Quatro tendências para 2018

O novo ano será o da confirmação de diversas tendências na vinha e no vinho. Umas serão conjunturais, transitórias. Mas outras poderão representar caminhos estruturantes para o vinho português. OS apreciadores querem diferença e, por isso mesmo, as vinificações especiais estão na moda. O carácter de um terroir ou de uma casta já não […]
O novo ano será o da confirmação de diversas tendências na vinha e no vinho. Umas serão conjunturais, transitórias. Mas outras poderão representar caminhos estruturantes para o vinho português.
OS apreciadores querem diferença e, por isso mesmo, as vinificações especiais estão na moda. O carácter de um terroir ou de uma casta já não é suficientemente singular, e assim a adega assume-se como factor diferenciador. Brancos de curtimenta, vinificações com cachos inteiros, fermentações ou estágios em talhas de barro ou ovos de cimento, garrafas armazenadas debaixo de água ou embarcadas em “torna viagem”, tintos com 17% ou com 11% de álcool, as possibilidades são infinitas. E não é só o consumidor de nicho ou com muito dinheiro que aprecia a diferença. Quando se fazem 80 mil garrafas de um branco de Aragonez e se vendem em poucos meses, a diferença democratiza-se, deixa de ser um luxo.
As “castas região” começam a mexer. Num país que promove como mais-valia a disponibilidade de 250 castas autóctones e a arte do lote, não deixa de ser interessante assistir ao avolumar de monovarietais de castas identitárias de regiões. Falo de castas cujo nome/imagem está associado ao nome/imagem de uma região, e que fora dessa região ou são pouco utilizadas ou não têm estatuto de nobreza. É o caso de Antão Vaz/Alentejo (aqui ajudando a promover uma sub-região, Vidigueira), Baga/Bairrada, Encruzado/Dão, Jaen/Dão, Castelão/Setúbal, Rufete/Beira Interior, Síria/Beira Interior, Fernão Pires/Tejo, Avesso/Verdes ou até Ramisco/Colares, entre outras. É mais fácil “vender” uma casta ou uma região? Fica a pergunta.
A viticultura sustentável não é uma moda, antes uma necessidade
Paralelamente, e talvez paradoxalmente, crescem as castas viajantes portuguesas, ou seja, aquelas que se espalham a partir da sua região tradicional porque são adaptáveis a diferentes climas/solos e consideradas mais valia para qualquer região. Nem vale a pena falar da ubíqua Touriga Nacional. Mencione-se antes as cada vez mais transregionais Alvarinho, Viosinho, Touriga Franca (aqui com alguns erros de casting, pois não é assim tão adaptável), Verdelho, Gouveio, Loureiro ou a “nossa” Alicante Bouschet. Se às portuguesas mais viajadas juntarmos as “globetrotter” internacionais, na maior parte das regiões é um exercício quase impossível adivinhar o que está dentro da garrafa.
A viticultura sustentável não é uma moda ou uma tendência, antes uma necessidade. E uma necessidade de que muitos produtores estão conscientes, sobretudo aqueles que querem deixar algo para as gerações vindouras (as suas e as dos outros). A protecção integrada, a produção integrada, a produção orgânica e, até, a biodinâmica, são distintas formas de procurar solucionar um problema. Os meios podem ser mais ou menos radicais, mais ou menos cumpridos ou assumidos, mais ou menos comunicados, mas o objectivo é apenas um: criar um modelo de produção sustentável, o mais possível amigo do ambiente, que promova a biodiversidade e a preservação dos solos. Que garanta o futuro, no fundo. Proteger a natureza custa dinheiro e o consumidor (ainda) não está disposto a pagar mais por isso, é verdade. Mas este é um dos raros casos em que a produção está à frente do mercado e há cada vez mais produtores a cuidar do ambiente porque acham que é o correcto, não porque daí advenham vantagens comerciais imediatas. Só posso aplaudir.
O Porto que (não) queremos

O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”. HÁ POUCO mais de um […]
O Porto é, entre todos os vinhos de Portugal, o mais apreciado e prestigiado internacionalmente. No entanto, os portugueses continuam a olhar para o Vinho do Porto de forma algo ambivalente, reconhecendo a sua categoria, mas fugindo do seu consumo. Algo como: “É muito bom, mas não o bebo”.
