Excelência garantida

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.   MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às […]

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.

 

MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às inúmeras adegas a que prestava consultoria no mundo inteiro, utilizava um “protocolo” enológico que era aplicado de forma demasiado generalizada. Provavelmente não poderia fazer de outra forma, dado o gigantesco volume de vinhos que trabalhava em diferentes continentes, mas crítica era justificada e a aversão às receitas ficou.

Na verdade, sobretudo quando se procura a qualidade máxima, trabalhar com receitas é inútil, pois o vinho é feito de diversidade e imprevisto. Não existe um igual a outro porque as condições que os originaram, na vinha e na adega, são também elas diferentes e se alteram em cada vindima. Pretender que, reunindo determinados factores e utilizando determinadas técnicas, se obtém automaticamente um vinho de excelência, é enganar-se a si mesmo e enganar os outros.

Nos últimos anos, porém, tenho vindo a assistir ao regresso das receitas, centradas agora mais na vinha do que na adega (o que não deixa de ser curioso, pois a uva é precisamente aquilo que menos se pode controlar e replicar de um ano para o outro). Vinha velha, viticultura orgânica, leveduras indígenas, barrica usada, vindima precoce, intervenção mínima (seja lá o que isso for), eis a nova receita para o sucesso. A “fórmula” está a ser promovida como sendo a única capaz de assegurar vinhos com grandiosidade e personalidade. E vem com a arrogância de uma certa superioridade moral vitícola e enológica.

A fórmula da grandeza não existe

A receita mudou, mas o erro é o mesmo e pode ser exposto ponto por ponto. Para não me alongar, vou centrar-me apenas num dos seus ingredientes, a vinha velha. O próprio conceito de vinha velha é pouco claro, mas vamos assumir que será uma vinha com muitas castas, todas misturadas e plantada há mais de 70 anos. Ora, dizer que uma vinha origina grandes vinhos por ser velha, é completamente absurdo. Como se a sua localização ou a conjugação de castas que lá existe não tivesse qualquer importância. Uma vinha velha não é igual a outra vinha velha, mesmo quando plantadas a 500 metros uma da outra, como qualquer produtor com várias vinhas deste tipo pode testemunhar. E se uma oferece consistentemente vinhos de enorme categoria, outra pode não originar mais do que vinhos banais.

Já bebi muitíssimos vinhos de grande nível oriundos de vinhas velhas. Mas também já me deliciei muitas vezes com belos vinhos de vinhas jovens, até do primeiro ou segundo ano de produção. Excelência e banalidade já provei de vinhas orgânicas ou de proteção integrada, filtrados ou não filtrados, com leveduras indígenas ou selecionadas, com barrica nova ou usada, de lagar ou de inox.

Não existe uma fórmula que assegure a grandeza. E ainda bem. A paixão do vinho (pelo menos a minha) alimenta-se precisamente do imprevisto, da surpresa, da noção de que nada podemos dar como garantido e de que existe sempre margem para descobrir e aprender. Após 28 anos de escrita de vinhos, a única coisa de que estou certo é de que não há certezas. Quem não percebe isto, não percebe nada.

Muito vinho e alguma poeira

É uma história antiga que envolve bicicletas, enxadas e muita arte. De cavar mas também de beber. Algures no Portugal profundo, quando ainda se via o céu estrelado e onde apenas os latidos dos cães perturbavam o silêncio absoluto.   O Armindo era meu amigo. Morava perto de mim, tinha mais ou menos a minha […]

É uma história antiga que envolve bicicletas, enxadas e muita
arte. De cavar mas também de beber. Algures no Portugal
profundo, quando ainda se via o céu estrelado e onde apenas
os latidos dos cães perturbavam o silêncio absoluto.

 

O Armindo era meu amigo. Morava perto de mim, tinha mais ou menos a minha idade, brincávamos juntos durante o Verão. Havia um mundo enorme que nos separava: ele vivia todo o ano no campo, eu apenas lá ia durante as férias; eu vivia numa cidade onde havia electricidade e transportes públicos, ele vivia numa aldeia sem luz, sem água canalizada, sem estradas alcatroadas.

