Enoturismo: Romana Vini

Na Região Vitivinícola de Lisboa, entre o Atlântico e os seus murmúrios constantes e a memória calcária dos solos, a Denominação de Origem Controlada (DOC) Óbidos ergue-se como um testemunho enológico da relação íntima entre o homem, a natureza e o vinho. A sua paisagem não se impõe mas insinua-se, subtil, quase tímida. O relevo […]
Na Região Vitivinícola de Lisboa, entre o Atlântico e os seus murmúrios constantes e a memória calcária dos solos, a Denominação de Origem Controlada (DOC) Óbidos ergue-se como um testemunho enológico da relação íntima entre o homem, a natureza e o vinho.
A sua paisagem não se impõe mas insinua-se, subtil, quase tímida. O relevo é marcado por suaves colinas e encostas irregulares, espraiando-se entre os 50 e os 200 metros de altitude, e desempenha um papel decisivo na proteção natural das vinhas e na distribuição das parcelas, num mosaico agrícola que responde, com sensibilidade, à orografia do território.
Entre o vento e a vinha
O clima é atlântico por vocação e identidade. Aqui, a proximidade do oceano não é apenas geográfica, é uma presença constante que sopra de Oeste, moderando temperaturas, prolongando a maturação das uvas e mantendo a humidade elevada. Esta influência oceânica confere aos vinhos de Óbidos uma frescura vibrante, uma acidez natural e um perfil aromático tenso, elegante, muitas vezes mineral.
A pluviosidade, abundante e bem distribuída ao longo do ano, alimenta o solo e desafia o viticultor. O desafio, porém, não é obstáculo, mas condição. A videira, nesse cenário húmido, exige atenção e saber. E os solos, predominantemente argilo-calcários, com boa capacidade de retenção de água e drenagem eficaz, proporcionam um equilíbrio vital entre vigor e restrição, permitindo que a vinha se expresse com autenticidade. Na sua condução predominam os sistemas em cordão bilateral e Guyot, adaptando-se à orografia e às exigências da sanidade num clima de elevada humidade relativa. A gestão do coberto vegetal e a orientação das linhas seguem uma lógica quase filosófica: proteger sem sufocar, expor sem queimar, guiar sem domesticar.
Quanto às castas, Óbidos guarda em si uma paleta de contrastes. Nas tintas, impera a Touriga Nacional com a sua alma floral e vigorosa, acompanhada da Aragonez, da Castelão e da Trincadeira, castas tradicionais que, no contexto climático local, encontram expressão em vinhos de corpo médio, boa acidez e capacidade de envelhecimento discreta, mas promissora.
Nas brancas reina a frescura. A casta Arinto, com sua acidez cortante e longevidade, é a espinha dorsal da produção, ao lado da Fernão Pires, da Vital e da Rabo de Ovelha. Nos últimos anos, novas interpretações da Chardonnay e da Sauvignon Blanc também têm marcado presença, muitas vezes com fermentação em barrica ou estágio sobre borras, revelando o potencial da sub-região para brancos complexos e estruturados.
Mas mais do que um conjunto de dados técnicos, na Denominação de Origem Óbidos é um lugar de encruzilhadas. Aqui, a tradição e a inovação caminham lado a lado, o passado agrícola e o futuro enoturístico dialogam, o rigor técnico e a intuição do viticultor entrelaçam-se. É uma sub-região que, embora discreta perante o brilho de outras denominações nacionais, se afirma com carácter, autenticidade e uma serenidade que só a maturidade da terra pode oferecer. E, ainda assim, cada vindima é uma promessa nova, uma pergunta lançada à natureza e ao saber humano: que vinho será este ano o espelho da terra?
No fundo, a DOC Óbidos não é apenas uma denominação de origem. É uma forma de estar no mundo entre o vento e a vinha, o calcário e o mar, o que foi e o que está por vir. É filosofia líquida embalada em garrafas, memória do Atlântico vertida em cada copo.
Num deambular pela Região de Lisboa, os ventos atlânticos sussurram-me aos ouvidos uma expressão que me deixou curioso – “Romana Vini”.
Em Alguber, no concelho do Cadaval, entre colinas suaves e o “uivo” constante do Atlântico, repousa a Quinta do Porto Nogueira. Integrada na sub-região DOC Óbidos, em plena Região Vitivinícola de Lisboa, esta quinta secular é mais do que um espaço agrícola, é um lugar onde a terra e o pensamento se encontram, onde a vinha se faz expressão de uma filosofia paciente e de um saber transmitido entre gerações.
Onde a terra se serve à mesa
No Concelho de Cadaval, a gastronomia é mais do que sustento. É expressão viva de um território onde o tempo ainda respeita os ciclos da terra e os saberes antigos resistem ao esquecimento. Esta região, aninhada entre vales férteis e a majestade tranquila da Serra de Montejunto, oferece uma riqueza culinária que nasce do diálogo íntimo entre o homem e a natureza.
A Pera Rocha do Oeste DOP, símbolo maior da fruticultura local, é aqui mais do que um produto agrícola, é orgulho coletivo, fruto de gerações que moldaram, com paciência e técnica, um dos sabores mais delicados do país. Cadaval é reconhecida como a “capital” desta pera, cuja textura fina e doçura equilibrada falam tanto do solo que a alimenta como das mãos que a colhem.
Nas mesas cadavalenses, os pratos tradicionais revelam a alma rural do concelho — sabores robustos, enraizados na terra e na partilha. Do cabrito assado no forno de lenha, com aromas de alecrim e alho bravo, à suculência dos enchidos artesanais, ao coelho à aldeia, passando pelas sopas rústicas de feijão e couve, tudo respira autenticidade. O bacalhau à lagareiro e os grelhados ao carvão são mais do que receitas, são narrativas familiares transmitidas de geração em geração, muitas vezes cozinhadas em lume brando e degustadas com tempo e conversa.
A doçaria é outro capítulo de afeto. O pão-de-ló artesanal da Ti Piedade, com a sua textura húmida e alma conventual, é já um ícone local, enquanto o bolo doce de Figueiros traz, à memória, os domingos antigos e os cheiros de forno que atravessavam os quintais.
E da Serra do Montejunto, onde o silêncio é cortado apenas pelo zumbido das abelhas e pelo sopro do vento, chega um mel de características únicas, âmbar e intenso, destilado da flora bravia que cobre os caminhos serranos. É a natureza no seu estado mais puro, transformada em doçura lenta.
No Concelho de Cadaval, comer é um gesto ancestral de gratidão. Cada produto, cada prato, cada doce, carrega consigo a marca da identidade e a beleza de um lugar onde o essencial ainda tem valor. É uma cozinha que não se limita a alimentar. Convida a pertencer.
Regresso às raízes com olhar no futuro
Há histórias que fermentam lentamente, como os grandes vinhos. Crescem em silêncio, de geração em geração, amadurecendo no coração das famílias que sabem escutar a terra. Assim é a história da Casa Romana Vini, projeto familiar nascido de um legado rural profundo e de um reencontro com a vocação que o tempo, por momentos, apenas adormeceu.
Na família Mendes Barreira o amor pela vinha não se aprendeu nos livros, mas no campo, ao lado dos que sabiam ler o ciclo das estações. O avô Manuel Gerardo Barreira foi um desses guardiões da sabedoria rural. Cuidava, com mãos sábias e humildes, pequenas vinhas em terrenos que hoje integram a Quinta do Porto Nogueira, no concelho do Cadaval. Foi ele quem transmitiu ao filho, José Pereira Barreira, não apenas o saber técnico, mas a reverência pela terra. E foi entre os serões da aldeia, ao calor da lareira, que o neto, António Mendes Barreira, escutou — mais do que histórias — uma herança silenciosa, feita de paciência, trabalho e encantamento. Passadas algumas décadas, já depois de percursos empresariais noutros domínios, António Mendes Barreira e esposa, Maria Isabel Policarpo, sentiram renascer esse chamamento.
O campo voltou a falar-lhes com a linguagem que nunca esqueceram. Decidiram, então, investir nos terrenos que herdaram e adquiriram, divididos entre a histórica Quinta do Porto Nogueira, datada do século XVIII, na Região Vitivinícola de Lisboa, e a Quinta da Escusa, na região dos vinhos do Tejo. Plantaram a vinha em 2010, não como quem planta apenas um cultivo, mas como quem semeia um propósito. O objetivo era claro – produzir vinhos de qualidade premium, nos melhores terroirs, a partir de castas nacionais e internacionais, vinificadas com rigor em adega própria.
Assim nasceu a Casa Romana Vini, cuja primeira colheita, 2015, logo deu frutos, dois vinhos galardoados com Grande Ouro no Concurso de Vinhos de Portugal de 2017. Desde então, os prémios sucedem-se, mas é a coerência da filosofia, e não o brilho das medalhas, que continua a orientar o projeto.