HÁ POUCO mais de um mês estive num jantar organizado pela Sogrape, para a apresentação dos seus Vintages de 2015. A refeição foi exclusivamente acompanhada por Vinho do Porto, uma opção arriscada mas que, graças ao elevado nível dos vinhos e ao cuidado do chef Marco Gomes na sua harmonização, resultou plenamente. O enólogo Luís Sottomayor justificou a opção pouco comum como uma forma de chamar a atenção para o Vinho do Porto, injustamente relegado para segundo plano pelos consumidores nacionais. Se olharmos para os números, a preocupação com o baixo consumo de Vinho do Porto entre os portugueses pode parecer descabida. As estatísticas até são positivas, revelando o Porto em crescimento no mercado nacional. Não esqueçamos, porém, que os números também nos dizem que Portugal é, desde 2015, o país do mundo com maior consumo de vinho per capita. Como é que toda a gente desatou a beber vinho desenfreadamente e ninguém deu por isso? A resposta está no turismo. O salto no consumo coincide com o boom do turismo e Portugal recebe hoje, anualmente, o equivalente ao dobro da sua população em turistas. Que, felizmente, também bebem (muito) e apreciam (muito) os vinhos portugueses.
Não é possível tirar os turistas das estatísticas de consumo e, assim, para avaliar o comportamento dos portugueses perante o Vinho do Porto, só nos podemos guiar por aquilo que nos transmitem as pessoas, começando por quem vende (restaurantes e lojistas) e terminando no mais importante, quem bebe. E aquilo que as pessoas nos dizem não é animador. Regra geral, o consumidor português, mesmo o mais esclarecido e exigente, tem uma relação distante com o Vinho do Porto.
Não é preciso um momento especial para abrir uma garrafa de Porto
Eu vejo isso no meu próprio círculo de relações. Há 10 anos era constantemente solicitado para dar dicas sobre os melhores Vintage para comprar. Nos últimos tempos, as solicitações já não passam pelo Porto. E porquê? Porque cada vez bebem menos Porto e os vinhos em stock nas garrafeiras domésticas são mais do que su cientes para o baixo ritmo de consumo. Estarei a exagerar? Aqueles que fazem o favor de me ler que respondam: em média, quantas garrafas de Porto abrem por mês? Duas? Uma? Menos do que isso?
E aqui, coloco a questão: o que fazer para mudar estes padrões de consumo? Não tenho respostas concretas, mas acredito que a solução passará por dois níveis de intervenção. As organizações do sector (IVDP, associações de produtores e exportadores, empresas) deverão simplificar e comunicar muito mais e melhor um vinho que é bastante complexo em termos de categorias, tipos, designações, difícil de explicar e de entender. Mas a verdadeira mudança deverá começar no comportamento de cada um de nós, enquanto consumidores exigentes e líderes de opinião (pelo menos na nossa roda de amigos). O Porto de qualidade está cada vez melhor e mais acessível, como mostram os excelentes LBV que provámos nesta edição da Grandes Escolhas. Não há que inventar desculpas para não abrir uma garrafa de Porto. E não são precisos pretextos ou momentos especiais para o fazer. Vamos a isso?
Do silêncio e do tempo e da falta de ambos

Há lugares que nos adoptam sem condições e que numa certa altura da vida parecem moldar-se de tal forma a nós que nos dão a impressão de existirem para nosso exclusivo usufruto. O mundo mágico dos cafés e do prazer de estar. PASTELARIA Mimo, na Avenida Duque de Ávila, ao pé do Instituto Superior […]
Há lugares que nos adoptam sem condições e que numa certa altura da vida parecem moldar-se de tal forma a nós que nos dão a impressão de existirem para nosso exclusivo usufruto. O mundo mágico dos cafés e do prazer de estar.
PASTELARIA Mimo, na Avenida Duque de Ávila, ao pé do Instituto Superior Técnico, onde passei grande parte do meu tempo no segundo ano a estudar, quando não estava no Núcleo de Arte Fotográfica quando não estava a fazer trabalhos de revelação para fora. Apanhei uma vez dois alunos a conversar um com o outro sobre teoria da relatividade por mais de uma hora, até perceber que nenhum dos dois sabia do que falava, eram apenas dois tolos na mesma jangada, a usar a asneira como força motriz.
O livro a que me entregava naquele instante era de física, as “Aulas de Física de Feynman”, um trabalho colossal de divulgação e generosidade por parte do Nobel americano da Física que inventou a cromodinâmica quântica. Tinha conhecido o professor Mariano Gago, naquela altura tinha criado uma turma especial de física de partículas e, apesar de o meu assunto favorito ser acústica, vim a mudar para engenharia física no terceiro ano, logo que o curso foi criado. Foi um conselho sábio, o de viver intensamente a academia, e que segui à risca. De cada cadeira que começava, lia o livro como se fosse um romance, de fio a pavio, só depois o utilizava como manual. E aproximei-me sempre dos melhores, para os ouvir de viva voz e frequentava as aulas deles como se estivesse num retiro espiritual. Dava-me muito trabalho e tirava-me muito tempo, mas nunca consegui fazer doutra forma.