Tinha sobre mim uma enorme vantagem: sempre que havia a lua nova, Armindo podia desfrutar da imensidão estrelada do universo, uma vez que no raio de muitos quilómetros não havia lugarejo com luz eléctrica; já eu, com sorte, só podia ficar a gozar esse espectáculo alguns dias por ano, nos dois meses de férias que passava no campo. Apesar desse enorme abismo, ele era um artista com a fisga, com o pião e não levava desaforo para casa; o que fosse para resolver era na rua, ao soco e pontapé. Nada disso impedia que jogássemos à bola, fossemos colocar armadilhas para apanhar os pássaros e fumássemos barbas de milho em cachimbos de cana feitos por nós.

O pai, trabalhador rural, também era um artista, com a enxada e com o garrafão de vinho. Sem máquinas de que tipo fosse para ajudar no trabalho da terra, era à custa de enxada que se preparavam os terrenos nas hortas, trabalho esse sempre acompanhado de um garrafão de três litros. De manhã, quando ia a casa do empregador buscar as alfaias, o pai do Armindo recebia o garrafão que o acompanhava durante o dia. É verdade que o garrafão ia “baptizado” com alguma água, tornando o vinho menos alcoólico e permitindo que o trabalho agrícola fosse feito apesar dos três litros. Era no regresso que a coisa se complicava. Ao chegar a casa para entregar as alfaias e o garrafão vazio, o pai do Armindo era ainda presenteado com uns três copos de vinho (presumivelmente igual ao que tinha consumido durante o dia) e fechavam-se as contas.

Não havia metro de estrada onde o pai do Armindo não tivesse ainda aterrado, esfregando a cara na terra

A seguir montava-se na sua bicicleta e ia à sede da freguesia, onde havia uma tasca “à séria”, ou seja, com vinho de barril não baptizado, logo, bem alcoólico. Era ali que o caldo se começava a entornar. Depois de “varrer” um número não contabilizado de copos de 3, lá vinha ele direito a casa. Por sorte, o caminho desde a tasca até sua casa, cerca de 1 km, era sempre a descer e por isso o esforço era mínimo. Já para se aguentar em cima do veículo numa estrada poeirenta e cheia de buracos, era um sarilho. Por isso se comentava no lugar, e com alguma razão, que não havia metro de estrada onde o pai do Armindo não tivesse ainda aterrado, esfregando a cara na terra. Lá se levantava, aos tombos e conseguia chegar a casa. O Armindo, coitado, por vezes ainda apanhava sem saber porquê, tudo consequência da bebedeira diária do pai.

Este cenário, muito vulgar no país rural que fomos durante séculos e que, ao que nos contam, ainda se presencia no Douro profundo, tinha imensos protagonistas: o pai do Armindo não era artista a solo, no lugar onde morava contavam-se histórias de outros trabalhadores que, alcoólicos como ele, acabaram os seus dias com cirroses, provavelmente a razão de morte mais habitual naquelas paragens. Por aqui vinho de qualidade era um conceito desconhecido, o melhor vinho era o do copo cheio e, a haver, a qualidade media-se pelo grau: quanto mais alcoólico melhor.

Quando, no caminho, nos cruzávamos com o pai do Armindo, tínhamos de saltar para a berma porque não sabíamos se era aquele “o metro” de estrada que tencionava abordar naquele dia. Ele, com ar lívido e fixo, nem dava pelos transeuntes, tal o nível de alcoolémia. Tinha mais sorte nos dias de lua cheia porque o caminho ficava um pouco mais iluminado. No dia seguinte voltava a ir trabalhar e a mostrar que, com vinho baptizado, era um artista a trabalhar a terra. Dava gosto ver, ao final do dia, como a horta estava preparada para receber as sementes. Uma pintura. E, muitas vezes nas nossas incursões matinais para pormos as armadilhas dos galegos, flosas, pintassilgos e outros passarinhos, ao passar numa horta, se notávamos a perfeição do trabalho feito logo víamos que tinha sido o pai do Armindo.

