Os melhores brancos do Douro: Do xisto ao granito

É sabido que os brancos nacionais estão cada vez melhores no país de norte a sul. Talvez não se imagine tão facilmente que boa parte dos melhores vinhos desse lote venha do Douro, território até há pouco tempo associado quase exclusivamente a tintos. A cada colheita que passa, sobretudo das gamas superiores, os brancos do Douro impõem-se como vinhos ambiciosos e de carácter, onde a presença do terroir se encontra tão, ou mais marcada, do que nos tintos da mesma região.

Texto: Nuno de Oliveira Garcia                             

Fotos: Ricardo Palma Veiga

Talvez não faça sentido um excurso longo sobre a razão por detrás da percepção de que o Douro é uma região de tintos. De forma resumida, em qualquer caso, relembre-se que tal decorre, antes do mais, do legado do Vinho do Porto, sector que, apesar da significativa e histórica produção de brancos, centrou a sua imagem de prestígio e longevidade nos tintos rubys, com destaque para os vintages. Com efeito, sempre houve a produção de alguma uva branca para Porto, a partir de castas como a Malvasia Fina. Com raríssimas excepções, no entanto, o Porto branco foi relegado para o início da refeição, a solo ou em cocktail, e a pouca apetência dos consumidores nacionais para bebidas de aperitivo (tema cujo desenvolvimento daria um novo artigo) catalogou-o como um vinho menor.

Outra condição natural para o sucesso dos tintos na região relaciona-se com o solo xistoso e com o verão duriense, muitas vezes escaldante. Se o xisto funciona como um intensificador para os vinhos tintos, nos brancos a acidez perde-se com muita facilidade (literalmente, de um dia para o outro…) levando a vinhos, por vezes, demasiado pesados e com menos sensação de frescura. Por isso, a região produz mais tinto, sem dúvida, mas, rigorosamente, tudo depende dos anos agrícolas. Com efeito, existem anos em que a produção de DOP tinto é quatro vezes maior do que a de branco, caso da colheita de 2019, mas outros em que é apenas pouco mais que o dobro, como sucedeu na de 2018. A tendência geral é, em qualquer caso, para que a produção de tinto se manifeste duas a três vezes superior à do branco.

Outra circunstância que explica a associação do Douro a vinhos tintos assenta no facto de terem sido tintos os primeiros Douro não fortificados que, a partir das décadas de ’60 (os pioneiros) e sobretudo de ’90 do século passado, ganharam estatuto de grandes néctares nacionais.  É certo que sempre houve brancos do Douro não fortificados com fama – lembramo-nos do Grantom Branco Especial Seco da Real Companhia Velha (as melhores colheitas que provámos eram as de 1963 e 1965), mas eram tintos os vinhos mais respeitados. Afinal de contas, tanto Barca Velha como Reserva Especial eram, e são, apenas tintos. Como o Quinta do Cotto Grande Escolha, e os primeiros Quinta da Gaivosa. Foi preciso esperar que, três anos depois do Duas Quintas branco já vingar na restauração, e de alguns ensaios mais ou menos sucedidos (como o famoso Riesling da Quinta da Pacheca), o inconformado Dirk Niepoort procurasse na colheita de 1995 a finura das vinhas em altitude, e as melhores barricas francesas para fermentar e estagiar o seu Redoma. Entretanto, o Quinta dos Bons Ares começava a dar nas vistas, precisamente pela frescura da cota alta, e colheitas como 1997 e 1998 são de grande recorte. Apesar destas tentativas bem-sucedidas, em 1997, o quadro de honra de brancos do Roteiro Prático dos Vinhos Portuguese de José Salvador continha apenas um único Douro (maioria para os Vinhos Verdes e Bairrada), nem mais nem menos do que o Sogrape Reserva 1995. Mas, depois do Redoma do mesmo ano, a revolução estava em curso, e bastou poucos anos mais para se encontrarem novos brancos com barrica, sendo disso bom exemplo o Gouvyas Reserva nos primeiros anos do novo século e o Duas Quintas Reserva. E em 2001, Domingos Alves de Sousa lança o seu primeiro Reserva Pessoal, recuperando, segundo o próprio, os brancos “à moda antiga”, um vinho de enorme personalidade e que, à sua maneira, resgatava o passado traçando um futuro novo.