Na Romana Vini, o trabalho do enólogo António Ventura é mais do que uma prática técnica, é um exercício de escuta profunda. Escuta da terra, do tempo, da vinha e do silêncio que antecede cada vindima. Reconhecido como um dos nomes maiores da enologia em Portugal, Ventura não impõe estilo, antes interpreta o carácter de cada parcela com a precisão de um artesão e a humildade de um filósofo do vinho.
Este produtor possui 28 referências, somando os vinhos das duas Quintas. Nelas estão cultivadas várias castas brancas, com destaque para o Arinto, Alvarinho, Encruzado, Sauvignon Blanc, Chardonnay e Sémillon e, nas tintas, para o Pinot Noir, Touriga Nacional e Syrah.
Desde 2019, cultivam não apenas a terra, mas também o ideal da agricultura 100% biológica, assumindo um pacto com o tempo e a natureza e recusando as imposições químicas da produtividade desenfreada.
Cada vinho é apresentado como uma narrativa — com corpo, alma e contexto. E cada gole é um convite ao pensamento, à pausa, à escuta do que o vinho tem para dizer
Harmonia com o ecossistema
Mas esta história começou bem antes da certificação. Há muitos anos, abriram mão dos herbicidas e fertilizantes químicos, escolhas que, embora discretas, revelam uma filosofia profunda: a de que a terra só devolve plenitude quando é tratada com respeito.
Hoje, vão mais longe — rejeitam também pesticidas e quaisquer substâncias sintéticas. Não por capricho, mas por convicção. Protegem a biodiversidade não como quem segue uma moda verde, mas como quem escuta o silêncio das raízes e reconhece, na harmonia do ecossistema, uma sabedoria ancestral que não cabe nos frascos da indústria. Num mundo em que a velocidade e o lucro ditam as regras, escolher o caminho da biologia pura é um ato de resistência. E, talvez, de esperança.
Na casa Mendes Barreira, António Ventura encontrou um terreno fértil, não apenas em solos, mas em visão partilhada. Trabalha lado a lado com a natureza, respeitando os ritmos biológicos e buscando sempre a pureza da expressão varietal. Cada vinho da Romana Vini leva, assim, a marca discreta, mas firme da sua mão: equilíbrio, elegância e autenticidade.
Mais do que criar vinhos premiados, António Ventura cultiva narrativas líquidas, onde cada garrafa é um lugar, um ano e uma memória. Porque, para ele, a enologia não é só ciência, é também contemplação, diálogo e arte.
Na visão da família, o enoturismo não é um apêndice do vinho, mas uma extensão natural do seu espírito. Por isso, em 2022, a Quinta do Porto Nogueira passou a acolher o Wine Hotel, unidade que se funde com a paisagem e convida à imersão. Não se trata apenas de oferecer alojamento, mas de criar experiências sensoriais alinhadas com o vinho, o bem-estar e a contemplação do essencial.
Hoje, com o envolvimento dos filhos, Pedro e João Barreira, a Casa Romana Vini e o Wine Hotel assumem-se como duas faces do mesmo projeto de vida. Produzir grandes vinhos e proporcionar experiências autênticas, junto à vinha, no compasso do campo, mantendo sempre o fio condutor: a exigência, a simplicidade e o cuidado. Tudo isto num ambiente onde o luxo não é ostentação, mas a beleza subtil de se estar próximo da terra e, por isso mesmo, mais próximo de si próprio.
É esse o espírito que perdura desde os tempos do avô Manuel. Não se trata apenas de fazer vinho. Trata-se de honrar a terra, a memória e o futuro, com o mesmo respeito silencioso que, geração após geração, sussurra entre as videiras.
Num vale onde o silêncio das vinhas se mistura ao rumor antigo das pedras, ergue-se a Adega Romana Vini, que não é apenas um produtor de vinho, mas um altar onde o tempo é colhido em cachos. A sua existência é mais do que uma resposta ao mercado, é um manifesto. Romana Vini vive como um pensamento sólido vertido em líquido, onde cada garrafa é uma tese embebida de história, um ensaio sobre a terra, o homem e o divino labor da fermentação.
No coração da sua filosofia está uma arqueologia da alma vitivinícola. O nome não é apenas um aceno ao império que civilizou a vinha, mas um compromisso com a memória. A Romana Vini retoma os métodos, o espírito e a solenidade dos romanos, para quem o vinho era mais do que bebida — era linguagem, contrato e culto. Não por acaso, cada estágio de produção ecoa esse espírito: pisa a pé, envelhecimento em ânforas, diálogo entre a tradição e a tecnologia sem que uma suplante a outra.
O enoturismo… um circuito de experiências
Há lugares onde o tempo desacelera, não por inércia, mas por respeito. Na Romana Vini cada passo do visitante é um convite ao reencontro com o essencial: a terra, o silêncio, o gesto lento da vinha, o saber do vinho. O circuito de visitação enoturística criado pela família Mendes Barreira não é apenas uma proposta de lazer, é um itinerário sensorial e filosófico, onde o vinho deixa de ser um produto e se torna linguagem.
Implantado na Quinta do Porto Nogueira, em Alguber, o projeto da Romana Vini alicerça-se em duas ideias fundadoras: autenticidade e cuidado. É a partir destas premissas que nasce um percurso de visita que vai muito além da clássica prova de vinhos. Aqui, cada etapa do circuito da vinha à adega, da cave ao copo, da mesa ao horizonte, é uma celebração do tempo certo das coisas.
A visita começa, como deve ser, na vinha, onde o visitante é convidado a caminhar entre os alinhamentos de Arinto, Alvarinho, Touriga Nacional ou Pinot Noir, sentindo no rosto a brisa atlântica que molda os vinhos da casa. É uma imersão no terroir, uma aproximação física àquilo que normalmente só se saboreia em silêncio num cálice. O guia não é apenas um informador técnico, mas um mediador entre o visitante e o espírito da paisagem. Fala-se de solos argilosos, de conduções em cordão bilateral, de viticultura biológica, mas fala-se sobretudo da relação entre o homem e a terra, entre o fazer e o esperar.
Segue-se a passagem pela adega, moderna, mas discreta, onde a tecnologia respeita a natureza e a intervenção é mínima. Aqui, o enólogo é visto como um tradutor da vinha, e não como um criador absoluto. A cave, com os seus barris silenciosos e o cheiro ancestral de madeira e mosto, conduz inevitavelmente à contemplação. Há uma ética do tempo em cada estágio, uma filosofia da lentidão que nos interpela num mundo apressado.
A prova de vinhos, longe de ser um ritual apressado, é conduzida com a mesma atenção ao detalhe. Em salas envidraçadas com vista para as vinhas, ou em recantos ao ar livre rodeados de oliveiras e silêncio, os visitantes experimentam vinhos que trazem consigo a memória do lugar. A acidez vibrante de uma Arinto, a mineralidade de um Encruzado, a estrutura austera de uma Touriga. Cada vinho é apresentado como uma narrativa — com corpo, alma e contexto. E cada gole é um convite ao pensamento, à pausa, à escuta do que o vinho tem para dizer.
Mas a experiência vai além do vinho. Na Quinta do Porto Nogueira Wine Hotel o visitante pode prolongar o encontro com a terra. O alojamento, discreto e acolhedor, funde-se com a natureza. Há trilhos, piqueniques entre vinhas, jantares vínicos, sessões de meditação ao entardecer, provas horizontais e verticais, experiências sensoriais alinhadas com o ciclo da vinha e com o ciclo interior de cada pessoa.
É um enoturismo que se propõe como caminho — no sentido mais pleno da palavra. Um caminho de regresso ao natural, ao simples, ao que tem substância. Em vez de espetacularidade, há silêncio. Em vez de pressa, há cuidado. Em vez de consumo, há encontro.
Não há excessos nem ostentação, apenas uma elegância silenciosa que se revela em cada detalhe: na decoração sóbria e requintada, nos tecidos que respiram conforto, nas linhas clássicas que acolhem com modernidade contida
Um momento de encontro…
Na Romana Vini, cada visita é desenhada como um momento de encontro com o vinho, o lugar e a história silenciosa que atravessa cada cacho. Quem visita, escolha ou não pernoitar no sereno refúgio do Wine Hotel, é sempre convidado a mergulhar numa experiência vínica que começa muito antes do primeiro gole.
A visita pode é realizada por profissionais com sólida formação. Quando o pedido exige um toque mais íntimo e exclusivo, é feito pelos proprietários da casa. Não são raros os visitantes que desejam escutar a história da Romana Vini da voz de quem a sonhou e aqui, a hospitalidade é tão artesanal quanto os vinhos.