Castas? Leveduras? Malolácticas? Qual quê, naquele tempo o vinho bebia-se e pronto. Muito, demasiado, sem critério nem conversa. O mundo acabava ali e para se saber o que se passava noutras paragens tinha de se usar um rádio de pilhas, a única modernice autorizada, já que, até para saber a que horas se acabava o trabalho, era o sino da igreja que ao longe indicava o tempo. E à noite, à espera que viesse o sono, íamos para a varanda ver as estrelas. A essa hora o pai do Armindo ressonava (a casa era perto e ouvia-se) e, além dos latidos de alguns cães ao longe, o sono do artista era o único som que se ouvia. Férias de Verão, estórias do vinho de antanho.

Enxofre e Sulfuroso

O enxofre é um oligoelemento, essencial à vida, e no peso total da crosta terrestre cabe-lhe meio ponto percentual. É usado pelo homem desde a antiguidade. A sua utilização generalizada pela indústria, pode, em função do número de toneladas consumidas, traduzir a saúde económica de uma nação.   TEXTO João Afonso Enxofre e Videiras Fundamental […]

O enxofre é um oligoelemento, essencial à vida, e no peso total da crosta terrestre cabe-lhe meio ponto percentual. É usado pelo homem desde a antiguidade. A sua utilização generalizada pela indústria, pode, em função do número de toneladas consumidas, traduzir a saúde económica de uma nação.

 

TEXTO João Afonso

Enxofre e Videiras
Fundamental na alimentação da videira, o enxofre é também um dos principais aliados da planta na luta contra os fungos do míldio e, em particular, do oídio. “Enxofrar” é um termo muito usado pelos viticultores durante a Primavera, quando a chuva ou a humidade, aliadas às temperaturas amenas, oferecem condições óptimas ao desenvolvimento destas doenças criptogâmicas.

O Antioxidante Sulfuroso
No vinho o enxofre é usado sob a forma de dióxido de enxofre (SO2), mais conhecido por sulfuroso, sendo o produto enológico mais usado na adega a seguir às uvas. O sulfuroso é um poderoso antioxidante e conservante e está presente na maioria dos alimentos que ingerimos com o designativo E220.

Bactericida e Fungicida
Além de antioxidante, o sulfuroso tem uma acção desinfectante e selectiva, pois é bactericida e fungicida. Ao ser adicionado ao mosto, logo após o esmagamento das uvas, o sulfuroso elimina bactérias e leveduras mais frágeis e indesejáveis, permitindo que apenas as melhores estirpes sobrevivam e tomem contra do processo fermentativo que se segue.

Dissolvente
Além de antioxidante, bactericida e fungicida, o sulfuroso é dissolvente e aumenta o teor de matéria corante e fenólica dissolvida no vinho a partir da película da uva, contribuindo assim para o aumento do sabor e bouquet do vinho.

Melhorador gustativo
É ainda um melhorador gustativo dos vinhos. Ao combinar o etanal e compostos semelhantes, faz desaparecer os aromas da oxidação, melhorando a qualidade e limpeza do aroma.

Sulfuroso e sulfitos
Mas não são só vantagens, o sulfuroso também tem a desvantagem de formar sulfitos no vinho. A sua toxicidade é elevada e, por isso, a sua utilização é rigorosamente controlada e a legislação obriga à menção “Contém Sulfitos” na rotulagem. A OMS aconselha uma dose máxima de ingestão diária de sulfitos de apenas 0,7mg por quilo de peso.

Cestos lavados

Diz o provérbio que até ao lavar dos cestos é vindima. Mas neste ano de 2017 os cestos foram lavados muito mais cedo do que é habitual, encerrando uma colheita precoce como não há memória.   NÃO há memória, nem registos, de uma vindima assim. No início de Agosto, praticamente todo o país estava a […]

Diz o provérbio que até ao lavar dos cestos é vindima. Mas neste ano de 2017 os cestos foram lavados muito mais cedo do que é habitual, encerrando uma colheita precoce como não há memória.

