A fermentação alcoólica

É através da fermentação alcoólica que o sumo de uva se transforma em vinho. As condições em que esta ocorre determinam a qualidade do produto final. Eis aqui as principais dicas.   TEXTO João Afonso A fermentação A fermentação alcoólica consiste na degradação dos açúcares do mosto de uva por leveduras unicelulares, em ambiente anaeróbio, […]

É através da fermentação alcoólica que o sumo de uva se transforma em vinho. As condições em que esta ocorre determinam a qualidade do produto final. Eis aqui as principais dicas.

 

TEXTO João Afonso

A fermentação
A fermentação alcoólica consiste na degradação dos açúcares do mosto de uva por leveduras unicelulares, em ambiente anaeróbio, com a produção de álcool etílico e libertação de dióxido de carbono e calor. Ao longo da fermentação a densidade (medida de concentração de açúcares medida pelo densímetro), vai descendo até ao valor de 992 ou 993. Nestes valores, por princípio, o vinho está seco.

A levedura Saccharomyces cerevisiae
Existem centenas de tipos de leveduras. A levedura mais conhecida, e de todas aquela que mais contribui para a produção de vinho (bem como pão, cerveja, etc.) pertence ao género Saccharomyces e à espécie cerevisiael.

Leveduras seleccionadas
Leveduras secas activas são usadas na fermentação da maioria dos vinhos que bebemos. As Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces bayanus são as espécies mais comercializadas. Devem ser reidratadas antes de serem inoculadas e as doses de utilização andam pelas 20g/hl.

As leveduras e o álcool
As leveduras só em ambiente anaeróbio produzem álcool etílico. Na presença de oxigénio degradam igualmente os açúcares, mas sem a produção de álcool.

A temperatura e as leveduras
A temperatura de fermentação é habitualmente controlada servindo diversos objectivos enológicos. A temperaturas baixas (14º a 20ºC) as fermentações são mais lentas e as leveduras produzem mais esteres aromáticos. A temperaturas intermédias (à volta dos 30 ºC) a fermentação é mais rápida e acima de 35ºC perde-se grande parte dos aromas e as leveduras podem entrar em stress térmico e morrer, ficando o mosto à mercê de bactérias prejudiciais ao vinho.

A acidez e as leveduras
As leveduras fermentam melhor a pH neutro ou pouco ácido. A pH baixo formam mais acidez volátil. Por outro lado, o pH baixo dificulta o desenvolvimento bacteriano.

As leveduras também precisam de alimentos
As leveduras são constituídas em parte por matérias azotadas (25 a 60%). Para se reproduzirem necessitam de azoto facilmente assimilável, nem sempre disponível no mosto em fermentação. O azoto amoniacal, na forma de fosfato de amónio, é usado regularmente e em pequenas quantidades para garantir fermentações completas e saudáveis.

Not so silly

Desculpem-me os leitores o anglicismo do título, que tem obviamente a ver com o Verão e a chamada “silly season” da comunicação, aquela temporada em que nada acontece e qualquer notícia, por mais irrelevante que seja, serve para ocupar jornais e televisões. Pois no que ao vinho diz respeito, a estação tola está a ser […]

Desculpem-me os leitores o anglicismo do título, que tem obviamente a ver com o Verão e a chamada “silly season” da comunicação, aquela temporada em que nada acontece e qualquer notícia, por mais irrelevante que seja, serve para ocupar jornais e televisões. Pois no que ao vinho diz respeito, a estação tola está a ser tudo menos isso.

 

NÃO sei se é por a maturação das uvas ir muito adiantada face ao habitual, mas as empresas de vinho não estão com vontade de descansar. E já nem falo das novas marcas e colheitas que chegaram ao mercado no Verão, mas sim de grandes movimentações estratégicas, com aquisições sonantes, daquelas que são e fazem notícia. Em final de Julho assistimos a dois casos que merecem destaque: as compras da Quinta Vale D. Maria por parte da Aveleda e da Tapada do Chaves pela Fundação Eugénio de Almeida.

Sendo negócios obviamente distintos, possuem alguns aspectos em comum: têm como comprador empresas de grande dimensão com marcas de referência; o “objecto de desejo” são pequenas propriedades com vinhos de prestígio, posicionados no segmento alto do mercado; para as empresas compradoras, o negócio não é uma mera oportunidade para ampliar património, é estrategicamente inovador e significativo.

Com a Quinta do Vale D. Maria, a Aveleda sai da sua zona de conforto e salta para o topo da pirâmide, para os vinhos de nicho. Não é apenas estender-se dos Verdes para o Douro. No Douro já a Aveleda estava com o Charamba. É entrar no mercado da singularidade, da diferença, do exclusivo, abrindo a sua oferta a novos distribuidores e clientes. E, ao mesmo tempo, aproveitar o know-how de produto e mercado super premium da equipa Vale D. Maria para reactivar o projecto da Quinta da Aguieira, na Bairrada, e lançar-se a sério nos Vinhos do Porto. Genial!