Concluído o passeio, o destino é o Tasting Room, onde o tempo parece abrandar para que os sentidos possam enfim despertar. A prova de vinhos pode incluir entre três e seis referências, consoante a escolha do visitante, numa curadoria que privilegia a diversidade de castas, estilos e terroirs. Mais do que uma degustação técnica, trata-se de uma vivência sensorial e meditativa: cada vinho é apresentado como um capítulo de um livro que se escreve com a terra, o clima e a mão humana.
Na Romana Vini, provar vinho não é apenas apreciar aromas e sabores, é escutar a paisagem que o gerou, sentir o gesto que o cuidou e compreender o tempo que o moldou. Por isso, a experiência, seja qual for o formato escolhido, nunca é genérica. É sempre pessoal. É sempre reveladora.
E talvez seja isso que distingue este lugar. A consciência de que o vinho, quando verdadeiramente vivido, não se limita a ser bebido. É partilhado e compreendido.
A Romana Vini não oferece apenas um circuito de visita. Oferece um modo de estar. E, nesse gesto, recorda-nos algo fundamental, que o vinho é terra transformada, é tempo engarrafado, é cultura líquida. Mas, acima de tudo, é uma ponte entre o que somos e o que podemos ainda vir a ser, se tivermos a coragem de escutar a terra.
Dormir nas nuvens… viver no paraíso
Na serenidade da paisagem de Alguber, no concelho do Cadaval, ergue-se a Quinta do Porto Nogueira – Wine & Charming Countryhouse, um lugar onde o tempo abranda e a beleza encontra o seu lugar natural. Aqui, tudo parece estar, subtil e intencionalmente, no sítio certo. Não há excessos nem ostentação, apenas uma elegância silenciosa que se revela em cada detalhe: na decoração sóbria e requintada, nos tecidos que respiram conforto, nas linhas clássicas que acolhem com modernidade contida.
Com 15 quartos e uma villa privada, todos superiormente decorados com a mestria de Maria Isabel Policarpo, proprietária e anfitriã, a quinta oferece um refúgio onde o luxo se expressa pela harmonia entre o espaço, a luz e o silêncio. Esta tudo no sítio certo. A piscina convida à contemplação mais do que ao movimento, inserida numa envolvência de vinhas e colinas suaves, onde o olhar se perde em verdes compassados.
Mas esta não é apenas uma casa para dormir — é um lugar para viver com intensidade serena. A experiência gastronómica privilegia os sabores da terra e da região, produtos locais, frescos, tratados com respeito e criatividade. Nas provas de vinhos, guiadas com saber e paixão, descobre-se o que a vinha tem para dizer, em cada casta, em cada ano, em cada copo.
A natureza não é apenas cenário, é protagonista. Os hóspedes são convidados a caminhar pelos trilhos, a visitar as vinhas, a respirar fundo. E ao final do dia, quando o sol se despede em tons de ouro e cobre, há um momento que se repete com a delicadeza dos rituais verdadeiros, conversas demoradas ao pôr do sol, com um copo de vinho na mão — ou, para os que celebram a leveza efervescente da vida, um excelente espumante a marcar o compasso do entardecer.
Aos que amam o vinho como quem ama a vida — com vagar, com intensidade e com reverência ao tempo — a Quinta do Porto Nogueira – Wine & Charming Countryhouse oferece mais do que uma estadia, propõe um reencontro. Aqui, onde a vinha respira com a cadência das estações e a mesa celebra os sabores da terra, cada momento é uma oportunidade para habitar o presente com todos os sentidos. É um convite para os apaixonados pelo enoturismo, pela gastronomia e pelo vinho a mergulharem numa experiência imersiva, onde o luxo está na autenticidade, e a beleza nasce do equilíbrio entre o silêncio da paisagem e o tilintar de um copo erguido ao pôr do sol.
Caderno de visita
COMODIDADES
– Línguas faladas: português, inglês, francês, alemão, italiano
– Loja de vinhos: Sim
– Restaurante apenas para hóspedes (20 lugares no inverno e 30 no verão)
– Bar com capacidade para 20 pessoas
– Sala de eventos para 30 pessoas
– Sala de reuniões para 30 pessoas
– Parque para automóveis ligeiros com 30 lugares
– Espaço para parqueamento de três autocarros
– Posto de carregamento de carros elétricos: Sim
– Provas comentadas (ver programas);
– Wifi gratuito disponível: sim
– Visita às vinhas: sim
– Visita à Adega: sim
EVENTOS
Eventos corporativos até 30/40 pessoas
Atividades team building à medida dos interesses do cliente
PROGRAMAS
(Para duas a 30 pessoas)
Visita à Quinta do Porto Nogueira + Prova de três vinhos – 42€/pessoa
Inclui visita às Vinhas, Adega e Sala de Barricas e termina na sala de provas com a visualização de um filme. Segue-se a degustação de três vinhos (colheita, monovarietal e reserva) na companhia de pão, queijos e enchidos.
Duração: 1h30 aprox.
Visita à Quinta do Porto Nogueira + Prova de cinco vinhos – 57€/pessoa
Inclui visita às Vinhas, Adega e Sala de Barricas e termina na sala de provas com a visualização de um filme. Segue-se a degustação de cinco vinhos na companhia de pão, queijos e enchidos.
Duração: 1h30/2h aprox.
Visita à Quinta do Porto Nogueira + Prova de seis vinhos – 70€/pessoa
Inclui visita às Vinhas, Adega e Sala de Barricas e termina na sala de provas com a visualização de um filme. Segue-se a degustação de seis vinhos na companhia de pão, queijos e enchidos, um doce e um café.
Duração: 2h aprox.
Visita à Quinta do Porto Nogueira + Almoço + Prova de cinco vinhos – 95€/pessoa
Inclui visita às Vinhas, Adega e Sala de Barricas e termina na sala de provas com a visualização de um filme. Segue-se uma prova de cinco vinhos e um almoços composto por couvert, prato principal, sobremesa e café.
Duração: 2h30 aprox.
Prova de cinco vinhos com um membro da família – 105€/pessoa
Inclui visita às Vinhas, Adega e Sala de Barricas e termina na sala de provas com a visualização de um filme. Segue-se uma degustação de cinco vinhos na companhia de pão, queijos e enchidos, um doce e um café.
Duração: 2h aprox.
Contactos
Romana Vini
Quinta do Porto Nogueira,
2550-012 Alguber
Cadaval – Portugal
Site: www.romanavini.pt
Email : geral@romanavini.pt
Tel.: (+351) 918 659 092
(Artigo publicado na edição de Junho de 2025)
Guelra: Um mergulho no mar!

Na verdade, quase podíamos dizer que o Guelra são dois restaurantes em um. No rés do chão, com um balcão em U e a esplanada confortável adjacente, a que puseram o nome de “ocean to table”, a aposta é mais informal com algumas sugestões de cozinha de conforto e a montra de peixe e marisco […]
Na verdade, quase podíamos dizer que o Guelra são dois restaurantes em um. No rés do chão, com um balcão em U e a esplanada confortável adjacente, a que puseram o nome de “ocean to table”, a aposta é mais informal com algumas sugestões de cozinha de conforto e a montra de peixe e marisco a piscar-nos o olho, para além de ostras, rissóis de camarão, croquetes de polvo e puntinilhas de choco e outros snacks e petiscos. No “first floor” – porquê a insistência destes nomes em inglês? – a aposta é mais ambiciosa e está a meio caminho do fine dinning e os eventos sopram de leste, desde o Japão.
No Guelra oficiam dois chefes, Manuel Barreto que supervisiona os dois espaços e Gonçalo Gonçalves responsável pela cozinha do 1º piso a quem ficámos a dever a experiência do almoço que nos foi dado degustar. O serviço de vinhos está a cargo do sommelier Ricardo Bento que revelou muito acerto nas propostas de harmonização, tirando o caso particular da sobremesa em que o match não funcionou. O conceito aqui, no dizer dos responsáveis, é uma viagem gastronómica que reflete as transações entre Portugal e o país do sol nascente. Começamos com uma ostra da Ria Formosa com um tempero especial que nos despertou os sentidos. Avançamos depois para um Sashimi de peixe, no caso lírio dos Açores, com miso e vinagre de arroz, muito delicado e contido. Vem depois o caldo Dashi retemperador e pleno de sabor. As propostas seguintes passaram pelo Tártaro de atum, precioso, e a boa surpresa do Ramen de lula, um prato muito bem conseguido cheio de umami. Terminámos o percurso pelo mar do Oriente com um peixe bem português, um Robalo de ponto apurado, com endívia roxa, puré de raiz de aipo mostrando uma habilidosa fusão de sabores e revelando uma boa técnica culinária. A refeição termina com a sobremesa à base de pera Nashi, batata doce e camomila que só pecou pelo facto do vinho Moscatel que foi servido ter resultado menos bem na harmonização. Este “First Floor” funciona tanto ao almoço com menu de 3 etapas a €30 e ao jantar com menu de 7 momentos a €60.