Nos três anos de física tecnológica o Técnico transformou-se para mim num prazer indizível de encontro diário e convívio científico vivo. Os cafés eram a grande plataforma de sustentação da aventura que era um novo assunto, uma nova cadeira, um novo trabalho. Não sei como a pastelaria Capri, na Avenida de Roma, me deixou usar tantas horas seguidas uma mesa, não tenho forma de agradecer a simpatia com que os funcionários da biblioteca da Gulbenkian sempre me ajudavam a encontrar um lugar onde o ar condicionado não fosse demasiado forte para a brutal sinusite de que então sofria. Assim como não consegui nunca perceber por que nunca consegui sequer ler uma página de um livro na biblioteca do Técnico nem por que nunca entrei na Biblioteca Nacional.
Mas é tudo o mesmo e um só fenómeno, o silêncio. Não o de emudecer tudo e todos, mas o de estar em sintonia com o meio e o meio comigo. Em tudo o que faço no vinho e na comida tenho chegado à conclusão de que continuo a aplicar o método. As conversas de café são tanto ou mais importantes do que então eram. Os empregados que neles o ciam é que já não são daqueles que gostavam de nos ver ali todos os dias. Entrar com um livro para ler pode hoje ser decepcionante e não tenho como explicar que preciso absolutamente de o fazer, como preparação para um trabalho ou nova área que esteja a abordar.
Faz-me falta o caos e frenesim dos cafés onde se entra e sai sem ser notado, há um silêncio interior que de certa forma me embala. E sempre um ou dois acontecimentos inesperados desencadeiam novas descobertas, assim como sempre um ou dois encontros inesperados ajudam a criar o desejado caos e que acaba por ter o inefável efeito de ajudar à concentração. O conhecimento não vive mais em torres de marfim, e encerrados em quatro paredes dificilmente crescemos, quando esse é o maior, se não único, imperativo de consciência. As listas, as pontuações, os guias, as provas, as visitas, todas terão sido em vão se não tiverem tido na base o sentido do novo e da descoberta.
Partilhar a mesa com personalidades do mundo do vinho e gastronomia deu-me ao longo dos anos as maiores alegrias. Não tenho ainda a idade su ciente para ter direito a escrever sobre elas, chegará o tempo em breve e logo poderei reviver esses momentos memoráveis. Ainda estou imerso no exercício da actividade e sei que não chegarei onde queria chegar, implicaria sair muitas vezes, ir longe e voltar de terras distantes, experimentar os sabores, tocar nas texturas e sentar-me a mesas de muitas lógicas diferentes para que eventualmente me desse por satisfeito.
A lucidez e as mesas de café ajudam-me a perceber o muito que está ainda por fazer. Tenho os meus episódios felizes com os mais sábios dentre os sábios, mas não é coisa que se coleccione nem acumule, é importante a transformação que se dá em nós. Numa visita recente a uma escola de hotelaria, surgiu a pergunta inevitável sobre o que é preciso estudar para ser crítico de vinhos e comida. Acontece a todos com certeza não ter palavras por vezes para responder cabalmente ao que se pergunta, mas a verdade é que não tenho a resposta. A experiência da academia não está mais confinada hoje a um espaço físico apenas e a informação ui por toda a parte, cobrindo temas e mil assuntos derivados. Disse àquele aluno o que passarei sempre a dizer. Uma crítica é uma peça literária, ela própria sujeita ao crivo da crítica. O domínio da língua é, não tenho dúvida, o grande activo de quem escreve, pensa e fala. Logo a seguir, procurar provar e experimentar tudo o que a proximidade nos permite e estudar os assuntos que a nossa curiosidade nos mostra. O café ainda existe e tem muitas mesas. É preciso prosseguir e permanecer. Que o método é infalível.
A importância de sustentar a sustentabilidade

O caso é simples, a receita evidente, o sucesso garantido. Dar sem procurar receber. A solidariedade é exclusiva dos povos inteligentes e das sociedades maduras e no universo enogastronómico há razões para acreditar num futuro melhor. DESIGNAÇÕES dramáticas e extremas são-me tudo menos simpáticas. Vivemos inundados de autoetiquetas sucessivas de “melhor do mundo”, de […]
O caso é simples, a receita evidente, o sucesso garantido. Dar sem
procurar receber. A solidariedade é exclusiva dos povos inteligentes
e das sociedades maduras e no universo enogastronómico há razões
para acreditar num futuro melhor.