 

NÃO há memória, nem registos, de uma vindima assim. No início de Agosto, praticamente todo o país estava a colher uvas. E quem faz vinho base para espumante, em muitos casos, começou em Julho. O stress nas empresas e adegas foi tremendo. Imagine-se precisar de colher as uvas e ter os vindimadores agendados para duas semanas mais tarde; ou querer colocar a adega pronta e os enólogos e funcionários essenciais estarem a descansar bem longe…

Desde o mês de Maio que o tempo seco e quente indiciava uma vindima precoce. Mas ninguém esperava que em Julho a maturação disparasse como um comboio desgovernado. Muito boa gente deixou a família na praia e regressou às adegas. E alguns nem chegaram a ter férias. O calor, ainda que moderado em diversas regiões por noites frescas (que ajudam ao desenvolvimento da maturação) mas, sobretudo, o ano extremamente seco, foi o principal responsável por esta vindima louca. Como alguém me dizia, “parecia que as videiras, à míngua de recursos para sustentar as uvas, queriam ver-se livres delas o mais rápido possível”. Lavados os cestos, é tempo de fazer o balanço. E parece que, apesar dos sustos, os vinhos vão ser muito bons. Antes assim. Da vindima de 2017 e dos seus frutos trata o extenso trabalho realizado por João Afonso e António Falcão que publicamos nesta edição de Outubro.

Parece que, apesar dos sustos, os vinhos vão ser muito bons

Outro tema em destaque é a grande prova de vinhos Syrah, orientada e escrita por Valeria Zeferino. A uva Syrah é, sem dúvida, um fenómeno em Portugal. A seguir à Touriga Nacional, é provavelmente a uva tinta que mais adeptos reúne junto de viticultores e produtores graças, sobretudo, a uma enorme consistência de qualidade, vindima após vindima. Os vinhos que provámos mostram a versatilidade da uva, capaz de originar produtos muito interessantes em diversos segmentos de preço.

Incontornável é igualmente a figura de João Portugal Ramos. Enólogo, produtor, empreendedor, um dos principais responsáveis pelo salto da enologia portuguesa para a era moderna, comemorou agora os 25 anos de vida da empresa vitivinícola que criou em Estremoz e se estendeu depois a outras regiões. Entrevistado nesta edição, expõe a sua visão sobre o vinho português e dá-nos conta daquilo que o move.

O nosso Master of Wine Dirceu Vianna Junior continua a provar todos os meses um conjunto de vinhos escolhidos em torno de um tema específico. Desta vez, procurou tintos do Douro com preço inferior a €15 para fazer as suas recomendações.

Finalmente, de entre os muitos motivos para ler as 144 páginas da Grandes Escolhas de Outubro, permitam-me destacar as várias peças sobre a região bairradina, os seus produtores e os seus vinhos. Enquanto o vinho de 2017 repousa nas adegas, depois de uma vindima em passo de corrida, é tempo de procurarmos nós também um momento de repouso para uma boa leitura.

E viva a diferença…

Finalmente. As castas portuguesas começam a ter o lugar que merecem nas a(in)tenções vitícolas, não só por parte dos viticultores, mas, assinalavelmente, por parte das entidades oficiais, regulamentadoras e outras tais.   SE tenho algum ponto forte, esse não será certamente o de escrever “Crónicas”. Não consigo tornar interessante um texto inspirado em trivialidades ou […]

Finalmente. As castas portuguesas começam a ter o lugar
que merecem nas a(in)tenções vitícolas, não só por parte dos
viticultores, mas, assinalavelmente, por parte das entidades
oficiais, regulamentadoras e outras tais.

 

SE tenho algum ponto forte, esse não será certamente o de escrever “Crónicas”. Não consigo tornar interessante um texto inspirado em trivialidades ou fait-divers. Não tenho essa arte. Assim, quando me decido a fazê-lo, tenho de sentir que algo que considero importante deve ser partilhado com quem tem a paciência de ler as palavras que escrevo.