A estação tola, de tola não teve nada

Quanto ao negócio protagonizado pela Fundação Eugénio de Almeida apetece perguntar: o que é que Portalegre tem que acrescente o que quer que seja a quem já possui Cartuxa e Pêra Manca? Já sabemos a resposta: diferença. Um Alentejo singular graças à serra de S. Mamede, à altitude, ao clima, às vinhas velhas, à pequena dimensão fundiária. Um Alentejo que cativa cada vez mais empreendedores (vide a família Symington, no seu primeiro investimento fora do Douro) em busca de vinhos de forte personalidade. Note-se que, dentro de Portalegre, Tapada do Chaves não é uma marca qualquer. Para quem, como eu, tem bem vivos na memória os gloriosos Frangoneiro dos anos 80, Tapada do Chaves é “a marca” de Portalegre. E um nome incontornável na história do vinho do Alentejo. Sabê-la com a Fundação Eugénio de Almeida deixa-me, enquanto adepto, muito entusiasmado: não poderia estar em melhores mãos. E igualmente contente por a empresa vendedora, o grupo Raposeira/Murganheira, poder agora concentrar todos os seus recursos nos magníficos vinhos espumantes que tão bem sabe fazer.

Finalmente, para não deixar todas as notícias para os outros, a Grandes Escolhas também tem uma, e não é coisa pouca: Dirceu Vianna Junior, prestigiado Master of Wine, entrou para a nossa equipa, onde terá contributos regulares enquanto provador e formador. Isto é que tem sido um Verão em cheio!

Álcool

Com o “álcool” fechamos o triângulo de três importantes componentes de prova de um vinho: acidez, taninos e teor alcoólico.   TEXTO João Afonso Tipos de álcool O álcool é o principal componente das designadas “be­bidas alcoólicas”, nas quais se inclui o vinho. Existem ál­coois primários, secundários e terciários. O álcool do vi­nho tem o […]

Com o “álcool” fechamos o triângulo de três importantes componentes de prova de um vinho: acidez, taninos e teor alcoólico.

 

TEXTO João Afonso

Tipos de álcool
O álcool é o principal componente das designadas “be­bidas alcoólicas”, nas quais se inclui o vinho. Existem ál­coois primários, secundários e terciários. O álcool do vi­nho tem o nome de álcool etílico ou etanol, é um álcool primário e é também o mais comum de todos os tipos de álcool.

Como se forma o álcool
No vinho, o álcool forma-se através da fermentação al­coólica, onde leveduras da estirpe Saccharomyces cerevi­siae degradam (em anaerobiose) a glucose e a frutose da uva em álcool e dióxido de carbono. Ou seja, em termos simples, as leveduras transformam o açúcar das uvas em álcool.

O álcool e a prova
A acidez dá frescura, os taninos textura e o teor alcoólico, corpo, amplitude e doçura. Quanto menos álcool tem um vinho mais magro, amargo ou ácido se torna. Pelo con­trário quanto mais elevado é o teor alcoólico mais gordo, amplo e doce se mostra o vinho à prova. Genericamente, em vinhos de mesa, um teor alcoólico equilibrado situa­-se entre os 11,5% Vol. e os 14,5% Vol., havendo, con­tudo, excepções de vinhos fora destes parâmetros que podem, ainda assim, apresentar elevada a muito elevada qualidade gustativa.

O álcool o vinho
O álcool existe naturalmente em todo o vinho feito ou concluído. Contudo, se adicionarmos álcool ao mosto antes de este iniciar a fermentação produzimos os cha­mados “vinhos abafados” (ex.: jeropiga); se adicionarmos álcool durante a fermentação produzimos os chamados vinhos licorosos ou generosos (ex.: Moscatel de Setúbal, Vinho do Porto). No vinho engarrafado existe uma relação directa entre teor alcoólico e potencial de evolução em garrafa.

O álcool e a saúde
O álcool, de baixa massa molecular, é um elemento tó­xico fácil e rapidamente absorvido pelo nosso aparelho digestivo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o consumo baixo ou moderado de álcool leva à diminuição no risco de doenças coronárias. Contudo o seu consumo excessivo está na base da ocorrência de um elevado nú­mero de doenças (cancro, diabetes, hepatites, pancreati­tes etc.) e pode conduzir à dependência física do mesmo, ou seja, ao alcoolismo.

Saudar o detalhe, saber parar

Vou andando para baixo e, quando passo a ponte para a margem sul, começa a autoestrada que liga a capital ao Algarve sem qualquer interrupção. Ir daqui para ali num ápice é o desejo íntimo e inconfesso de quem agora viaja.   O lado positivo é óbvio, estamos mais depres­sa no nosso destino, gozamos e […]

Vou andando para baixo e, quando passo a ponte para a margem sul, começa a autoestrada que liga a capital ao Algarve sem qualquer interrupção. Ir daqui para ali num ápice é o desejo íntimo e inconfesso de quem agora viaja.

 

O lado positivo é óbvio, estamos mais depres­sa no nosso destino, gozamos e usufruímos mais e gerimos melhor o tempo. Mas falta o imenso lado negativo, que é o dos lugares, restaurantes, amigos e lojas por que deixamos de passar. Perdemos o contacto e a noção do que mudou desde a última visita. Encurtámos tanto o tempo das viagens que já não temos tempo para nada. Eu sou um felizardo, con­tinuo a ser obrigado a sair e ir por aí para principalmente parar nos sítios, conversar, ir meter o nariz nos vizinhos aproveitar e arregimentar amigos de há muito. Cumprir o desígnio expresso na interrogação célebre de Claudel: “De que adianta percorrer um caminho se no fim não está uma catedral?”