DESIGNAÇÕES dramáticas e extremas são-me tudo menos simpáticas. Vivemos inundados de autoetiquetas sucessivas de “melhor do mundo”, de tal forma que no mundo dos vinhos e comida já nem reparamos no tema em si. É mais um exagero e deixamos passar. Notícias mal construídas de que determinado vinho foi considerado o melhor do mundo em determinado concurso, quando não existe tal concurso. O mesmo para o azeite e tantos outros produtos, em que voluntariamente nos deixamos ofuscar, sem sequer pensar duas vezes. Qual é o primeiro efeito desta torrente de melhores absolutos? Deixamos de ligar, perdemos a sensibilidade para o sentido da superação que é tão importante em todas as ramificações de vinhos e comida.
Existe, contudo, muito em que acreditar, não no campo dos prémios e medalhas, mas no de uma plataforma horizontal integradora de saberes que dá pelo nome de sustentabilidade. Estabelece um único objectivo de forma subsidiária, para cada um de nós, que é entregar à próxima geração um mundo pelo menos tão bom quanto o que nos foi confiado a nós. O desenvolvimento sustentável, entendido nos braços económico, social e ambiental, é o caminho pragmático para lá chegar.
O que tem isto a ver com o vinho e a comida? Tudo. Chego ao assunto desta crónica, a propósito de um evento que começou discreto e vai acontecer pela terceira vez: o jantar do ano. Quatro chefs, cada um com seu prato e patrocinador, vão fazer um jantar no dia 11 de Novembro, no Convento do Beato, em Lisboa. Até aqui, estamos no ‘mainstream’, dentro das iniciativas do género que se vão fazendo pelo país ao longo do ano. Duas pessoas fazem toda a diferença, contudo: Rita Nabeiro, da Adega Mayor, e Francisco Mello e Castro, da Let’s Help.
O universo Delta, encabeçado pelo carismático Manuel Nabeiro, é uma das grandes forças do desenvolvimento sustentável de Portugal, de resto com assento no World Business Council for Sustainable Development, uma das mais fortes estruturas mundiais que, mais do que simplesmente advogar boas práticas, mobiliiza as nações, empresas e indivíduos para o apoio efectivo e real e garantir que o mundo fica mesmo melhor. A Let’s Help representa o mesmo esforço, próximo da heroicidade, por tratar de resolver problemas específicos que vão sendo identificados. Francisco Mello e Castro mantém diversos projectos em simultâneo, reunindo as pessoas certas para atingir os fins a que se propôs. A forma determinada e profissional que utiliza tem mobilizado capital humano e financeiro de forma consistente, a ponto de criar postos de trabalho, marcas e mercados novos.
Estive na prova oficial de apresentação do Jantar do Ano 2017, no picadeiro do antigo Museu dos Coches. Henrique Sá Pessoa (Alma) inaugurou a refeição, com uma entrada de salmão da Noruega curado com caldo de castanhas, patrocínio Leroy. Intervenção simples, casamento pleno de sabores e texturas. Justa Nobre (Nobre), em tandem com a Milaneza, apresentou a sopa rica de robalo à Justa, com a sua assinatura inconfundível. Vítor Sobral (Peixaria da Esquina) deu a provar a tomatada de bacalhau da Noruega, batata-doce e hortelã que, com o patrocínio da Terra do Bacalhau, vai servir no jantar. João Magalhães Rodrigues (Feitoria Altis Belém), serviu, em parceria com a Carnes Jacinto, as bochechas de vitela, cogumelos e puré trufado de batata. Os vinhos estão a cargo da Adega Mayor.
Clara de Sousa e Rodrigo Guedes de Carvalho são os embaixadores do Jantar do Ano desde a primeira edição e estiveram a animar este jantar de afinação com uma descontracção e sentido familiar que ajudou a aproximar todos de todos. Falta dizer que são patrocinadores oficiais o azeite Oliveira de Serra, cerveja Sagres Bohemia, PT Empresas e gelados Magnum, da Olá. O lugar simples para uma pessoa vai custar 45 euros e o pack premium, mesa de 10 pessoas custará 600 euros, em locais diferentes da sala. Serão mais de mil os convidados a assegurar presença, pelo que o êxito da operação está praticamente assegurado. No final, Rita Nabeiro referiu-se a este jantar do ano com a discrição que lhe é característica, como “o evento em que todos os portugueses querem estar”. O lucro reverterá integralmente para a Let’s Help, para investimento em negócios sociais sólidos e sustentáveis.