A crónica que assinava na Revista de Vinhos, que construímos passo a passo, mês a mês, ano a ano, chamava-se “Contra Corrente”. Em várias destas crónicas quis chamar a atenção para a importância das castas portuguesas, e de nelas fazermos âncora para navegarmos seguros em busca no mundo. Sempre me indignei com quem bajula vinhos estrangeiros e despreza vinhos portugueses, sempre me inconformei com quem nega este fantástico Portugal e aquilo de que é feito. Sempre me entristeci com a facilidade da “cópia” e volatilidade das “modas” e sempre me revoltei com a falta de interacção, respeito pela tradição e sentido de “rumo sólido”.

Continuo a não compreender porque muitos enólogos usam a mesma receita nas várias consultorias para que trabalham, continuo sem entender porque é que um vinho de Trás-os-Montes tem de saber a Douro, ou porque a Touriga Nacional tem de ser plantada no Alentejo, ou porque o Vinhão tem de substituir o Sousão no Douro. E pergunto: porque razão continuamos a querer desarrumar aquilo que estava tão bem arrumado? Ou porque razão fazemos tudo igual quando podemos fazer tudo diferente?

A nova crónica chama-se Unplugged, porque sempre preferi a discrição. E se tenho de ter a coragem de chamar atenções quero fazê-lo desligado, para que o ruído seja o “quanto baste”.

Esta primeira crónica para a VINHO Grandes Escolhas não é para dizer “reparem…”, mas sim para saudar a recente mudança das opções vitícolas tomadas não só pelo programa VITIS como também pelo IVV, pelo INIAV e pela PORVID. Ainda não é o “óptimo”, mas já é um grande passo.

O VITIS (programa de apoio comunitário à reestruturação ou plantação de vinha) privilegia a partir deste ano de 2017 todos os projectos que tenham a intenção de plantar apenas castas de origem nacional. Com a limitação que existe hoje ao crescimento de área de vinha, é de aceitar que as castas francesas, italianas ou outras tais que não as nossas serão afastadas das novas plantações. Nada mau, já só plantamos (à partida) o que tem cunho nacional.

No INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária) várias reuniões têm sido feitas para recuperar as castas minoritárias nacionais, ou seja, todas aquelas que não têm clones, nem material com garantia sanitária e garantia de casta, que possa ser multiplicado. Das mais de 250 castas para vinho que possuímos, cerca de 60 já têm clones certificados e mais 12 juntaram-se-lhes recentemente como material vegetativo garantido que pode vir a ser (caso haja pedidos) multiplicado em viveiristas certificados. O viticultor pode hoje requerer a marcação de videira de castas minoritárias na sua propriedade, para que o seu material vegetativo venha a ter possibilidades de multiplicação certificada.

Do Instituto da Vinha e do Vinho, outro projecto. Este bastante ambicioso. Objectivo: estudar cultural e enologicamente castas raras (na ordem de algumas dezenas) num período curto de tempo. Existe para já uma lista de 100 destas castas raras, das quais serão plantadas vinhas com material cedido pela PORVID, e num futuro muito próximo será feito vinho destas castas e destas vinhas. O projecto vai arrancar este mesmo ano e tem a participação de várias instituições e empresas (Instituto Superior de Agronomia, Real Companhia Velha, Sogrape, Esporão…).

Na PORVID, o cofre forte de toda diversidade genética das videiras (castas) portuguesas, os trabalhos não se limitam a guardar o que existe e decorre um programa de prospecção de novas castas. Ou seja, acontece que por vezes castas com o mesmo nome são completamente diferentes, como é o caso da casta Amaral. Muito em breve, serão efectuados cerca de 100 testes para obter resultados moleculares que definirão o DNA de muitas videiras em estudo, com a certeza de que algumas novas castas surgirão destes testes. Em perspectiva a aprovação de financiamento para prosseguir e alargar substancialmente estes testes moleculares, que poderão mostrar que o nosso Portugal tem bastante mais castas para vinho do que à partida se pensava.

Pequenino, velhinho e muito rico em diversidade. Saibamos nós aproveitá-lo. Tenho dito!