É raro isso não acontecer, o país fervilha aqui e ali de even­tos e iniciativas que obrigariam a estender programas de um dia para sete, sem intervalos. O Algarve das inúme­ras oportunidades e escolhas, feito catedral de todos os caminhos, é irresistível mesmo para o gastrónomo mais conservador. É lá que tudo está a acontecer, na crista da onda, nas estrelas Michelin, na reinvenção do receituário marítimo, e na tradição da cozinha de pescador. É lá que fica o Barrocal, língua prodigiosa de terra definida ao lon­go do mar e que permeia este e a serra; onde acontece em muitas declinações a cozinha de mar e terra; e tantos outros recantos do grande templo gastronómico algarvio.

A nossa obsessão por tudo medir e comparar é um clás­sico cem por cento humano e não consegue felizmente sequer beliscar a determinação com que o apaixonado pelo tema da gastronomia viaja milhares de quilómetros para fazer uma refeição especial. Incluo neste grupo os próprios chefs, de quem sempre nos esquecemos, como se fossem mecanos sempre disponíveis e preparados para trabalhar a todo o gás e sozinhos como comandos no mato. E, para eles, os mapas são do mundo inteiro, o globo é o espaço natural, eles os órgãos vitais de um gigante orgânico ou, se quisermos, da grande família dos cozinheiros.

Neste cenário, os portugueses são já indispensáveis e, mais importante ainda, estão a par da linha da frente, se não mesmo na vanguarda. Eu continuo a militar no movi­mento aberto omnivore, francês mas do mundo, advoga­do da jeune cuisine e dos princípios sagrados das raízes, proximidade e simplicidade.

Foi com muita emoção que estive no jantar das novas estrelas austríacas de cozinha do evento Fine Wines and Food Fair do hotel Vila Vita Parc, em Alporchinhos, Algar­ve. Kurt Gillig, director, e Hans Neuner, chef executivo do biestrelado restaurante Ocean, foram os anfitriões de um evento magistral a muitos títulos, organização impecável, qualidade excelsa nos mais pequenos detalhes. O festi­val culminou na Kitchen Party, o colosso de experiência e comunhão gastronómicas que teve há dois anos a pri­meira grande realização. Demonstração do pensamento cristalino Gillig, um dos raros directores de hotel de cinco estrelas no mundo inteiro que começou como cozinheiro e chegou a uma posição de topo com esclarecimento invulgar acerca do caminho a seguir.

Um dos jantares do grande evento, o das estrelas aus­tríacas em ascensão, atraiu-me particularmente e inscre­vi-me. Achei cósmico e bom ter o privilégio de provar e atestar um dos vectores da jeune cuisine e do que pode ser a criatividade aliada à técnica. Foi um desfile notável de notáveis jovens cozinheiros, quase todos, entretanto já aclamados na Áustria como grandes criadores culiná­rios. Apadrinhados e apoiados pelos mais antigos, estão de forma consciente e lúcida a seguir os seus passos.

Dos doze pratos do menu, quatro mereceram a minha pontuação máxima – 5 estrelas – na notação que costu­mo utilizar para minha utilização. O “Portuguese Taco” de Neuner foi um deles e foi servido à laia de entrada na pérgola junto ao Ocean, com champanhe Dom Pé­rignon Vintage 2006. O petisco era uma montagem de farinheira em massa folhada e marcou a contribuição de Neuner enquanto anfitrião. Ele, também, uma estre­la austríaca em ascensão, acarinhado pelos seus pares, o que é um aspecto importante. O mapa tem pontos distantes entre si, mas interligados.

O segundo grande momento que destaco foi o de Thomas Dorfer: serviu, quando já estávamos sentados, “Truta dos alpes curada, espargos brancos com vina­grete, creme rapsol e gema de ovo”, acompanhada pelo notável Gruner Veltliner 2015 do produtor austría­co Bernard Ott. O francamente jovem Dorfer é uma das grandes esperanças do seu país, e se atentarmos no que decidiu servir no jantar, está a tratar o produto mais tradicional do seu país – raízes – e a reinventar proximidades, de forma notável. Como, felizmente, al­guns dos nossos.

Terceiro momento 5 estrelas, por Andreas Dollerer, “Alpine Jakobsmuschel – espécie de vieira de rio dos Alpes –, couve, creme de ovos fermentados, alho fer­mentado”, espantosamente bem ligado com um Sau­vignon Blanc 2015 de Neumeister. Quarto grande mo­mento, uma sobremesa, raro acontecer chegar tão alto nas avaliações que faço, “Maibock, folhas de groselha preta, beterraba, zimbro”, espectacular.

Nelson Marreiros e sua equipa de escanções a brilhar, impecável na explicação das harmonizações e até de detalhes de pratos, grande prestação como sempre. No alforge trouxe mais uma confirmação de que é no reticulado dos caminhos, sejam eles quais forem, que está o sumo e a riqueza. E que qualquer paragem na tasca mais recôndita pode representar um país inteiro, a escala é a do mundo, não é mais a região. E sobre a velocidade com que insistimos em ir daqui para ali, cuidado. É só quando verdadeiramente paramos que a viagem começa.

