Nós e os outros

Não há como fugir. De tempos a tempos somos confrontados com vinhos que vêm de fora e ficamos sempre naquela posição ingrata de tentar fazer comparações entre eles e nós. Válidas? Sim senhor! Úteis? Nem por isso… TEXTO João Paulo Martins O jantar foi há poucas semanas. O grupo presente para o festim já tem […]

Não há como fugir. De tempos a tempos somos confrontados com vinhos que vêm de fora e ficamos sempre naquela posição ingrata de tentar fazer comparações entre eles e nós. Válidas? Sim senhor! Úteis? Nem por isso…

TEXTO João Paulo Martins

O jantar foi há poucas semanas. O grupo presente para o festim já tem algum historial de sessões vínicas de alto gabarito. O modelo é pouco habitual nestas coisas: os vinhos são trazidos sempre pelo mesmo conviva, que gosta de partilhar as coisas boas que tem, e por isso não se repete aqui a forma mais usual que é cada um trazer o seu vinho, brincar nas provas às cegas e depois deixar correr a conversa e o marfim, esperando que os disparates sejam em quantidade suficiente para alegrar a noite. Confesso-me grande adepto deste modelo e nada me incomoda com as tontices vínicas que possa dizer, uma vez que esse é um dos prazeres destes encontros: descobrir, pôr a base de dados mental a funcionar, juntar peças de um puzzle, procurando acertar na mouche. É claro que acertar tem piada, mas não é esse o motivo que deve levar os amigos a este tipo de encontros.
Mas o meu encontro que acima referi não é destes. Ali os vinhos chegam às claras, muitas vezes são comunicados antecipadamente aos convivas e por isso não é de um jogo que se trata, é puro prazer de conviver com grandes vinhos à frente.Eles chegam de várias origens: predominam os Bordéus, sobretudo em tintos, mas também em colheitas tardias (vários Sauternes já vieram à liça, desde o consagrado Yquem até ao Château Gillette, por exemplo); do Rhône chegam sempres brancos e tintos, do vale do Loire há também brancos e, de fora de França, é habitual chegarem vinhos da Austrália, da Califórnia, Nova Zelândia, sempre topos de gama, daqueles que por vezes apenas ouvimos falar mas nem a garrafa tínhamos visto.
Como se vê pelo que atrás disse, as jornadas são sempre muito motivadoras e geram imensa discussão. Quais os melhores, quais as desilusões, quais os narizes de cera, quais os underdogs que se mostram melhor do que se esperava, etc, etc.

 

Chuva de estrelas
A simples listagem do que se bebeu no mês passado já é de cortar a respiração, sobretudo nos blockbusters de Bordéus, com Pétrus 89 à cabeça, mas bem assessorado por Ausone 2005 (este em double magnum), Clinet 89, Hosanna 2005; noutros encontros tivemos Mouton, Lafite, Margaux, Cheval Blanc, Haut-Brion, Pichon Contesse de Lalande e por aí fora. Nos brancos ficámos com um velho conhecido – o Condrieu La Doriane de Guigal, um Beaucastel que é um clássico de Châteauneuf-du-Pape, e tivemos duas incursões de down under: um branco da Nova Zelândia e outro da Austrália, ambos de Chardonnay. A particularidade do neozelandês é que tinha cápsula em vez de rolha e isso, passados 11 anos, não lhe trouxe qualquer prejuízo excepto a natural redução (para uns defeito, para outros virtude…); do Loire (Vouvray) chegou também um habitué – a Cuvée Constance 2003 do Domaine Huet, um 100 pontos Parker que, este sim, os merece sem rebuço. Vários dos tintos eram também vinhos de 100 pontos.
Passada esta apresentação/listagem, vamos ao ponto central: por muito que o tentemos evitar, somos normalmente levados a pensar que, caso estivessem por ali vinhos portugueses e se a prova fosse cega, algo de complicado poderia acontecer. Inevitavelmente vêm sempre à memória outras situações – como o célebre julgamento de Paris – em que, numa prova organizada em 1976, os vinhos de Bordéus foram confrontados com outros da Califórnia e… perderam.

Já por várias vezes escrevi que este tipo de provas comparativas não faz qualquer sentido. Ou pode fazer todo o sentido, depende do ponto de vista. Comecemos então pelo fim. Se estivessem ali à prova vinhos portugueses e não se soubesse o que se estava a provar, é provável que os vinhos nacionais, sobretudo tintos, tivessem grande prestação. Não seria favor nenhum, uma vez que temos vinhos excelentes, mas que pecam por mal conhecidos junto dos grandes opinion makers internacionais, os mesmos que levam os chineses a querem agora comprar Lafite, seja lá a que preço for. Este tipo de provas comparativas é complicado de montar. O mais correcto seria comparar anos semelhantes, mas, por exemplo, Douro e Bordéus costumam andar de candeias às avessas (como se sabe, em virtude do anticiclone dos Açores) e os anos bons numa região não são os mesmos na outra; sem ser tão rigoroso já me parece que seria correcto juntar anos próximos que possam ser bons nos dois territórios. E então o que aconteceria se um tinto do Douro ficasse à frente do Lafite ou do Pétrus? Pois é, não aconteceria rigorosamente nada, para além de um “bruá” inicial. No dia seguinte os compradores iriam na mesma comprar o Pétrus, apesar de o tinto português custar 20 vezes menos.

