Acidez

Acidez, Álcool e Tanino. Os três vértices do triângulo que definem o equilíbrio e a harmonia num vinho. Da sua proporção, da sua correcta e completa integração depende o sucesso comercial de qualquer vinho e o valor de cada garrafa. TEXTO João Afonso Ácidos dos Frutos Os frutos são ricos em ácidos. Tartárico, málico […]
Acidez, Álcool e Tanino. Os três vértices do triângulo que definem o equilíbrio e a harmonia num vinho. Da sua proporção, da sua correcta e completa integração depende o sucesso comercial de qualquer vinho e o valor de cada garrafa.
TEXTO João Afonso
Ácidos dos Frutos
Os frutos são ricos em ácidos. Tartárico, málico e cítrico são os mais comuns. A uva é pobre em ácido cítrico, mas contém significativas quantidades de ácido málico e, fundamentalmente, ácido tartárico. Por esta mesma razão a acidez do vinho é medida em gramas/litro de ácido tartárico.
Acidez e pH
Um ácido em solução liberta parte do seu hidrogénio (hidrogeniões). É esta quantidade de hidrogénio livre que dá “força” à acidez de um vinho. Quanto maior for a concentração de hidrogeniões em solução mais “firme” é a acidez e mais baixo o pH. O que equivale a dizer que o pH, em termos enológicos, é um dado mais importante que o conteúdo em ácidos.
A Acidez no Vinho
No vinho analisam-se as Acidez Total, Fixa e Volátil. A primeira resulta da soma das segundas e determina a quantidade total de ácidos no vinho.
A Acidez Volátil é a soma dos ácidos voláteis, que se libertam pode ebulição ou destilação do vinho e traduz o nível de ataque aceto bacteriano ao vinho. Por lei não pode ultrapassar o valor de 1,2 gr. de ácido acético por litro.
A Acidez Fixa é a soma dos ácidos fixos. Tartárico e Málico são os mais importantes. Por princípio, quanto mais elevada for a acidez fixa, mais baixa é a volátil. As bactérias acéticas têm dificuldade em desenvolver-se em meios mais ácidos.
Castas e Acidez
Durante a fotossíntese as castas de videira possuem diferentes índices de degradação de ácidos, produzindo frutos mais ou menos ácidos. A Esgana Cão (Sercial da Madeira) é a nossa casta “mais ácida”, Arinto uma das castas ubíquas ao território também, Avesso nos Vinhos Verdes e Rabigato no Douro, perfazem o grupo de castas brancas nacionais com teor ácido mais elevado. Nas tintas, a Baga bairradina, o Vinhão dos Vinhos Verdes e a ubíqua Trincadeira são as nossas tintas mais “frescas”.
O Vinho e a Acidez
A acidez de um vinho é não só importantíssima para equilibrar o teor em álcool (e tanino nos tintos) e em particular o teor em açúcar residual existente nos vinhos doces ou nos vinhos generosos, como também é fundamental para a posterior evolução do vinho em garrafa. À partida, um vinho com uma sólida e equilibrada acidez evolui, ou “envelhece” melhor em garrafa, que um vinho nas condições opostas.
Recados de Dublin

Escrevo esta crónica a partir da Irlanda. Começada no quarto de hotel, continuada numa esplanada e terminada já no aeroporto. Viajar é conhecer. E fiquei a conhecer melhor o mercado de vinhos irlandês, onde Portugal é quase um ilustre desconhecido. SOL zul como há anos não se via, diz quem cá vive vai para cinco […]
Escrevo esta crónica a partir da Irlanda. Começada no quarto de hotel, continuada numa esplanada e terminada já no aeroporto. Viajar é conhecer. E fiquei a conhecer melhor o mercado de vinhos irlandês, onde Portugal é quase um ilustre desconhecido.
SOL zul como há anos não se via, diz quem cá vive vai para cinco anos, ambiente primaveril, grande agitação na economia e finanças com empresas gigantes a mudarem-se de Inglaterra para Dublin por força do Brexit e uma pressão imobiliária enorme porque… não há casas que cheguem, o arrendamento urbano atinge preços incomportáveis e quem para cá vem trabalhar tem de se contentar com alojamento bem longe do centro (e é de carregar “longe” nisso). Mas nas ruas, e ao fim da tarde, vê-se o que sempre se viu, que isto de mudar de hábitos está cada vez mais difícil: bares cheios e passeios circundantes com gente a conviver com copos de cerveja na mão, falando alto e celebrando a vida.