O Pineau e os especialistas

Neste assunto dos vinhos é sempre bom ter alguma contenção nas opiniões para que as asneiras não sejam gritantes. Mas… não é essa também a beleza do vinho, a capacidade que tem de nos reduzir à nossa insignificância?   EU até podia ir à procura da data certa em que tudo isto aconteceu, mas em […]

Neste assunto dos vinhos é sempre bom ter alguma contenção nas opiniões para que as asneiras não sejam gritantes. Mas… não é essa também a beleza do vinho, a capacidade que tem de nos reduzir à nossa insignificância?

 

EU até podia ir à procura da data certa em que tudo isto aconteceu, mas em boa verdade dava tanto trabalho que acho que não valia a pena o esfor­ço. E também, como se verá, a história é mais ou menos intemporal e por isso não exige o rigor histórico e jornalístico que seria requisito obrigatório noutras circuns­tâncias. Tudo se passou em Bruxelas, algures em meados dos anos 90. Estava eu em pleno Concurso de Vinhos de Bruxelas, então como representante (quase único) da pá­tria no painel de jurados.

As indicações que se dão aos provadores são mínimas, apenas a data da colheita de cada amostra. De resto… o deserto, tanto podem ser vinhos da Tailândia, da Índia, da China ou do México ou, claro, portugueses. Aconte­ceu que numa dessas sessões de prova surgiram amostras que traziam inequivocamente a “marca na testa”, ou seja, eram vinhos do Porto. A dúvida seria se se trataria de Porto do tipo Colheita ou, eventualmente, tawnies com indicação de idade. A qualidade era um bocado desigual, com alguns vinhos algo magros e sem grande estrutura mas outros bons.

De entre eles destacava-se um que mostrava imensa clas­se, enriquecido pelos anos de casco e pela idade vetusta que já tinha, tudo a dizer-nos quer era vinho merecedor de todos os encómios. Puxando um pouco pelos galões de representante do país que tal vinho produziu, aprovei­tei para explicar melhor ao painel (5 pessoas) o que era um Porto Colheita, o engarrafamento da mesma colheita ao longo do tempo, as virtudes que tinham os vinhos en­velhecidos em Gaia. Aproveitei para esclarecer as dúvidas de alguns e dar as primeiras luzes àqueles que nunca ti­nham provado.

Tudo correu bem até ao momento em que, no final da sessão, se descodificaram os vinhos: não eram vinhos do Porto o que tínhamos estado a beber! Fiquei para morrer e se tivesse ali um buraco à mão nunca mais ninguém me veria. Mas como é que era possível? Que vinho poderia ser tão confundido com um Porto velho? Quem o fazia e onde era produzido tal vinho? As perguntas eram muitas e a resposta (descodificação) não me tranquilizou, uma vez que eu próprio não conhecia nem o tipo de vinho nem a região de origem. Tratava-se de um Pineau de Charentes.

Pensei logo (mas aí já de boca fechada, que para asnei­rada já tinha a minha dose…), indicaram mal Pinot, que não é assim que se escreve! Felizmente a boca fechada ajudou-me desta vez. Pineau de Charentes é um vinho do tipo licoroso (melhor dizendo, abafado) que se faz na região de Cognac, juntando-se 3 quartas partes de mos­to fresco (de castas variadas mas frequentemente de Ca­bernet Sauvignon, Cabernet Franc ou Merlot) com uma parte de Cognac. A partir daí é o tempo em casco que o pode transformar em algo verdadeiramente interessante. Cabisbaixo e a achar que seria melhor dedicar-me à jardi­nagem em vez de andar nisto dos vinhos, tive de engolir em seco para não responder aos comentários jocosos dos membros do meu painel, do tipo: “Com que então Vinho do Porto, hã?” Pois era, tinha sido mau de mais. Pelo sim, pelo não, tomei nota do nome do produtor e da marca do vinho (papel que entretanto perdi). A parte divertida viria no dia seguinte.

Onde entra o Canadá e uma personagem do Porto
No dia seguinte decorria em Bruxelas uma pequena feira de vinhos. Nada de espaventoso, nada de grande confu­são, uma feira de bom tamanho e medida. Sem programa para a tarde (as provas são apenas de manhã), lá fui à feira, sobretudo para ocupar o tempo. Stand após stand, quase sempre a ver nomes desconhecidos e a concluir que o que sabemos e conhecemos de vinho é tão, mas tão diminuto, que nos devemos remeter à nossa pequenez.

Eis senão quando deparo com um stand do produtor do Pineau de Charentes que me tinha levado à certa. Eu entretanto já me tinha informado e ficado a saber que aquela bebida é relativamente mal considerada em França porque os produtos no mercado são pouco inte­ressantes e de qualidade baixinha, baixinha. As excep­ções são muito poucas e o tal que me tinha atrapalhado era precisamente o mais reconhecido e venerado pro­dutor daquela bebida. Ali estava eu em frente a ele e re­solvi não esconder nada; contei-lhe exactamente o que se passou e fui muito efusivo nos parabéns que lhe dei pelo fantástico produto que tinha. Ele também não se ficou e disse-me: “Confundiu isto com Vinho do Porto? Deixe lá, já não é a primeira vez; há algum tempo fez-se uma prova de vinhos do Porto no Canadá e lá no meio puseram o meu vinho. Ficou em quarto lugar. E eram várias dezenas!” Suspirei de alívio, sentindo que o chão me voltava a surgir debaixo dos pés.

