernização e de implementação de boas práticas.

Feira do Vinho do Dão é em Nelas

Feira Vinho Dão Nelas

O Município de Nelas vai organizar, de 1 a 4 de setembro de 2022, mais uma Feira do Vinho do Dão. Trata-se da 31º edição deste evento já clássico, que conta, como habitualmente, com uma alargada participação de produtores da região, incluindo as casas de maior notoriedade, grandes, médias e pequenas. Além do espaço de […]

O Município de Nelas vai organizar, de 1 a 4 de setembro de 2022, mais uma Feira do Vinho do Dão. Trata-se da 31º edição deste evento já clássico, que conta, como habitualmente, com uma alargada participação de produtores da região, incluindo as casas de maior notoriedade, grandes, médias e pequenas. Além do espaço de exposição dos produtores (no jardim em frente à Câmara Municipal), onde podem ser provados os melhores vinhos que o Dão tem para oferecer, os visitantes contam ainda com mostras de artesanato e produtos regionais (queijos, enchidos, azeite), bem como, entre outros, um espaço showcooking, onde decorrem sessões de cozinha ao vivo e cozinha infantil e ainda uma Praça da Alimentação.

Paralelamente, realiza-se ainda o “Concurso Feira do Vinho do Dão – Grande Prémio Eng. Alberto Vilhena” destinado aos produtores participantes no evento. Os vinhos vencedores deste concurso serão objecto de duas provas comentadas, a realizar nos dias 3 e 4, coordenadas pelo crítico Luís Antunes. Música ao vivo e animação fazem também parte do programa do evento, que pode ser consultado na totalidade AQUI.

Chuva de prémios para Dão, Tejo, Beira Interior e Espumantes

O início do Verão coincide normalmente com a realização e anúncio de resultados de diversos concursos, promovidos quer pelas Comissões Vitivinícolas Regionais (CVR) quer por outras entidades, nacionais e internacionais. Após o interregno provocado pela pandemia, e alguma timidez em 2021, os concursos voltaram em força em 2022. Entre eles, o XIII Concurso “Os Melhores […]

O início do Verão coincide normalmente com a realização e anúncio de resultados de diversos concursos, promovidos quer pelas Comissões Vitivinícolas Regionais (CVR) quer por outras entidades, nacionais e internacionais. Após o interregno provocado pela pandemia, e alguma timidez em 2021, os concursos voltaram em força em 2022.

Entre eles, o XIII Concurso “Os Melhores Vinhos do Dão”, promovido pela CVR desta região. Como grande vencedor, o tinto Villa Oliveira Vinha das Pedras Altas 2016, considerado o melhor vinho a concurso, produzido por uma casa “repetente” nestas distinções, O Abrigo da Passarella. Destaque ainda para outros quatro vinhos medalhados com Platina: Tesouro da Sé Private Sellection branco 2017, Casa da Passarella A Descoberta rosé 2021, Casa de Santar Vinha dos Amores Encruzado 2017 e Quinta do Cerrado Espumante Reserva rosé 2016, cada um em sua categoria. A lista completa de premiados pode ser aferida no website www.cvrdao.pt

Melhor vinho a concurso na Beira Interior, Adega 23 Reserva tinto 2018.

Também na Beira Interior, a CVR local organizou a 15ª edição do concurso regional. O troféu mais ambicionado, “Melhor Vinho a Concurso”, coube ao Adega 23 Reserva tinto 2018, tendo sido atribuídas mais 14 medalhas de ouro e 10 medalhas de prata. Este ano, a organização deliberou atribuir igualmente prémios para “Melhor Vinho no Feminino” (Bodas Reais Grande Escolha Síria branco 2019), “Melhor Imagem” (Quinta do Cardo Síria branco 2021) e “Melhor Imagem no Feminino” Almeida Garrett TNT tinto 2018. Detalhes em www.vinhosdabeirainterior.pt

O clássico Concurso Mundial de Bruxelas continua ser bem recebido em Portugal, tendo escolhido Anadia para realizar a sua primeira edição dedicada a espumantes, com cerca de 1000 amostras de 23 países distintos. Os espumantes portugueses, e em particular os da Bairrada, não se saíram nada mal. Atenção particular, com Grande Ouro e troféu “Espumante Revelação de Portugal”, ao Quinta dos Abibes Baga Bairrada branco 2015. Grande Ouro recebeu igualmente o Quinta de S. Lourenço Blanc de Noirs branco 2011, de Caves do Solar de São Domingos. Dão, Península de Setúbal, Vinho Verde e Lisboa foram outras regiões nacionais que tiveram espumantes premiados. Resultados completos em https://concoursmondial.com

Enólogos do Ano, do Tejo: João Vicêncio e Nuno Faria.