O conceito do Guelra pode parecer um pouco confuso ao princípio, mas para o cliente que entre na onda revela-se uma agradável surpresa.
Guelra
Rua de Belém, 35
Aberto todos os dias, das 12 às 22:00 horas
Email: reservas@guelraott.com
Tel: 939 002 081
Companhia Agrícola do Sanguinhal: Vinhos com história e terroir

A loja da Quinta das Cerejeiras, da Companhia Agrícola do Sanguinhal, fica nos antigos escritórios da empresa e proporciona, pela forma como está decorada, uma viagem para outro tempo, o da fundação da empresa, quando naquele local trabalhavam as suas primeiras pessoas. É o início de uma visita pela sua história, da família e de […]
A loja da Quinta das Cerejeiras, da Companhia Agrícola do Sanguinhal, fica nos antigos escritórios da empresa e proporciona, pela forma como está decorada, uma viagem para outro tempo, o da fundação da empresa, quando naquele local trabalhavam as suas primeiras pessoas. É o início de uma visita pela sua história, da família e de fazer o vinho, a um pequeno museu que nos leva a apetecer saber um pouco mais sobre esta casa.
Diogo Reis é o representante da 4ª geração da família à frente da Companhia Agrícola do Sanguinhal, fundada pelo seu bisavô, Abel Pereira da Fonseca, em 1928, para gerir três quintas no Bombarral, Quinta das Cerejeiras, Quinta do Sanguinhal e Quinta de S. Francisco. Todas estão integradas na DOC Óbidos e ficam a apenas alguns quilómetros umas das outras no concelho do Cadaval.
Abel Pereira da Fonseca tinha montado um negócio de distribuição de vinho e outros produtos no início do século 20, que fundou em 1906 com sede na zona de Marvila, em Lisboa. Criou depois as lojas Vale do Rio, para venda de vinho e, mais tarde, começou a comprar as propriedades, para assegurar a produção para abastecimento da empresa em Lisboa. Foi assim criada a Companhia Agrícola do Sanguinhal, que explora hoje 200 hectares de terra, dos quais 100 hectares de vinha. O resto é floresta, árvores de fruto e instalações.
Influência atlântica
Segundo Diogo Reis, a vinha da casa privilegia as castas autóctones da Região de Lisboa. “Com base nelas, o que tentamos exprimir, nos nossos vinhos, é o terroir da DOC Óbidos, que fica num anfiteatro bem exposto à influência Atlântica”, salienta o responsável.
Miguel Móteo, 59 anos, enólogo da Companhia Agrícola do Sanguinhal com responsabilidade também na viticultura há mais de 30 anos, conta, por seu turno, que o primeiro desafio que teve, quando chegou à empresa, foi identificar as castas de menor valor enológico das suas vinhas, com o objectivo de as reestruturar e modernizar. Foi o início de um processo que levou à reconversão de mais de 70 hectares de vinha das três quintas nos últimos 30 anos. Para além da empresa ter apostado em castas regionais e nacionais, como as brancas Arinto, Vital e Fernão Pires, foram plantadas algumas internacionais “que poderiam contribuir para a valorização dos nossos vinhos não só no mercado nacional, mas também no internacional”, explica o enólogo. É o caso da casta Chardonnay “que se adaptou muito bem aos solos e clima da região e propriedade”, para além do Sauvignon Blanc e de uma pequena parcela de Viognier.
Nas tintas foi dada a primazia a castas específicas para a região, “que valorizam os nossos vinhos”, como o Castelão, a Tinta Roriz e a Touriga Nacional. Além delas foram plantadas variedades francesas, “como a Syrah, que se adaptou muito bem ao nosso terroir e, segundo a minha opinião, a toda a região dos vinhos de Lisboa”, salienta Miguel Móteo. Quando começou a trabalhar, as castas brancas já originavam vinhos com bastante acidez, ou seja, “com as características específicas para o que se pretende num vinho branco”. Mas percebeu, na altura, que nem todas as tintas seriam as melhores para as exigências do mercado e as consequências das alterações climáticas. “Por isso foi necessário fazer uma aposta forte na reconversão da vinha”, conta.
Os solos das três quintas são bastante diferentes e houve necessidade de se escolher correctamente os porta-enxertos e, a partir daí, fazer um trabalho quase de precisão ao nível da viticultura, “tendo em conta a condução da vinha, o controlo de vigor e as operações em verde e em seco”. Foi essencial, acima de tudo, escolher, no início das plantações, as castas e os porta-enxertos melhor adaptadas para os solos e sistemas de drenagem, tendo em conta as características desejadas para os vinhos produzidos. Com esse objectivo, as castas brancas estão plantadas nas zonas mais frescas, de várzea, e as tintas em encostas. “As nossas produções são relativamente baixas em relação à média da região, porque procuramos potenciar a valorização da matéria-prima”, explica Miguel Móteo.
Cinco semanas de vindima
A reconversão não teve apenas, como objectivo, a mudança de castas, mas também a modernização e mecanização de uma vinha com uma área já significativa, alteração essencial numa altura em que os custos de produção tem crescido cada vez mais e a mão-de-obra é cada vez mais escassa. São factores que têm levado “a constantes adaptações nas vinhas, quer ao nível dos sistemas de condução, que nas operações em verde e seco”, revela o enólogo. Diz, também, que a Região de Lisboa tem tudo para crescer e que tem sido surpreendente ver a evolução da qualidade da matéria-prima, essencialmente nos tintos.
Como as quintas da Companhia Agrícola do Sanguinhal distam a cerca de 10 km umas das outras, a produção foi centralizada na adega da Quinta de S. Francisco. As castas da empresa estão plantadas nas três, que têm características de solos diferentes, o que origina comportamentos diferentes das plantas, incluindo períodos de maturação diversos.
Segundo Miguel Móteo, as vindimas começam habitualmente na Quinta do Sanguinhal e na Quinta das Cerejeiras, e pelas castas mais precoces, como o Chardonnay, o Sauvignon Blanc e o Fernão Pires. “Nos primeiros anos vindimávamos a partir de meados de setembro e, agora, a partir de meio de agosto, também para conseguirmos apanhar as uvas com mais frescura e menor teor de açúcar”, conta, acrescentando que a principal dificuldade da vindima, que decorre durante cinco semanas, é conjugar os trabalhos em propriedades diferentes no mesmo dia, principalmente quando a colheita é feita à mão, o que acontece sobretudo para as castas brancas mais nobres.
Depois de os procedimentos feitos na adega para todas as uvas da empresa, que são colhidas casta a casta em cada quinta, é feita uma análise rigorosa a todas as 40 a 50 referências resultantes do processo para se poder definir, em função das suas características físico-químicas e organolépticas, “quais são os vinhos que vão para barrica, para as gamas quinta, Regional Lisboa no segmento médio e médio mais, num trabalho de precisão para cada perfil definido”, conta Miguel Móteo.
A Companhia Agrícola do Sanguinhal explora hoje 200 hectares de terra, dos quais 100 hectares de vinha
Referências centenárias
Mais de 30% do vinhos produzidos pela empresa são vendidos para exportação, tanto para o canal ontrade como no offtrade, tanto com marcas diferenciados como com coincidentes. “A nossa preocupação é mantermos uma presença nacional e regional forte, com as marcas que também exportamos”, explica Diogo Reis, acrescentando que “é esse equilíbrio que nos permite ter o reconhecimento do mercado, após muitos anos a trabalhar o sector, com marcas e rótulos históricos”, numa casa que tem algumas referências centenárias. “É algo que também nos diferencia, até porque há, no país, poucos casos em que isso acontece”.
Segundo Diogo Reis, essa manutenção, ao longo de tantos anos, tem sido um caminho desafiante, com alguns choques entre gerações, como acontece por vezes nas famílias e nas empresas, “mas, aquilo que sentimos, é que é pelo classicismo que temos tido os nossos resultados”, afirma. Defende, também, que a sua empresa não precisa de se empenhar agora no aumento das produções em volume, mas sim na valorização daquilo que já tem. “Essa é a estratégia que temos vindo a seguir, e com excelentes resultados, porque temos muitos vinhos com indicação de data de colheita recorrentemente em ruptura, o que acontece um bocado em contraciclo com o que se está a passar no sector a nível nacional e mundial.” Diz também que é uma aposta na fidelização, que já está a acontecer e tem proporcionado a conquista de mais clientes. “Se estivermos sempre a mudar a imagem, mais dificilmente as marcas serão reconhecidas. Não é isso que nos interessa”, explica.