A terminar, é imperativo reiterar o postulado inicial, de que não existe o melhor do mundo em praticamente nada. Agora, há que acrescentar que melhor do que o Jantar do Ano é difícil conseguir. E que mais vale entrar na onda sustentável por mão segura do que de forma desarticulada, sem fins explicitamente assumidos. Todos ao Convento do Beato, então, no dia 11 de Novembro.
Vícios à mesa

O serviço de mesa é o calcanhar de Aquiles do negócio dos restaurantes. Outras áreas têm melhorado, mas esta, em muitos casos, está cada vez pior. Entre a arrogância, o desleixo e a falta de noções básicas de como lidar com o cliente, venha o diabo e escolha. É fundamental que os empresários do sector […]
O serviço de mesa é o calcanhar de Aquiles do negócio dos restaurantes. Outras áreas têm melhorado, mas esta, em muitos casos, está cada vez pior. Entre a arrogância, o desleixo e a falta de noções básicas de como lidar com o cliente, venha o diabo e escolha. É fundamental que os empresários do sector valorizem esta actividade.
POR razões profissionais e por prazer pessoal frequento há muitos anos, e com regularidade, restaurantes em diversos pontos do país. Não sou – longe disso – um especialista na matéria, mas considero-me… um cliente com experiência, digamos assim. E manda a verdade dizer que tenho assistido a uma notável melhoria de qualidade na nossa restauração em muitos itens, sendo os mais importantes, como é evidente, o maior cuidado na selecção das matérias-primas, o aperfeiçoamento das técnicas de confecção, a abertura a novas influências e, sobretudo, o cuidado com a apresentação. Melhorou muito também, na grande maioria dos casos, o conforto dos clientes, sendo vulgar já encontrar ar condicionado em muitas tascas populares, a decoração dos espaços passou a ser considerada (nem sempre com bom gosto, concedo) e até as casas de banho tiveram a sua dose de melhoria. Está ainda tudo muito longe de ser perfeito, mas é inegável a evolução verificada.
Dito isto, há ainda aspectos fundamentais no negócio dos restaurantes que tardam a acompanhar esta evolução positiva. Em alguns casos, até pelo contrário, notou-se mesmo uma degradação sensível no serviço prestado aos clientes. Falo hoje concretamente do serviço de mesa, aquele que considero ser o calcanhar de Aquiles desta actividade.
Abundam ainda as falhas grosseiras, a falta de profissionalismo campeia em muito lado, a ignorância e a arrogância e, mesmo em certos casos, a má criação, muitas vezes substituíram, sem vantagem, algumas das velhas pechas no atendimento ao cliente. Não em todos, mas em muitos dos nossos restaurantes. E aqui temos que ser democráticos, o panorama é transversal: tanto ocorre nos estabelecimentos mais populares e tradicionais (e nem sempre mais baratos) como naqueles mais pretensiosos a atirar para o fino e com contas finais bem mais carregadas.
A maior culpa nem será dos próprios empregados de mesa, nem eles muitas vezes têm a noção das suas próprias limitações. Mas muitos empresários acham que vale a pena investir muitos milhares de euros em decoração, um pouco menos na contratação de cozinheiros e muito pouco na formação de quem recebe o cliente e o serve à mesa. E nem vou entrar hoje no capítulo do serviço de vinhos que merece uma reflexão à parte. A verdade é que a profissão, ainda com o estigma da palavra “criado” colada à função, não é considerada prestigiante de forma a atrair os profissionais qualificados que as Escolas de Hotelaria apesar de tudo vêm formando e os empregadores não a valorizam nem lhe reconhecem a importância.
Mostrar aos clientes que vale a pena ser exigente e que um melhor serviço é um valor acrescentado, que terá retorno, mais tarde ou mais cedo
Em alguns restaurantes ditos de fine dinning há agora a moda de ter um relações públicas, na maior parte das vezes uma simpática e bem parecida menina que nos conduz à mesa entre sorrisos e salamaleques. A verdade é que depois de sentados nunca mais lhe pomos a vista em cima, e os sorrisos evaporaram-se nesse instante. É então que acontece um fenómeno estranho. Por algum passe de mágica, adquirimos o espantoso dom da invisibilidade que permite que muitos empregados passem repetidamente por nós e não nos consigam ver por muito que esbracejemos ou que requeiramos apenas um pouco da sua atenção. Algumas vezes ficamos com a nítida sensação de que só somos atendidos quando eles finalmente consideraram que já penámos o suficiente por algum pecado passado que tenhamos cometido. Em muitos restaurantes populares a rudeza sem cerimónias é o prato do dia: a demora em levantar os restos da refeição anterior, a limpeza da mesa às três pancadas com um pano húmido que já passou por todas as outras mesas, os talheres atirados para cima do tampo, os pratos colocados em pilha e o freguês que os distribua, o pratinho com azeitonas que já vem com os caroços de outros clientes, são alguns dos mimos com que somos brindados, entre outro conjunto de delicadezas very typical indeed.