A ida à feira tinha valido a pena, tinha recuperado algu­ma auto-estima e afinal não era só a mim que o vinho confundira. Mais tarde, no Porto, ao contar esta história a Dirk Niepoort fiquei a saber que o seu pai, Rolf, era um grande apreciador de Pineau, exactamente porque tinha algumas similitudes com o Vinho do Porto. A tranquili­dade voltou. Para ficar. Mas aprendi a lição, ou melhor, várias lições: em primeiro lugar percebi que errar num palpite destes é a coisa mais normal que pode acon­tecer e não é por se errar que se é menos capaz; em segundo lugar, também fiquei a saber que não dar pal­pite nenhum com medo de errar é um sinal evidente de fraqueza que não se justifica.

Isto é sobretudo um exercício de base de dados mental. Nessa base armazenamos dados e quando surge infor­mação nova que não tem ainda referências na tal base, acontece isto. O Pineau não constava e foi por isso que me tramou. Fica-me o contentamento de ter dado in­formação detalhada sobre Porto Colheita aos membros do meu painel nesse dia. E qual foi o vinho que me tra­mou? Não recordo com exactidão, mas arrisco: Château de Beaulon Collection Privée 20 Ans. Custará cerca de €65 em garrafeiras. Ideias feitas? Especialistas? Narizes dourados? Está bem, abelha…

Loureiro & Avesso, Lda

Após largas décadas na sombra da estrela Alvarinho, as castas Loureiro e Avesso começam a ganhar o seu espaço e, sobretudo, o respeito dos apreciadores, que se traduz quase sempre na valorização dos vinhos. Mais uma boa notícia para a região dos Vinhos Verdes, e um reflexo das muitas transformações que ali têm ocorrido.   […]

Após largas décadas na sombra da estrela Alvarinho, as castas Loureiro e Avesso começam a ganhar o seu espaço e, sobretudo, o respeito dos apreciadores, que se traduz quase sempre na valorização dos vinhos. Mais uma boa notícia para a região dos Vinhos Verdes, e um reflexo das muitas transformações que ali têm ocorrido.

 

AQUILO que é uma vantagem pode constituir também um problema. Acontece com os Ver­des: ser frutado, ligeiro, fresco e ter um preço competitivo faz dos vinhos da região os mais exportados de Portugal (Vinho do Porto à parte); mas es­sas mesmas características que ajudam a vender muitos milhões fazem com que poucos levem o Vinho Verde a sério, colando-lhe uma imagem de simples e barato. Re­sultado: vende-se muito, mas vende-se por pouco, ga­nhando-se dinheiro nos volumes mas tornando muito difí­cil introduzir valor na marca genérica Vinho Verde.

Como libertar-se destas amarras? O primeiro passo já foi dado há algum tempo: elevar a qualidade média dos vi­nhos. A região dos Vinhos Verdes é certamente aquela que mais cresceu qualitativamente na última década. Os tais vinhos simples e baratos de hoje, nada se asseme­lham aos seus congéneres de antigamente. Agora são simples, baratos e bons.

Investir na viticultura é determinante para os Vinhos Verdes

Mas isso não chega. A fase seguinte, determinante para o futuro regional, consiste no investimento a sério na vi­ticultura. Nesse contexto de “nova viticultura”, acredito que o caminho para valorizar a marca Vinho Verde pas­sa por vinhos brancos varietais ambiciosos, que possam tornar-se verdadeiros pontas-de-lança da região e posi­cionar-se num patamar de preço superior. E aí emergem, naturalmente, as castas Alvarinho, Loureiro e Avesso. Já muito escrevi sobre Alvarinho, deixem-me dedicar algum espaço às outras duas, cujos vinhos são objeto de prova alargada nesta edição.

Como variedades de uva, não podiam ser mais distintas. A Loureiro, associada sobretudo ao vale do rio Lima, mas dispersa por quase toda a região, é uma uva atlântica, que gosta de verões amenos e solos férteis; a Avesso, ligada quase exclusivamente ao vale do Douro e à zona de Baião, prefere solos mais pobres e mais calor. Além disso, a casta Loureiro tem um histórico de vinhos varietais, desde mea­dos dos anos 80, que a Avesso não possui. Claro, nem sempre o histórico ajuda. Salvo algumas honrosas excep­ções, os Loureiro de então eram vinhos exuberantes nos primeiros seis meses e oxidados nos seguintes. Que dife­rença para os Loureiro de agora! O interesse generalizado pelo Avesso é bem mais recente, mas a casta beneficiou de uma imagem construída com base em bons vinhos, de vi­ticultura moderna. Esse factor, associado à maior raridade, ajuda a que os preços médios dos Avesso sejam inclusive superiores aos dos Loureiro, algo evidente na nossa prova.

Já agora, a propósito de provas e provadores, permi­tam-me dar publicamente as boas vindas ao mais recen­te membro do nosso painel de prova, Valeria Zeferino. Não são só os Verdes que se rejuvenescem e valorizam. A equipa da VINHO Grandes Escolhas também. Só assim se garante o futuro.