A qualidade e o perfil dos vinhos são mantidos com o trabalho do Miguel Móteo. “É essencial, para nós, que o perfil de cada um dos nossos vinhos se mantenha, mesmo que as suas características variem com os anos de colheita, com excepção dos licorosos, dos quais fazemos blends de média de anos, como um 20 anos, por exemplo”, salienta Diogo Reis, acrescentando que de vez em quando surge uma inovação, como um novo colheita tardia, que deverá surgir para breve.
Para além dos vinhos da Quinta das Cerejeiras, do Sanguinhal e de S. Francisco, que são colocados todos com data de colheita, de licorosos e de aguardentes, a empresa produz e comercializa a marca Casa Abel, trabalhada sobretudo para o canal ontrade, a Sotal, um branco leve da Quinta do Sanguinhal, cujo Moscatel Graúdo é de vinhas com quatro décadas da Quinta do Sanguinhal, apesar de ter Arinto das outras quintas.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)
Colares contra Collares: A Lisboa do desassossego

Nem de propósito encaixo-me nas ondas que os tempos trazem. Ainda há pouco protestava que, fazendo uma prova de Lisboa, onde tanto acontece, me limitei a encarar tintos topos de gama que seguem cânones que já não são tanto destes tempos, salvas as devidamente assinaladas excepções e sem deixar de aceitar a grande qualidade dos […]
Nem de propósito encaixo-me nas ondas que os tempos trazem. Ainda há pouco protestava que, fazendo uma prova de Lisboa, onde tanto acontece, me limitei a encarar tintos topos de gama que seguem cânones que já não são tanto destes tempos, salvas as devidamente assinaladas excepções e sem deixar de aceitar a grande qualidade dos vinhos provados. Também há pouco tempo me lamentava, em tom sentimental, de como a minha terra tinha levado com o selo “Lisboa”, sendo eu da Leiria tão distante.
Pois agora a providência juntou-se com os actores certificados e não certificados e foi-me entregue um desafio: perceber o puzzle espacial, temporal, ampelográfico e estilístico (chega para começar?) de Colares. Já explico de que forma isto agrava todos os meus problemas anteriores, mas também adianto já a conclusão: enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar. Muito menos a gente de Colares. Ou será Collares?
Uma pequena região de velhas tradições
Começamos já com tempo e espaço. Colares é uma pequena região muito próxima de Lisboa, onde as velhas tradições impuseram regras rígidas na especificação dos vinhos. Incluída na segunda leva de criação de denominações de origem, em 1908, tinha já pergaminhos que remontavam ao século XIII, e gentes com convicções fortes sobre as regras. DOC Colares só de Malvasia ou Ramisco, com videiras plantadas em pé-franco (sem porta-enxerto americano) em terra de areia, numa área circunscrita a partes bem demarcadas de três freguesias: Colares, São João das Lampas e São Martinho. Há alguma discussão sobre a Malvasia, que é na verdade uma família de castas. Diz, quem sabe, que a Malvasia de Colares é uma casta diferente da Malvasia Fina, a Bual/Boal da Madeira. Aliás, diga-se que também na Madeira as discussões sobre as várias Malvasias são acesas e incluem a rara Malvasia Cândida e a hoje predominante Malvasia de São Jorge. Onde há diversidade há origens antigas.
A terra de areia + pé-franco tem origem na praga da filoxera, já que só em algumas condições a filoxera (americana) não destrói a velha Vitis vinífera (europeia), obrigando ao porta-enxerto de Vitis rupestris (americano). Uma dessas condições é a terra de areia, e temos Collares. Com dois Ls porque é antigo.
Estas histórias foram já todas contadas, mas há muitas, muitas mais. A Adega Regional de Colares (ARC) é uma cooperativa (1931) que agrupa vários papéis, que já incluíram o de certificador (hoje é a CVR Lisboa). Em 1941, a escassez de uvas levou à criação de uma lei que obrigava todos os produtores a entregar as uvas na ARC, que fazia o vinho para mais tarde ratear pelos seus associados. Esta obrigação durou muito mais do que a escassez de uvas, até cerca de 1994. O carácter híbrido da instituição impediu-a de se candidatar a subsídios europeus. E não se modernizou, nem pôde apoiar a modernização das vinhas da região. Hoje a ACR não tem vinhas, mas aceita uvas dos seus associados que as têm, elabora os vinhos (pela mão de Francisco Figueiredo e sua equipa), estagia-os e vende-os a produtores da região, com os quais está historicamente comprometida. Isto faz com que muitas empresas vendam na verdade o mesmo vinho, com ligeiras variações de lote e estágio. Por outro lado, a ACR faz hoje marcas próprias, incluindo os DOC Arenae, para além de outros vinhos de Chão Rijo, que aliás é sua marca registada.
Um puzzle complexo e fascinante
Em várias visitas de reportagem, e com o apoio do próprio Francisco Figueiredo e do dinâmico Diogo Baeta, da Viúva Gomes, procurei decifrar este puzzle até um ponto que vo-lo consiga explicar. Aqui importa explicar melhor o contexto. São 1000 anos de história, mas vou focar nos mais recentes.
Praticamente todos os actores de Colares são pessoas ali nascidas e criadas, que vivem profundamente um grande amor pelo seu sítio e têm um grande orgulho pela sua tradição. Se têm opiniões diferentes sobre o rumo a tomar, isso não se deve a falta desta devoção.
Ainda não falei das terras que não são de areia, o Chão Rijo, que engloba nessa definição todos os solos que não são de areia. Mas rijos ou moles, ambos têm muita variação, um incrível degradé de composições que explica a especificidade do terroir, se lhe juntarmos a proximidade ao mar (há vinhas literalmente a 40 m do Atlântico) e a exposição aos terríveis ventos salgados que tudo queimam e obrigam a carinhos e desvelos, incluindo técnicas e instrumentos próprios para evitar as humidades do solo e aproveitar os raios do sol que se podem tornar raros. Os muros e paliçadas são icónicas destas vinhas, que se fazem muito rasteiras, e ainda têm de disputar os terrenos com as muito apreciadas maçãs reinetas locais, que todos os anos têm o seu próprio festival. Terra de areia (ou seja, DO Colares) é um total de 24ha, na posse de 12 produtores de vinho e uns 20 viticultores (não necessariamente os mesmos).
Para explicar o imbróglio é preciso dizer que o amor dos locais pelo seu chão e o seu vinho não os impede de repetir, pelo contrário, paradoxalmente até o dizem com um certo orgulho, que em Lisboa se dizia amiúde: “este vinho ou está azedo ou é de Colares.” O Ramisco é uma casta feroz de taninos. A maturação não era assegurada, a enologia seria possivelmente optimista, e eu, na minha vida de provador de vinhos, habituei-me a tintos de Colares rústicos, herbáceos, magros, por vezes sujos, exigindo muitas dezenas de anos para amaciar, ou então não amaciando de todo. Mas por vezes uma réstia de esperança lá saía de dentro de uma garrafa e eu percebia algum do velho e prometido encanto.
Entram a enologia e viticultura modernas, o poder do povo, o vinho para o povo, e todos nos habituámos a vinhos mais encorpados, concentrados, macios, bebíveis mais cedo. Colares foi ficando para trás. Veja-se o que aconteceu na Bairrada, onde os Merlot e Syrah iam afastando a Baga, tal como a má moeda afasta a boa moeda. Veja-se como a Bairrada tradicional resistiu, sobreviveu e se impôs pelo carácter dos seus vinhos que respeitam o terroir local e a gastronomia. Pois o mesmo aconteceu em Colares. Começou de mansinho, com o vinho branco, a Malvasia impondo uma mudança súbita de métrica, onde a secura salina oferecia qualidades sedutoras, e depois o Ramisco, afinado aos tempos modernos, a oferecer salinidade e autenticidade com moderação da rusticidade. Em suma, num mundo mais global e globalizado, estes vinhos começaram a oferecer diferença, e a sua raridade impôs preços altos e o regresso aos radares do mercado.
Areia ou nada?
Se tudo isto é novo para o meu caro leitor, também o é para mim, só posso recomendar que volte a acreditar e vá provar os vinhos. Vai valer a pena.
