Adeus Renato
O nome de Renato Santos pouco ou nada dirá ao mundo do vinho, sejam profissionais ou apreciadores. No entanto, é um facto incontornável que sem ele nunca teria existido Revista de Vinhos. E que o lançamento e consolidação da Grandes Escolhas teria sido bem mais difícil. Na pequena editora, chamada Socedite, que, em 1984, me […]
O nome de Renato Santos pouco ou nada dirá ao mundo do vinho, sejam profissionais ou apreciadores. No entanto, é um facto incontornável que sem ele nunca teria existido Revista de Vinhos. E que o lançamento e consolidação da Grandes Escolhas teria sido bem mais difícil. Na pequena editora, chamada Socedite, que, em 1984, me ofereceu o primeiro trabalho a tempo inteiro enquanto jornalista, Renato Santos era sócio proeminente, responsável por toda a área gráfica (licenciado em Direito, nunca exerceu a advocacia). Nessa editora, orientei revistas de informática, caça, pesca, automóveis todo-o-terreno. Até que o Renato, farto de me ver organizar e colocar no mercado revistas sobre temas que pouco ou nada lhe diziam, me falou de lançar uma revista sobre vinhos. Ele adorava cozinhar e abrir boas garrafas. Alguns anos mais velho do que eu, dava-me lições sobre o assunto, conhecia as melhores marcas, fez-me provar, pela primeira vez, o Cartuxa, sua marca de eleição.
Renato acreditou sempre no sucesso de uma publicação de vinhos mensal e dissipava as minhas inseguranças dizendo que se eu era capaz de escrever sobre computadores, caça ou automóveis, também saberia escrever sobre vinhos. Nos seis meses que antecederam o lançamento da revista, em dezembro de 1989, acompanhou-me nas minhas viagens de aprendizagem por dezenas de produtores. Só quando a revista entrou em velocidade de cruzeiro ele se afastou mais, mas sempre comentando e criticando cada edição.
A vida dá muitas voltas, o Renato deixou a Socedite, e criou a sua própria empresa de artes gráficas, a RPO. A revista também foi passando de mão em mão até os seus dinamizadores, João Geirinhas e eu próprio, acharmos que era hora de lançar algo nosso. Tínhamos quem escrevesse, mas era preciso paginar, imprimir, e isso custa dinheiro. Quando fomos falar com o Renato Santos, vi nele aquela centelha, aquele gozo de participar novamente na criação de uma publicação de vinhos. A Grandes Escolhas superou os primeiros meses, até as receitas começarem a entrar, porque Renato Santos lhe deu crédito moral e financeiro. Tal como o fez nos tempos medonhos da pandemia, quando dos eventos cancelados colocavam tudo em risco.
É verdade que os amigos são para as ocasiões. Mas o Renato foi daqueles amigos que esteve mesmo lá nos momentos em que era preciso. Sem ele, eu nunca teria entrado neste mundo vínico que adoro, estaria a escrever sobre outras coisas. Sem ele, tudo teria sido muito mais difícil na minha “segunda vida” profissional. Há poucos dias recebi a notícia de que Renato Santos nos deixara. Haverá muitas formas de o lembrar, entre os seus muitos amigos cada um terá a sua. Eu vou abrir uma garrafa de Cartuxa, em memória dos grandes momentos que passámos. Sei que ele iria gostar. Luís Lopes
Evento Vinhos & Sabores discute Enoturismo em colóquio para produtores
Destina-se aos produtores de vinho participantes no evento Grandes Escolhas | Vinhos & Sabores — a maior feira de vinhos do país, que acontece, este ano, de 14 a 16 de Outubro na FIL, em Lisboa — e é de entrada livre. O colóquio “Como potenciar a sua exploração para um Enoturismo de sucesso?”, organizado […]
Destina-se aos produtores de vinho participantes no evento Grandes Escolhas | Vinhos & Sabores — a maior feira de vinhos do país, que acontece, este ano, de 14 a 16 de Outubro na FIL, em Lisboa — e é de entrada livre. O colóquio “Como potenciar a sua exploração para um Enoturismo de sucesso?”, organizado pela Grandes Escolhas em colaboração com o Turismo de Portugal, terá lugar no PT Meeting Center da FIL, na segunda-feira dia 16 (dia dedicado a profissionais), com início marcado para as 09h00 e fim às 11h00, mesmo antes da abertura da feira.
Com este colóquio sobre Enoturismo, a Grandes Escolhas e o Turismo de Portugal procuram incentivar os produtores de vinho a fazer crescer o seu negócio, apostando no Enoturismo e tirando partido das potencialidades da sua propriedade ou exploração.
No programa do colóquio, estão previstos os seguintes momentos:
- Enoturismo em Portugal: Ponto da situação do Enoturismo com base no inquérito de 2022 ao sector do Turismo de Portugal.
- O Enoturismo na Região de Turismo Porto e Norte: Rota do Enoturismo de Trás-os-Montes, Rota dos Vinhos do Douro e do Porto, Rota dos Vinhos e Espumantes de Távora-Varosa e Rota dos Vinhos Verdes. Por Agostinho Peixoto, do Turismo Porto e Norte.
- Enoturismo. O tamanho não importa: António Pé-Curto foca-se nos pequenos e médios produtores, realçando a importância de um auto-diagnóstico de capacidades, de forma a que se tire partido daquilo pode diferenciar e potenciar um produtor.
- Herdade da Malhadinha Nova: Apresentação de um caso de sucesso no Enoturismo, no Alentejo, por Rita Soares.
Feira Vinhos & Sabores 2023 recebe grupo de profissionais internacionais
No sentido de elevar, além-fronteiras, o reconhecimento dos vinhos portugueses e de impulsionar as suas exportações, a Grandes Escolhas convidou um relevante grupo internacional de importadores, compradores profissionais, jornalistas especializados e Masters of Wine a visitar a feira Vinhos & Sabores, durante os dias 14, 15 e 16 de Outubro, na FIL – Feira Internacional […]
No sentido de elevar, além-fronteiras, o reconhecimento dos vinhos portugueses e de impulsionar as suas exportações, a Grandes Escolhas convidou um relevante grupo internacional de importadores, compradores profissionais, jornalistas especializados e Masters of Wine a visitar a feira Vinhos & Sabores, durante os dias 14, 15 e 16 de Outubro, na FIL – Feira Internacional de Lisboa.
Durante a sua permanência em Lisboa, estes especialistas internacionais terão oportunidade de participar em provas comentadas, contactar produtores directamente e cumprir um programa organizado especialmente para o grupo estrangeiro.
Algumas informações sobre os visitantes:
- Elizabeth Gabay MW, França
Master of Wine desde 1998 e de nacionalidade americana — mas actualmente residente em Provença, França — esta wine writer, considerada uma das maiores especialistas em rosés, encontra-se a desenvolver um projecto em torno destes vinhos, vindo agora a Lisboa conhecer produtores e vinhos rosé portugueses para o trabalho “Club Oenologique Premium Rosé Report”.
- Ben Barheim, Alemanha
Colaborador de Elizabeth Gabay, está também envolvido no projecto “Club Oenologique Premium Rosé Report”.
- Vaidotas Burbulis – Lituânia
Proprietário da Burbulio Vynine UAB — www.burbuliovynine.lt — uma empresa sediada em Vilnius (Lituânia) que importa, desde 2010, vinhos de Itália, França, Espanha, Portugal, Geórgia e outros países. É uma loja de vinhos/wine bar, revendedor para o canal HoReCa e online. Tem um volume de negócios de 1 a 2,5 milhões de euros.
- Kjell Bogvad – Suécia
É gerente da Starkstrom Wine AB — www.starkstromwine.com — uma empresa que importa vinho de Portugal. Representa produtores de vinho de todas as regiões de Portugal no mercado sueco.