O açúcar e o vinho

TEXTO João Afonso FOTOS Ricardo Palma Veiga A partir de 2017, em Portugal, os refrigerantes e bebidas açucaradas passaram a ser taxados e o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) tornou-se “Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes”. Para termos uma ideia mais […]

TEXTO João Afonso FOTOS Ricardo Palma Veiga

A partir de 2017, em Portugal, os refrigerantes e bebidas açucaradas passaram a ser taxados e o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) tornou-se “Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes”. Para termos uma ideia mais concreta do que isto signifi­ca, segundo veiculado na imprensa generalista, o grupo Sumol/Compal vai pagar, em 2017, cerca de mais 18 milhões de euros em imposto ao Estado. O doce açúcar começa a amargar a quem dele faz uso excessivo?

Uma história doce
Os primeiros vestígios do consumo de açúcar estão na Nova Guiné, na Melanésia – a cana do açúcar é originá­ria deste arquipélago e das regiões tropicais do Sul da Ásia. A Índia inicia a produção de açúcar entre os séculos VI e IV a. C. A partir daqui dá-se a diáspora dos “juncos que produziam mel sem abelhas”. Primeiro com os mu­çulmanos e posteriormente com a ajuda de portugueses e espanhóis. O comércio do açúcar tornar-se-ia num im­portante negócio de ambas as coroas e estaria na base do agravamento da escravatura.

Hoje é a planta mais produzida ou explorada em todo o mundo. Em 2012 a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) estimou que foi culti­vada em cerca de 26 milhões de hectares, em mais de 90 países e com uma colheita média de 1,83 biliões de toneladas. O Brasil é o maior produtor e o segundo maior consumidor: 55kg/ano per capita.

Na vertente “alimentação”, o açúcar é o assunto do momento. Uma das principais ameaças à saúde humana ocupa cada vez mais espaço na nossa dieta e nas bebidas que a acompanham. O vinho não é excepção.

O consumo de açúcar simples (sacarose – com valor energético e sem qualquer valor nutricional) tem vindo a aumentar gradualmente desde os finais do século XIX. A Coca-Cola iniciou comercialização em 1887, sendo a marca registada em 1893. Na última metade deste sécu­lo surgem os primeiros “empresários do cacau”: Hershey, Cadbury, Fry, Suchard, Nestlé, Lindt, etc. A qualidade sobe, o preço desce, e o consumo cresce de forma muito acelerada.

O mundo a pouco e pouco torna-se uma verdadeira má­quina de consumo de açúcar. Em 1955 Eisenhower sofre um ataque cardíaco e são chamados cardiologistas para explicar a doença: uns dizem que a gordura na alimen­tação foi a causa, enquanto o fisiologista e nutricionista inglês John Yudkin acusa o açúcar. “Ficaria feliz” – referia numa entrevista da época – “se cada cidadão inglês co­messe 2kg/ano, mas todos comem cerca de 46kg.”

Duas décadas de debate e polémica são silenciadas no final dos anos 70 quando o cientista americano Ancel Benjamin Keys, que estuda e relaciona a dieta com a saú­de americana, declara que a gordura saturada não é be­néfica para a saúde. Nos media a gordura foi crucificada e o açúcar ilibado. O tema “retirar gordura da dieta” foi institucionalizado em toda a América.

Ao retirar gordura da comida esta tem menos calorias, sacia menos e tem menos sabor, e uma das formas para lhe dar sabor é adicionar-lhe açúcar. E o lobby do açúcar americano ganhou garras tão fortes quanto as do lobby do tabaco.

Hoje, apesar de conhecemos os malefícios do açúcar, o seu consumo continua a aumentar. Na Europa o consumo per capita sobe de 35,1kg em 2011 para 37,1 em 2013 e nos EUA de 31kg para 32,5. Na Austrália é de 58,4kg. No mundo a média é de 23kg, enquanto a OMS (Orga­nização Mundial de Saúde) aconselha um máximo 9,1kg.

O consumo de açúcar, além de estar relacionado com um elevado número de doenças crónicas (diabetes tipo II, obesidade, gordura no fígado, doenças cardíacas, hiper­tensão, vários tipos de cancro, Alzheimer…), contém subs­tâncias que estimulam o cérebro a produzir serotonina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e bem-estar. Por outras palavras, menos macias, “o açúcar vicia”. E quanto mais açúcar comemos mais açúcar queremos comer.

O doce sabor do vinho
O vinho tomou o “comboio doce” na década de 70, quando do outro lado do oceano, na América, se “des­cobriram” as barricas novas de carvalho tostado para fer­mentar e estagiar vinhos. Todas as componentes doces do carvalho vinham ajudar a equilibrar, amaciar e tornar mais doce e apetecível o vinho que nelas estagiava.

Existem vários conceitos enológicos para um vinho “Seco”. E a enologia moderna, em nome da harmonia e do perfil de vinho que satisfaz a esmagadora maioria de consumidores de todo o mundo, ainda o tornou mais relativo.

A tecnologia enológica evoluiu imenso no último quartel do século XX e hoje conseguimos ter todo o tipo de pro­duto enológico para nos ajudar na adega a produzir um vinho de qualquer gama de preço, que vá ao encontro do gosto geral do consumo, ou seja, do gosto fácil e agradável a que a maioria dos consumidores está habi­tuado e que muitas das vezes é ajudado com adição de maior ou menor quantidade de mosto concentrado ao vinho seco. Depois pasteuriza-se física ou quimicamen­te o vinho e junta-se, ou engarrafa-se com filtração este­rilizante (poro muito apertado que segura todo o tipo de levedura), ou junta-se ácido sórbico que inibe no vinho o trabalho de alguma levedura que tenha escapado às malhas do filtro.