Brancos Douro

Xistos e granitos

O que os primeiros anos do novo milénio vieram mostrar foi, portanto, que o Douro também tinha uma palavra a dizer nos brancos, da mais fresca e chuvosa sub-região do Baixo Corgo até à seca e continental sub-região do Douro Superior, passando pelo Cima Corgo. Por um lado, não se pode dizer que todo o Douro é xisto a torrar ao sol, posto que os altos do Douro – e são vários numa região definitivamente montanhosa – são relativamente frescos mesmo no verão, e os invernos são muito frios. Acresce que existem ilhas de solo granítico, e vários solos de transição, que garantem a tão-procurada sensação de frescura e mineralidade, sem descurar a maturação. Com efeito, nos grandes maciços de xisto penetram frequentemente formações geológicas graníticas como sucede junto a Alijó, ao planalto de Carrazeda de Ansiães e até à foz do Sabor, ou mesmo na zona do Pocinho, Freixo de Numão, Seixo de Numão e entre Fontelo e Sande.  Estas formações graníticas dão origem a solos de textura ligeira, pobres e ácidos, com reduzida capacidade de retenção para a água, que, em altitude, têm-se revelado perfeitos para a produção de brancos de qualidade. Acresce, que foi descoberto o tesouro das vinhas velhas, sendo que, nos últimos anos, foi ver uma autêntica corrida por elas entre produtores e enólogos. Falamos de vinhas entre os 40 e os 100 anos, com várias castas misturadas (cerca de 10 castas diferentes, bem menos do que nas vinhas tintas). Ao longo dos anos, o Douro soube manter (talvez melhor do que nos tintos) quase intacta essa diversidade de castas brancas tradicionais, possibilitando que os enólogos escolham esta ou aquela variedade conforme o perfil pretendido ou conforme o terroir. Seja a exuberância do Gouveio e Moscatel Galego, o corpo e intensidade da Viosinho ou do Folgazão, o floral da Códega, a frescura e acidez do Rabigato e do Arinto, ou a complexidade subtil da Códega do Larinho. O contributo de outras castas “de fora”, como seja o Alvarinho com o seu perfume a acidez, vieram trazer o “sal e a pimenta” que por vezes pode fazer a diferença. Mas o Douro quer mais, e os recentes estudos e ensaios com castas brancas antigas presentes na vinha isso o demonstram, caso bem visível no produtor Real Companhia Velha que tem lançado monocastas como Samarrinho, Donzelinho branco ou Moscatel Ottonel, todas de enorme aprumo. Haverá, então, um lote perfeito no Douro para vinho branco? Não é fácil dizê-lo e dependerá da sub-região e do terroir, mas é seguro afirmar que muitos topos de gama actuais não descuram o Rabigato (sobretudo no Douro Superior) e o Gouveio, sendo que o Arinto e a Códega são também castas de eleição. O Viosinho ainda se monstra muito presente nos lotes, apesar de ter perdido nos últimos anos alguma hegemonia na afirmação como casta branca rainha da região.

Brancos Douro

Estilos e perfis

Para Rita Marques, cujo seu Conceito Único se mostrou imperial em prova, a razão do sucesso da região é um encepamento branco muito bem-adaptado, com castas, essencialmente o Rabigato e Gouveio, na sua opinião, em total harmonia com o terroir. Jorge Serôdio Borges, outro vencedor com o seu Guru, concorda e salienta a necessidade de se procurar solos de granitos e de transição para evitar a perda de acidez que o xisto acarreta na época antes da vindima. Confidencia-nos ser apologista de fermentação de todo o lote em barrica, ainda que prefira a barrica já usada. Jorge Moreira, criador do Poeira (o melhor Alvarinho do Douro), acredita que a região tem enorme potencial pelas diversas exposições, e pela singularidade de ali se conseguirem produzir vinhos com frescura e acidez (perto dos 7g de acidez total) mantendo potência em boca e algum álcool (acima dos 13% com facilidade). Para o enólogo, com vários vinhos sob a sua direção em prova, a combinação perfeita pode muito bem ser os solos ácidos que permitem pH relativamente baixos e maturação completa que o clima da região permite, combinação menos frequente noutros territórios lusitanos.

Como escrevemos noutras provas de Douro, importa ainda sublinhar o papel de mais do que uma geração de produtores (Cristiano Van Zeller, Dirk Niepoort, Domingos Alves de Sousa…) e enólogos (Celso Pereira, Jorge Alves, Jorge Moreira, Jorge Serôdio Borges, Rita Marques…) que souberam criar um novo paradigma de brancos do Douro, vinhos com o corpo e a estrutura tão típica da região sem descurar o factor da diferenciação perante outras regiões.

Criações e marcas como Conceito, CV, Duas Quintas Reserva, Guru, Mirabilis, Quanta Terra, Redoma Reserva, e Vértice, são parte da história recente dos brancos do Douro e, enquanto punhado de grandes marcas, são um adquirido absolutamente fantástico.  Acresce o importantíssimo facto de a generalidade dos vinhos do Douro ser muito valorizada junto dos consumidores o que tem permitido aos produtores selecionarem as suas melhores vinhas e comprarem boas barricas, o que, em conjunto com enologia e viticultura já conhecedoras dos detalhes da região, permite a produção de grandes vinhos. Por outras palavras, a fama da região nos tintos trouxe, como consequência, uma imediata percepção de qualidade pelos consumidores nos brancos, o que permitiu a valorização destes vinhos nos mercados.

Um futuro promissor

Esse factor de rentabilidade tem encorajado mais e mais produtores a lançarem topos de gama, por vezes a preços nunca antes vistos nos brancos nacionais, bem acima dos 50€. Desde jovens enólogos com pequenos projectos pessoais (como Joana Pinhão e Rui Lopes com o seu Somnium, e Márcio Lopes) até novos players como Cortes do Tua, Colinas do Douro, Quinta da Rede ou Costa Boal, passando por adegas cooperativas (destaque para a de Favaios), todos querem fazer parte desta excitante corrida aos grandes brancos do Douro.

Se as últimas duas décadas do milénio anterior permitiram a revolução dos tintos durienses, as primeiras duas décadas no novo milénio foram marcadas pela sublevação nos brancos. O tempo é agora de consolidação das marcas e de alguma expansão na internacionalização dos brancos do Douro. E apostar também em nichos como seja o Porto Branco 10 anos extra-seco, os blends de anos numa só edição (cerca de uma mão cheia de produtores já aderiram, com destaque para o NM da Wine & Soul), os vinhos de parcela específica e ou com castas específicas (caso dos projetos já referidos da Real Companhia Velha, mas também dos Winemaker’s Collection da Kokpe ou do Poeira feito de Alvarinho). Estes são alguns dos grandes desafios que se colocam aos vinhos brancos do Douro mas, como sabemos, a região duriense tem uma especial vocação para superar desafios com distinção!

(Artigo publicado na edição de Julho 2021)[/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text][/vc_column_text][vc_column_text]

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