- Alessio Petito – Itália
Proprietário da Apewineboxes — www.apewineboxes.com — uma loja de vinhos online italiana, importadora e revendedora, líder em Itália na venda de vinhos “artesanais”, com mais de 500 produtores “naturais” e biodinâmicos em portfólio. Importa sobretudo de Espanha, Portugal e Grécia. Tem um volume de negócios de quase 2 milhões de euros.
- David Kelly – Reino Unido
É proprietário da Great Wines Direct — www.greatwinesdirect.co.uk — uma premiada empresa de vinhos online do Reino Unido, fundada em Londres em 2003. Com milhares dos melhores vinhos do mundo em portefólio, incluindo uma grande selecção de vinhos portugueses de várias regiões, factura cerca de 2 milhões de libras.
- Michael O’Brien – Irlanda
Michael é proprietário da Grace Campbell Wines — www.gracecampbellwines.ie — fundada em 2003, uma importadora especializada em vinhos portugueses, na Irlanda.
Distribui para muitos restaurantes irlandeses, lojas de vinho independentes, lojas gourmet, clubes de golfe e estabelecimentos privados. O volume de negócios aproxima-se dos 5 milhões de euros.
- Robert Biever – Países Baixos
Robert é o proprietário do Alentejo Wijnen — www.alentejowijnen.nl — um distribuidor neerlandês, retalhista, e-commerce de vinhos portugueses. É também organizador de provas de vinhos portugueses em Haia e De Meer.
- Irek Wis – Polónia
Jornalista, colaborador de revistas especializadas, foi o vencedor do melhor texto sobre vinhos portugueses no concurso WineForum.
- Yaroslav Yushchenko e Katerina Yushchenko – Ucrânia
Proprietários da Ukrainian Wine & Spirit School, desenvolvem, neste momento, a sua actividade em Londres, onde têm uma empresa de exportação de vinhos para a Ucrânia.
- Christer Byklum – Noruega
Jornalista, crítico de vinhos, proprietário do site especializado www.tastingbook.com, conta com mais de 17 anos de experiência e dezenas de milhares de provas. É especialista em vinhos de Bordéus, Borgonha, Porto, Madeira e Riesling alemães.
- Fredrik Åkerman – Suécia
Jornalista e wine writer, escreve sobre vinhos portugueses em várias publicações desde 1996. Encontra-se a passar uma temporada em Portugal, enquanto escreve o seu 2º livro sobre os nossos vinhos.
Os melhores brancos do Douro: Do xisto ao granito
É sabido que os brancos nacionais estão cada vez melhores no país de norte a sul. Talvez não se imagine tão facilmente que boa parte dos melhores vinhos desse lote venha do Douro, território até há pouco tempo associado quase exclusivamente a tintos. A cada colheita que passa, sobretudo das gamas superiores, os brancos do […]
É sabido que os brancos nacionais estão cada vez melhores no país de norte a sul. Talvez não se imagine tão facilmente que boa parte dos melhores vinhos desse lote venha do Douro, território até há pouco tempo associado quase exclusivamente a tintos. A cada colheita que passa, sobretudo das gamas superiores, os brancos do Douro impõem-se como vinhos ambiciosos e de carácter, onde a presença do terroir se encontra tão, ou mais marcada, do que nos tintos da mesma região.
Texto: Nuno de Oliveira Garcia
Fotos: Ricardo Palma Veiga
Talvez não faça sentido um excurso longo sobre a razão por detrás da percepção de que o Douro é uma região de tintos. De forma resumida, em qualquer caso, relembre-se que tal decorre, antes do mais, do legado do Vinho do Porto, sector que, apesar da significativa e histórica produção de brancos, centrou a sua imagem de prestígio e longevidade nos tintos rubys, com destaque para os vintages. Com efeito, sempre houve a produção de alguma uva branca para Porto, a partir de castas como a Malvasia Fina. Com raríssimas excepções, no entanto, o Porto branco foi relegado para o início da refeição, a solo ou em cocktail, e a pouca apetência dos consumidores nacionais para bebidas de aperitivo (tema cujo desenvolvimento daria um novo artigo) catalogou-o como um vinho menor.
Outra condição natural para o sucesso dos tintos na região relaciona-se com o solo xistoso e com o verão duriense, muitas vezes escaldante. Se o xisto funciona como um intensificador para os vinhos tintos, nos brancos a acidez perde-se com muita facilidade (literalmente, de um dia para o outro…) levando a vinhos, por vezes, demasiado pesados e com menos sensação de frescura. Por isso, a região produz mais tinto, sem dúvida, mas, rigorosamente, tudo depende dos anos agrícolas. Com efeito, existem anos em que a produção de DOP tinto é quatro vezes maior do que a de branco, caso da colheita de 2019, mas outros em que é apenas pouco mais que o dobro, como sucedeu na de 2018. A tendência geral é, em qualquer caso, para que a produção de tinto se manifeste duas a três vezes superior à do branco.
Outra circunstância que explica a associação do Douro a vinhos tintos assenta no facto de terem sido tintos os primeiros Douro não fortificados que, a partir das décadas de ’60 (os pioneiros) e sobretudo de ’90 do século passado, ganharam estatuto de grandes néctares nacionais. É certo que sempre houve brancos do Douro não fortificados com fama – lembramo-nos do Grantom Branco Especial Seco da Real Companhia Velha (as melhores colheitas que provámos eram as de 1963 e 1965), mas eram tintos os vinhos mais respeitados. Afinal de contas, tanto Barca Velha como Reserva Especial eram, e são, apenas tintos. Como o Quinta do Cotto Grande Escolha, e os primeiros Quinta da Gaivosa. Foi preciso esperar que, três anos depois do Duas Quintas branco já vingar na restauração, e de alguns ensaios mais ou menos sucedidos (como o famoso Riesling da Quinta da Pacheca), o inconformado Dirk Niepoort procurasse na colheita de 1995 a finura das vinhas em altitude, e as melhores barricas francesas para fermentar e estagiar o seu Redoma. Entretanto, o Quinta dos Bons Ares começava a dar nas vistas, precisamente pela frescura da cota alta, e colheitas como 1997 e 1998 são de grande recorte. Apesar destas tentativas bem-sucedidas, em 1997, o quadro de honra de brancos do Roteiro Prático dos Vinhos Portuguese de José Salvador continha apenas um único Douro (maioria para os Vinhos Verdes e Bairrada), nem mais nem menos do que o Sogrape Reserva 1995. Mas, depois do Redoma do mesmo ano, a revolução estava em curso, e bastou poucos anos mais para se encontrarem novos brancos com barrica, sendo disso bom exemplo o Gouvyas Reserva nos primeiros anos do novo século e o Duas Quintas Reserva. E em 2001, Domingos Alves de Sousa lança o seu primeiro Reserva Pessoal, recuperando, segundo o próprio, os brancos “à moda antiga”, um vinho de enorme personalidade e que, à sua maneira, resgatava o passado traçando um futuro novo.