 

Por isso reafirmo que este tipo de provas não faz qualquer sentido. Não são elas que dão indicações de compra para o mercado, não são elas que definem quem merece e quem não merece ser comprado. Foi por isso que, no jantar do meu amigo, e embora este tipo de pensamento me tenha ocorrido, me quedei calado porque o que eu estava ali a provar eram vinhos quem têm séculos de história para contar, que passaram guerras mundiais, que vêm de propriedades ocupadas por nazis, que têm histórias familiares fantásticas e dramáticas e é nisso que quero pensar quando provo um Ausone ou um Pétrus. E pouco me rala que há 50 anos o Pétrus custasse 20 e agora custe 3000; com o Barca Velha passa-se o mesmo, com os Porto Vintage também e com os Madeiras idem, idem. Vamos lá comparar o que é suposto ser comparado e deixar para os incautos a despesa da verborreia vínica.

Edição Nº14, Junho 2018

 

Misteriosa Bairrada

A Bairrada é uma extraordinária e complexa região, porventura a mais desafiante na sua relação com o consumidor. Enorme diversidade e forte carácter conjugam-se em vinhos que estão longe de ser imediatos ou consensuais. São vinhos misteriosos, que se revelam a pouco e pouco, até a sua grandeza nos conquistar por inteiro. Esta é uma […]

A Bairrada é uma extraordinária e complexa região, porventura a mais desafiante na sua relação com o consumidor. Enorme diversidade e forte carácter conjugam-se em vinhos que estão longe de ser imediatos ou consensuais. São vinhos misteriosos, que se revelam a pouco e pouco, até a sua grandeza nos conquistar por inteiro.

Esta é uma região de contrastes, uma região com várias faces. Desde logo, pela forma como os seus vinhos se posicionam no mercado. Se entrarmos numa grande loja de retalho alimentar, entre centenas de referências do Alentejo, Setúbal, Douro ou Dão, será muito pouco provável encontrar mais do que um vinho oriundo da Bairrada. Aparentemente, o “consumidor comum” está de costas voltadas para os vinhos da região ou, no mínimo, os responsáveis de compras dessas lojas não vêem nos brancos e tintos da Bairrada as características ideais para cativar os seus clientes. E, no entanto, vários produtores bairradinos estão, indiscutivelmente, entre os mais prestigiados de Portugal, e há cada vez mais vinhos da região a assumir lugar de destaque nas listas de conceituados restaurantes, nas prateleiras das lojas especializadas e nas preferências dos apreciadores mais esclarecidos e exigentes.
O próprio modelo fundiário da Bairrada explica esta bipolaridade: com uma dimensão média de vinha que não ultrapassa o meio hectare, parcelas dispersas e elevados custos de produção, esta não é, claramente, uma região de volumes, capaz de fazer bom e barato, mas sim uma região de nicho, vocacionada para produzir vinhos especiais a preços condizentes.
Não quer isto dizer que não se encontre excelente relação qualidade-preço, como o demonstra a grande prova de tintos Bairrada publicada nesta edição. Só que esses “best buy” estão na faixa dos 7 a 12 euros, não custam 3 ou 4… Paralelamente, temos os vinhos de topo, posicionados acima dos 25 ou 35 euros, que aliam a sua enorme categoria a um tom vibrante e fresco, denominador comum da região.
Os contrastes bairradinos não terminam aqui. Desde a reformulação legislativa de 2002, um DOC Bairrada pode ser feito com uma ou mais de 11 castas brancas e 17 tintas, entre as quais se encontram, castas exógenas como Chardonnay, Pinot Blanc, Verdelho, Sauvignon, Viognier, Cabernet, Merlot, Petit Verdot, Pinot Noir, Syrah, Tinta Barroca, Touriga Franca e Touriga Nacional, ao lado de uvas mais “tradicionais” como Maria Gomes, Bical, Cercial, Baga ou Castelão. Se cruzarmos este número de castas com os dois tipos de solos principais (areias e argila-calcário) e, sobretudo, as diferentes abordagens de adega por parte de enólogos e produtores, facilmente se imagina a gigantesca diversidade de estilos e perfis de vinho que a Bairrada coloca hoje no mercado. Se isso se revelou positivo ou negativo para a região, o balanço está ainda por fazer. Certo é que, por um lado, os vinhos tintos e espumantes elaborados com a “clássica” Baga voltam a estar, literalmente, nas bocas do mundo e assumem-se como uma categoria à parte; e, não menos certo, seja qual for o lote de uvas utilizado, o terroir da região deixa sempre a sua marca, em vinhos com qualidade, personalidade, vivacidade e longevidade. Misteriosa Bairrada…

 

 

Edição Nº14, Junho 2018

Ano 1

Parece que foi há muito, tantas foram as coisas que realizámos neste lapso temporal, mas na verdade passou apenas um ano desde o lançamento da primeira edição da Grandes Escolhas. Como o leitor já terá reparado, a edição de Maio desta revista apresenta-se com outro visual. Desde logo no logotipo da publicação, redesenhado para dar […]

Parece que foi há muito, tantas foram as coisas que realizámos neste lapso temporal, mas na verdade passou apenas um ano desde o lançamento da primeira edição da Grandes Escolhas.