O problema é que a região tem apenas 24 ha de terra de areia, e tudo o que não é terra de areia tem de cair no imenso tegão dos “Regionais Lisboa” (Como o vinho da minha terra Cortes, lembram-se? Só que as Cortes não têm o mesmo peso histórico). Os fervorosos produtores defensores de Colares querem, ao mesmo tempo, defender o seu velho cânone (chamemos-lhe, por argumento, Collares), um dos mais específicos e rigorosos de que há registo. Mas os mesmos produtores não conseguem viver das poucas garrafas que produzem (alguns fazem 200, outros 400). E para os vinhos oriundos do outro chão (que “chão rijo” é marca registada), não podem nem escrever a palavra Colares no rótulo, nem como endereço postal da sua adega. Collares vs. Colares, uma espécie de Kramer contra Krammer (cf. Google).
As uvas para DO Colares chegam a ser vendidas a €5 o quilo, e há sempre falta. Não ouvi ninguém a defender que Colares deixasse de exigir areia e pé-franco. Mas ouvi produtores protestando que há empresas e marcas que só querem ter um Colares no seu portefólio para aumentar o interesse nos seus outros vinhos, que depois vão comprar já feitos muito longe das encostas salgadas da Praia das Maçãs, Adraga ou Azenhas do Mar.
Quem acredita em Collares faz vinhos de extraordinário carácter, cada vez melhores e com uma identidade própria do lugar, um incrível terroir cuja dimensão impõe raridade e preços altos. São, sempre, vinhos para a mesa. À volta de Colares fervem projectos, com mais ou menos identidade, mas que são essenciais para manter vivas e sustentáveis as adegas. Se têm falta de um nome que os una, têm pelo menos uma vantagem. Estão próximos uns dos outros e conseguem sentar-se à volta de uma mesa. Apareça a identidade, que o nome aparecerá, porque este incrível amor pelo seu sítio vai dar frutos, e nós agradecemos esta teimosia milenar.
Quem é Quem em Colares
A Adega Regional de Colares tem 13 associados com 14ha de vinhas em chão de areia, ou seja, mais de metade da área disponível para DOC. Elabora o vinho destes associados e vende-o a alguns deles e alguns negociantes que pagam um royalty. Ou seja, há produtores com vinha e viticultores sem adega.
Viúva Gomes é um produtor já muito antigo, que passou por diversas e históricas mãos até que em 1988 foi comprado pela família Baeta. Hoje é liderado por José Baeta, pai de Diogo, que nasceu nesse mesmo ano. Diogo estudou enologia e insuflou uma nova tendência à Viúva Gomes, que pouco a pouco deixou de ser apenas “négociant” e passou a “vigneron.” O trabalho de Diogo na adega e principalmente na vinha leva a Viúva Gomes a ser um dos principais motores da renovação da região de Colares, em estreita colaboração com a ACR e em sintonia com valores locais e respeito pelo terroir e seu futuro.
António Bernardino Paulo da Silva, por vezes referido pelo nome da sua marca, Chitas, é um histórico da região. Sediado nas Azenhas do Mar, mesmo de frente para o oceano bravio, aos 96 anos ainda gere a sua companhia, com marcas históricas como o Colares Chitas ou o Beira-Mar. Não tem vinhas, compra o vinho na ARC (da qual a sua casa é sócia fundadora), e estagia-o, loteia-o e engarrafa-o na sua adega.
Daniel Afonso produz há vários anos o Baías e Enseadas. Apaixonado e rigoroso, tem fascínio pela prova e é a prova que o leva a respeitar o terroir e explorá-lo da forma menos interventiva possível, mas sempre seguindo as suas convicções.
O Casal de Santa Maria ficou famoso no mundo do vinho quando o Barão Bodo von Bruemmer plantou uma vinha, em 2006, já com a bonita idade de 96 anos. Ainda viveu muitos anos para ver o sonho de fazer o seu vinho em Almoçageme, no coração da DO Colares. Plantou castas internacionais, mas a propriedade também faz vinhos DOC de grande qualidade. Hoje liderada pelo neto, Nicholas von Bruemmer, tem enologia de António Figueiredo e Jorge Rosa Santos, que continuam a tradição dos vinhos da magnífica quinta.
João Corvo e a sua filha Ana Bárbara são os orgulhosos cuidadores das vinhas do Mare et Corvus, as vinhas mais ocidentais do continente europeus, a escassos 40m da falésia sobre a icónica – e cónica – pedra Vitoreira, uma visão deslumbrante que se eleva do mar selvagem. Os Corvos têm Ramisco e Malvasia, mas também Fernão Pires e Chardonnay, que não dão DOC, em vinhas belíssimas, cujas uvas são vinificadas à parte na ACR.
Alexandre Guedes é o responsável pela Vinhas e Vinhos, que produz os vinhos da Quinta de San Michel, com vinhas em Janas, freguesia de São Martinho. Com vinhas de Malvasia e Arinto plantadas em chão rijo, tem também Ramisco (meio hectare) e Malvasia (2ha) em terra de areia. Manuel Francisco Ramilo & filhos é um produtor familiar com vinhas no vale do rio Lizandro, incluindo a Quinta do Cameijo e a Quinta do Casal do Ramilo. Pedro e Nuno Ramilo foram desafiados pelo pai a retomar a tradição familiar de fazer vinhos e decidiram fazê-los à sua maneira, procurando inovar a tradição do chão de areia, fazendo rosés, espumantes (ambos não admitidos na DO Colares).
Haja Cortezia vinhos é explorado pelo casal Luís Duarte e Teresa Gamboa Soares. Luís é filho de António Maria Perpétuo Duarte, o proprietário das vinhas, que ficam em São João das Lampas. São 5ha, entre vinhas velhas e vinhas novas, situadas perto das praias da Samarra e São Julião. Cada parcela faz um único vinho. Os vinhos Infinitude de Osório & Gonçalves, têm João Lino na enologia, e exploram castas internacionais no chão rijo, enquanto mantêm os cânones DOC na areia. O seu Ramisco é o mesmo da ACR, com mais 6 meses de estágio. Esta tradição de vinificar em conjunto é usual na região, devido às pequeníssimas produções das parcelas.
(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2025)
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Mare et Corvus
Branco - 2022 -
Chitas
Tinto - 2015 -
Arenae
Branco - 2021 -
Viúva Gomes Viticultores
Tinto - 2022 -
Baías e Enseadas
Branco - 2022 -
Arenae
Branco - 2015 -
Quinta de San Michel Malvarinto
Branco - 2021 -
Collares Viúva Gomes
Tinto - 2017 -
Collares Viúva Gomes
Branco - 2021 -
Chitas
Branco - 2020 -
Baías e Enseadas
Branco - 2022 -
Casal Santa Maria
Tinto - 2011
Estive lá: Cícero, Um restaurante em forma de arte

No cosmopolita e multicultural bairro lisboeta de Campo de Ourique, o restaurante é um espaço deveras singular. Primeiro, porque se apresenta como um restaurante que é também uma galeria de arte, com muitos quadros e esculturas expostos de artistas do país irmão. Depois, porque se assume como um representante da cultura brasileira, unindo cores, formas […]
No cosmopolita e multicultural bairro lisboeta de Campo de Ourique, o restaurante é um espaço deveras singular. Primeiro, porque se apresenta como um restaurante que é também uma galeria de arte, com muitos quadros e esculturas expostos de artistas do país irmão. Depois, porque se assume como um representante da cultura brasileira, unindo cores, formas e sabores onde abundam as referências tropicais. Mais ainda, porque o espaço é dividido em três pequenas salas, Modernista, Contemporâneo e Origem, uma no rés do chão e outras duas na cave, cada uma delas com a decoração e ambiente distintivos, marcados pela cores fortes das pinturas expostas, assegurando, em qualquer delas, uma atmosfera acolhedora e intimista.
Por último, na proposta gastronómica que é, afinal, o mais relevante quando falamos sobre um restaurante. Pois é aqui que Paulo Dalla Nora Macedo, um dos co-fundadores do espaço, arriscou nesta nova versão do Cícero e foi buscar a Chef brasileira Alessandra Montagne, há 25 anos sediada em Paris, onde tem dois restaurantes e uma reputação já bem firmada. Num jantar de apresentação à imprensa, onde estivemos, foi visível como a Chef Alessandra, em conjugação com a Chef executiva residente, Ana Carolina, procuraram unir a técnica francesa, a inspiração de Cícero Dias na composição cromática das apresentações e uma fusão de ingredientes brasileiros e apontamentos portugueses.
Visando nitidamente o fine dinning e com preços condizentes a essa ambição, Alessandra desenhou um menu rico e em alguns momentos surpreendente. Logo no amuse-bouche encantou com a crocância do dadinho de tapioca. Nas duas entradas servidas gostei do contraste entre a suavidade do creme de cenoura e a salinidade da bottarga e sabores terrosos do velouté de cogumelos. Nos pratos principais, o carabineiro, irrepreensível com o risoto de cevada, cremoso como se impunha, pediu meças com o bacalhau fresco, couve e arroz negro. O prato de carne foi poitrine de porco, aipo e beterraba, e talvez porque a refeição já ia farta e longa terá sido o que menos me entusiasmou. Mas o desenho cromático da sobremesa, que a Chef Alessandra assumiu ter sido inspirada numa pintura de Cícero Dias, rematou com brilho o jantar.