Nos restaurantes finos e elegantes, (só em alguns deles, temos que ser justos) por vezes o que mais se destaca é a requintada sobrançaria. As batas negras impõem respeito, a pose é empertigada, o sorriso condescendente. Mas a impertinência depressa desaparece quando o discurso com a descrição do prato se engasga num termo de que o pobre moço desconhece o significado ou quando perguntamos que ingrediente é aquele e ele bate em retirada a dizer que vai perguntar ao chefe. Santa nossa! É nessa altura que tenho por vezes saudade daqueles antigos profissionais, exímios de mãos, que despinhavam o peixe à nossa frente, trinchavam a carne com destreza ou desossavam uma ave com a precisão de um relojoeiro. A cozinha de sala está hoje infelizmente fora de moda mas era um regalo para os olhos. Aqueles crepes flambeados à minha frente valiam a refeição.
Como podem as coisas mudar? Não há segredos, toda a gente sabe! É saber, e sobretudo, querer investir em recursos humanos da mesma forma que se está disposto a pagar a decoração ou se é exigente nos equipamentos. É afinal pagar condignamente aos bons profissionais, de acordo com o seu mérito, e, claro, saber motivá-los e mantê-los empenhados no projecto. É mostrar aos clientes que vale a pena ser exigente e que um melhor serviço é um valor acrescentado que terá retorno, mais tarde ou mais cedo.
Excelência garantida

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor. MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às […]
Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.
MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às inúmeras adegas a que prestava consultoria no mundo inteiro, utilizava um “protocolo” enológico que era aplicado de forma demasiado generalizada. Provavelmente não poderia fazer de outra forma, dado o gigantesco volume de vinhos que trabalhava em diferentes continentes, mas crítica era justificada e a aversão às receitas ficou.
Na verdade, sobretudo quando se procura a qualidade máxima, trabalhar com receitas é inútil, pois o vinho é feito de diversidade e imprevisto. Não existe um igual a outro porque as condições que os originaram, na vinha e na adega, são também elas diferentes e se alteram em cada vindima. Pretender que, reunindo determinados factores e utilizando determinadas técnicas, se obtém automaticamente um vinho de excelência, é enganar-se a si mesmo e enganar os outros.
Nos últimos anos, porém, tenho vindo a assistir ao regresso das receitas, centradas agora mais na vinha do que na adega (o que não deixa de ser curioso, pois a uva é precisamente aquilo que menos se pode controlar e replicar de um ano para o outro). Vinha velha, viticultura orgânica, leveduras indígenas, barrica usada, vindima precoce, intervenção mínima (seja lá o que isso for), eis a nova receita para o sucesso. A “fórmula” está a ser promovida como sendo a única capaz de assegurar vinhos com grandiosidade e personalidade. E vem com a arrogância de uma certa superioridade moral vitícola e enológica.
A fórmula da grandeza não existe
A receita mudou, mas o erro é o mesmo e pode ser exposto ponto por ponto. Para não me alongar, vou centrar-me apenas num dos seus ingredientes, a vinha velha. O próprio conceito de vinha velha é pouco claro, mas vamos assumir que será uma vinha com muitas castas, todas misturadas e plantada há mais de 70 anos. Ora, dizer que uma vinha origina grandes vinhos por ser velha, é completamente absurdo. Como se a sua localização ou a conjugação de castas que lá existe não tivesse qualquer importância. Uma vinha velha não é igual a outra vinha velha, mesmo quando plantadas a 500 metros uma da outra, como qualquer produtor com várias vinhas deste tipo pode testemunhar. E se uma oferece consistentemente vinhos de enorme categoria, outra pode não originar mais do que vinhos banais.