Como o leitor já terá reparado, a edição de Maio desta revista apresenta-se com outro visual. Desde logo no logotipo da publicação, redesenhado para dar todo o destaque àquela que é, verdadeiramente, a nossa marca: Grandes Escolhas. Mas o sopro de mudança estendeu-se a todo o desenho da revista, visando não apenas torná-la mais atractiva mas também proporcionar melhor leitura e, sobretudo, possibilitar a colocação, ao longo das páginas, de blocos curtos de informação que julgamos pertinente para o leitor. É que a forma é importante, mas o conteúdo é aquilo que verdadeiramente nos distingue. Orgulho-me de contar com uma equipa de extraordinários escritores de vinhos e gastronomia, que conjuga a experiência e profundo conhecimento dos mais antigos com a irreverência, talento e constante actualização dos mais jovens. A Grandes Escolhas deve ser, acima de tudo, uma revista que dê prazer ler. O crescimento permanente das nossas vendas em banca e assinaturas (papel e digital) faz-nos acreditar que estamos no bom caminho.
Mas o projecto Grande Escolhas vai muito além da revista que mensalmente chega às bancas, às caixas de correio ou ao ecrã do computador e tablet. Os eventos que produzimos, através de uma equipa altamente profissional e empenhada, são a forma ideal de colocar consumidores e produtores de vinho face a face. Nos últimos doze meses, produzimos um conjunto de eventos de enorme sucesso, onde se destacam o Festival do Vinho do Douro Superior (Vila Nova de Foz Côa), o Trafaria (Com) Prova (Almada), Bairrada Vinhos & Sabores (Anadia) e Dão Capital (Lisboa), para além de diversas provas comentadas e apresentações de vinhos um pouco por todo o país, e também em Angola e no Brasil.
Deixei para o fim desta lista, propositadamente, aquele que logo na primeira edição se tornou no maior, melhor e mais importante evento de vinhos alguma vez realizado em Portugal, o Grandes Escolhas – Vinhos e Sabores, que teve lugar na FIL – Parque das Nações e que este ano já está agendado para 26 a 29 de Outubro próximo, no mesmo local. E temos em preparação novos eventos de vinhos e gastronomia de grande impacto, três deles a realizar até ao final de 2018 e a anunciar muito brevemente.
Se as feiras e mostras de vinhos estabelecem uma ligação mais próxima entre o consumidor e o produtor, a Academia Grandes Escolhas permite a conexão entre os leitores e aqueles que escrevem esta publicação. A grande afluência aos diversos cursos de vinhos realizados na nossa sede em Lisboa nos últimos três meses, para além da vertente didáctica, ajudam-nos a conhecer melhor quem nos lê e a ir ao encontro das suas necessidades.
A Grandes Escolhas é um projecto ainda bastante jovem, que já fez muito, mas tem ainda muito mais e melhor para fazer, levando a excelência do Vinho de Portugal a um número cada vez maior de apreciadores, dentro e fora das nossas fronteiras. Agradecemos sentidamente todo o apoio e confiança que consumidores, empresas e profissionais do vinho nos têm dado ao longo deste ainda curto percurso. Tudo faremos para continuar a merecê-los.

Edição nº13, Maio 2018

O vinho tem muitas cores

Edição nº12, Abril 2018 Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes. Tenho duas boas razões para não gostar de […]

Edição nº12, Abril 2018

Nunca apreciei extremismos – na política, no futebol, na vida. O vinho faz parte da vida (pelo menos da minha) e é com preocupação que assisto ao veicular de uma certa radicalização do gosto por parte de uma franja de consumidores/comunicadores supostamente exigentes.

Tenho duas boas razões para não gostar de radicalismos. A primeira, é que os radicais tendem a ver as coisas de forma simplista, a preto e branco, sem outras cores ou tonalidades. Ora, o mundo, a vida, o vinho, são muito mais complexos do que isso. A segunda, é que quem defende uma posição radical não tem, normalmente, qualquer tipo de abertura para acolher a opinião do outro. Para um extremista, existe uma verdade (que é, obviamente, a sua) e um lado certo (que é, naturalmente, o seu), e a mentira e o erro estão com todos os outros que não concordam consigo. Esta predisposição mental aplicada ao vinho é ainda mais difícil de sustentar. Como se existisse o vinho “verdadeiro”, por oposição ao “falso”…
Tendências (modas, se quisermos) sempre as houve no mercado de vinho. Mas nunca, até hoje, se assistiu à diabolização de determinados estilos de vinho ou práticas enológicas, e à censura pública dos seus produtores ou apreciadores. O discurso do vinho “politicamente correcto” é, sobretudo, veiculado por alguns bloggers e produtores e, por muito que me custe enquanto profissional da área, também comunicadores/jornalistas. Os efeitos sentem-se num mercado de nicho, muito longe do país real, mas não são por isso menos preocupantes.
Há poucas semanas, no final de mais um curso da Academia Grandes Escolhas, um dos participantes abordou-me para uns minutos de conversa. A dada altura, arranjou coragem para dizer o que lhe ia na alma: “Sabe, eu bebo vinhos de qualidade há muitos anos e gosto especialmente de tintos encorpados, vigorosos, vinhos com 14 graus e aquele toque da madeira. Mas agora na internet e nos jornais dizem que isso é mau, que os vinhos devem ter pouco álcool e nenhum sabor a madeira, e eu começo a sentir-me deslocado. Sou eu que estou errado e já não sei o que é bom?” Confesso que quase me obriguei a pedir-lhe desculpa pelo comportamento dos outros. Mas, ao invés, disse-lhe que não há vinho “certo” e vinho “errado” e que cada um deve beber o que verdadeiramente lhe dá prazer, sem prejuízo de ir experimentando propostas diferentes, porque a diversidade é uma das mais fascinantes características do mundo do vinho.