Vinho? Não aqui, que os irlandeses são muito mais bebedores de cerveja, embora o consumo de vinho, para um país de apenas 4,7 milhões de habitantes, já seja muito significativo. Em 1990 foram vendidas 1,7 milhões de caixas de vinho (a medida internacional mais corrente é a caixa de 12 garrafas) e esse volume subiu para 8,5 milhões em 2007, mantendo-se desde então bastante estável. Apesar dos números animadores, 50% do consumo de álcool é ainda reservado para a cerveja e apenas 28% para o vinho. Para um jantar mais requintado e na restauração, os irlandeses tendem a consumir cada vez mais vinho. E o quê? Sem surpresa ficámos a saber que o Chile é responsável por 28% desse consumo, seguido pela Austrália (18%); num segundo nível estão França, Espanha e Itália. No “terceiro anel” vêm EUA, Af. Sul, Nova Zelândia, Argentina e Alemanha. Perdido no “resto do mundo”, Portugal é assim um parceiro sem relevo nem importância. Não faz sentido.
Fazer muito com pouco
Diz-se que é a nossa grande virtude e provavelmente será bem empregue também aqui na Irlanda. O destino não é prioritário e, por via disso, as campanhas de promoção do vinho português são inexistentes. Disso se queixaram os importadores que estiveram presentes na prova de vinhos portugueses que teve lugar no hotel mais bonito e charmoso da cidade – The Shelbourne Hotel – e que foi promovida e organizada pela embaixada portuguesa.
Foi-me colocado o desafio de ir ali falar e comentar uma selecção feita por mim de vinhos já disponíveis no mercado local, partindo das listas de existências que me foram fornecidas. Já se sabe que estas iniciativas têm preparação demorada, aqui com a embaixada e o seu staff a fazerem o papel de agência de comunicação, recolhendo informação sobre todos os importadores locais e identificando os convidados que seria interessante estarem presentes, desde sommeliers a wine writers, além dos próprios importadores.
A prova correu muito bem e o entusiasmo no final era evidente, com comentários do tipo “verdadeiramente surpreendia fiquei sobretudo com os brancos em prova, nunca pensei que Portugal tivesse esta delicadeza e finura em vinhos brancos”, ou outros que me comentaram o quanto melhor tinham ficado a perceber os nossos vinhos por terem sido explicados e contextualizados, nos climas,nos solos, com castas com nomes por vezes impronunciáveis mas que ajudam a perceber a originalidade dos nossos produtos.
A promoção é que está a falhar, redondamente. A Irlanda não é um mercado prioritário e, assim, em vez de se fazer alguma coisa, não se faz nada. Tal situação tem paralelo noutros mercados europeus onde a presença regular faria mais falta. Aqui, na ausência de uma agência que promova os nossos vinhos, têm sido alguns importadores que assumem esse papel. Ao que me dizem, apenas o Alentejo promove a Alentejo Wine Week. Já se sabe que neste tema, como noutros, estamos sempre com a pescadinha de rabo na boca: não se promove porque o negócio é pequeno e ele é pequeno porque ninguém se mexe. Existem fórmulas mais caras, mas há acções de baixo custo que podem e devem ser feitas com uma periodicidade anual.
Atenção aos mercados europeus
No fundo, e especialmente na Irlanda, não há uma tradição de consumo de vinho português que venha das gerações anteriores; dessas os irlandeses apenas herdaram a ideia do Port como vinho de sobremesa. Ora isto é uma vantagem, já que não há nem vencedores instalados, nem regiões que dominem, há campo aberto para que possam brilhar os menos conhecidos e badalados.
A Irlanda, apesar de país pequeno em número de habitantes, já é o 20º maior importador mundial de vinho e isso também nos deixa elementos de reflexão: com alguma promoção, ainda que não vá além de uma prova anual, podem criar-se condições para uma maior expansão do negócio. As embaixadas apenas dispõem de orçamento para as despesas correntes e não têm capacidade financeira para serem promotores. Fica assim a ideia que é de dentro que temos de criar programas que depois as embaixadas possam apoiar.
