Grande Prova: Tintos do Dão – Touriga e mais além

A região do Dão é das mais clássicas e respeitadas em Portugal. O próprio nome Dão (que se refere a um rio…) é uma marca que qualquer consumidor imediatamente identifica como região de vinho. Parece que não, mas isso não sucede com todas as regiões portuguesas… Tal reconhecimento resulta, sobretudo, de séculos de produção de vinho afamado. Reza a história, que antes da partida dos portugueses para a conquista de Ceuta, foi servido vinho do Dão nos luxuosos festejos organizados pelo Infante D. Henrique em Viseu… Uma coisa é certa: já no século XIX, a exportação para França e Brasil de vinhos produzidos na área que hoje conhecemos como Dão superava a de outros territórios vitivinícolas portugueses (com excepção do vinho do Porto, claro). Os consumidores reconheciam autenticidade e qualidade no vinho do Dão, e a região cedo se assumiu como das mais reputadas a nível nacional para a produção de vinho. Prova também do sucesso na comercialização, é a existência de registos que relatam que os vinhos ali produzidos eram, muitas das vezes, comercializados a preços mais elevados que a média nacional, sobretudo após alguns desses vinhos terem obtido distinções nas grandes exposições nacionais e internacionais da altura, em Lisboa, Londres, Berlim e Paris. Igualmente demonstrativo da vetustez da fama dos vinhos do Dão, é que a região foi estabelecida, formalmente, no distante ano de 1908 (mais de 110 anos de história, portanto!), sendo que dois anos mais tarde foi aprovado o regulamento para a produção e comercialização dos vinhos aí produzidos. Com esta decisão, o Dão integrou (com Vinhos Verdes, Colares e Bucelas) o primeiro grupo de regiões de vinhos não licorosos a serem demarcadas e regulamentadas no nosso país. Algumas décadas volvidas, e a região do Dão já beneficiava da presença de produtores de renome, sendo que algumas propriedades eram vistas como pioneiras e mesmo modelo a nível nacional, caso da Casa da Ínsua, Conde de Villar Seco, Conde de Santar ou José Caetano dos Reis.

A região do Dão é delimitada a sul por Arganil e a norte por Aguiar da Beira, num total de 388 000 hectares, sendo que 18 000 hectares se encontram plantados com videiras, dos quais 13 500 é vinha aprovada para DO Dão e IGP Terras do Dão. Ao nível do relevo, tem como principal característica o facto de ser circundada por um conjunto de grandes serras — a poente encontra-se a serra do Caramulo, a sul o Buçaco, a norte a serra da Nave e a leste a imponente Estrela —, que a protegem das influências exteriores ao constituírem uma barreira às massas húmidas do litoral ou aos agrestes ventos continentais da não distante Espanha. Com solos generalizadamente graníticos, divide-se por 7 sub-regiões, desde a solarenga Silgueiros até à invernosa Serra da Estrela. O acidentado do terreno — marcado pela passagem de três rios importantes, o Dão, o Mondego e o Alva — e o tecido económico-social potenciam o minifúndio. O cultivo da vinha está bem implementado na região, e é muito disperso, ainda que nem sempre facilmente visível devido às muitas manchas de floresta (com o eucalipto bem presente) e de rocha granítica, com algum afloramento de xisto no sul da região. O clima, muitas vezes (incorretamente) apelidado de mediterrânico é sim temperado nas estações intermédias como Primavera e Outono (com temperatura média por volta dos 16-18ºC), sempre com bons níveis de precipitação (média entre 1200 – 1300 mm). Nas zonas mais altas, os Invernos podem ser rigorosos (com dias consecutivos de neve) e, nas mais baixas, o Verão pode ser caracterizado como seco, com vários dias com temperaturas acima dos 30ºC, mas beneficiando quase sempre de noites relativamente frescas. A vinha está, como acima referido, bem disseminada pela região e, no que toca a altitude, situa-se entre os 200 e os 800 metros, sendo que é entre os 400 e os 500 metros que vegeta em maior quantidade.
Passado, presente e futuro

 