Há gente armada em polícia de costumes, a exercer “wine bullying” sobre produtores e consumidores

Ao que isto chegou! Na ânsia de se mostrar muito conhecedora, muito “fora da caixa” e “alternativa”, há gente armada em polícia de costumes e dedicada a exercer “wine bullying” sobre os produtores e consumidores que ainda não “viram a luz”. Esquecendo-se que, se atingirem os seus propósitos e todos começarem a pensar e a beber o mesmo, um dia os vinhos verdadeiramente alternativos serão os que têm 17% de álcool e 36 meses de barrica nova!
Equilíbrio. Numa única palavra, esta é para mim a qualidade mais importante de um vinho. Equilíbrio entre exuberância e contenção, entre corpo e leveza, entre garra e elegância, entre pureza e carácter. E o equilíbrio encontra-se (e encontro-o) em vinhos muito distintos entre si, distintos na origem, no conceito, no estilo. O vinho é uma paleta multicolorida. Não o queiramos reduzir a uma cor só. E, sobretudo, não aceitemos que nos digam que só o amarelo tem nobreza e virtude. O que seria do vermelho, do verde, do azul…

O Tempo e o Modo (do vinho e da rolha)

Edição nº11, Março 2018 Macroscópio Não vou falar da célebre revista, o que seria muito intelectual mas a despropósito. O assunto aqui é mais vinho e rolhas. Sempre o mesmo? Afinal, pensando bem, adianto qualquer coisa. A revista “O Tempo e o Modo” era de leitura obrigatória pelos intelectuais da nossa praça nos idos de […]

Edição nº11, Março 2018

Macroscópio

Não vou falar da célebre revista, o que seria muito intelectual mas a despropósito. O assunto aqui é mais vinho e rolhas. Sempre o mesmo?

Afinal, pensando bem, adianto qualquer coisa. A revista “O Tempo e o Modo” era de leitura obrigatória pelos intelectuais da nossa praça nos idos de 60 e começou a publicar-se em 1963. Por lá passaram quase todos os anti-fascistas encartados que se reuniam no café Monte Carlo (por baixo do cinema Monumental), local onde se entretinham em conspiração suave. Tão suave que, com eles, a PIDE não perdia tempo: eram os “do contra” ou “do reviralho”, mas não faziam mossa a ninguém.
Como eu frequentava o mesmo café, via-os quase todas as tardes na converseta. Com um deles, António Alçada Baptista – que era intelectual e escritor, mais do que anti-fascista militante – acabei por conviver bastante já depois do 25 de Abril, quando, sentindo ventos da História mais adversos, se remeteu a uma existência eremita, algures na serra de Sintra, em casa emprestada por amigos. Acabou ou seus escritos na revista “Máxima”, onde manteve uma coluna carregada de reflexões e receios sobre a morte e onde eu tinha uma coluna que tratava da associação dos vinhos e das comidas. Mas não voltámos a falar nem a conviver. Dos restantes “modistas” li alguns dos livros, coisa que caía muito bem à época.

O tempo dos vinhos

Mas o tempo também é assunto dos vinhos, como sabemos. E é assunto controverso, não exclusivo dos tintos ou generosos; é tema genérico que até a rosés pode dizer respeito. O vinho precisa de tempo. Antigamente dizia-se, e alguns escribas de hoje ainda usam o termo, que o vinho ia “envelhecer” para os cascos, como que à espera que o tempo fizesse o seu papel.
O termo é, quanto a mim, totalmente desapropriado. Os vinhos “amadurecem” em casco; só “envelhecem” quando lhe deixámos passar o momento óptimo de consumo e iniciam a inexorável descida para a morte. Essa descida é vertiginosa nos vinhos vulgares, e muito lenta nos grandes vinhos. Assim se percebe que eu tenha bebido um Quinta da Aguieira branco de 1945 que era um monumento, independentemente dos padrões de análise. Era um branco a quem o tempo não incomodou nada e fez bem.
A pressa acaba por nos derrotar e muitas vezes não conseguimos dar ao vinho o Tempo que ele requer e necessita para amadurecer. Os meus amigos mais chegados em termos de idade, receosos que o seu tempo e final estejam mais próximos do que desejariam, entram no delírio do “para velho basto eu, toca a beber os vinhos jovens, quanto mais jovens melhor”, tese que aplicam a vinhos em geral e a Porto Vintage em particular. O disparate está à vista.
Há uns anos (poucos) tive a sorte de participar num almoço no restaurante Tavares (à data oficiava por lá o José Avillez) e o motivo do mesmo foi a prova de quatro garrafas do Domaine de la Romanée-Conti (DRC), incluindo o propriamente dito. Todas as garrafas eram de 2005. Ora bem, o que ali aconteceu foi um assassinato vínico. Porquê? Porque, de tão novos, os vinhos não se distinguiam entre si de forma evidente, ou seja, o Romanée Saint-Vivant e o La Tâche pareciam-se em demasia e no meio deles o Romanée-Conti não sobressaía. Foi giro, mas foi um erro crasso, porque não demos aos vinhos o tempo que precisavam e ficámos com a sensação de que as diferenças até nem eram assim tão grandes e os preços altíssimos de alguns deles não teriam razão de ser.
Como estes, muitos outros casos poderiam ser aqui chamados. A questão pode ser colocada assim: não vale a pena estar a beber antes do tempo! Se não houver vida que chegue, outros mais tarde beberão as garrafas. No fundo é o que fazemos quando bebemos vinhos velhos, os tais que alguém não bebeu e entendeu deixar repousar na garrafeira. Resta a pergunta final: de quanto tempo estamos a falar? Ou como se atribui a cada garrafa o tempo que precisa? Como ninguém sabe a resposta, o melhor é mesmo ter mais do que uma garrafa dos vinhos que se querem guardar e ir bebendo com intervalos largos. Só tem uma? Azar, lance a moeda ao ar e decida…