Os mercados europeus, que são nossos parceiros há décadas, não devem, penso eu, ser remetidos a 3º plano por troca com novos mercados que, aparentemente, são promissores, mas que depois se revelam verdadeiras “apostas no cavalo errado”. Sabemos que Londres continua a ser o centro da nossa presença no palco europeu dos vinhos mas será que só Londres vale a pena? Tenho imensas dúvidas e uma visita a garrafeiras em Londres ou grandes cadeias de supermercado também nos confirma que “falam, falam” mas depois a presença, até visual, nas prateleiras é bem menor do que se diz. Cabe naturalmente aos produtores a articulação com as agências de promoção e, claro, à Viniportugal, cujo orçamento tem origem na produção e na certificação de vinhos.
Estórias de vinho e gente

OS enófilos ficam por vezes tão envolvidos com os aromas e sabores dos vinhos que facilmente se esquecem das pessoas que os criaram. Pois eu acredito que o factor humano é muito mais importante num grande vinho do que o clima, o solo ou a casta. A segunda edição da VINHO Grandes Escolhas tem por […]
OS enófilos ficam por vezes tão envolvidos com os aromas e sabores dos vinhos que facilmente se esquecem das pessoas que os criaram. Pois eu acredito que o factor humano é muito mais importante num grande vinho do que o clima, o solo ou a casta.
A segunda edição da VINHO Grandes Escolhas tem por isso muito a ver com gente, gente que sonhou uma vinha ou um vinho e os materializou nos nossos copos. Gente como Domingos Alves de Sousa (tema de capa), um pioneiro do Douro moderno e um dos maiores profissionais do vinho que encontrei ao longo da minha vida. A peça de António Falcão descreve o seu percurso, consistente e seguro como poucos.
Nuno Oliveira Garcia fala-nos dos vinhos de Monção e Melgaço e da sua relação com a madeira. E emergem aí visionários como Anselmo Mendes e Luís Cerdeira, que tanto experimentaram (e também erraram, como todos os que se atrevem) até chegarem aos seus grandiosos Alvarinho fermentados em barrica.
As terras de Mértola são o pretexto para João Afonso abordar os seus surpreendentes vinhos. Dos produtores que visitou, tive o privilégio de conhecer um deles, Luís Fiúza, um homem genuíno e intrépido, autêntica força da natureza, impulsionador daquela tão inóspita quanto bela e fascinante parcela do Alentejo.
Mariana Lopes conta-nos os primórdios das singulares caves da Bairrada, das que vingaram e cresceram e das que se perderam pelo caminho. A propósito de uma destas, a Valdarcos, deixem-me contar-lhes uma estória. O período mais interessante desta casa da Malaposta, há muito encerrada, coincidiu com a presença de Rui Moura Alves, enólogo de convicções inabaláveis e apóstolo da tradição, de cujas mãos saíram Bairradas “clássicos” ainda hoje monumentais, como os tintos Garrafeira Valdarcos de 1985, 1988 ou 1989.
O factor humano é mais importante do que o clima, o solo ou a casta.
Entre as suas muitas “teimosias vínicas” conta-se o Valdarcos Espumante Garrafeira 1991, exclusivamente engarrafado em magnum. Voltei a ele recentemente (restavam-me três garrafas, agora duas…) após muitos anos sem o provar. Encontrei um espumante rolhado há mais de duas décadas e ainda cheio de gás e vivacidade, sem traços de oxidação, extremamente complexo, avelanado, cremoso, seco, pleno de sabor e frescura, com final interminável. O vinho base que lhe deu origem foi fermentado em tonéis e sem especiais precauções anti-oxidativas, contrariando todos os preceitos enológicos. Lembro-me de que quando este espumante foi lançado não o apreciei por aí além, era algo rústico, com muitos amargos vegetais, impositivo mas pouco elegante. Hoje mantém o forte carácter mas tornou-se um primor de finura e sofisticação.
Não tenho qualquer explicação para a metamorfose que aqui ocorreu e que já vi acontecer dezenas de vezes em diferentes vinhos. Na verdade, não preciso de explicações para os mistérios dos vinhos, e muito menos as desejo. É precisamente essa ausência de previsibilidade, essa surpresa que pode estar em cada garrafa, que faz com que, após quase 28 anos a fazer das provas profissão, ainda consiga, aqui e ali, olhar maravilhado para um vinho como se fosse a primeira vez. E depois fico a pensar nas pessoas, as pessoas, sempre.