Xistos e granitos
O que os primeiros anos do novo milénio vieram mostrar foi, portanto, que o Douro também tinha uma palavra a dizer nos brancos, da mais fresca e chuvosa sub-região do Baixo Corgo até à seca e continental sub-região do Douro Superior, passando pelo Cima Corgo. Por um lado, não se pode dizer que todo o Douro é xisto a torrar ao sol, posto que os altos do Douro – e são vários numa região definitivamente montanhosa – são relativamente frescos mesmo no verão, e os invernos são muito frios. Acresce que existem ilhas de solo granítico, e vários solos de transição, que garantem a tão-procurada sensação de frescura e mineralidade, sem descurar a maturação. Com efeito, nos grandes maciços de xisto penetram frequentemente formações geológicas graníticas como sucede junto a Alijó, ao planalto de Carrazeda de Ansiães e até à foz do Sabor, ou mesmo na zona do Pocinho, Freixo de Numão, Seixo de Numão e entre Fontelo e Sande. Estas formações graníticas dão origem a solos de textura ligeira, pobres e ácidos, com reduzida capacidade de retenção para a água, que, em altitude, têm-se revelado perfeitos para a produção de brancos de qualidade. Acresce, que foi descoberto o tesouro das vinhas velhas, sendo que, nos últimos anos, foi ver uma autêntica corrida por elas entre produtores e enólogos. Falamos de vinhas entre os 40 e os 100 anos, com várias castas misturadas (cerca de 10 castas diferentes, bem menos do que nas vinhas tintas). Ao longo dos anos, o Douro soube manter (talvez melhor do que nos tintos) quase intacta essa diversidade de castas brancas tradicionais, possibilitando que os enólogos escolham esta ou aquela variedade conforme o perfil pretendido ou conforme o terroir. Seja a exuberância do Gouveio e Moscatel Galego, o corpo e intensidade da Viosinho ou do Folgazão, o floral da Códega, a frescura e acidez do Rabigato e do Arinto, ou a complexidade subtil da Códega do Larinho. O contributo de outras castas “de fora”, como seja o Alvarinho com o seu perfume a acidez, vieram trazer o “sal e a pimenta” que por vezes pode fazer a diferença. Mas o Douro quer mais, e os recentes estudos e ensaios com castas brancas antigas presentes na vinha isso o demonstram, caso bem visível no produtor Real Companhia Velha que tem lançado monocastas como Samarrinho, Donzelinho branco ou Moscatel Ottonel, todas de enorme aprumo. Haverá, então, um lote perfeito no Douro para vinho branco? Não é fácil dizê-lo e dependerá da sub-região e do terroir, mas é seguro afirmar que muitos topos de gama actuais não descuram o Rabigato (sobretudo no Douro Superior) e o Gouveio, sendo que o Arinto e a Códega são também castas de eleição. O Viosinho ainda se monstra muito presente nos lotes, apesar de ter perdido nos últimos anos alguma hegemonia na afirmação como casta branca rainha da região.
Estilos e perfis
Para Rita Marques, cujo seu Conceito Único se mostrou imperial em prova, a razão do sucesso da região é um encepamento branco muito bem-adaptado, com castas, essencialmente o Rabigato e Gouveio, na sua opinião, em total harmonia com o terroir. Jorge Serôdio Borges, outro vencedor com o seu Guru, concorda e salienta a necessidade de se procurar solos de granitos e de transição para evitar a perda de acidez que o xisto acarreta na época antes da vindima. Confidencia-nos ser apologista de fermentação de todo o lote em barrica, ainda que prefira a barrica já usada. Jorge Moreira, criador do Poeira (o melhor Alvarinho do Douro), acredita que a região tem enorme potencial pelas diversas exposições, e pela singularidade de ali se conseguirem produzir vinhos com frescura e acidez (perto dos 7g de acidez total) mantendo potência em boca e algum álcool (acima dos 13% com facilidade). Para o enólogo, com vários vinhos sob a sua direção em prova, a combinação perfeita pode muito bem ser os solos ácidos que permitem pH relativamente baixos e maturação completa que o clima da região permite, combinação menos frequente noutros territórios lusitanos.
Como escrevemos noutras provas de Douro, importa ainda sublinhar o papel de mais do que uma geração de produtores (Cristiano Van Zeller, Dirk Niepoort, Domingos Alves de Sousa…) e enólogos (Celso Pereira, Jorge Alves, Jorge Moreira, Jorge Serôdio Borges, Rita Marques…) que souberam criar um novo paradigma de brancos do Douro, vinhos com o corpo e a estrutura tão típica da região sem descurar o factor da diferenciação perante outras regiões.
Criações e marcas como Conceito, CV, Duas Quintas Reserva, Guru, Mirabilis, Quanta Terra, Redoma Reserva, e Vértice, são parte da história recente dos brancos do Douro e, enquanto punhado de grandes marcas, são um adquirido absolutamente fantástico. Acresce o importantíssimo facto de a generalidade dos vinhos do Douro ser muito valorizada junto dos consumidores o que tem permitido aos produtores selecionarem as suas melhores vinhas e comprarem boas barricas, o que, em conjunto com enologia e viticultura já conhecedoras dos detalhes da região, permite a produção de grandes vinhos. Por outras palavras, a fama da região nos tintos trouxe, como consequência, uma imediata percepção de qualidade pelos consumidores nos brancos, o que permitiu a valorização destes vinhos nos mercados.
Um futuro promissor
Esse factor de rentabilidade tem encorajado mais e mais produtores a lançarem topos de gama, por vezes a preços nunca antes vistos nos brancos nacionais, bem acima dos 50€. Desde jovens enólogos com pequenos projectos pessoais (como Joana Pinhão e Rui Lopes com o seu Somnium, e Márcio Lopes) até novos players como Cortes do Tua, Colinas do Douro, Quinta da Rede ou Costa Boal, passando por adegas cooperativas (destaque para a de Favaios), todos querem fazer parte desta excitante corrida aos grandes brancos do Douro.
Se as últimas duas décadas do milénio anterior permitiram a revolução dos tintos durienses, as primeiras duas décadas no novo milénio foram marcadas pela sublevação nos brancos. O tempo é agora de consolidação das marcas e de alguma expansão na internacionalização dos brancos do Douro. E apostar também em nichos como seja o Porto Branco 10 anos extra-seco, os blends de anos numa só edição (cerca de uma mão cheia de produtores já aderiram, com destaque para o NM da Wine & Soul), os vinhos de parcela específica e ou com castas específicas (caso dos projetos já referidos da Real Companhia Velha, mas também dos Winemaker’s Collection da Kokpe ou do Poeira feito de Alvarinho). Estes são alguns dos grandes desafios que se colocam aos vinhos brancos do Douro mas, como sabemos, a região duriense tem uma especial vocação para superar desafios com distinção!
(Artigo publicado na edição de Julho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text]
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Touriga Nacional: Orgulho Nacional
Da “casta mais plantada nos contrarrótulos” de meados dos anos 90, a Touriga Nacional tornou-se a mais emblemática casta portuguesa. A área de vinha de Touriga Nacional não pára de aumentar, fazendo a poesia de contrarrótulo já não um exagero de marketing, mas sim uma verdade dita antes de o ser, uma profecia auto-realizável. Num […]
Da “casta mais plantada nos contrarrótulos” de meados dos anos 90, a Touriga Nacional tornou-se a mais emblemática casta portuguesa. A área de vinha de Touriga Nacional não pára de aumentar, fazendo a poesia de contrarrótulo já não um exagero de marketing, mas sim uma verdade dita antes de o ser, uma profecia auto-realizável. Num país tão orgulhoso das suas castas, a Touriga Nacional é a superstar, o Cristiano Ronaldo de uma selecção campeã.
Texto: Luís Antunes
Fotos: Ricardo Palma Veiga
Num país milenar de vinho, escrever a história da Touriga Nacional é escrever a história da revolução tranquila que os vinhos portugueses atravessaram nos últimos 30 anos. Relembremos a história, em jeito de um livro (adaptação em prosa de “Os Lusíadas”) que na minha infância estava em todas as bibliotecas de escola primária: “A Touriga Nacional contada às crianças e lembrada ao povo.”
Vamos lá então. Apesar de elogiada desde tempos antigos, mesmo antes da praga da filoxera (a partir de c.1860), como capaz de produzir grandes vinhos, a Touriga Nacional era até há pouco tempo uma casta com pouquíssima expressão em todo o Portugal. Quando no final dos anos 80 o vinho de mesa português começou a revolução que hoje nos orgulha a todos, poucos falavam de castas, quanto mais de Touriga Nacional. Claro que no mundo do vinho tudo é lento, e para que apareçam vinhas a dar vinhos estremes de Touriga Nacional, com qualidade de topo, as plantações têm de ter ocorrido anos antes, por vezes décadas antes. Para que vejamos como no mundo do vinho tudo é lento e ainda misterioso basta revermos a recente entrevista televisiva do experiente jornalista e apreciador de vinhos Miguel Sousa Tavares ao experiente crítico e produtor de vinhos Pedro Garcias: quando Miguel lhe perguntou o que é afinal uma casta, Pedro pouco mais fez do que gaguejar. Uma casta?!… Ora, na verdade não é fácil sem ir ao Lineu. Mas com um exemplo é evidente para todos: maçã Reineta, maçã Golden Delicious, maçã Royal Gala, tudo castas, variedades, cultivares (de “cultivated varieties”). Ok? Bora lá, então. Siga.