Finalmente, os “Prémios Vinhos do Tejo” seguiram outro caminho, evidenciando não vinhos concretos mas sim as pessoas e as empresas que os originam. Assim, por iniciativa da CVR Tejo, foram premiadas as empresas Enoport (“Empresa de Excelência”), Encosta do Sobral/Santos & Seixo (“Empresa Dinamismo”) e Companhia das Lezírias (“Prémio de Sustentabilidade”). Nuno Faria e João Vicêncio, da Enoport, foram eleitos como “Enólogos do Ano” e Pedro Castro Rego foi distinguido com o ‘Prémio Carreira’.

Grande Prova – Brancos do Dão

Grande Prova Dão

No solar do Encruzado Imaculados a nível de qualidade e frescura, cada vez mais os brancos do Dão apresentam matizes diferenciadoras entre si. Fruto da neutralidade que a casta Encruzado apresenta nos primeiros anos em garrafa e da personalidade que ganha com o tempo, surgem estilos e perfis que vão desde a mineralidade pura até […]

No solar do Encruzado

Imaculados a nível de qualidade e frescura, cada vez mais os brancos do Dão apresentam matizes diferenciadoras entre si. Fruto da neutralidade que a casta Encruzado apresenta nos primeiros anos em garrafa e da personalidade que ganha com o tempo, surgem estilos e perfis que vão desde a mineralidade pura até fruta branca e mesmo algum exotismo. Em comum têm o elevado nível geral e preços tendencialmente cordatos.

 

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Notas de prova:  João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia

Nos últimos dez anos, os brancos portugueses desmistificaram quaisquer preconceitos sobre a sua enorme qualidade. Naturalmente, os vinhos à disposição dos consumidores hoje são fruto de um trabalho anterior, seja pela replantação de vinhas, ou recuperação de castas esquecidas, seja na afinação de estilos menos óbvios, como por exemplo com menos recurso a madeira nova durante o estágio. Ora, uma das regiões com melhores condições para brancos nacionais de excepção é, sem dúvida, o Dão.

Por um lado, existem razões relativamente óbvias para isso, sendo disso bom exemplo os invernos frios e uma significativa altitude das vinhas (frequentemente acima dos 350m ou mais do nível do mar), bem como solos genericamente compostos por areias graníticas, tudo condições que aportam frescura aos vinhos. Mas, por outro lado, e olhando mais em pormenor, no caso do Dão outra razão existe e chama-se… Encruzado. Com efeito, nos últimos 20 anos, a fama da uva Encruzado confunde-se com a notoriedade crescente do vinho branco do Dão. Não o dizemos pela presença da casta no encepamento que, sendo crescente, está muito longe de ser dominante, mas essencialmente pela qualidade e consistência dos vinhos finais que proporciona. Efectivamente, o Encruzado, em pouco mais de década e meia, passou de singelamente admirado pela crítica especializada para gozar de uma justa fama junto dos consumidores. Arriscamo-nos a dizer que essa associação de casta a um território aumentou o valor da região do Dão junto dos apreciadores de vinhos brancos. Prova disso é que nunca ouvimos um consumidor a dizer que não gosta de Encruzado; e convenhamos que é difícil não gostar…

A referida associação entre o Encruzado e a região do Dão não é, todavia, isenta de nuances. A primeira delas respeita, como referimos, à sua limitada presença no encepamento. Existe uma significativa mancha de vinha velha branca no Dão, mas curiosamente surge a casta Malvasia Fina como muitas vezes dominante, a par de muitas outras uvas, como seja o Cerceal-Branco, Fernão Pires, Bical, Verdelho, Barcelo, Terrantez e outras com os habituais nomes curiosos de Uva-Cão, Cachorrinho, ou Douradinha…. Com efeito, o Encruzado é minoritário nessas vinhas velhas, tendo sido trazido para o palco principal na sequência das provas organizadas por Alberto Vilhena nos anos 50 do século passado no seio do Centro de Estudos Vitivinícola do Dão, em Nelas. Para se ter uma noção, actualmente, na região, o Encruzado está longe de ultrapassar 300 hectares de mancha total, ou seja, praticamente 3 vezes menos do que a Malvasia Fina e 2 vezes menos do que a omnipresente Fernão Pires…

Ainda a respeito da casta Encruzado, mas o mesmo sucedendo com as variedades Barcelo e Uva-Cão (ambas com cada vez maior aceitação junto de produtores e enólogos), e por esta poder ser relativamente neutra (de aroma e sabor) nos primeiros meses após o engarrafamento, tem cabido às opções de vinificação e de enologia trabalhar e exaltar algumas matizes. Por isso, no painel de vinhos provados encontrámos desde registos mais minerais (pedra molhada, minerais quebrados e até notas de giz, por vezes sinal de alguns tipos de redução) que se aproximam melhor da pureza da casta, passando por frutados (um ou outro quase tropical até), e finalmente outros mais florais (quase sempre decorrente de estágio em barrica). Em todos os vinhos, contudo, encontrámos excelentes acidezes totais e uma positiva percepção de óptima longevidade. Aliás, mesmo nos vários casos em que a casta Encruzado não aparece a solo, o pendor mineral e fresco foi uma constante nos vinhos provados.