O Modo da rolha

O problema dos vinhos com rolha permanece, sobretudo nos que têm uma rolha de cortiça natural. A ciência tem avançado, as empresas estão a gastar muito dinheiro em investigação, mas o certo é que problema não está resolvido. E não me refiro apenas ao clássico TCA (tri-cloroanisol, composto responsável pelo cheiro a rolha) mas também às modificações dos aromas dos vinhos, motivados pela rolha mas que não são facilmente identificáveis. Apenas conseguimos detectar que os vinhos não estão bem mas, convenhamos, é preciso muita prática para perceber que “é da rolha mas não é TCA”. Alguns produtores estão a optar por rolhas técnicas, rolhas de aglomerado de cortiça, totalmente isentas de TCA. Existe, ainda assim, algum preconceito em usar esse tipo de rolhas para vinhos de topo porque ah e tal, o consumidor bla, bla, exige, gosta mais, etc, etc.
Ao que me apercebi, alguns produtores mandaram os preconceitos às urtigas. A mais recente prova foi-me dada por um vinho que comprei e consumi há umas três semanas. Tratava-se de um Chablis do produtor Droin, mas atenção, não era um Chablis qualquer mas um Grand Cru Grenouilles. Ora, como sabemos, a região de Chablis é bem mais moderada na atribuição daquela categoria máxima do que, por exemplo, sua vizinha Alsácia, onde os Grand Cru aumentam desmesuradamente todos os anos. Em Chablis apenas existem sete parcelas de vinha classificadas como Grand Cru: Les Clos (a maior parcela e também o Chablis mais famoso), Grenouilles, Blanchot, Bougros, Les Preuses, Valmur e Vaudésir. Todas lado a lado, numa encosta com boa exposição e onde apenas se planta Chardonnay. Confesso que inicialmente fiquei admirado pelo facto de a rolha ser técnica e não de cortiça natural, mas rapidamente me apercebi de que o produtor optou pelo lado seguro do negócio, em detrimento do lado tradicional, sem preconceitos e sem medos. A rolha talvez não aguente 50 anos, mas provavelmente o produtor Droin não aponta os seus vinhos para uma longevidade tão larga.
É preocupante a incerteza que grassa e o desespero que presenciamos nos produtores ao verem os seus melhores vinhos com problemas de rolha. É desprestigiante para Portugal, é mau para a indústria e é mau também para a percepção de qualidade dos vinhos porque, caso se tenha menos hábito de prova, vamos opinar negativamente sobre um vinho quando ele tem problemas de rolha, ainda que não sejam TCA. Quando vai estar o assunto resolvido não sei. Mas o produtor de Chablis já resolveu o problema dele. E na mesma região, outros vinhos que não são Grand Cru já optaram pela rolha de rosca. Futuro incerto, digo eu…

Dão, uma região em busca do seu estilo

Dirceu Vianna Junior MW

A Escolha do Mestre Não é segredo ou novidade que a qualidade dos vinhos do Dão vem crescendo nos últimos anos. A região oferece vinhos únicos, interessantes e intrigantes e com isso tem conquistado óptimos resultados em competições nacionais e internacionais. Por esse motivo achei por bem ir em busca de vinhos tintos do Dão […]

A Escolha do Mestre

Não é segredo ou novidade que a qualidade dos vinhos do Dão vem crescendo nos últimos anos. A região oferece vinhos únicos, interessantes e intrigantes e com isso tem conquistado óptimos resultados em competições nacionais e internacionais. Por esse motivo achei por bem ir em busca de vinhos tintos do Dão que realmente oferecem boa relação entre custo e benefício para aquecer as longas e frias noites de inverno.

TEXTO: Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS: Ricardo Palma Veiga