O conceito do “verdadeiro” vinho doce não está aqui em causa. Desde que o vinho é vinho que há vinhos doces. Os gregos e romanos já o amaciavam ou adocicavam com mel, passas de uva e mosto cozido. Nos países de latitu­de mais a Norte, com poucas horas de sol e baixo teor de açúcar na uva, os vinhos doces sempre foram os mais comuns.

A questão é a comercialização global de vinhos suposta­mente “secos”, com mais ou menos teor de açúcar resi­dual. Esta prática é permitida pela legislação comunitária CE 607/2009 Anexo XIV Parte B (ver caixa), que deter­mina de o teor de açúcar que um vinho pode conter nas várias categorias de Seco, Meio Seco, Meio Doce e Doce.

Mas talvez o suporte mais marcante deste recente pro­cesso que acelerou o perfil novo-mundista da maioria dos vinhos da actualidade (e onde nos incluímos a par­tir da década de 90), é a determinação da OIV (Office Internacional du Vin) que, como nos lembra o produtor e enólogo José Neiva Correia, “desaconselhou a indica­ção da categoria/teor de açúcar na rotulagem para vinhos tranquilos”; e a legislação europeia também não a exige. Com exceção de alguns estados do Brasil, este enólogo que exporta para mais de 50 países e tem, como tal, de conhecer a legislação de todos os destinos dos seus vi­nhos, explica que não existe essa obrigatoriedade a nível internacional.

Esta decisão comunitária, ainda que pareça leviana ou in­sensata, é, pelo contrário, clarividente. E a razão é muito simples: o equilíbrio entre acidez e açúcar.

Sabia que…
A sensação de doçura é atenuada pela acidez. Assim, um vinho com mais açúcar mas elevada acidez pode parecer menos doce do que um vinho com menos açúcar e baixa acidez.

Organolepticamente falando, ou seja, à prova, um vinho branco com 14 gramas de açúcar/litro e uma acidez total de 9 gramas (legalmente um “Meio Seco”), pode parecer menos doce, untuoso ou meloso do que um vinho com­pletamente “Seco” (1,5gr de açúcar por litro) com 14,5% vol. de álcool e uma acidez total de 4,5 gramas. Qualquer menção dos teores de açúcares nestes dois exemplos confundiria o consumidor.

E quando perguntamos ao enólogo Mário Andrade “o que é para si um vinho Seco?” a resposta surge imediata: “Um vinho que à prova não sugere conter açúcar, é um vinho seco.”

É uma definição sensata que, contudo, e importa referir, transporta vários riscos, pois depende muito da cultura do gosto de cada mercado e como o açúcar vicia e o con­sumidor consome cada vez mais açúcar, os vinhos tendem a conter cada vez maiores teores de açúcares residuais.

Já o enólogo Jaime Quendera remete para a legislação: “Um vinho Seco é um vinho que contém menos de 4 gramas de açúcar por litro.” Recordo-me que um dia em visita à região espanhola de Toro, o enólogo Manuel Lou­zada, do ícone Numanthia, ter dito a todos os jornalistas convidados que um vinho estava verdadeiramente seco quando o teor de açúcares era inferior a 2 gramas por litro.

Confuso? Claro que sim. Existem vários conceitos enoló­gicos para um vinho “Seco”. E a enologia moderna, em nome da harmonia e do perfil de vinho que satisfaz a es­magadora maioria de consumidores de todo o mundo, ainda o tornou mais relativo. A verdade é que, mesmo para provadores profissionais, não é fácil diferenciar um vinho com mais ou menos açúcar residual de um vinho completamente seco. O legislador, não obrigando à colo­cação do teor de açúcar na rotulagem, também não aju­da, pelo que nunca sabemos se estamos a beber vinho com muito ou pouco açúcar residual.

Diferentes caminhos
José Neiva é de opinião que “devemos receber de bra­ços abertos a preferência dos consumidores por vinhos com aromas mais frescos, com acidezes mais altas, cores mais vivas, mas preparados de forma a não agredirem o palato” – (com açúcar residual, portanto). “Não nos po­demos esquecer que a maioria dos vinhos portugueses têm influência atlântica, e que têm vindo a ser cada vez mais reconhecidos no mercado externo, conforme o de­monstra o aumento considerável das exportações”. Por outro lado, revolta-se contra os vinhos vindos de climas quentes com taninos macios e acidezes baixas, aos quais é adicionado açúcar sem qualquer necessidade.

Já o enólogo António Ventura esclarece que Portugal nem é dos países onde essa tendência é mais marcada. E dá o exemplo de um país nórdico para onde são exporta­dos vinhos sob sua responsabilidade, e em que no último lote resolveram baixar a quantidade de açúcar para 5/6 gramas/litro e tiveram de imediato um feedback do im­portador a pedir para reporem os níveis de açúcar porque o consumo da marca estava a baixar. Este enólogo tem por costume monitorizar garrafas de vinhos oriundos de vários países (australianos, sul-africanos, neozelandeses) e, ultimamente, até alguns italianos e franceses apresen­tam teores de açúcares acima dos 10 gramas/litro, tanto nas gamas de preço mais acessível como noutras mais ambiciosas e destinadas a clientes mais conhecedores e exigentes.