Com um passado tão glorioso e condições naturais tão específicas, não espanta que o presente seja risonho e o futuro promissor. Depois das últimas décadas do anterior milénio terem sido menos fáceis, período em que outras regiões nacionais despontaram e se consolidaram, a segunda década do novo milénio (2010-2020) revelou uma renovação do Dão assente em investimentos recentes, sendo disso bom exemplo as históricas Quinta da Passarella (destaque para a enorme recuperação das vinhas e do património edificado), e Taboadella (com uma das adegas mais bonitas do país). Mas não só, falamos também do projeto MOB (dos enólogos durienses Jorge Moreira, Xito Olazabal e Jorge Serôdio Borges), da Niepoort que adquiriu a Quinta da Lomba, da Quinta da Alameda, da Quinda da Sancha, do projecto Textura Wines, entre outros. Com esses investimentos vieram enólogos de outros pontos do país para a região, que se juntariam a uma nova fornada local. Tanto assim é que, hoje no Dão, nomes como Paulo Nunes, Nuno Mira do Ó, Jorge Alves, Luis Lopes, Luis Seabra, João Cabral de Almeida, Mafalda Perdigão ou Pedro Ribeiro juntam-se a quem há mais tempo oficia por estas terras, casos de Nuno Cancella de Abreu, Manuel Vieira, Carlos Lucas, Sónia Martins, Osvaldo Amado ou Paulo Narciso, entre outros. Com efeito os, investimentos recentes muito beneficiaram da fundação de um Dão moderno, que em muito deve a produtores e cooperativas que se modernizaram precisamente no final dos anos ’90, caso da UDACA, Global Wines, Quinta dos Carvalhais, Casa Agrícola de Santar, Lusovini, União Comercial da Beira, ou Adega Coop. de Penalva do Castelo, entre outras. Não espanta, assim, que, de forma progressiva, os excelentes vinhos do Dão sejam cada vez mais valorizados, dentro e fora do país, na senda do que o eram há décadas. Por falar de estrangeiro, em 2022, os vinhos da região demarcada do Dão tiveram um aumento do volume de vendas de mais de 18%, e de 16% no preço medio, (dados do INE), muito acima da média nacional. Ainda quanto ao ano transacto, falamos de mais de 24,5 milhões de euros de facturação, com as vendas para o estrangeiro, tendo como principais mercados de destino o Canadá, a Alemanha, os Estados Unidos da América, a Bélgica e o Brasil.

A prova: as castas e os vinhos
Um dos aspectos mais interessantes do painel foi constatar que os vinhos em prova, tanto de lote como monocasta, foram produzidos essencialmente com recurso a uvas das mesmas 3 ou 4 castas, todas autóctones e, com excepção da Tinta Roriz (e, cada vez mais, da Touriga Nacional), praticamente exclusivas da região. Por isso, quando fomos estudar os registos da CVR, os números e dados estatísticos não nos surpreenderam. Temos, portanto, as castas Jaen e a Touriga Nacional como as variedades tintas actualmente mais presentes no encepamento da região, seguidas de perto pela Tinta Roriz, sendo que Alfrocheiro, Baga e Rufete/Tinta Pinheira também marcam presença, mas a grande distância das anteriormente referidas. Ora, foi isso mesmo que encontrámos na nossa prova — essencialmente vinhos de lote e alguns monocastas de Touriga Nacional, de Alfrocheiro e até, mas menos, de Jaen. Isto quer dizer, também, que não provámos nenhum vinho que tivesse uva de castas “de fora” (com a potencial excepção de algum Alicante Bouschet presente em vinha velha…), o que, não sendo inédito no país, é de assinalar. Por falar em vinha velha, algumas existem com encepamentos muito antigos, onde encontramos castas como Alvarelhão, Castelão, Trincadeira, Uva Cão, ou Tinta Carvalha. Outro aspeto muito positivo que retiramos da prova foi constatar que, com algumas excepções, todos os vinhos se revelaram muito elegantes e com teores alcoólicos ajustados entre os 12,5% e os 14%. Quase sempre com perfis gastronómicos, acidezes média-altas e óptima frescura, muitos foram os casos de tintos a revelarem uma perfeita evolução em garrafa, seja com 5 anos de idade (jovens, mas já a dar boa prova), seja com 15 (ainda cheios de saúde). Com efeito, a fama da região na produção de vinhos macios e longevos ficou comprovada, com os néctares mais jovens a encontrarem-se austeros e profundos e os mais antigos a revelarem grande complexidade e elegância. A par da silhueta gastronómica, é impossível não destacar algum classismo no recorte dos vinhos provados, na medida em que estivemos, quase sempre, perante tintos de boa concentração com barrica discreta e notas aromáticas clássicas na região, como seja aquelas derivadas de matizes florais maduras, como violetas e rosas, e as provenientes de sensações vegetais secas, como casca de árvore e caruma. Em conclusão, tivemos uma prova assombrosa na qualidade e consistência, na qual provámos alguns dos melhores tintos produzidos em Portugal e na qual também descobrimos grandes escolhas resultantes do binómio preço + qualidade. O facto acima destacado de os vinhos serem quase todos produzidos a partir das mesmas castas revela uma região orgulhosa das suas variedades e que privilegia as uvas mais bem-adaptadas ao território. Destapa-se, assim, uma região singular, com tanto de Velho Mundo como de novos desafios. Uma região única com vinhos maravilhosos!

(Artigo publicado na edição de Abril de 2023)

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