Após tomar a decisão passei a refletir sobre a região. Qual é o seu papel? O tem a oferecer ao consumidor? Quais os seus diferenciais? E será de facto uma região onde poderíamos guiar consumidores em busca de vinhos de bom custo benefício?
O Dão é uma região em transição. Em vários projetos nota-se uma preocupação em reconverter vinhedos e modernizar adegas. Enólogos experientes esbanjam confiança enquanto os profissionais mais jovens demostram criatividade e com isso aumenta o número de produtores que se destacam. Além disso as empresas de grande porte parecerem estar cada vez mais preocupadas em fazer vinhos de qualidade ao invés de quantidade – e isso é importante para que a região continue crescendo em prestígio.
A região possui uma rica história para contar, porém esse passado nem sempre é auspicioso pois muitos consumidores ainda continuam com a percepção de que o Dão é uma região de vinhos elaborados quase só por cooperativas e empresas de grande porte. Algumas falhas do passado ainda não foram totalmente apagadas da mente do consumidor e para algumas pessoas a região ainda não possui vinhos com um perfil claramente definido. Certamente existe um trabalho a ser feito em relação à comunicação.
A região caracteriza-se pela elevada diversidade edafoclimática e predominância de castas autóctones que, juntas, combinam para fazer vinhos autênticos. Os estilos de vinhos tintos variam desde exemplos mais leves e elegantes até vinhos encorpados e com taninos firmes. Em comum os vinhos apresentam frescor e estilo de frutas frescas e vibrantes. É comum ouvir comparações com vinhos da Borgonha, apesar de os vinhos do Dão geralmente apresentarem mais cor, perfil de fruta mais escura e estrutura mais firme. Examinando as minhas notas de prova dos últimos anos, confesso que raramente encontrei um vinho do Dão que tenha perfil suficientemente semelhante para ser confundido com um leve e delicado Savigny-lès-Beaune, um subtil e perfumado Volnay, um elegante Chambolle-Musigny ou com um exótico, encorpado e sedoso Gevrey-Chambertin, por exemplo.
Talvez o que o Dão tem mais em comum com Borgonha será a complexidade de uma região extremamente fragmentada e, aliado a isso, os desafios impostos por esses minifúndios, incluindo o custo elevado da viticultura. Por esse motivo eu questionei a minha decisão de buscar vinhos de bom custo/benefício na região do Dão: será realmente uma boa aposta para o consumidor? A resposta é enfaticamente “sim”, pois oferecer um vinho que tenha boa relação entre custo e benefício é indispensável para todo e qualquer produtor. Isso não significa necessariamente que o vinho deva ser um produto de baixo custo. Essa relação pode ocorrer em qualquer faixa de preço, contando que o consumidor tenha a percepção de que está recebendo bom retorno pela quantia de dinheiro que está saindo de seu bolso.

Qualidade, preço, perfil

Acredito que os vinhos listados abaixo oferecem uma relação adequada entre custo e beneficio. São vinhos elegantes, com óptimo frescor, cujo uso da madeira é bem julgado e sem excessos. A região, de modo geral não cedeu à pressão global de fazer vinhos alcoólicos e excessivamente amadeirados.
Quando bem feitos os vinhos do Dão reflectem muito bem a região, exibindo frescor e aromas intensos e intrigantes que incluem notas de frutas escuras, ervas secas, pinho, eucalipto e especiarias doces. Esses aromas selvagens e exóticos arrancam o consumidor das suas cadeiras e transportam-nos até à região. São vinhos que expressam o terroir do Dão e mostram-se realmente inigualáveis. Apesar das suas merecidas qualidades, o obstáculo principal em relação aos vinhos na região é o facto de os taninos muitas vezes pareceres firmes demais para o consumidor internacional, que frequentemente não tem tempo, espaço ou paciência para envelhecer as suas preciosas garrafas e acabam consumindo vinhos demasiadamente jovens e muitas vezes sem comida. Enfim, os vinhos são consumidos cedo demais, antes de poderem mostrar as suas reais qualidades e atingir o seu potencial.
Os produtores deveriam reflectir e considerar seriamente refinar o perfil e estilo de vinho para determinado segmento do mercado, sem sacrificar o carácter e tipicidade. Caso optem por fazer vinhos para serem apreciados cedo, o que parece estar acontecendo na grande parte dos casos devido à realidade comercial do negócio, o processo de extração deve ser feito mais delicadamente. Assim sendo, esses vinhos certamente dariam mais prazer ao consumidor na hora de beber. Talvez assim pudéssemos voltar a pensar em fazer comparações com sedosos tintos da Borgonha, pois elegância e frescor os vinhos do Dão possuem em abundância.
Por outro lado, se o objetivo for realmente elaborar vinhos de guarda, os produtores deveriam considerar o exemplo dos grandes produtores de Brunello di Montalcino ou Piemonte e realmente fazer vinhos de guarda, vinhos estruturados, envelhecê-los nas suas próprias adegas, lançá-los no momento adequado e cobrar o preço que reflicta o trabalho, tempo e investimento necessário para elaborar grandes clássicos. Não existe motivo para que os produtores do Dão não mostrem mais ambição e se empenhem para fazer alguns dos melhores vinhos de guarda do planeta.
A região tem muito a oferecer ao consumidor, mas ficar no meio termo em relação ao seu estilo é perigoso. Potencial a região tem (e muito!) e isso já está comprovado. Basta examinar os resultados de concursos nacionais e internacionais dos últimos anos e nota-se que a região do Dão regularmente triunfa quando comparada com regiões vizinhas. Lembro-me quando há pouco tempo tive o privilégio e a responsabilidade de selecionar 50 Grandes Vinhos Portugueses para o mercado brasileiro. Vinhos de todas regiões integraram a lista final. Fiquei impressionado com a relação entre custo e beneficio oferecido por vários vinhos da região dos Vinhos Verdes ou com a consistência dos vinhos do Douro, mas entre os vinhos que mais me chamaram a atenção estavam os vinhos do Dão, devido à sua alta qualidade, carácter e personalidade distinta.