Voltemos ao ano de 1995. Nesta colheita apareciam os primeiros vinhos comercializados de Touriga Nacional, e os apreciadores prestavam atenção. Álvaro de Castro, um dos pioneiros do Novo Dão, contou-me que andou nas vinhas velhas a colher o Tourigo (nome local da casta, como há muitos outros noutros locais, Preto Mortágua na Bairrada, Tourigão no Douro) escolhendo-a de cepa em cepa. O Dão será a região de origem desta casta, sabe-se hoje pela maior variabilidade genética, e também o sítio onde ela se terá adaptado melhor ao terroir. O sucesso destes vinhos levou a uma aposta cada vez maior dos produtores na Touriga Nacional. De repente, todos os vinhos continham Touriga Nacional, foi a fase do contrarrótulo. Dizia-se na altura que haveria menos de 1% de área de vinha com Touriga. Mas os números do IVV de 2018 já mostram mais de 13 mil hectares, um total de 7% das plantações de vinha, o que é um aumento extraordinário em apenas 20 anos. Note-se que apenas há 5 anos, o mesmo relatório assinalava 8 mil hectares, 3.7% da área total.
Para esta aposta, muito contribuiu a selecção de clones. Os clones antigos eram muito dados a doenças, que contribuíam para uma baixíssima produção. Com a selecção clonal, os níveis de produção, subiram, mas para Álvaro de Castro, os clones antigos ainda são os que dão os melhores vinhos. Com esta ideia concorda Manuel Lobo Vasconcelos, enólogo da Quinta do Crasto no Douro, bem como de outros projectos da sua família no Tejo e Alentejo. Apesar de na zona da Quinta do Crasto se poderem encontrar algumas das primeiras vinhas monovarietais de Touriga Nacional, plantadas nos anos 1960, Manuel não usa essas uvas para o extraordinário varietal de Touriga que faz no Crasto, prefere de longe as uvas dos chamados PEDRITMs, vinhas plantadas em 1985-86 por Nuno Magalhães, com selecção massal, o que preserva mais material genético antigo. O Quinta do Crasto Touriga Nacional sai assim destas duas parcelas de cerca de 5ha, que produzem apenas 8 a 9 mil garrafas por ano, e nem todos os anos alcança a qualidade que o produtor exige.
A Touriga é uma casta que sabe ser amiga na vinha e recompensadora na adega. Mas também sabe ser caprichosa. Álvaro e Manuel numa coisa concordam: tudo tem de ser bem feito. Na vinha, a variedade tem de estar plantada no sítio certo, já que a Touriga sofre com exposições muito agressivas. Estas duas parcelas do Crasto estão viradas uma a Nascente e outra a Norte, o que evita exposições excessivas. Quando exposta a Sul, em anos quentes as videiras sofrem muito, as folhas basais desaparecem e o vinho fica rústico, estruturado, mas sem elegância.
Uma peça-chave é a marcação da data de vindima, para assegurar equilíbrio entre a acidez e o pH. Nos anos em que se consegue o equilíbrio perfeito, os vinhos têm fruta preta, muito bem definida e focada, e um lado de grande frescura. Também no Crasto o primeiro TN foi de 1995, mas houve poucas garrafas, depois 1999, 2001, 2004, e desde então com mais regularidade. Este equilíbrio entre acidez total e pH fazem com que o vinho envelheça lindamente em garrafa, assegura Manuel Lobo. Com sobre-extracção, o vinho morre. Manuel faz uma primeira pisa em lagar, e depois finaliza o vinho em cuba de inox refrigerada, com um controle rigoroso da cinética fermentativa, em particular cuidando da nutrição das leveduras. Quando o vinho reduz não se consegue recuperar os aromas elegantes. Fundamental também é selecionar as melhores barricas, tem de se encontrar a barrica que não vai matar o vinho. Na Touriga por vezes falta um pouco de meio de boca, e a barrica ajuda a construir a sensação de continuidade na boca, de modo a o vinho não secar no final. Em resumo, para Manuel Lobo, os principais pontos são a viticultura, a barrica, e não dormir na vindima, já que tudo tem de ser perfeito, uma remontagem a mais pode estragar o vinho.
Nos anos de construção da febre da Touriga Nacional, chegou a haver entre os apreciadores alguma quase rejeição da casta, já que alguns vinhos mostravam uma exuberância aromática tão impressionante que se poderia tornar cansativa. Essa exuberância resultava de vários factores, fossem as vinhas novas a dificultar a maturação perfeita e a gerar uma ênfase no lado cítrico (bergamorta), fosse a própria juventude dos vinhos, já que com algum estágio em garrafa eles se acalmavam e ofereciam um lado mais sério. Mas se uns provadores rejeitavam esse lado festivo da casta, outros agradeciam-no, já que ele dava aos vinhos um apelo imediato e um reconhecimento de um carácter varietal que não era normal nos vinhos portugueses, tradicionalmente feitos com lotes de várias castas. Aliás, no Douro, e ainda segundo Manuel Lobo, a Touriga Nacional sempre será uma grande casta de lote, em particular na mágica parceria com a Touriga Franca (que agora já se pode chamar, de novo, Francesa), que tem acidez baixa e pH alto. A Nacional aporta sempre aquela frescura tão necessária para dar equilíbrio aos vinhos.
Frescura não é o problema dos vinhos do Dão, apesar de por vezes se verem alguns graus alcoólicos tão elevados que dão razão a Álvaro de Castro quando diz que durante uns anos o Dão andou a tentar fazer Douro, enquanto o Douro tentava fazer Dão. Se durante anos o peso da região de origem era marcante em relação ao peso da casta dos vinhos, pouco a pouco isso esbateu-se. Álvaro faz o seu Carrocel com Touriga Nacional de várias parcelas, mas prefere sempre os vinhos de lote, embora obviamente no Dão a Touriga tenha sempre um grande peso no lote, mas isso começa logo na vinha. Para Álvaro, se é verdade que a Touriga está agora na sua fase madura, ela é apenas “mais uma” casta, Portugal é um país de lotes. É verdade que de algumas castas se pode fazer vinho estreme, e a Touriga é uma delas. Mas os lotes que começam na vinha, com muitas castas, funcionaram bem em muitos sítios. A Touriga, com as dificuldades que traz na vinha e na adega, exige que tudo seja bem feito. Álvaro diz que nunca viu uma videira de Touriga com excesso de produção, principalmente as de clones antigos. Até em cima de fontes de água nunca produzem demais. Nos clones antigos, pelo contrário, a dificuldade é a irregularidade na produção, na floração pode perder-se toda a produção. Nos primeiros vinhos que produziu, Álvaro teve bastantes problemas com a dekkera, o famoso brett. A Touriga Nacional é naturalmente rica em ácidos que favorecem o desenvolvimento da dekkera, ou brettanomyces, bactérias que dão ao vinho um aroma desagradável, por vezes chamado suor de cavalo. Depois de anos de experiência e com o aumento do conhecimento científico, esse problema está agora bastante controlado. Uma solução mais fácil é a filtração apertada do vinho, mas para evitar rapar o vinho, Álvaro defende que é preferível usar sucessivas e cuidadosas passagens a limpo (trasfegas), já que é junto das borras que as bactérias estão mais presentes. Em geral, Álvaro prefere fazer a Touriga Nacional em lagares, ou cubas abertas, e de modo geral com pouca tecnologia. Em cubas mais sofisticadas o vinho resulta mais intenso, mais redutor, e caminha tudo no sentido da extracção.