Destaque ainda para uma carta de vinhos bem pensada, da responsabilidade do sommelier Rodolfo Tristão, com sugestões interessantes para além do óbvio, mas com preços que não são meigos. Requintado restaurante, galeria multifacetada, tertúlia animada, o Cícero, na sua nova encarnação, tem muito para seduzir. Assim a bolsa o permita.
Cícero
Morada: Rua Saraiva de Carvalho, 171, Lisboa
Tel.: + 351 966 913 699
Site: https://cicerobistrot.pt/pt/home-pt/
Horário: De Domingo a Quinta das 19h15 às 23h45. Sextas e Sábados das 19h15 às 00h00
Preço médio: 90€
Monte d’Oiro com marcas novas

O projecto foi iniciado por José Bento dos Santos e, na altura, ninguém o referenciava como estando ligado à produção vinhos. De facto, a ligação era mais emocional e gastronómica, uma vez que era comprador habitual de vinhos, sobretudo franceses, e a sua longa experiência entre tachos e fornos ajudavam, depois, a que os vinhos […]
O projecto foi iniciado por José Bento dos Santos e, na altura, ninguém o referenciava como estando ligado à produção vinhos. De facto, a ligação era mais emocional e gastronómica, uma vez que era comprador habitual de vinhos, sobretudo franceses, e a sua longa experiência entre tachos e fornos ajudavam, depois, a que os vinhos ganhassem mais esplendor com a sofisticação culinária que praticava. A quinta foi adquirida em 1987 e, com pequena área de vinha e objectivos ainda incertos, estudou-se o terreno, consultou-se quem sabia, analisaram-se castas e estilos e conseguiu-se chegar ao primeiro vinho, em 1997. Fechou-se assim o primeiro ciclo da história da quinta. Na primeira vindima participou o filho, Francisco, no mesmo ano em que entrou para a faculdade, ajudando o pai na quinta, mas sem qualquer intuito de vir a ser o continuador.
De 1997 a 2007 abriu-se um novo ciclo, com a construção da adega, houve um sucesso óbvio junto da crítica e dos consumidores, continuando a fase da experimentação. A ligação ao célebre produtor do Rhône, Michel Chapoutier, e a Grégory Viennois, abre um novo ciclo a partir de 2007. Planta-se muito mais vinha, inicia-se a experimentação em bio e Francisco vê-se cada vez mais envolvido. Houve um clic? Houve sim, como nos contou.
Quando foi pai e por via da profissão da mulher ser freelancer e não ter licença de parto, Francisco teve direito a cinco meses de licença, o que o levou a ter mais empenho na quinta, também porque Sophie Mrejen (Directora de marketing) também estava de licença de parto. A passagem do testemunho de pai em filho foi natural e óbvia e Francisco ficou a tempo inteiro a partir de 2012.
Fica sempre a pergunta: a passagem a bio valeu a pena? Há diferenças significativas? Francisco não tem dúvidas sobre a valia do método, pela maior resistência das plantas às adversidades climáticas. Mas alerta que isso só é possível porque tem alguém que passa todo o dia nas vinhas, controlando tudo o que se passa. Reconhece o mérito do bio mas, também diz, “é impossível marcar uma reunião com o João Duarte (o homem da viticultura), já que ele nunca está no escritório…”.
Actualmente estão a entrar na quarta década, agora com 30 ha de vinha, o que levou também a que se alargasse o portefólio para entrar na distribuição moderna: há agora a marca Monte d’Oiro, onde pontificam castas nacionais, o que se tornou importante, sobretudo nos mercados externos, e uma nova marca, Oiro, com uma pepita no rótulo, que podem ser varietais, com uvas das vinhas mais novas. A nova coqueluche é o Cabernet Franc e, diz Francisco, “não têm conta as garrafas desta casta que provámos de todo o mundo para perceber o que era e o que deveríamos fazer, claro, com a Graça Gonçalves, a nossa enóloga. O meu pai também participou nessa fase, que foi muito entusiasmante”.
Em termos de mercados externos, a China é um dos principais destinos do Reserva tinto. “Chegam a ir 15 000 garrafas de uma vez”, mas o vinho está um pouco por todo o lado, com a Mistral (Brasil) a ser a importadora mais antiga. Mas também tem vinho nos EUA, Canadá, Suíça. Hoje ainda se estão a lamber as feridas causadas pelo COVID 19, com perdas brutais na facturação. Mas a recuperação está em marcha. O ex-libris da casa? Continua a ser o Syrah do Monte d’Oiro Reserva, “apesar de não ser uma casta portuguesa”. Ao contrário de muitas vozes reprovadoras noutras regiões, aqui continua-se também a apostar na Tinta Roriz, a tal variedade que tem tanto de enigmática e maravilhosa, como de traiçoeira. E Francisco arrependeu-se da decisão de abandonar o trabalho que tinha nas águas de Portugal? “Nem pensar, nem me vejo a fazer outra coisa. Adoro este trabalho”, responde. Isto para o pai, confesso melómano, deverá ser (dizermos nós) música celestial…
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)
Tintos de Lisboa: Diversidade para explorar

Os meus leitores (#zerofollowers?) e o director hão-de perdoar-me que, no texto, explique mais as emoções de organizar e realizar esta prova do que realmente mergulhar nela com a devida assepsia competente esperada de um crítico de vinhos. Pois, adivinhem, somos também pessoas, e temos história. Só que essa história inclui muitos vinhos e uma […]
Os meus leitores (#zerofollowers?) e o director hão-de perdoar-me que, no texto, explique mais as emoções de organizar e realizar esta prova do que realmente mergulhar nela com a devida assepsia competente esperada de um crítico de vinhos. Pois, adivinhem, somos também pessoas, e temos história. Só que essa história inclui muitos vinhos e uma tentativa árdua e longa de décadas de ter uma abordagem sistematizada à sua prova e – ocasionalmente – ao seu consumo. Brinco, como faço sempre quando quero falar de coisas sérias.
Esta prova organizada na silly season criou em mim altas expectativas. Pois se acho que Lisboa – a região – está a fazer uma das viticulturas e enologias mais excitantes do país, tudo está a acontecer, em particular coisas de que gosto: viticultura tradicional, carinho pelas vinhas velhas, gente nova que escuta os velhos, ressuscitar de antigas castas, estudar de técnicas tradicionais, vinificar com intervenção mínima, explorar terroirs com frescura marítima, tudo sem esquecer o que as modernas enologia e viticultura nos ensinaram. Os vinhos chegaram e eu avancei para eles sem preconceitos. Também era melhor!… Ou bem… já vos conto…
Tudo no frigorífico, temperaturas correctas, nem eram muitos, só 18, uma manhã de trabalho empenhado e sisudo, com prémio de provar estes belíssimos topos de gama, onde eu, confesso, esperava variedade, excitação, ousadia. Esperava descobrir coisas novas que eu quisesse trazer para a minha mesa. Já há muito lá vai o tempo em que eu conhecia todos os vinhos do país. A indústria cresceu e agora navego como todos nós pelas águas que consigo navegar. Mas ainda trago a memória que me permite cartografar uma região. E por isso sei que esta prova foi inquinada por um certo topo-de-gamismo que a conduziu para um tipo de vinhos que afunilam num estilo, quando eu esperava a explosão da variedade.
Não me interpretem mal. Tudo o que provei estava em excelente nível, como as notas bem demonstram. Mas eu talvez esperasse notas menos altas e vinhos mais diversificados. Todos sabemos, todos, que nem tudo na vida são notas. Vi muitos vinhos concentrados, alcoólicos e cheios de vigor, quando eu esperava que um ou outro me quisesse dar a outra face, tipo “olha, é isto que agora a malta aqui gosta e bebe.” Por isso, “ao ver-te, Lisboa, Lisboa, perder o bairro da Madragôa” (como na já trintona canção dos Polo Norte) não deixo de pensar – e aqui explicitamente fazer a afirmação – que Lisboa – a região – não pode perder essa liderança que recentemente ganhou de explorar a diversidade, definir rumos de futuro, não reafirmar incessantemente o brilhante passado.