Comunicar mais e melhor

Além de melhor clareza com relação ao estilo dos vinhos, o que pode ajudar a região dar os próximos passos? Na opinião de pessoas que vivem e conhecem a região intimamente, existe um longo caminho a percorrer. José Perdigão, proprietário da Quinta do Perdigão, acredita que o trabalho de educação e divulgação deve iniciar-se dentro do próprio país. Observa frequentemente a falta de conhecimento dos consumidores quando presente em eventos nacionais e acredita que aulas básicas de iniciação à prova dos vinhos asseguradas por enólogos, críticos e sommeliers seria um bom início. Paulo Nunes, enólogo da Casa da Passarella, acredita que a região sofre devido ao facto de não ter escala para fazer grandes campanhas publicitárias e a solução é fazer um trabalho intenso de comunicação juntos dos canais específicos. Deve ser um trabalho muito focado, comparável ao trabalho feito pelos missionários na idade dos Descobrimentos, diz ele. Para Sandra Alves Soares, que está à frente da sua empresa familiar, Soito Wines, a solução para pequenos e médios produtores que não dispõem de recursos financeiros para investir em grandes campanhas de marketing é trazer consumidores para a região e tornar os seus vinhos mais visíveis, levando quem prova a associar o vinho às pessoas, à região, às tradições, à história e à paisagem vitícola. Trata-se de dar a conhecer e vender o vinho pela região, não apenas colocar o produto lá fora ao lado dos outros, como sendo apenas mais um vinho.
Pedro Mendonça, director executivo da Comissão Vitivinícola da Região do Dão (CVRD), defende que a região não é tão desconhecida em termos internacionais como muitos pensam, mas concorda que existe muito trabalho a desenvolver em termos de divulgação. Por esse motivo a CVRD está no processo de desenvolvimento de um plano estratégico de comunicação para os próximos 10 anos que pretende abranger o consumidor final, media e trade.
O que é que o Dão tem a oferecer e qual a mensagem que a região deve tentar passar ao consumidor? Pedro Mendonça acredita que as influências mediterrânica, atlântica e continental ajudam a proporcionar um ambiente único, sem paralelo em qualquer outra região no mundo. Influências climáticas, juntamente com as principais castas da região, como Touriga Nacional e Encruzado, ajudam formar um carácter regional fortemente distintivo com base na elegância e, além disso, os vinhos destacam-se também pela sua inquestionável capacidade de envelhecimento.
Para Lígia Santos, jovem CEO da adega familiar Caminhos Cruzados, o Dão tem tudo isso a oferecer e muito mais. A região precisa divulgar projectos familiares, tradicionais, sustentáveis focados na qualidade e produções controladas. Para Lígia, a região exibe uma identidade forte que não tem cedido a perfis internacionais, mantendo o foco nas suas castas e na sua tradição. Lígia vai além e diz que para consumidores que procuram vinhos diferentes, que refletem o local onde são feitos, que são elegantes, perduram e melhoram no tempo e que são ideais para a mesa, não há região como o Dão. Em conversa com produtores locais é fácil constatar a energia, paixão, orgulho e confiança de quem está trilhando o caminho certo.
Sem dúvida a região tem vinhos excelentes, diferentes e muito a oferecer aos consumidores que buscam vinhos distintos e autênticos. No entanto, o estilo precisa de ser refinado e feito com mais precisão para se assegurar que o consumidor tenha uma grande experiência toda a vez que optar por uma garrafa de vinho da região. Existem várias e boas ideias de grandes profissionais do que fazer e de como fazer para comunicar com o consumidor. Será que numa região fragmentada, onde ainda se detectam comportamentos um pouco individualistas, é possível atingir consenso e trabalhar em conjunto para o bem comum? Esperamos e acreditamos que sim. Sendo assim, mais garrafas de vinho do Dão irão aparecer nas mesas dos consumidores, não apenas em Portugal, mas também em vários cantos do mundo.

Tejo, os vinhos que faltavam

Editorial Março 2018 O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e […]

Editorial Março 2018

O Tejo é rio e é região de vinhos. Uma região diversa, mas com características muito próprias. Uma região que, nos últimos anos, fez nascer um bom número de vinhos de topo, fundamentais para alicerçar uma imagem global de qualidade. Com esses vinhos como bandeira, pode agora apostar na recuperação, comunicação e promoção de uma identidade regional.

Algumas das mais famosas regiões de vinho do mundo têm o seu nome associado ao rio que as atravessa. Ribeira del Duero, em Espanha; Côtes du Rhone, em França; Mosel, Rheingau, Rheinhessen e Nahe, na Alemanha; Napa Valley, nos Estados Unidos da América; ou Mendoza, na Argentina, são apenas algumas das mais importantes. Em Portugal, avultam naturalmente o Douro, o Dão e o Tejo.
Foi nessa tradicional ligação entre rio e vinho que a antiga região do Ribatejo pensou quando, em 2009, resolveu mudar de nome para Tejo, libertando-se de eventuais conotações negativas do “Ribatejo vínico” no mercado nacional. Curiosamente, apesar da mudança, os produtores do Tejo mantêm com o rio uma relação tímida, ao contrário de outras regiões da Europa (incluindo o Douro) que ostentam os seus rios como factor identitário…
Esse distanciamento é tema que me levaria longe e que este espaço editorial não permite desenvolver. Fica para outra ocasião. O importante é focar o gigantesco salto qualitativo dos vinhos do Tejo ao longo da última década. As bases para isso sempre estiveram lá, na verdade. Quem assistiu à descoberta do bom vinho por parte dos consumidores lisboetas, no início da década de 90, lembra-se certamente do furor que nos restaurantes da capital fizeram certos brancos e tintos de marcas ribatejanas, algumas entretanto desaparecidas (D. Hermano, Quinta Grande), outras que hoje regressam ao seu melhor (Falcoaria, Casa Cadaval). Nesse primeiro assomo da qualidade dos vinhos do Tejo, é de inteira justiça recordar a “mão” de João Portugal Ramos, que orientava várias dessas casas. E, também a título de curiosidade, relembrar que uma boa parte desse sucesso inicial assentava em vinhos brancos de Fernão Pires, uma casta de enorme potencial, com forte identidade regional, e que, a meu ver, ainda não recebeu do Tejo toda a atenção que merece… Mais um tema que fica para segundas núpcias.