Nesta prova de mais de 40 vinhos, apareceu ocasionalmente um tracito de brett, mas nada que me chocasse. Como em tudo, há provadores mais sensíveis a uns defeitos do que a outros, e grosso modo, achei os vinhos bastante limpos. Também fiquei agradavelmente surpreendido por vários outros factores. Não encontrei, nem em vinhos muito jovens, exuberâncias excessivas, vinhos com explosão aromática que quase pareciam cocktails de frutas. Nada disso, sempre vinhos sérios, e em todas as faixas da ampla gama de preços convocada neste prova. Encontrei ainda bastante contenção do lado alcoólico, prova de que pouco a pouco os excessos de todo o tipo estão a recuar, e os vinhos apresentam-se hoje como bons companheiros à mesa, não como cúmplices da GNR no caça-multas. Houve vinhos muito jovens e outros já com alguma idade, e em todos, com excepções raras, encontrei muita saúde e equilíbrio, provando que os méritos propalados da casta não eram só fogo de palha, e os vinhos realmente mostram as qualidades que há décadas vêm fazendo de advogados da casta, e da casta como uma das estrelas para vinhos mono-varietais. Vinhos fragrantes, joviais, muito frescos, com cores bonitas e boa fruta, na boca estruturados, com corpo, acidez e taninos em sintonia, muito vinosos, muito gastronómicos, sempre a pedir um prato consistente da nossa cozinha tradicional. Se quase todos os vinhos iriam crescer com mais tempo em garrafa, mesmo nas excepções que não seriam de abrir já, a vontade de o provar e um prato adequado podem fazer a harmonização já hoje, e com grande prazer. É verdade que são tradicionalmente raros os vinhos tintos estremes, com evidente excepção da super-localizada Baga na Bairrada. Mas com a Touriga Nacional, vemos uma casta de grande universalidade, capaz de produzir grandes vinhos em todos os sítios onde ela é plantada, evidência mais forte agora que o binómio viticultura-enologia recebeu o seu alimento preferido: tempo. Com vinhas adultas e mais experiência, os resultados estão à vista. Touriga, és o Orgulho Nacional.
(Artigo publicado na edição de Junho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text]
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Palácio Condes de Anadia: Um “château” no Dão
Um magnífico palácio setecentista, localizado bem no centro de Mangualde, é a porta de entrada para um outro mundo. A história e a cultura, a arquitectura e a decoração, a vinha, os jardins e a mata, envolvem-nos, encantam-nos e fazem-nos recuar três séculos como se estivéssemos numa máquina do tempo. No topo deste requintado e […]
Um magnífico palácio setecentista, localizado bem no centro de Mangualde, é a porta de entrada para um outro mundo. A história e a cultura, a arquitectura e a decoração, a vinha, os jardins e a mata, envolvem-nos, encantam-nos e fazem-nos recuar três séculos como se estivéssemos numa máquina do tempo. No topo deste requintado e aristocrático bolo, os vinhos são a cereja resplandecente.
Texto: Luís Lopes
Fotos: Anabela Trindade
Imagine um palácio, com tudo o que é expectável encontrar num palácio: grandiosidade, imponência, luxo, história, cultura. À sua volta, tente conceber 30 hectares rodeados por um muro, e lá dentro vinhas que são jardins (uns e outros confundem-se, na verdade) e uma mata densa, selvagem, com árvores muitas vezes centenárias e, aqui e ali, deliciosos recantos de pedra talhada onde, se fecharmos os olhos, visualizamos os folguedos das damas e cavalheiros de outrora. Agora, situe esse palácio + jardim + vinha + mata no centro (mesmo no centro!) de uma cidade. Em Portugal, só existe um assim, é o Palácio dos Condes de Anadia, em Mangualde, um extraordinário conjunto arquitectónico e paisagístico que é, ao mesmo tempo, uma casa de família. E que está aberto ao público, para visitas guiadas, desde 2018.
O nome Anadia pode confundir os mais distraídos e levá-los até à cidade homónima, na Bairrada. A razão para Anadia aparecer por aqui, explicarei mais adiante. Mas é mesmo da Beira Alta, da região vinícola do Dão e da cidade de Mangualde que estamos a falar.
O território que corresponde ao actual concelho de Mangualde foi até ao século XIX conhecido por Azurara da Beira. Como muitas vezes acontece, os topónimos destas terras ancestrais assentam em lendas cuja base de verdade é difícil de apurar. No caso, terá sido o nome de Zurara, suposto governador de um eventual castelo muçulmano edificado no alto do monte da Senhora do Castelo (monte, esse sim, bem real) que terá estado na origem da Azurara da Beira. À localidade foi, em 1102, concedido foral pelo Conde D. Henrique e sua esposa D. Teresa, pais do primeiro rei de Portugal.
Para chegar onde queremos na história de Mangualde e do Palácio dos Condes de Anadia, saltemos para o século XVI. Segundo o Numeramento de 1527 (os primeiros censos realizados em Portugal) a população do território era, na época, de 5.838 habitantes. E em finais desse século a família Paes do Amaral era já o expoente máximo do poder económico e político local. A Casa Paes do Amaral foi engrandecida a partir de 1644, quando Gaspar Paes do Amaral, Capitão-Mor de Mangualde, instituiu em vínculo a Capela que possuía nos termos da vila, localizada defronte do senado e consagrada a S. Bernardo.
O Palácio que hoje podemos admirar, tem as suas raízes no primeiro quartel do séc. XVIII, quando Simão Paes do Amaral, mandou reedificar a antiga residência de campo da família. As obras seriam continuadas por seu filho Miguel Paes do Amaral, Fidalgo da Casa Real, Cavaleiro da Ordem de Cristo, e Senhor Donatário da Vila de Abrunhosa, entre outros títulos nobiliárquicos. Estas obras monumentais prolongaram-se ao longo de quase um século, só sendo concluídas no início da década de 1800. A urbe, hoje cidade, foi desde então crescendo em torno do Palácio, dos jardins e da mata.
A família vivia em Lisboa, no Palácio Paes do Amaral, às Portas de Santo Antão e, como era habitual na época, rumava a Mangualde para passar o verão. Até princípios do século XIX, o Palácio de Mangualde era conhecido por Casa dos Paes do Amaral mas, pelo casamento de Manuel Paes do Amaral de Almeida e Vasconcelos Quifel Barbarino, 10.º Senhor da Casa de Mangualde, com sua sobrinha D. Maria Luiza de Sá Pereira de Menezes de Mello Sottomayor, 3.ª Condessa de Anadia, passou a ser conhecido por “Palácio Anadia”. E, agora, finalmente, está explicado o nome.
O edifício é um dos mais importantes palácios barrocos em Portugal, caracterizando-se por uma marcante fachada ocidental, por uma fachada sul ao estilo italiano e por uma fachada nascente acastelada. No interior, o mobiliário de época, os azulejos setecentistas e as obras de arte encantam os visitantes. De tal forma que, com apenas dois anos de abertura ao público, sob a curadoria activa e empenhada de D. Maria Mafalda Paes do Amaral, é já uma das atracções turísticas de referência na zona centro do país, tendo alcançado em 2019 e 2020 o prémio excelência do Trip Advisor, acumulando com a distinção Travellers Choice 2020.