Já bebi muitíssimos vinhos de grande nível oriundos de vinhas velhas. Mas também já me deliciei muitas vezes com belos vinhos de vinhas jovens, até do primeiro ou segundo ano de produção. Excelência e banalidade já provei de vinhas orgânicas ou de proteção integrada, filtrados ou não filtrados, com leveduras indígenas ou selecionadas, com barrica nova ou usada, de lagar ou de inox.
Não existe uma fórmula que assegure a grandeza. E ainda bem. A paixão do vinho (pelo menos a minha) alimenta-se precisamente do imprevisto, da surpresa, da noção de que nada podemos dar como garantido e de que existe sempre margem para descobrir e aprender. Após 28 anos de escrita de vinhos, a única coisa de que estou certo é de que não há certezas. Quem não percebe isto, não percebe nada.
Muito vinho e alguma poeira

É uma história antiga que envolve bicicletas, enxadas e muita arte. De cavar mas também de beber. Algures no Portugal profundo, quando ainda se via o céu estrelado e onde apenas os latidos dos cães perturbavam o silêncio absoluto. O Armindo era meu amigo. Morava perto de mim, tinha mais ou menos a minha […]
É uma história antiga que envolve bicicletas, enxadas e muita
arte. De cavar mas também de beber. Algures no Portugal
profundo, quando ainda se via o céu estrelado e onde apenas
os latidos dos cães perturbavam o silêncio absoluto.
O Armindo era meu amigo. Morava perto de mim, tinha mais ou menos a minha idade, brincávamos juntos durante o Verão. Havia um mundo enorme que nos separava: ele vivia todo o ano no campo, eu apenas lá ia durante as férias; eu vivia numa cidade onde havia electricidade e transportes públicos, ele vivia numa aldeia sem luz, sem água canalizada, sem estradas alcatroadas.
Tinha sobre mim uma enorme vantagem: sempre que havia a lua nova, Armindo podia desfrutar da imensidão estrelada do universo, uma vez que no raio de muitos quilómetros não havia lugarejo com luz eléctrica; já eu, com sorte, só podia ficar a gozar esse espectáculo alguns dias por ano, nos dois meses de férias que passava no campo. Apesar desse enorme abismo, ele era um artista com a fisga, com o pião e não levava desaforo para casa; o que fosse para resolver era na rua, ao soco e pontapé. Nada disso impedia que jogássemos à bola, fossemos colocar armadilhas para apanhar os pássaros e fumássemos barbas de milho em cachimbos de cana feitos por nós.
O pai, trabalhador rural, também era um artista, com a enxada e com o garrafão de vinho. Sem máquinas de que tipo fosse para ajudar no trabalho da terra, era à custa de enxada que se preparavam os terrenos nas hortas, trabalho esse sempre acompanhado de um garrafão de três litros. De manhã, quando ia a casa do empregador buscar as alfaias, o pai do Armindo recebia o garrafão que o acompanhava durante o dia. É verdade que o garrafão ia “baptizado” com alguma água, tornando o vinho menos alcoólico e permitindo que o trabalho agrícola fosse feito apesar dos três litros. Era no regresso que a coisa se complicava. Ao chegar a casa para entregar as alfaias e o garrafão vazio, o pai do Armindo era ainda presenteado com uns três copos de vinho (presumivelmente igual ao que tinha consumido durante o dia) e fechavam-se as contas.
Não havia metro de estrada onde o pai do Armindo não tivesse ainda aterrado, esfregando a cara na terra
A seguir montava-se na sua bicicleta e ia à sede da freguesia, onde havia uma tasca “à séria”, ou seja, com vinho de barril não baptizado, logo, bem alcoólico. Era ali que o caldo se começava a entornar. Depois de “varrer” um número não contabilizado de copos de 3, lá vinha ele direito a casa. Por sorte, o caminho desde a tasca até sua casa, cerca de 1 km, era sempre a descer e por isso o esforço era mínimo. Já para se aguentar em cima do veículo numa estrada poeirenta e cheia de buracos, era um sarilho. Por isso se comentava no lugar, e com alguma razão, que não havia metro de estrada onde o pai do Armindo não tivesse ainda aterrado, esfregando a cara na terra. Lá se levantava, aos tombos e conseguia chegar a casa. O Armindo, coitado, por vezes ainda apanhava sem saber porquê, tudo consequência da bebedeira diária do pai.
Este cenário, muito vulgar no país rural que fomos durante séculos e que, ao que nos contam, ainda se presencia no Douro profundo, tinha imensos protagonistas: o pai do Armindo não era artista a solo, no lugar onde morava contavam-se histórias de outros trabalhadores que, alcoólicos como ele, acabaram os seus dias com cirroses, provavelmente a razão de morte mais habitual naquelas paragens. Por aqui vinho de qualidade era um conceito desconhecido, o melhor vinho era o do copo cheio e, a haver, a qualidade media-se pelo grau: quanto mais alcoólico melhor.