Quando digo Lisboa – a região – é por razões pessoais também. Sou das Cortes, ao pé de Leiria, onde sempre se fez vinho e mauzote, mas tínhamos a nossa DO Encostas de Aire, aliás bem extensa. Muito caiu o meu queixo há anos quando descobri que a minha aldeia natal era agora IGP Lisboa. Lisboa, tão longe, a minha cidade adoptiva quando fugi da Leiria-sem-universidade, num tempo já há muito ido. Então Lisboa a região, antiga Estremadura, de onde Leiria nem era, era Beira Litoral. Ai Salazar, que ainda todos nos lembramos dos mapas na escola primária.
Syrah, Alfrocheiro, Tannat, Touriga…
Lisboa definiu-se nos últimos 30 anos. Vejam, foi também há 30 anos que José Bento dos Santos plantou Syrah perto da Ventosa, Alenquer, e começou o seu projecto Quinta do Monte D’Oiro, que hoje oferece um dos vencedores desta prova. Um Syrah com Viognier tremendo de complexidade, precisão na maturação, definição. Falei com o filho Francisco, hoje na liderança da quinta. Francisco explicou-me que a aposta na Syrah, vanguardista na altura (plantações de 1992) vinha das convicções, provas e estudo com técnicos de Hermitage, de onde vieram as varas e o saber. A aposta revelou-se correcta, e hoje há Syrah no país todo, mas poucos têm o refinamento e a perfeição de maturação desta quinta, onde com os anos e a estabilidade da equipa aprenderam a explorar as suas virtudes, escolher as parcelas e acertar os lotes que melhor se mostram em cada ano. Até 2000 tudo vinha da Vinha da Nora. Depois de 2000 passou a vir de várias parcelas, o terroir da Ventosa, a 20km do mar, com a frescura marítima a ajudar. Tudo separado por casta e por parcela.
Francisco não mede as palavras: “Hoje sabemos o que é grand cru, premier cru e village.” Eu sei que ele sabe do que fala. Para o Reserva só usam “Grand Cru”, mas a proporção entre parcelas é diferente em função do ano de colheita, e da opinião dos provadores. Há vários talhões de Viognier e deixam meia dúzia de carreiras que são vindimadas quase em passa para co-fermentar com a Syrah. Vindimado quase um mês mais tarde do que o vinho branco, tem de se garantir que se aguenta sem apodrecer. A idade média da vinha é agora de 25 anos, a equipa já a conhece bem, e 2021 foi um grande ano. Todos os pormenores contam, a produção em modo biológico há 20 anos também faz diferença. De costume, o Reserva não afunila numa parcela só, tem quatro ou cinco parcelas, mas 2021 teve apenas três parcelas, o que não é usual, e maioria de uma delas, 60% da Vinha da Nora, que tem já 30 anos, 20% da Parcela 9, 20% da parcela 24, da seleção massal. As barricas (40% novas) vêm de várias tanoarias, e diferentes origens da madeira e introduzem ainda mais complexidade. Se tudo isto parece a conversa usual de quem quer vender um terroir, desenganem-se. Este senhor quer é vender vinho, e convido-os a comprar e provar este 2021, que mostra um nível de Syrah que em Portugal raras vezes consegui ver.
Já vos abro o meu coração sobre o outro vencedor da prova, Ganita 2015. Tudo me convocava para não gostar deste vinho. Preço muito alto, imagem impecavelmente cuidada (eu sei, sou um rebelde!), incluindo garrafa cara estilo base de abat-jour e alguma lamechice de “homenagem” que incluía rótulos e cintas obviamente manipulados à mão, seria impossível não o serem, com atilhos e reentrâncias. Ainda por cima chegou por último e para estar à temperatura tinha de ficar para último da prova. Décimo-oitavo-vinho e já eu grunhia de fome e rabujava de exaustão. Depois cheirei o vinho. Depois levei à boca. Depois senti a sua textura, patine. Rendi-me. Que diabo de coisa, os factos não nos darem razão. Combinação improvável, direi mesmo impossível, porque telefonei ao seu arquitecto António Ventura, que me disse que a Alfrocheiro teve problemas na vinha e foi arrancada.
Aqui, as castas Tannat, Alfrocheiro e Touriga Nacional foram fermentadas separadamente em spin-barrel de 500 litros e depois estagiaram em barricas de 300 litros de diferentes origens, todas topo de gama. Tudo a convidar a um incrível topo de gama. Luís Vieira, da Quinta do Gradil, é o criador desta homenagem ao seu avô António Gomes Vieira, dito Ganita, e foi lançado em 2019, nos 100 anos do seu nascimento. O Ganita iria rebentar de orgulho deste vinho, que é sensacional. Correu-me que seria edição única, mas já soube que talvez em outra data histórica possa ser lançado outra vez, mesmo que sem o defunto Alfrocheiro. Alfrocheiro, Touriga Nacional e Tannat, vejam lá coisa mais improvável. Só na Lisboa, Lisboa. Vale mesmo a pena “não perder o bairro da Madragôa”…
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)
Kabuki: Um restaurante japonês com sotaque português

Já tinha lá ido algumas vezes, sempre em contexto profissional e a impressão geral foi de franco agrado, tanto pelas propostas gastronómicas como pelo serviço de vinhos exemplar. É um daqueles sítios que guardamos na nossa bucket list para visitar mais tarde e com calma. Notícias recentes tinham anunciando a saída quase simultânea do chefe […]
Já tinha lá ido algumas vezes, sempre em contexto profissional e a impressão geral foi de franco agrado, tanto pelas propostas gastronómicas como pelo serviço de vinhos exemplar. É um daqueles sítios que guardamos na nossa bucket list para visitar mais tarde e com calma. Notícias recentes tinham anunciando a saída quase simultânea do chefe Paulo Alves e do sommelier Filipe Wang e fizeram-me hesitar. Será que… Por isso, foi com um misto de curiosidade e de dúvida metódica que aceitei o convite para visitar, de novo, o belo espaço que se acolhe naquelas que foram as Galerias Ritz, de saudosas memórias. E ainda bem que o fiz. Recebeu-me Vitor Jardim, director do restaurante desde a sua abertura, e, afinal, a garantia de continuidade do conceito e do padrão da qualidade.
A minha visita começou no bar, que também serve alguns petiscos e fica no piso intermédio dos três que compõem o espaço, onde, com mestria e criatividade, o barista Telmo Santos tem vindo a desenvolver novos cocktails (com e sem álcool), dos quais tive a oportunidade de provar dois. Comum a todos eles é a base das bebidas japonesas, a que este profissional acrescenta sabores e aromas frutados e plenos de frescura. Fiquei fã, devo confessar. Depois desta introdução descemos para a sala de jantar, um espaço cativante e acolhedor dominado por uma barra para oito comensais, por detrás da qual um impressivo mural origina um contraste entre a exuberância das cores e as linhas sóbrias da restante decoração. Naquela noite fui informado que o novo chefe, Sebastião Coutinho, não estava, o que, por um lado, me privou de o conhecer e de trocar algumas impressões com ele mas, por outro, me ajudou a tirar a prova dos nove.
Observar um restaurante estrelado sem o chefe executivo presente é, muitas vezes, a receita certa para uma refeição decepcionante. Não foi de todo o caso e isso afinal só abona em favor de uma equipa competente e bem lubrificada. O menu Kabuki que experimentei (125€ com seis momentos) começa de uma forma misteriosa com a apresentação de uma bento box, uma caixa negra lacada, aberta à frente do cliente, que contém seis aperitivos tão sugestivos à vista como deliciosos. Seguiu-se salmonete e algas, irrepreensível de frescura e delicadeza, para continuarmos com um Akami Caviar, em que o atum foi tratado à sua mais alta expressão. A influência portuguesa foi bem visível no “À Bulhão Pato”, o prato seguinte, onde o lírio, as amêijoas e o molho se casaram de forma harmoniosa. O prato seguinte, barriga de atum, ovas e raspa de atum foi, para mim, o menos conseguido. Mas isso não desilustrou uma refeição que, no seu conjunto, esteve em grande nível. O serviço de vinhos, agora da responsabilidade do sommelier Miguel Ribeiro, apresentou propostas acertadas de harmonização, que passaram por um espumante de Monção e Melgaço, um branco Donzelinho do Douro, um Riesling da Alsácia e um saké servido a preceito. Está bem e recomenda-se o “novo” Kabuki que, com Sebastião Coutinho, levou a influência mediterrânea a um toque mais português.
Kabuki
Morada: Rua Castilho 77 B – Lisboa
Tel.: 212 491 683 / 935 010 535
Experience (1º piso) – Só almoços, de terça a sexta-feira das 12:30 às 15:00 horas
Bar Kikibari (Piso intermédio) – Terça a sexta das 12:30 às 00:00 horas
Sala Principal (Piso de baixo) – Só jantares, de terça a sábado das 19:30 às 00:00 horas