Uma casa agrícola beirã
Um Palácio pode continuar a sê-lo, sendo ao mesmo tempo uma casa agrícola. A transformação de Casa em Palácio e residência de veraneio, com os seus espectáculos, festas e bailes, não tentou esconder a sua ancestral vocação agrícola. Contíguos à extensa mata de 20 hectares murados, que foi no século XVIII território de caça da casa senhorial, os magníficos jardins com os seus lagos, fontes, estátuas, são também hortas, pomares, espaços de floricultura e de criação de aves, vinhas, tudo organizado e arrumado entre sebes de buxo. A vinha e o vinho sempre existiram na propriedade (a adega com os antigos lagares ali estão para o confirmar) mas esta componente foi ainda mais reforçada na segunda metade do século XX. D. Manuel Maria de Sá Paes do Amaral (falecido em junho do corrente ano) era um grande apaixonado pela casa de Mangualde e pelo negócio agrícola, especialmente a componente vitícola. Foi ele que reactivou a produção de vinho com a plantação, nos anos 60, de uma pequena vinha, a “Vinha do Conde”, sem outro propósito que não fosse produzir um vinho ao seu gosto, para consumir na sua casa com os seus amigos. Este modelo manteve-se até 2010, quando o seu filho Miguel Paes do Amaral, iniciou a plantação de cerca de 10 hectares de vinhedos nos solos graníticos da propriedade, fazendo da vinha o elemento central dos jardins do Palácio. Com base nesta vinha, situada a 550 metros de altitude e plantada com as castas Touriga Nacional (50%), Alfrocheiro (40%) e Jaen (10%), foram lançados a partir de 2015 os primeiros vinhos engarrafados, os Casa Anadia rosé, tinto e reserva tinto e o tinto Palácio Anadia. Integrados nos jardins, com vista para a serra da Estrela, os vários talhões da vinha estão separados por sebes de buxo e rodeados pela floresta de pinheiros, cedros, carvalhos, num enquadramento paisagístico ao mesmo tempo invulgar e de grande impacto visual, mas que também impõe condições vitícolas particulares e desafiantes.
Desafios, no entanto, não têm faltado a esta casa. Em 2018, Miguel Paes do Amaral resolveu iniciar um novo ciclo, com objetivos bastante ambiciosos para a propriedade: abrir ao público o Palácio, os jardins e a mata da família e tornar o turismo cultural ali praticado uma referência no centro do país – missão, diga-se, já alcançada com sucesso; e relançar o projecto dos vinhos de quinta num conceito de “Château” do Dão, criando produtos de valor, reconhecidos no mercado nacional e internacional, objectivo que, independentemente do potencial do terroir ou dos talentos envolvidos, leva sempre mais algum tempo a realizar.
Coube a Cláudia Paiva liderar os dois projectos, turístico e vitivinícola, e para este último trouxe com ela uma nova estratégia e novos protagonistas, com destaque para o enólogo Luis Leocádio. Apesar de só terem passado dois anos, esta equipa já mudou muita coisa em diversas vertentes, desde as marcas e comunicação até ao perfil dos vinhos passando, necessariamente, pelo local onde tudo começa e onde os resultados mais tardam em aparecer: a vinha.
Aqui, a intervenção ocorreu a vários níveis. Num terreno relativamente fértil e com disponibilidade de água, é muito fácil produzir quantidade. Mas como o propósito é obter qualidade, a vinha tem vindo a ser trabalhada no sentido de baixar acentuadamente a produção para colher apenas matéria prima de excelência. Do mesmo modo, a menos que o terroir o impeça, nos dias de hoje, e sobretudo no Dão, não faz sentido uma vinha só de tintos. Já em 2015 se tinha iniciado o processo de reenxertia de alguns talhões em branco, com as castas Encruzado, Gouveio, Cerceal-Branco e Uva Cão. Este processo é para continuar, aumentando assim progressivamente a área de uvas brancas. Quanto ao perfil dos vinhos, Luis Leocádio tem apontado para um estilo moderno e sumarento nos Colheita, buscando um Dão mais austero e “clássico” nos Reserva. Nesse sentido, o peso da barrica também diminuiu nos vinhos mais recentes, utilizando-se madeiras finas, com menos tosta e de maior capacidade (500 litros). A vinificação continua a ser feita numa adega alugada nas proximidades, sendo o estágio efectuado na propriedade.
Nas marcas e comunicação, mudou praticamente tudo. Cláudia Paiva, tal como muitos apreciadores, tinha a percepção de que o nome Casa Anadia poderia remeter para vinhos da Bairrada. Assim, esta marca acabou nos vinhos (manteve-se nos azeites que a família produz em Alferrarede) e nasceu a referência Condes de Anadia, com a palavra Dão em lugar de destaque na rotulagem. Foi também uma forma de homenagear D. Manuel Paes do Amaral, 7º Conde de Anadia, com quem a actual equipa teve ainda oportunidade de privar e dele recolher o conhecimento e as histórias deste terroir. O portefólio centra-se assim, exclusivamente, na marca Condes de Anadia, em vários segmentos de qualidade e preço. A ideia de Claúdia é solidificar e reforçar esta marca e só depois começar a diversificar. Para o dia em que for lançado o vinho icónico da casa, está já reservada a marca Palácio dos Condes de Anadia.
Entre as novidades agora apresentadas existe um espumante, que surge como a concretização de uma ideia já iniciada há alguns anos. Feito de Touriga Nacional vinificada em branco, para o vinho base utilizou-se uma “assemblage” de três colheitas, 2014, 2015 e 2016. Na vindima de 2018, nasceu outro produto novo, um branco também de Touriga Nacional, uma espécie de “dois em um”, pois resulta num vinho diferenciador enquanto “branco de tintas” e, ao mesmo tempo, atenua a escassez de uvas brancas na vinha da propriedade. Com os Colheita e Reserva Conde de Anadia (com destaque para o notável Grande Reserva branco), o portefólio evidencia-se pela consistência qualitativa e, sobretudo, pela sua genuinidade, com o carácter Dão bem vincado.
Ao elevado nível dos vinhos associa-se, de forma indelével, à excelência do conjunto patrimonial. Como diz Cláudia Paiva: “Com apenas dez hectares de vinha temos de fazer diferente. Nós não vendemos vinho. O que disponibilizamos ao apreciador é um ‘pacote’ absolutamente único, constituído por vinho, palácio, jardins, mata. No fundo, vendemos cultura e história.”
(Artigo publicado na Edição de Dezembro 2020)
10 Anos de Mirabilis: “O Mirabilis não se vende, deixa-se comprar”
Tudo teve início em 2011, ano de colheita dos primeiros Mirabilis, branco e tinto. A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, que já tinha uma gama de vinhos do Douro bem estabelecida — com enologia conduzida por Jorge Alves — e uma viticultura totalmente “oleada” e organizada — sob a direcção de Ana Mota […]
Tudo teve início em 2011, ano de colheita dos primeiros Mirabilis, branco e tinto. A Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, que já tinha uma gama de vinhos do Douro bem estabelecida — com enologia conduzida por Jorge Alves — e uma viticultura totalmente “oleada” e organizada — sob a direcção de Ana Mota — queria ir mais longe. Luísa Amorim, proprietária e administradora, tinha acabado de festejar os seus 40 anos de idade no lançamento da primeira edição e, na altura, explicou: “Num terroir de 85 hectares de vinha em produção integrada, em 41 parcelas de vinhas distintas, com castas indígenas próprias, sentimos que podemos trabalhar o detalhe, selecionando a selecção, da selecção, da selecção…”.
Foi com essa premissa que a equipa da Quinta Nova se lançou no desafio de escolher as uvas que entrariam no lote do branco e no tinto. Ana Mota, a directora de viticultura que completou, no dia 1 de Maio de 2021, 20 anos de casa, contou como se chegou ao Mirabilis branco, durante a apresentação das novas colheitas. “A Quinta Nova não tem uvas brancas, devido à sua mais baixa altitude. Tivemos muito trabalho em encontrar as vinhas perfeitas, mas acabámos por descobrir três parcelas em solos e altitude ideais, entre Sabrosa e Alijó, incluindo uma vinha muito velha com mistura de castas. Depois, seleccionámos as videiras dessas parcelas, uma a uma”. Hoje, este vinho tem também uvas que vêm de Tabuaço e, segundo Ana Mota, “a busca pelas vinhas do Mirabilis branco é constante, para assegurarmos um futuro ideal para o vinho”. Assim, o Mirabilis branco tem Viosinho, Gouveio e Rabigato, e vinha centenária que inclui castas como Fernão Pires, Arinto, Folgasão, Bical, Gouveio Estimado e Gouveio Real. No entanto, ao longo dos anos, a percentagem de Rabigato tem diminuído muito, sendo hoje residual. O 2019, lançado agora, acabou a fermentação e estagiou 10 meses em barricas de carvalho francês e húngaro. Foi feita bâtonnage quinzenal, durante os primeiros 5 meses. É o primeiro a ter mais um ano de garrafa do que o habitual. “Foi por força do abrandamento de vendas durante a pandemia, mas acabou por ser bom para o vinho”, revelou Luisa Amorim. O 2011 originou 3200 garrafas e, do 2019, já foram feitas 17 mil.