A dupla Encruzado-Malvasia Fina (esta última de carácter mais frutado e floral) continua a aparecer em vários lotes, mas cada vez mais encontramos, sobretudo nos topos de gama, a utilização apenas de Encruzado, quando muito com recurso à companhia de pequena percentagem de Bical. A ligação funciona muito bem, pois enquanto o Encruzado proporciona nervo e agradece a utilização de barrica, a casta Bical aporta maior riqueza aromática e finura em boca. No geral, os brancos do Dão melhoram muito com 5 ou mais anos em garrafa, essencialmente por desenvolverem maior complexidade aromática e comprimento de boca, sem oxidações precoces ou perda de frescura. Talvez por isso, poucos foram os vinhos de 2020 que entraram no painel em prova, sendo que um dos primeiros classificados é, inclusivamente, um blend formado com vinhos de vários anos.

Mas se o Encruzado não é uma das castas há mais tempo reconhecida, o mesmo não se pode dizer da região do Dão. Demarcada em 1908 tem o nome do rio que percorre parte da região, cruza alguns dos seus melhores terroirs (como seja Penalva do Castelo e Santa Comba Dão) e desagua no Mondego. Com solos generalizadamente graníticos, divide-se por 7 sub-regiões, desde a solarenga Silgueiros até à invernosa Serra da Estrela. Entre os dois rios encontramos Nelas e Mangualde com as respetivas manchas vínicas, a este Seia e Gouveia e na fronteira sul a região de Arganil. Trata-se de uma região na qual a vinha tem forte implementação no dia-a-dia (incluindo para produção e consumo próprio das populações), mas a mesma está, todavia, dispersa por floresta (tantas vezes de eucaliptos), por pequenas e grandes aldeias, e até por alguma indústria.

Prova branco DãoPor vezes conhecida como a ‘Borgonha de Portugal’, pela fineza de brancos e tintos, é curioso notar uma aproximação entre as castas Chardonnay e o Encruzado na medida em que ambas enriquecem com a fermentação e estágio em barrica… A região tem como inequívoco predicado a paternidade de duas das melhores variedades nacionais: o Encruzado nos brancos e a Touriga Nacional nos tintos. Aliás, a par de expressões muito residuais de Sémillon, Sauvignon Blanc, Pinot-Blanc e Pinot Noir, a região é plantada quase exclusivamente de castas nacionais, muitas delas locais. Na última década e meia tem beneficiado do surgimento de novos produtores, simultaneamente ambiciosos e conservadores das melhores práticas. Exemplos do que vimos escrevendo são os investimentos recentes na histórica Quinta da Passarella (destaque para a enorme recuperação das vinhas e do património edificado), mas também da Niepoort, e mais recentemente MOB e Taboadella (com a adega mais bonita da região, e não só…). Com esses investimentos vieram enólogos de outros pontos do país para a região, que se juntariam a uma nova fornada local. Tanto assim é que, hoje em dia no Dão, nomes como Paulo Nunes, Nuno Mira do Ó, Jorge Alves, Jorge Moreira, Jorge Serôdio Borges e Xito Olazabal, Luis Lopes, ou Mafalda Perdigão juntam-se a quem há mais tempo oficia por estas terras, caso de Nuno Cancella de Abreu, Carlos Lucas, João Paulo Gouveia, Osvaldo Amado, Paulo Narciso, Carlos Silva ou Anselmo Mendes, entre outros. Pois bem, pedimos a alguns destes profissionais que elencassem o que os surpreende positivamente nos brancos da região, e as respostas foram maioritariamente no sentido de enaltecer a gordura natural dos vinhos na prova de boca (sobretudo do Encruzado) que dispensa, por vezes, a operação de battonage. Outro feedback que obtivemos foi a capacidade de resistência à oxidação, mesmo em mostos e vinhos com menos utilização de sulfuroso. Alguns dos melhores vinhos em prova tiveram efetivamente longos estágios em barrica, sem ou com pouquíssimo sulfuroso, em borras finas, mas muitas vezes sem necessidade de battonage. Aliás, a este respeito, julgo não existir melhor forma de fechar este texto do que elogiar a capacidade única do Dão em proporcionar brancos naturalmente com perfis de vinhos de guarda, salinos e minerais, quase sempre centrados em aromas secundários e, se mantidos alguns anos em cave, deliciosas componentes terciárias. Há lá melhor coisa?

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2022)

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