Em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente

Dos anos 90 até aos nossos dias, o Tejo revolucionou-se na vinha, na adega, na cultura vínica, com a qualidade média a subir em flecha. Porém, fazer bons vinhos a bom preço não chega para potenciar a imagem de uma região. Os vinhos bandeira são essenciais nesse processo e estes, apesar de existirem, eram até há bem pouco tempo em número insuficiente para fazer a diferença. Porém, em dois ou três anos, os vinhos que faltavam chegaram finalmente. Entre marcas mais clássicas e outras mais recentes, o Tejo tem hoje uma dúzia de nomes e vinhos que podem e devem constituir-se como cartão de visita e locomotiva da região. Permitam-me que destaque aqui apenas uma casa, a Companhia das Lezírias, não apenas pela notável transformação ali operada e que conduziu a alguns grandes vinhos, como também pelo facto invulgar de ser uma empresa estatal, ou seja, “de todos nós”, cujo sucesso deveria servir de exemplo para as suas congéneres.
Com qualidade média em alta e um razoável número de vinhos de topo, o que falta agora ao Tejo para obter o pleno reconhecimento do mercado? Arrisco uma sugestão: encontrar denominadores comuns (o rio, a Fernão Pires, lembram-se?), realçar factores pontuais diferenciadores (as vinhas velhas que poucos sabem que existem…), assumir a história (que nada tem que envergonhe, pelo contrário). Em suma, construir, reforçar e comunicar uma identidade. Eu iria por aí.

Assim, não me convidem

Pior do que esperar para comer à porta do restaurante, só mesmo ter de escolher entre dois turnos. É que esta forma de exploração em jeito de moda, que antes se limitava às grandes cidades e aos fins-de-semana, alargou agora os seus horizontes. Quinta-feira, 18 de Dezembro 2018 Aveiro, chamada para o restaurante X – […]

Pior do que esperar para comer à porta do restaurante, só mesmo ter de escolher entre dois turnos. É que esta forma de exploração em jeito de moda, que antes se limitava às grandes cidades e aos fins-de-semana, alargou agora os seus horizontes.

Quinta-feira, 18 de Dezembro 2018 Aveiro, chamada para o restaurante X

– Boa tarde, é possível marcar uma mesa para três pessoas, para as 20h30?
– De momento, só estamos a sentar os clientes às 19h30 ou às 21h30.
– Então não posso marcar para as 20h30?
– Pode, mas fica só com uma hora para comer.
– Hum… Não, obrigada!

Já me deparo há algum tempo com este tipo de prática, mas em Lisboa. E em todas as vezes que aconteceu, recusei. Mas não estava à espera que, numa cidade pequena como Aveiro, num dia de semana e em pleno Inverno, me saísse essa do outro lado do telefone. Infelizmente, era um dos meus restaurantes de eleição da “Veneza Portuguesa”, e não voltarei.
Não consigo cooperar com este modus operandi. O desrespeito pelo cliente será consciente? Voltamos à velha estória do “se você não vier, outros virão”? Ou será pura ingenuidade e falta de profissionalismo? Inclino-me mais para a primeira situação. Quando quem gere um restaurante sabe que é um de apenas dois a fazer aquele tipo de comida numa cidade (sushi/sashimi, no caso), provavelmente não sente necessidade de criar uma relação de confiança com o cliente, prefere sacar o máximo de dinheiro que consiga, mas também não conhece o país onde está.
A cultura portuguesa das refeições à mesa tem muito que se lhe diga. Almoçar, jantar e, por vezes, até cear, é um acontecimento importante no dia do português e é intrínseco às nossas práticas sociais com um peso só comparável ao “chá das cinco” em Inglaterra (e até isso se deve a Catarina de Bragança). Trabalhamos a pensar no que e onde vamos comer. Comemos a pensar no que, onde e com quem vamos comer amanhã. Dizer ao português que tem o tempo contado para estar à mesa e que tem de parar de comer, beber e conversar, para que outro se sente no seu lugar, é mandá-lo dar uma volta. Não acredito que, mesmo aqueles que aceitam dessa forma, não o façam com um certo desconforto ou por falta de alternativas. Gostava de saber o que aconteceria se eu, numa hipotética situação dessas, ainda estivesse sentada à mesa à hora em que acabasse o meu turno. Convidar-me-iam “gentilmente” a levantar? Tocaria uma sineta para avisar que a clientela iria renovar? Pois também vos digo, os bons restaurantes rodam as suas mesas naturalmente, e os que não rodam… bem, esses nem são chamados para o assunto.