Já o Mirabilis tinto, sempre teve origem em vinhas próprias. É um lote de Tinta Amarela (grande percentagem) — a Quinta Nova tem três hectares desta casta — com vinha centenária. A vinha centenária da Quinta Nova, a uma cota de 150 metros de altura, tem 7 hectares divididos em duas parcelas, uma de 4.5 hectares e outra de 2.5, e está plantada em terraços preservados com muros de xisto de 2.5 metros de altura. Nela estão misturadas cerca de 80 castas tintas e brancas, a uma densidade de 6 mil plantas por hectare. Ao longo do tempo, vão sendo replantadas com base nas videiras antigas. “Com uma produção muito baixa, cuidamos destas parcelas de forma tradicional e mobilizamos o solo com charrua e cavalo. Aplicamos apenas adubação natural e vindimamos manualmente”, elucidou Ana Mota. Jorge Alves, director de enologia, lembrou que “quando, há 10 anos, decidimos fazer o Mirabilis tinto, sabíamos uma coisa com certeza, que não queríamos incluir Touriga Nacional”. Vinificado sem engaço, tem 12 meses de estágio em barricas novas de carvalho francês. “Para apurar o lote final, é sempre feita uma selecção minuciosa de barricas”, adiantou o enólogo. No futuro, a Quinta Nova pretende aumentar o encepamento de Tinta Amarela, para vir a produzir mais garrafas. Do Mirabilis tinto 2019, foram feitas apenas 5 mil.
Mirabilis — nome que, segundo Luísa Amorim, significa “algo maravilhoso” — são os topo de gama da Quinta Nova, a par apenas do Aeternus, um vinho ícone que homenageia o pai de Luísa, Américo Amorim. “O conceito do Mirabilis nunca foi o de fazer um vinho ‘de terroir’, mas sim um vinho de grande nível, inspirado nos grandes vinhos do Mundo”, afirmou Luísa Amorim. “Hoje, é um vinho que não se vende, deixa-se comprar. Está sempre vendido antes de ser lançado”. E desenvolveu: “O Mirabilis nasceu no nosso Atelier do Vinho, uma parte da adega onde fazemos micro-vinificações e experiências, um autêntico boticário do vinho”. Este Atelier foi construído em 2010, com o objectivo de tratar os vinhos como obras de estudo, e situa-se por entre os lagares mais antigos da adega, datados de 1764, zona onde foram colocados diferentes balseiros de madeira e cubas de inox. Ali, sempre se ensaiaram diferentes macerações e maturações, e vinificações de parcelas e sub-parcelas. Na verdade, é o “parque de diversões” de Ana Mota que, perante a possibilidade da extinção do atelier, colocada por Luísa, sorri e declara: “Ainda vou dar a volta a isso…”.
Quando questionada sobre onde quer a Quinta Nova esteja daqui a mais 10 anos, Luísa Amorim não entra em rodeios. “Sou muito sonhadora, e o meu sonho é que, daqui a 10 ou 20 anos, haja no Douro algo como o ‘Super Toscano’. Acho sinceramente que a região merece, com todo o trabalho que está a fazer”.
(Artigo publicado na edição de Maio 2021)
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Kopke sobe a parada
[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]A mais antiga empresa de vinho do Porto em actividade é a Kopke, que foi fundada em 1638. Leram bem, 1638. Foi no século XVII, bem antes de a região ser demarcada, são quase 400 anos. Integrada […]
[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]A mais antiga empresa de vinho do Porto em actividade é a Kopke, que foi fundada em 1638. Leram bem, 1638. Foi no século XVII, bem antes de a região ser demarcada, são quase 400 anos. Integrada no grupo Sogevinus, que vem há algum tempo ajustando o posicionamento das suas marcas, a Kopke afirma-se agora como uma pedra de toque na estratégia do grupo para chegar aos lugares cimeiros dos vinhos não fortificados do Douro.
Texto: Luís Antunes
Crédito nas fotos: Sogevinus
Vejamos em primeiro lugar o significado profundo da data 1638. A região do Douro só seria demarcada em 1756, mais de 100 anos depois. Os grandes vinhos de Bordeaux, que têm o seu epítome nos Premiers Crus do Médoc, só tiveram essa classificação em 1855, 200 anos mais tarde. Aliás, é conhecida a história do Barão Philippe de Rothschild, proprietário do Château Mouton-Rotschild, que após uma classificação original de Deuxième Cru, conseguiu em 1973 ser promovido a Premier. Quando perguntaram ao Barão sobre as razões deste sucesso único (até hoje), ele respondeu: “o que custa são os primeiros 100 anos.”
Ora, e os primeiros 400? Faltam apenas duas décadas para lá chegar, mas fazendo um fast-forward sobre os primeiros 350 anos, chegamos ao Douro moderno. O grupo Sogevinus define-se por volta da viragem do milénio em torno das suas marcas: Kopke, Barros, Cálem e Burmester. Marcas históricas no Vinho do Porto, marcas onde se dão os primeiros passos nos vinhos de mesa Douro DOC. Após um enredo de bancos, fusões, intervenções etc., a propriedade é hoje do banco espanhol Abanca, parte do grupo Banesco, do venezuelano de origem espanhola Juan Carlos Escotet. A direcção-geral está desde Abril de 2018 entregue a Sérgio Marly Caminal, espanhol com importante trajecto profissional na área das bebidas. Os investimentos dos últimos 20 anos mostram o fascínio que o Vinho do Porto exerce, o respeito que inspira, e a aposta no futuro que a liderança do grupo afirma. O grupo, que é líder de mercado em Portugal em volume e em valor, exporta mais de metade da sua produção anual de cerca de 8 milhões de garrafas (7 milhões são de Porto). A aposta incluiu investimentos significativos no sector do turismo, com as caves de Gaia a serem renovadas, e a compra ou modernização das suas quintas no vale do Douro. A área total de vinha própria é hoje de cerca de 250 hectares.
Todo este processo foi pacato e seguro, mas subitamente foram feitas jogadas decisivas que afirmam um reposicionamento mais ambicioso. Entre elas, a compra da Quinta da Boavista ao grupo Lima-Smith. Uma quinta histórica do Douro, que chegou a pertencer ao Barão de Forrester, e de onde saem hoje vinhos tintos de classe mundial. A consultoria do enólogo francês Jean-Claude Berrouet vai manter-se, em colaboração com a equipa de enologia DOC Douro da Sogevinus, liderada por Ricardo Macedo.
Esta equipa de enologia trabalha em estreita colaboração com a de viticultura, sob a responsabilidade de Márcio Nóbrega. Juntos, exploram a potencialidade das castas e dos locais onde elas mais brilham. A experimentação em pequenas vinificações deu origem a uma série de vinhos a que chamaram Winemaker’s Collection. Este ensaio de descoberta dos terroirs de origem dos vinhos vai assim sendo conhecido e divulgado, aproveitando as experiências mais bem sucedidas para incorporar o portefólio dos vinhos do grupo.