Consultório de porta aberta?

Aqui consulta-se. Ajudam-se doentes e dão-se placebos a quem não precisa de ser tratado. Mas quando a doença é grave não há outro remédio que não seja atacar o mal pela raiz. Estamos a falar de gripes? Não. Estamos a falar de enologia… JÁ muito se falou sobre enólogos e sobre as consultorias que eles […]
Aqui consulta-se. Ajudam-se doentes e dão-se placebos a quem não precisa de ser tratado. Mas quando a doença é grave não há outro remédio que não seja atacar o mal pela raiz. Estamos a falar de gripes? Não. Estamos a falar de enologia…
JÁ muito se falou sobre enólogos e sobre as consultorias que eles dão a vários produtores. Desde que nos anos 80 do século passado se vulgarizou a figura do flying winemaker, personificada na imagem de Michel Rolland, que não mais parou de se falar na valia (ou não) de ter enólogos vindos de fora (no fundo é sempre isso que um consultor é) para orientar o vinho deste e aquele produtor. A dicotomia (a existir) seria entre produtor e enólogo e a questão colocar-se-ia assim: será que o produtor precisa do enólogo ou se, para melhor afirmar a originalidade do seu vinho, deve ser ele a fazer o vinho como entende? É por aqui que o tema se espalha.
Confesso que perdi a conta aos textos e artigos que já li, ou passei os olhos, sobre este assunto. Já escrevi crónicas sobre este tema mas é verdade que a matéria não está esgotada e por isso volto a ela. O motivo deste regresso foi uma entrevista que li há poucos meses em que um importador americano de vinhos franceses debitava um discurso hipercrítico sobre os enólogos. As razões dele? Porque os enólogos se limitam a usar uma fórmula que é sempre válida independentemente de todas as variantes de solo, clima e casta e por isso os vinhos tendem a ficar todos parecidos, quando não iguais. Esta posição é difícil de contestar. No lado oposto teríamos então o produtor, qual depositário de um saber antigo, a fazer o seu vinho cheio de personalidade e autenticidade. Parece-me que muito dificilmente se podem equacionar as questões de forma tão simplista, sobretudo em Portugal. Chamo aqui o país à colação porque eu aceito que um lavrador que descende de várias gerações de produtores de vinho, assuma que quer fazer como faziam os seus antepassados, com vinhos que provaram ser originais e de grande valia. Nesses casos, o que faria lá o tal enólogo consultor? Temo que nada! Mas tal fenómeno de produção que atravessa gerações na mesma família praticamente não existe em Portugal, com a excepção da região do Douro e, mesmo aí, a tradição será a de produção de uvas e não de vinho ou, pelo menos, de vinho não generoso. Vejamos agora o exemplo do sul do país. Em tempos terra de trigo e montado, o Alentejo virou zona de intensa produção de vinho. Muitos dos que cá chegaram vieram de outros ramos de actividade e investiram na terra. Mas depois coloca-se a questão: sem tradição de castas sem um saber acumulado ou recém-adquirido, o que restava ao novo investidor que não fosse a contratação de um enólogo competente?
Quer então dizer que, a situações diferentes, poderá corresponder uma posição distinta quanto ao uso de enólogos consultores. Curiosamente, nestes artigos críticos falam-se de temas específicos da enologia que, também eles, não podem ser colocados todos no mesmo saco. Reparemos em alguns deles: o uso das leveduras indígenas é uma das bandeiras dos defensores do terroir, das suas virtudes e dos vinhos autênticos. Muito bem, pode ser giro mas também pode não ser realista. As leveduras indígenas são as que existem na região, não são da casta A ou B. Faz sentido que se usem as da região mas elas (as ditas leveduras) podem ser muito preguiçosas e a fermentação espontânea sem adição de leveduras não só pode demorar muito a arrancar (com os riscos que se correm de desenvolvimento de acidez volátil) como, uma vez iniciada, pode estender-se por vários meses, ao fim dos quais o vinho, finalmente, está feito. Dizia-me um pequeno produtor do Alentejo, com vinhas velhas na serra de São Mamede, que o seu vinho tinha demorado um ano a fermentar em barrica usada. Aqui está, é giro para um pequeno produtor que tem meia dúzia de barricas (que não é por ser pequeno que corre menos riscos técnicos…), mas é impraticável para um grande produtor ou uma adega cooperativa que tem tractores à porta à espera de vez para entregar as uvas. E tal espera não se coaduna com cubas cheias de mosto que não há maneira de arrancar a fermentar porque, ah e tal, as leveduras são indígenas. Temos assim duas posições não conciliáveis: com o pequeno produtor é tudo possível e aceitável, com uma produção gigante há práticas que são indesejáveis. E só o pequeno produtor é que origina vinhos autênticos e cheios de personalidade? Duvido muito e, se estivermos a falar de Bordéus, seguramente é mentira. Um técnico competente é assim uma “ferramenta” indispensável para o produtor, sobretudo se tem uma produção em volume. Não podemos andar a dizer que o produtor não tem dimensão para estar em mercados e exportar e depois criticar porque deita mão de soluções práticas que a ciência enológica põe à sua disposição.