Mas há países que consomem ainda muito mais açúcar nos vinhos, como é o caso da Polónia, onde é fácil en­contrarmos vinhos com 20 ou 30 gr/l de açúcar residual. Ou na Alemanha, para onde são exportados vinhos por­tugueses com 50gr/l de açúcar residual. Em Portugal o açúcar residual das marcas que fazem uso desta prática situa-se habitualmente entre os 4gr/l e os 11 gr/l). Ainda assim, convém referir, muito pouco comparado com os mais de 100gr/l de um refrigerante “normal”.

“A tendência é adicionar cada vez mais açúcar aos vinhos (tintos em particular), mesmo quando não é necessário. E isto tem repercussões na infantilização do gosto. O gosto do consumidor não evolui, mantém-se infantil.”

Como elucida Jaime Quendera, para um mercado de gosto pouco evoluído exportam-se vinhos “adamados”, para mercados mais conhecedores fazem-se vinhos secos ou muito próximos disso. É tudo uma questão de gosto e cultura. O mercado manda; e se ele quer mais açúcar, os produtores satisfazem o desejo. É lógico e lícito, porque o vinho, quer queiramos quer não, é antes do mais um negócio e só depois uma arte.

No mercado, já se sabe, quem manda é o consumidor e não quem o fornece. Mas há riscos culturais. Como refere Mário Andrade, “a tendência é adicionar cada vez mais açúcar aos vinhos (tintos em particular), mesmo quando não é necessário”. “E isto tem repercussões na infantiliza­ção do gosto” – prossegue. “O gosto do consumidor não evolui, mantém-se infantil.”

E este será, no que ao vinho diz respeito, o lado mais amargo do doce açúcar.

Legislação Comunitária sobre o Açúcar no Vinho
CE 607/2009 Anexo XIV Parte B

Seco
Teor de açúcares não superior a:
• 4 gramas por litro ou
• 9 gramas por litro, se a acidez total, expressa em gramas de ácido tartárico por litro, não for inferior em mais de 2 gramas por litro ao teor de açúcares residual.

Meio seco
Teor de açúcares superior ao máximo acima indica­do, mas não superior a:
• 12 gramas por litro ou
• 18 gramas por litro, se a acidez total, expressa em gramas de ácido tartárico por litro, não for inferior em mais de 10 gramas por litro ao teor de açúcares residual.

Meio doce
Teor de açúcares superior ao máximo acima indica­do, mas não superior a 45 gramas por litro.

Doce
Teor de açúcares igual ou superior a 45 gramas por litro.

Tanino

O tanino é o principal alicerce de um vinho tinto. Do seu teor, tipo e qualidade resultam a textura e o equilíbrio de prova. Sobre ele recai também a principal responsabilidade de evolução em garrafa. O tanino é, numa simples frase, o presente e o futuro do sabor de um vinho tinto.   TEXTO João […]

O tanino é o principal alicerce de um vinho tinto. Do seu teor, tipo e qualidade resultam a textura e o equilíbrio de prova. Sobre ele recai também a principal responsabilidade de evolução em garrafa. O tanino é, numa simples frase, o presente e o futuro do sabor de um vinho tinto.

 

TEXTO João Afonso

Um Composto Fenólico
O tanino é um dos dois compostos fenólicos mais importante da uva e do vinho. O outro são as antocianas, responsáveis pela cor do vinho tinto.

Os tipos de taninos
Os taninos são moléculas fenólicas que resultam da polimerização de moléculas elementares que contêm a função fenol. Dividem-se em “taninos Condensados”, provenientes da uva; e “taninos Hidrolisáveis”, que provêm de fontes externas como barricas de carvalho, aparas ou aduelas…

O tanino da uva
O tanino representa 2 a 7% do engaço do cacho de uva (parte lenhosa que sustém os bagos); 0,4 a 3% da película de cada bago; 0,05% da polpa do bago de uva; e 4 a 10% de cada grainha.

O tanino e o gosto do vinho
O tanino é responsável pelo gosto “Amargo” e sensação de adstringência do vinho. Estes atributos dependem do tipo de tanino, grau de maturação da uva e qualidade da barrica de estágio (se for o caso). No tanino estão subjacentes descritivos de prova relativos à textura de cada vinho: “macio”, “seco”, “adstringente”, “áspero”…
A acidez aumenta o gosto amargo e a adstringência do tanino, o gosto doce diminui-os.

O tanino e a evolução em garrafa
O tanino faz parte da vinosidade e estrutura dos vinhos tintos e a sua qualidade é indispensável num grande tinto. Os grandes tintos envelhecem através da polimerização dos seus compostos fenólicos; taninos e antocianas. Perdem cor e fruto, mas ganham suavidade e elegância, perdem doçura e ganham complexidade, num fenómeno de reequilíbrio constante, e muito lento, entre oxidação e redução.

O tanino e a saúde
Além de antioxidantes (revesterol), os taninos provocam o aumento do HDL (bom colesterol) no sangue, têm um efeito anti-trombose, reduzindo os acidentes vasculares cerebrais, e protegem o endotélio, diminuindo o desenvolvimento da artereosclerose.