Winemaker’s Collection, confinamento e desconfinamento
Estávamos em pleno período de Covid-confinamento quando à equipa de comunicação e marketing, chefiadas respectivamente por Ana Pereira e Gabriela Coutinho, foi pedido um feito quase hercúleo: construir um evento digital de lançamento do Winemaker’s Collection Douro Tinto Cão rosé 2018. Quase 80 provadores receberam em suas casas o vinho, e entraram simultaneamente em linha para provarem e partilharem as suas impressões. Um pesadelo logístico, um sucesso de organização. Mas as saudades não se matam assim, por isso para o vinho seguinte, da Collection, o plano era de começar nas vinhas.
Máscaras e autocarros, mesas separadas, copos em profusão, críticos de vinhos transportados até São João de Lobrigos, para no anfiteatro voltado a Nascente da Quinta do Bairro se provarem já amostras de cuba dos vinhos de 2020. Esta quinta foi comprada em 2011, e 90% do encepamento era tinto. Os brancos da região eram já conhecidos, pela compra de uvas a agricultores nesta zona do Baixo Corgo, perto de Santa Marta de Penaguião, onde a altitude ajuda à frescura das noites. Aliás, o primeiro Winemaker’s Collection foi de Arinto e Rabigato comprado aqui. Assim, como a qualidade dos tintos não era a desejada e a promessa dos brancos iluminava a ilusão, mudou-se quase todo o encepamento para brancos. Foram usadas várias técnicas, como a re-enxertia de cepas velhas de Touriga Franca, que passados 3 anos forneciam um excelente Viosinho. Nos 300m de altitude plantaram Rabigato e Gouveio. Plantaram ainda Arinto, Esgana Cão (Sercial), Folgazão (Terrantez) e Códega do Larinho. Dos 25 hectares ficaram apenas em tinto 2ha de Sousão.
Provados os novos vinhos, com a fermentação acabada de terminar e o aspecto leitoso de vinhos novos ainda por filtrar, o Rabigato mostrou citrino maduro, minerais como giz, flores secas. Gordo na boca, muito volumoso, com notas amargas discretas, muita acidez, final muito longo e com carácter. Já o Gouveio estava um pouco mais reservado, com notas vegetais e flores secas, citrinos como toranja, pêssego. Na boca, equilibrado, com corpo médio, ligeiros amargos, acidez viva, alguma rugosidade no final de bom comprimento. Estes são vinhos que vão alimentar as marcas do grupo, sem destino ainda escolhido. A ideia principal é ter mais uvas próprias, para não depender tanto de uvas compradas.
Em princípio, cada quinta está ligada a uma marca do grupo. A Boavista permanecerá um projecto separado com identidade própria, a Quinta do Arnozelo (Douro Superior) fornece a Burmester, a Quinta de S. Luiz fornece a Kopke. A Quinta do Bairro servirá de apoio.
Mudanças em S. Luiz
Máscaras e autocarros, vamos para a Quinta de S. Luiz, perto de Adorigo. Esta quinta pertencia à Kopke quando esta companhia foi comprada pela Barros. São 125 hectares, que resultaram de agrupar cinco quintas. 93 hectares são de vinha. É evidente a remodelação recente que se focou no acolhimento de visitantes. Mas na adega também há várias novidades. A recepção de uvas foi melhorada, e inclui agora uma câmara de frio onde as uvas são arrefecidas antes de serem processadas, um método que incrementa a intensidade aromática dos mostos. Um desengaçador suave não esmaga o engaço, para eliminar sabores vegetais desagradáveis. Depois, uma selectora óptica elimina as uvas indesejáveis bago a bago: rejeita folhas, engaço, uvas de cor desadequada, passas, etc. Para isso usa uma fotografia como exemplo das uvas a eliminar. A equipa de enologia faz vinificações cada vez mais pequenas, para perceber melhor o potencial de cada casta em cada talhão de vinha. Entre as várias soluções de vinificação, desenvolveram uma cuba de aço inoxidável em forma de diamante, como um duplo cone. Este formato tem várias vantagens, por exemplo ao fazer a delestage há uma prensagem natural, o que aumenta a extracção de uma forma cremosa e suave. O formato favorece que a maior parte das massas esteja mergulhada no líquido. Permite ainda remontagens muito curtas, pela primeira vez conseguiram fazer apenas 30 segundos. Outra solução é a fermentação em cascos de madeira, que têm um sistema rotativo, permitindo “removimentos” sem bombas, sem mosquitos, uma pequena quantidade que se pode manusear com rapidez.
Passeamos pela adega, sempre com todas as precauções anti-contágio, e provamos os vinhos de 2020. O branco de Folgazão mostra pêssego e flores, num tom mineral muito equilibrado. Rico e complexo na boca, com corpo e carácter, muito ligeiros amargos abaunilhados, final longo e excitante. O tinto de vinhas velhas da Quinta de S. Luiz está a começar a fermentação maloláctica e mostra-se denso e complexo, já muito feito. Cremoso, tem muito equilíbrio e comprimento. A Tinta Roriz da Quinta do Arnozelo revela tanino firme, corpo médio, acidez boa. Outra vinha velha de S. Luiz, a Vinha da Rumilá exibe fruta negra densa, grafite, está ainda muito cru. Cremoso na boca, suave e denso, boa acidez, muita profundidade, promete bastante.
Agora à mesa
Foi já na longa mesa de almoço que chegámos então à razão principal desta viagem. O novo Kopke Winemaker’s Collection é um branco de 2016. Ora, lançar um branco de 2016 em 2020 é já algo especial, e tinha de ser grande a confiança da equipa de enologia no vinho a apresentar. Tinha de ser, era, e com boas razões para isso. São apenas 2202 garrafas deste vinho de 70% de Folgazão e 30% de Rabigato, uvas compradas a viticultores junto à Quinta do Bairro. O vinho fermentou em cuba de aço inoxidável, e estagiou depois durante 4 anos em barricas usadas de carvalho francês. É espantosa a juventude deste vinho, a sua riqueza aromática e ao mesmo tempo a sua contenção e equilíbrio. Ao ser lançado com esta idade, o vinho mostra que tem um carácter que aguenta a passagem do tempo. Aliás, já aguentou, ganhando em complexidade e crescendo no prazer que proporciona a quem o beber. Mostra ainda que será uma pena não guardar algumas garrafas para acompanhar a sua evolução daqui a mais alguns anos. Os brancos velhos de grande nobreza são raros, mas oferecem aos provadores um requinte que os vinhos novos dificilmente atingem.
Com a refeição cozinhada pelo duriense Rui Paula (em grande forma e a mostrar talento e confiança), provou-se ainda um Kopke Vinhas Velhas tinto de 2016, um vinho de vinhas da Quinta de S. Luiz anteriores a 1932, com belíssima concentração e profundidade, um enorme prazer à mesa. São apenas 2362 garrafas, que vale a pena procurar.
Finalmente, com a requintada sobremesa baseada em chocolate, vieram dois Vinhos do Porto extraordinários. Um Kopke Branco 40 anos, uma categoria relativamente nova que pouco a pouco tem trazido o Porto branco para a ribalta, e um Colheita de 1981, portanto um vinho com quase 40 anos, que desta vez obliterou o 40 anos branco. Extraordinário em todos os sentidos, um vinho de enorme prazer e sedução, um monumento ao Vinho do Porto e à sua história, um vinho de volúpia, cheio de requinte e bom-gosto. O preço macio faz deste um Porto obrigatório para os devotados aos tawny de luxo.
Reflectindo e sumariando. A Kopke honra os seus antigos pergaminhos e é neste momento uma decidida aposta do grupo Sogevinus, que catapultou esta marca e os seus vinhos para a linha da frente, subindo a parada em todos os capítulos onde opera. Douro de todas as cores, Porto de qualidade excelsa, esta é uma marca que sendo velha traz de novo uma ambição que depois corresponde no copo e à mesa. Tenho de dizer parabéns, Kopke é hoje um nome a ter em conta, um trunfo bem jogado.
(Artigo publicado na edição de Novembro 2020)
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