As leveduras são um fermento e o mosto precisa delas para transformar o açúcar em álcool. Mas não tenhamos dúvidas: há leveduras e leveduras e actualmente a indústria de produtos enológicos tem para todos os gostos. Existem com todas as componentes que podem depois condicionar o vinho final e o seu perfil ou, também, as mais simples que pouco mais são do que fermento de padeiro. Deixemo-nos por isso de acreditar que por serem indígenas são boas, tal como já não vamos na conversa que as vinhas são boas por serem velhas. E não é por entregar a condução técnica do vinho a um enólogo que o produtor perde a sua personalidade.
Um bom consultor conhece os métodos certos para se produzir bem mas não tem uma varinha mágica para transformar um vinho apenas bom num vinho excepcional e original. Isso é algo que não se consegue por querer. É um dom da Natureza. É nesses casos que o produtor se deve limitar a não estragar o que a Natureza dá e, nesses e só nesses, é que é provável que o enólogo seja dispensável. Ainda assim, há enólogos minimalistas e existem outros muito interventivos. Todos gostamos de vinhos bons e originais e eles (os vinhos) não escolhem quem os faz. É no resultado que colocamos as nossas expectativas.
Já foram os japoneses, agora somos nós

Há quem veja bondade em tudo o que acontece naturalmente, mas a horda que hoje ataca de máquina e telemóvel em riste e fulmina tudo o que é posto, servido ou mostrado, tornou quase insuportável uma refeição serena, focada na comida e no vinho. REGISTAR momentos felizes, para mais tarde recordar, é o clássico da […]
Há quem veja bondade em tudo o que acontece naturalmente, mas a horda que hoje ataca de máquina e telemóvel em riste e fulmina tudo o que é posto, servido ou mostrado, tornou quase insuportável uma refeição serena, focada na comida e no vinho.
REGISTAR momentos felizes, para mais tarde recordar, é o clássico da fotografia familiar, hoje muito facilitada pela memória gigante de que se consegue dotar os equipamentos. Os velhos rolos de 36 fotografias não dariam actualmente nem para começar uma sessão. Talvez por isso mesmo, antigamente não se fotografava certas coisas – quase nada – do quotidiano. Além da exiguidade da película, havia o custo directo da mesma, a que acrescia o peso da revelação e provas em papel. Tirava-se a fotografia do momento exacto – quase sempre falhado – de um filho a soprar as velas na festa do aniversário, fazia-se uns conjuntos de familiares nos dias importantes e basicamente desenferrujava-se as máquinas de sofisticação variável nas férias e viagens pontuais.
Hoje vamos sozinhos, em casal ou em grupo a um restaurante, podemos comer mal e ser mal tratados, mas voltamos com um levantamento de imagens que faz corar a investigação de cenários de crime. A sala. As mesas. As dobras e vincos de toalhas e guardanapos. As marcas e os logotipos, incluindo os inscritos nas lâminas das facas. Os copos. Ainda a comida não veio já lá vão mais de cem disparos. Três rolos de 36!