Cozinha e género, parar para pensar

A franca visibilidade dos chamados chefs Michelin não exprime a realidade nem da história nem da prática da cozinha. É verdade que no imaginário popular uma mulher na cozinha é afecto e um homem organização, mas pelos chavões não vamos a parte alguma.   NO passado, Mère Brazier, Marie Bourgeois, Marguerite Bise e, neste momento, […]

A franca visibilidade dos chamados chefs Michelin não exprime a
realidade nem da história nem da prática da cozinha. É verdade que
no imaginário popular uma mulher na cozinha é afecto e um homem
organização, mas pelos chavões não vamos a parte alguma.

 

NO passado, Mère Brazier, Marie Bourgeois, Marguerite Bise e, neste momento, Anne-Sophie Pic apenas, são as únicas mulheres cozinheiras que atingiram em França o escalão supremo da complexa escala Michelin no guia vermelho. As únicas mulheres que tiveram em França três estrelas Michelin. O espaço para a especulação e suspeita de misoginia por parte dos inspectores e directores do guia francês é mais que muito, de resto é o que tem acontecido.

São mais exigentes com as francesas do que com as outras. Em Itália, Nadia Santini e Annie Feolde têm três estrelas. Em Espanha, Carme Ruscalleda e de certa forma Elena Arzak conseguiram igual proeza. Por outro lado, não há grande cozinheiro – Michelin ou não – que não confesse a sua ligação aos sabores da infância, campo essencial e profundamente maternal. Os livros clássicos de receitas que o mundo inteiro lavrou são na maioria de pena feminina, as homólogas de Maria de Lourdes Modesto, Felipa Vacondeus, Berta Rosa-Limpo desbravaram as mesas populares, entraram nas casas pobres com o mesmo fulgor que nas mais nobres e acondicionaram o inefável receituário de que hoje dispomos. Nem o bolo de prata foi esquecido nem a caça maior, que já quase não se oferece em restaurante, ficou de lado.

Faz-me pensar se não há afinal mais de feminino que masculino nos projectos a longo prazo, em que é forçoso que inclua os muitos legados do vinho e seus territórios. Maria Odete Cortes Valente, Graça Castelo Lopes, Maria Emília Cancella de Abreu e tantas outras mulheres povoam o imaginário de quem está há muito tempo no ofício de cozinheiro em Portugal. A esses, note-se, nunca ninguém lhes ouviu um comentário negativo sobre cozinha no feminino.

Talvez a ideia de esforço físico, de arcar com panelas de mais de 15 quilos de caldo e meias carcaças de novilho, tenha sido a certa altura argumento. Mas a irascibilidade de um chef intempestivo é bem mais avassaladora do que a hipotética quebra de resistência de uma chef perante os desafios físicos que hoje estão reduzidos ao mínimo. E os homens são os primeiros a dizer que nas suas brigadas a função suplanta o género e que hoje não há qualquer diferença. As cozinhas já foram espaços de muitas batalhas e confrontos físicos, hoje são espaços de trabalho como outros quaisquer.

Os tempos que vivemos nada têm a ver com os tempos em que uma mulher ser eficaz e distinguir-se lhe dava má reputação. Oficiou no Hotel Cavendish, em Londres, uma das mais prodigiosas cozinheiras do seu tempo, Rosa Lewis (1867-1952). Num livro delicioso e de leitura obrigatória para quem quer perceber o que relaciona ou não cozinha e género, Mary Lawton relata algumas das vicissitudes da que era para ela “a rainha dos cozinheiros e de alguns reis”. Criou, absorveu e adaptou milhares de grandes receitas, mas foi sempre perseguida pelo rumor de que era amante de Eduardo VII, e o próprio hotel onde trabalhava tornou-se num ponto de encontro amoroso da alta aristocracia londrina. Enorme injustiça, daquela de que os homens de hoje infelizmente ainda são capazes. De qualquer forma, foi escola importante para muitos e sistematizou conhecimento que estava disperso pelas muitas cozinhas inglesas.