Quando, no caminho, nos cruzávamos com o pai do Armindo, tínhamos de saltar para a berma porque não sabíamos se era aquele “o metro” de estrada que tencionava abordar naquele dia. Ele, com ar lívido e fixo, nem dava pelos transeuntes, tal o nível de alcoolémia. Tinha mais sorte nos dias de lua cheia porque o caminho ficava um pouco mais iluminado. No dia seguinte voltava a ir trabalhar e a mostrar que, com vinho baptizado, era um artista a trabalhar a terra. Dava gosto ver, ao final do dia, como a horta estava preparada para receber as sementes. Uma pintura. E, muitas vezes nas nossas incursões matinais para pormos as armadilhas dos galegos, flosas, pintassilgos e outros passarinhos, ao passar numa horta, se notávamos a perfeição do trabalho feito logo víamos que tinha sido o pai do Armindo.
Castas? Leveduras? Malolácticas? Qual quê, naquele tempo o vinho bebia-se e pronto. Muito, demasiado, sem critério nem conversa. O mundo acabava ali e para se saber o que se passava noutras paragens tinha de se usar um rádio de pilhas, a única modernice autorizada, já que, até para saber a que horas se acabava o trabalho, era o sino da igreja que ao longe indicava o tempo. E à noite, à espera que viesse o sono, íamos para a varanda ver as estrelas. A essa hora o pai do Armindo ressonava (a casa era perto e ouvia-se) e, além dos latidos de alguns cães ao longe, o sono do artista era o único som que se ouvia. Férias de Verão, estórias do vinho de antanho.
Enxofre e Sulfuroso

O enxofre é um oligoelemento, essencial à vida, e no peso total da crosta terrestre cabe-lhe meio ponto percentual. É usado pelo homem desde a antiguidade. A sua utilização generalizada pela indústria, pode, em função do número de toneladas consumidas, traduzir a saúde económica de uma nação. TEXTO João Afonso Enxofre e Videiras Fundamental […]
O enxofre é um oligoelemento, essencial à vida, e no peso total da crosta terrestre cabe-lhe meio ponto percentual. É usado pelo homem desde a antiguidade. A sua utilização generalizada pela indústria, pode, em função do número de toneladas consumidas, traduzir a saúde económica de uma nação.
TEXTO João Afonso
Enxofre e Videiras
Fundamental na alimentação da videira, o enxofre é também um dos principais aliados da planta na luta contra os fungos do míldio e, em particular, do oídio. “Enxofrar” é um termo muito usado pelos viticultores durante a Primavera, quando a chuva ou a humidade, aliadas às temperaturas amenas, oferecem condições óptimas ao desenvolvimento destas doenças criptogâmicas.
O Antioxidante Sulfuroso
No vinho o enxofre é usado sob a forma de dióxido de enxofre (SO2), mais conhecido por sulfuroso, sendo o produto enológico mais usado na adega a seguir às uvas. O sulfuroso é um poderoso antioxidante e conservante e está presente na maioria dos alimentos que ingerimos com o designativo E220.
Bactericida e Fungicida
Além de antioxidante, o sulfuroso tem uma acção desinfectante e selectiva, pois é bactericida e fungicida. Ao ser adicionado ao mosto, logo após o esmagamento das uvas, o sulfuroso elimina bactérias e leveduras mais frágeis e indesejáveis, permitindo que apenas as melhores estirpes sobrevivam e tomem contra do processo fermentativo que se segue.
Dissolvente
Além de antioxidante, bactericida e fungicida, o sulfuroso é dissolvente e aumenta o teor de matéria corante e fenólica dissolvida no vinho a partir da película da uva, contribuindo assim para o aumento do sabor e bouquet do vinho.
Melhorador gustativo
É ainda um melhorador gustativo dos vinhos. Ao combinar o etanal e compostos semelhantes, faz desaparecer os aromas da oxidação, melhorando a qualidade e limpeza do aroma.
Sulfuroso e sulfitos
Mas não são só vantagens, o sulfuroso também tem a desvantagem de formar sulfitos no vinho. A sua toxicidade é elevada e, por isso, a sua utilização é rigorosamente controlada e a legislação obriga à menção “Contém Sulfitos” na rotulagem. A OMS aconselha uma dose máxima de ingestão diária de sulfitos de apenas 0,7mg por quilo de peso.