Ainda não consegui entender o que realmente faz as pessoas fotografar tudo o que encontram, e o efeito é proporcional à sofisticação e requinte do lugar. Quando mais sabemos que vamos pagar, mas fotos tiramos, como se fosse um direito adquirido. E de certa forma é. Nos anos 60 e 70, víamos nos restaurantes, lojas e ruas da Europa japoneses de Pentax ao pescoço a fotografar tudo o que encontravam. Corria então que era uma espécie de espionagem consentida, registar o inteiramente novo, e que supostamente no Japão ampliavam, e viam com todo o detalhe o que haviam visto no velho continente, para copiar. Claro que não era só isso, mas era isso também que se pretendia. Registo frio e sistemático, à boa maneira da espionagem de guerra, de que a tecnologia era garante vitorioso. Penso que o aspecto artístico do relacionamento fotógrafo-objecto nem sequer se colocava.
E penso o mesmo da forma como agora renunciamos a toda e qualquer relação com a comida quando bombardeamos o que nos vão pondo na mesa com dezenas de fotos, com e sem flash. Os japoneses já se foram, agora os espiões somos nós. E para quem fotografamos? Para mostrar a alguém, para publicar nas redes sociais, e para demonstrar que estamos ali, naquele momento, a fazer a experiência a que os comuns mortais não têm acesso. Das legendas é que ninguém trata e, quando o faz, presta um serviço de péssima qualidade ao mundo. Nem jornalismo factual são capazes de fazer.
O que os gurus e os moguls dos media norte-americanos previram (que o jornalismo iria ser feito pelos cidadãos comuns), falhou totalmente. Além de se escrever mal, raramente se sabe do assunto sobre que se escreve. Assim não vale a pena. Ainda há pouco tempo, na minha mesa alguém fotografava de vários ângulos diferentes uma fatia de quiche de cogumelos, que todos comentavam que era de massa folhada. Estupidamente, tentei corrigir explicando que se tratava de massa quebrada e não folhada, ouvi pelo menos três pessoas a dizer com palavras diferentes que folhada e quebrada era a mesma coisa e eu que não chateasse muito. E de repente bum! já estava a dita fatia eternizada no Facebook e Instagram com mais de cem likes e a legenda da massa folhada.
Senti medo. Todos naquela mesa tínhamos obrigação de saber do que falávamos mas ninguém fez nada pela qualidade do que se publicou. Senti pela primeira vez ali que a esmagadora maioria da informação que circula é totalmente inútil. O contrapeso desta situação, contudo, ainda existe. Anne Perkins escreveu há um par de anos um artigo contundente no “The Guardian”, cheio de humor britânico do bom, no qual afirmava que a comida é para ser apreciada e não publicada. Apreciem, sintam aromas e texturas, falem com os companheiros de mesa, comentem, contem histórias e anedotas, mas dediquem tempo e afecto ao que vos está a ser servido.
Quase entro no capítulo da educação e boas maneiras, o que obviamente não farei. Pai, mãe e filha única chegam ao restaurante e sentam-se numa mesa ao lado da minha ainda noutro dia. Metralham a miúda para que se sente direita e calada à mesa, põe o guardanapo, não é assim que se pega no pão, etc. e ainda a comida não tinha chegado. Logo que vem para a mesa, o pai e a mãe tiram fotos ao despique e depois competem entre si para ver quem tem mais likes. Ganha a mãe, com uma foto em que apanhou a filha a comer de boca aberta, veio um comentário de uma tia a dizer que linda que ela está. A miúda reclama, vocês estão todos divertidos, a tirar fotografias à comida e a pôr no Facebook e eu não posso fazer nada. A mãe mete a mão na carteira e tira um ipad mini, que logo provoca um sorriso de orelha a orelha na filha, quando saí ainda ficaram naquele negócio de caras e coisas e eu francamente confuso.
Não me lembro bem do jornal britânico em que vi um cartoon de uma sala grande de restaurante com toda a gente a fotografar a comida em vez de comer. Em primeiro plano estava um casal de meia idade de mão na mão sem telefone nem máquina fotográfica por perto. E está o empregado a perguntar-lhes: “Os senhores não estão a fotografar a comida, não estão a gostar?” Pois é. O mundo está mesmo diferente.
A “minha” Vinalda

A distribuidora Vinalda fez agora 70 anos. Um número bonito, redondo, que evidentemente merece todos os encómios e os mais calorosos parabéns. Um número que é um marco assinalável, sobretudo num sector tão volátil e sujeito a tantos ciclos económicos como é o mercado de vinhos e das bebidas alcoólicas em geral. PARA mim, contudo, […]
A distribuidora Vinalda fez agora 70 anos. Um número bonito, redondo, que evidentemente merece todos os encómios e os mais calorosos parabéns. Um número que é um marco assinalável, sobretudo num sector tão volátil e sujeito a tantos ciclos económicos como é o mercado de vinhos e das bebidas alcoólicas em geral.