No outro lado do oceano a liberdade de movimentos não era muito maior mas as mulheres iam conseguindo notabilizar-se através de iniciativas de grande fôlego. Fannie Farmer (1857-1915) revolucionou o ensino da cozinha, detendo ao mesmo tempo várias “primeiras” no palmarés. Foi, por exemplo, a primeira a especificar medidas rigorosas de ingredientes nas suas receitas, o que deu brado. Claro que hoje ainda temos expressões como “q.b.” nas receitas com que trabalhamos e transmitimos, mas ninguém aceitaria voltar a guiar-se por medidas qualitativas como um “sopro” ou um “bom gole” de determinando ingrediente.

Paris acabou por ser onde, por acidente, nasceu uma das mais bem sucedidas iniciativas de sempre no mundo da cozinha e alta cozinha. No final do séc. XIX, Marthe Distel, jornalista parisiense, lança uma revista chamada “La cusinière Cordon Bleu”, que queria dizer mais ou menos a cozinheira perfeita. Publicava receitas e proporcionava experiências ao vivo com os chefs mais famosos. A popularidade foi tanta que fundou a escola Cordon Bleu, hoje uma referência mundial do ensino culinário, em todas as frentes. Popularidade esmagadora, foi talvez a primeira a expor o labor dos chefs na comunicação social, atingindo assim o grande público amador.

Havia um lado humanitário grande em tudo o que Distel concebia, tanto que à sua morte todo o legado reverte a favor de uma associação de orfanatos sua protegida. A guerra força o interlúdio e quis o destino que a escola Cordon Bleu fosse parar às mãos de um homem, grande cozinheiro por sinal, co-fundador da cadeia Ritz de hotéis, de seu nome Auguste Escoffier. Trabalho bem continuado, há que dizer. Resta saber quanta da inspiração do grand chef e empresário não vem afinal da gigante Marthe Distel. Mas isso, como muitas outras coisas, nunca saberemos.

A viragem do século e a guerra mexeram, sabemos, em tudo e em todos. E aprendemos que ser redutores não nos leva a nada, antes queremos que as cozinhas sejam palcos de cultura e realização pessoal. E que o género seja… o da cozinha. Espero que não seja pedir muito.

A fermentação maloláctica

A fermentação maloláctica diminui o teor de acidez nos vinhos. Nos vinhos tintos é imprescindível; na maioria dos vinhos brancos é dispensável.   TEXTO João Afonso A maloláctica A fermentação maloláctica é uma desacidificação biológica e consiste na degradação em anaerobiose (ausência de oxigénio), por bactérias lácticas, do ácido málico do vinho em ácido láctico, […]

A fermentação maloláctica diminui o teor de acidez nos vinhos. Nos vinhos tintos é imprescindível; na maioria dos vinhos brancos é dispensável.

 

TEXTO João Afonso

A maloláctica
A fermentação maloláctica é uma desacidificação biológica e consiste na degradação em anaerobiose (ausência de oxigénio), por bactérias lácticas, do ácido málico do vinho em ácido láctico, com a libertação de dióxido de carbono.

De málico para láctico
O ácido málico encontra-se de um modo geral em todas as frutas. Tem dupla função ácida, ou seja, é um ácido muito mais “ácido e verde” do que o ácido láctico, que, tal como o nome indica (láctico de leite), é muito mais macio e suave.

As bactérias lácticas
Existem vários tipos de bactérias lácticas. Devido à presença do antioxidante dióxido de enxofre na maioria dos mostos e vinhos, e à alta sensibilidade destas bactérias a este antioxidante, nem todas conseguem multiplicar-se e degradar o ácido málico.

Onde vivem
A maioria das bactérias lácticas está presente nos mostos e nos vinhos, encontra-se nas folhas, nos bagos, nos equipamentos e nos utensílios de vinificação.

A maloláctica e a acidez volátil
A maloláctica provoca um ligeiro aumento da acidez volátil (0,1 a 0,2 gr/l) no vinho. É consequência da degradação dos resíduos de açúcar e de ácido cítrico feito pelas bactérias, ao mesmo tempo que degradam o ácido málico.