PARA mim, contudo, e enquanto consumidor, a Vinalda está longe de ter essa provecta idade e terá apenas nascido lá para os finais dos anos 80 do século passado, sendo que só passamos a “privar” mais de perto em meados da década de 90.
É aí que a história da Vinalda se começa a cruzar com a minha aprendizagem pessoal do mundo dos vinhos. Esta não foi uma história linear e coerente. Foi feita de descobertas esparsas e muitas vezes ocasionais, sem método nem propósito. Na aldeia de província onde cresci e vivi os primeiros anos da vida adulta as novidades chegavam devagar e filtradas por uma espessa cortina de circunstâncias em que a distância, os parcos recursos económicos e a falta de informação dificultavam o conhecimento mas ao mesmo tempo tudo envolviam numa névoa misteriosa e inegavelmente sedutora.
Foi esse o tempo em que comecei a coleccionar o “Jornal dos Vinhos”, suplemento de um semanário de referência, como agora se diz, em que prontificavam nomes como José António Salvador e João Paulo Martins, na altura personagens sem rosto mas de experiências e saberes fascinantes. As descrições dos jantares vínicos que a publicação então promovia enchia a minha memória de nomes e marcas que tentava, na medida do possível, conhecer. A Vinalda surge aí, um vocábulo estranho e que rapidamente aprendi incontornável nessa demanda. Onde compro um Palácio da Brejoeira, o primeiro e durante muitos anos o único dos Alvarinhos que provei? Como chego a esses fabulosos Quinta do Carmo de Alicante Bouschet de que dizem maravilhas? Quem afinal tem o Quinta do Côtto Grande Escolha, o vinho que prometia resistir ao tempo e que desafiava os sentidos? Porque é difícil encontrar os Quintas de Pancas de que toda a gente fala? Que tem de especial esse Marquês de Borba que acabou de irromper sem aviso mas com estrondo suficiente para estar nas bocas do mundo? E o Porto LBV da Taylor’s – o Vintage era então uma miragem longínqua – como lhe posso por a vista em cima?
Não foi uma relação sempre pacífica, devo dizer. Os vinhos, sobretudo os vinhos de quem toda a gente falava e que todos procuravam, eram muitas vezes colocados a conta-gotas no mercado e as lojas rateavam, garrafa a garrafa, os preciosos néctares. “A Vinalda só me entregou uma caixa”, “só lá para o fim do ano voltam a distribuir esse vinho”, “e provavelmente virá com novo preço”, tantas vezes ouvi respostas semelhantes em lojas de vinhos que cheguei a pensar que haveria alguma intenção maquiavélica de fazer sofrer os consumidores. Para mim, que nada percebia de estratégias de marketing e conceitos como a construção de marca, tudo aquilo era estranho e frustrante.
Foi bastante mais tarde, já trabalhava no meio, que descobri que por detrás da Vinalda estava um rosto e um nome: José Casais. Um self made man, que deu corpo e consistência a esta empresa, que a moldou de tal forma que a sua história pessoal se confunde com aquela. É uma figura singular que evidencia uma forte determinação, um enorme conhecimento do mercado e do consumidor, uma dureza negocial acutilante, aliada a um trato pessoal encantador. É daquelas personagens que nos deliciam com uma conversa sem fim à vista com o desfilar de muitas histórias e episódios de uma vida cheia e de outros tempos. Mas é sobretudo, e é justo que isso se diga isso neste momento em que a Vinalda vive uma nova fase e ele se afastou da gestão, uma das pessoas a que os vinhos portugueses mais devem.
Distribuidor é uma palavra muito pobre, é um conceito bastante redutor, para definir o que José Casais fez nos anos que esteve à frente da Vinalda. Ele foi um verdadeiro construtor de marcas, foi o porto seguro e a tábua de salvação de muitos projectos vínicos que são hoje sucessos assinaláveis. Não é possível revisitar a história do vinho português nas últimas décadas sem ter presente o papel da Vinalda de José Casais na criação de um mercado de vinhos moderno e maduro.