As sensibilidades das bactérias lácticas
Os pH baixos (<3,2) e o dióxido de enxofre limitam fortemente a multiplicação das bactérias, o álcool acima dos 14% não as deixa trabalhar convenientemente e preferem sempre uma temperatura entre os 18º e os 20ºC.

O ciclo das bactérias lácticas
Final de maturação com população de bactérias muito reduzida, aumento ligeiro após entrada das uvas na adega, declínio durante a fermentação alcoólica, aumento exponencial depois de esta terminar.

O vinho e a maloláctica
A maloláctica baixa a acidez e aumenta a complexidade dos vinhos. O vinho tinto, sem a maloláctica concluída, é “verde” e “cru”. Já o vinho branco sem maloláctica ganha nervo e frescura; com maloláctica perde acidez, embora possa ganhar opulência, corpo e complexidade. Por estas razões, a generalidade dos vinhos tintos faz naturalmente a fermentação maloláctica. Na generalidade dos vinhos brancos impede-se que ela aconteça.

Os jornalistas não trabalham

Está na hora de alguém assumir que os jornalistas não trabalham. Principalmente os da imprensa especializada em vinho e gastronomia, que não fazem mais do que comer e beber. Uma vida folgada, está-se mesmo a ver.   JORNALISMO não é trabalho. Escrever não é medicina nem engenharia nem advocacia, muito menos hotelaria, agricultura, construção ou […]

Está na hora de alguém assumir que os jornalistas não trabalham. Principalmente os da imprensa especializada em vinho e gastronomia, que não fazem mais do que comer e beber. Uma vida folgada, está-se mesmo a ver.

 

JORNALISMO não é trabalho. Escrever não é medicina nem engenharia nem advocacia, muito menos hotelaria, agricultura, construção ou qualquer outra coisa que obrigue a puxar pela cabeça ou pelo corpo. Os jornalistas são preguiçosos e só se mexem quando querem, não ficam acordados até tarde com o peso da responsabilidade, das preocupações e dos prazos. Quando acham que precisam descansar, podem fazê-lo à vontade porque o mundo pára e deixa de haver novidades e acontecimentos para noticiar, principalmente na área do vinho e da gastronomia, com o ritmo lento a que saem novos vinhos e se fazem eventos gastronómicos em Portugal.

Tempo para escrever e para pensar? Porquê? Como qualquer ser humano, os jornalistas estão constantemente no pico da sua criatividade e, se não conseguem escrever as suas dezenas de textos de segunda a sexta-feira, das oito da manhã às seis da tarde, é porque são todos uns langões. Que diabo, é só isso que têm para fazer! E não é difícil.

De entre os profissionais da escrita, os jornalistas e críticos de vinho e gastronomia são os que levam a melhor vida. É só viagens, passeios, festas, almoçaradas e jantaradas, muitas e longas, um constante forró. Ninguém à volta dos jornalistas sofre com isso porque, apesar das múltiplas ausências e de todas as refeições que não passam em casa, toda a gente sabe que os jornalistas nunca conseguem manter uma família por muito tempo. E os que a têm não são exemplo para este caso, porque é sabido que os jornalistas ganham tanto dinheiro que as suas mulheres, os seus maridos e os seus filhos são encaminhados de férias para a Polinésia Francesa enquanto eles se divertem à conversa com produtores, enólogos, cozinheiros, comendo e bebendo do melhor nos intervalos.

Os críticos, esses, entretêm-se a dizer mal de tudo, até do próprio trabalho. Nos seus muitos momentos de ócio, críticos de vinho e de gastronomia divertem-se a deitar abaixo o trabalho dos produtores e chefes de cozinha que se esfalfaram para fazer um vinho ou conceber um prato. Provas de vinho? Deixem-me rir. Como é que alguém pode considerar isso trabalho? Os vinhos são todos iguais e provar, classificar e descrever cinco, vinte ou cinquenta vinhos de seguida é coisa que qualquer um faz. Cheira-se, prova-se, escrevem-se umas notinhas sobre isso e já está. Não requer esforço ou talento e não exige responsabilidade. Chamar trabalho a isso? Os jornalistas não trabalham.