Foi por isso bonito ver num recente jantar de comemoração dos 70 anos da Vinalda a homenagem que a actual gestão da empresa lhe prestou e onde recordou os principais marcos da sua história. Mas foi anda mais marcante ver como se quiseram associar à homenagem não só empresas e marcas que fazem parte do portefólio da casa mas muitas outras que entretanto os acasos da vida e dos negócios levaram por outros caminhos e que no entanto ali estavam, naquele momento simbólico, a reconhecer o óbvio. Que haverá poucas pessoas a quem o epíteto de “Senhor do Vinho” se encaixe melhor do que a José Casais. Como consumidor, também lhe devo o meu quinhão de agradecimento.
Número 1

GOSTO deste algarismo e dos seus múltiplos significados. Pode querer dizer o primeiro, no sentido qualitativo do termo, mas também início e único. Acredito que todos eles se aplicam à revista que agora apresentamos. VINHO Grandes Escolhas, é o seu nome. Fundei a Revista de Vinhos em Dezembro de 1989 e coube-me conduzir os seus […]
GOSTO deste algarismo e dos seus múltiplos significados. Pode querer dizer o primeiro, no sentido qualitativo do termo, mas também início e único. Acredito que todos eles se aplicam à revista que agora apresentamos. VINHO Grandes Escolhas, é o seu nome.
Fundei a Revista de Vinhos em Dezembro de 1989 e coube-me conduzir os seus destinos desde a primeira edição até Março passado. Foram 328 meses, mais de 27 anos. Acompanhar de muito perto a enorme evolução do vinho português ao longo de quase três décadas foi um privilégio para mim e para a equipa que ao longo dos anos se foi juntando ao projecto. Acredito que demos o nosso pequeno contributo para que o Vinho de Portugal seja o que é hoje. E sei também que nunca teríamos chegado onde chegámos sem o inequívoco apoio e confiança de todos vós, leitores, profissionais da fileira do vinho e da gastronomia, colegas jornalistas e enófilos em geral. Deixo aqui o meu sentido agradecimento a todos.
Essa página de história foi virada e fechada com um misto de mágoa e orgulho. Inicia-se agora uma outra etapa, na qual nos empenhamos com forças renovadas e ambiciosos objectivos. VINHO Grandes Escolhas é uma revista mensal, dedicada sobretudo à temática do vinho, como é óbvio, mas sem esquecer o turismo, a gastronomia, a cultura e outros prazeres da vida. Estamos apostados em informar, divulgar, opinar, avaliar, com a isenção, independência, rigor e profissionalismo que sempre nos regeram. Vamos fazer mais, fazer melhor mas, também, fazer diferente. A equipa editorial desta publicação, com um capital de experiência e conhecimentos que, sem falsa modéstia, classifico como únicos, está a ser enriquecida e renovada com colaboradores que nos trazem outras perspectivas e abrem novos horizontes. Em conjunto, queremos transmitir a nossa paixão àqueles que agora se iniciam neste mundo do vinho, utilizando para tal as ferramentas e linguagens à nossa disposição. Desse modo, a vertente digital e social media, bem como a área de formação (a ACADEMIA Grandes Escolhas), vão ser objecto de forte desenvolvimento através de importantes parcerias estratégicas.
Vamos fazer mais, fazer melhor mas, também, fazer diferente. Estamos mais motivados do que nunca.
Os eventos de vinho e gastronomia com o nosso selo de qualidade, e aos quais empresas e visitantes se fidelizaram, continuarão a realizar-se por todo o país. De entre os muitos já agendados (cujas datas e locais poderá conferir nesta revista) não posso deixar de destacar o maior evento do sector, o Grandes Escolhas | Vinhos&Sabores, que terá lugar em Lisboa na FIL (Parque das Nações) de 27 a 30 de Outubro de 2017. Será certamente um momento inolvidável e marcante para todos os apreciadores.
Falando por esta fantástica equipa editorial e de eventos, com a qual me orgulho de trabalhar, quero dizer-lhes que estamos mais motivados do que nunca. Contem connosco para levar a singularidade e a excelência do Vinho de Portugal a um número crescente de apreciadores, dentro e fora do País. E nós contamos com o que nunca nos faltou: o vosso apoio e confiança.