QUINTA DA MOSCADINHA: A Liturgia da Sidra

sidra

Situada na pequena vila da Camacha, famosa pelas suas tradições e folclore, esta quinta do século XIX recebe o seu nome actual em 2019, a partir do licor de ervas Moscadinha, receita familiar com origem no lado Norte da Ilha. Nos tempos antigos, este licor era muito utilizado pelas gentes da terra, pois acreditava-se ter […]

Situada na pequena vila da Camacha, famosa pelas suas tradições e folclore, esta quinta do século XIX recebe o seu nome actual em 2019, a partir do licor de ervas Moscadinha, receita familiar com origem no lado Norte da Ilha. Nos tempos antigos, este licor era muito utilizado pelas gentes da terra, pois acreditava-se ter propriedades medicinais por ser feito com mel de cana, sacarina, infusão de várias plantas locais e especiarias em rum agrícola.

Cinco séculos de sidra

A história da Sidra da Madeira remonta há cinco séculos, com as primeiras maçãs a serem introduzidas pelos colonizadores no século XV. A partir de então, as maçãs, pêros e pêras começaram a ser cultivados na ilha para alimentar a população e abastecer a indústria conserveira da época e, no século seguinte, decorreu a expansão de pomares por diversos pontos geográficos da ilha. A sidra era conhecida como a “bebida dos pobres”, que se fazia para consumir em casa, já que a produção das uvas era destinada, na sua totalidade, para as empresas produtoras e exportadoras do afamado Vinho Madeira.

A Universidade da Madeira está a fazer a classificação e identificação rigorosa das variedades locais de maçãs/pêros, mas o saber empírico de quem trabalha o campo diariamente aponta para mais de 100 tipos diferentes, dos quais mais de 30 já fazem parte do catálogo nacional de variedades. As diferenças morfológicas e/ou químicas devem-se aos diferentes tipos de solo encontrados na ilha, conferindo às maçãs/pêros locais duas características excepcionais para a produção de sidra: a acidez (que confere estrutura e longevidade) e a doçura (que contribui para um teor alcoólico mais elevado).

Na Quinta da Moscadinha produz-se sidra de forma artesanal e diferenciada da maioria das que existem no mercado, através de um processo muito semelhante ao do vinho. Em vez da uva existem maçãs/pêros, mas existe a fermentação e o envelhecimento em barricas de vinho Madeira. Original, no mínimo, certo?!

 

A história da Sidra da Madeira começa há cinco séculos, quando as primeiras maçãs foram introduzidas pelos colonizadores no século XV.

Nos últimos dois anos, a Moscadinha de Márcio Nóbrega passou de uma produção de duas mil garrafas para 35 mil.

Vinho, só de uvas

No entanto a história das sidras em Portugal nem sempre foi tranquila. Fora de Portugal, a sidra é um vinho de maçã, ou um “vinho de pêros”, mas, no nosso País, o vinho só se pode fazer de uva. A razão remonta ao Estado Novo. Entre 1950 e 1960 foi proibido fazer sidra entre nós. É que alguns agricultores começaram a usar maçãs para juntar ao vinho e dar volume ou a deitar as vinhas abaixo para a plantação de pomares. Para proteger o sector do vinho e o próprio vinho em si, António Salazar promove uma lei que proíbe a produção de sidra e começa a pagar aos agricultores para abater as árvores e plantar novas vinhas. Por Decreto, a bem da Nação, “Vinho só se pode fazer a partir de uvas Vitis vinifera”.

E assim se inicia o período de expansão do vinhedo português e o declínio da sidra. No entanto, a sidra sobreviveu e, mais recentemente, em virtude das suas especificidades tão únicas, a Sidra da Madeira foi qualificada como IG (Indicação Geográfica) pela Comunidade Europeia. Em breve prevê-se a sua evolução para outros patamares. É, de resto, a primeira Sidra IG Nacional, com características muito diversas e próprias.

Tranquilas ou fortificadas, as sidras possuem uma variedade de cores que podem ir do amarelo pálido ao caramelo brilhante, com laivos laranja. Têm aromas de maçãs verdes a maduras, marmelo e até citrinos, e baixas concentrações de açúcar residual devido a fermentações quase completas, que realçam a sua acidez e as características mais ou menos taninosas e adstringentes das múltiplas variedades de maçãs e pêros que as podem compor.

Reconhecimento internacional

Nos últimos dois anos, a Moscadinha de Márcio Nóbrega passou de uma produção de duas mil garrafas para 35 mil, e foi reconhecida internacionalmente com 14 medalhas e, inclusivamente, premiada no Cider World Awards 2024, o maior concurso mundial de Sidras, que decorreu na Alemanha, entre 180 produtores de 17 países. E é por tudo isto, juntamente com a história secular desta bebida, que remonta às civilizações do Antigo Egipto e da Grécia Clássica, que a Sidra da Madeira é, certamente, uma das mais entusiasmantes (re)descobertas dos próximos anos! Parabéns, Márcio! Brindemos!

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

Entre Douro e Minho: A nova geografia da Casa Ermelinda Freitas

Ermelinda Freitas

Leonor Freitas é uma empresária que sonha com os olhos bem abertos. Nada lhe escapa, e parece que nada é capaz de a fazer estremecer ou desistir dos seus sonhos. É o rosto da Casa Ermelinda Freitas e uma figura emblemática no panorama vínico em Portugal, uma mulher de ferro com um coração mole, grande […]

Leonor Freitas é uma empresária que sonha com os olhos bem abertos. Nada lhe escapa, e parece que nada é capaz de a fazer estremecer ou desistir dos seus sonhos. É o rosto da Casa Ermelinda Freitas e uma figura emblemática no panorama vínico em Portugal, uma mulher de ferro com um coração mole, grande empatia e um apurado sentido de responsabilidade social e empresarial. A lealdade às raízes não impede o seu pensamento global.

Jaime Quendera é um enólogo extremamente competente, prático e perspicaz, um grande parceiro e amigo de Leonor, que a acompanhou na empresa desde o início. Juntos formam uma dupla de sucesso, que alia a formação e competência de Jaime à mente aberta e à intuição para o negócio de Leonor.

Península de Setúbal, o berço

Em 1920, era ainda uma casa agrícola tradicional. A partir dos anos 50, já sob a orientação do pai de Leonor, a vinha passou a ser o centro de produção. A primeira adega, construída nessa época, foi transformada num Espaço de Memórias e Afetos – um tributo à história e aos laços da família.

Em 1998, quando Leonor Freitas, a quarta geração da família, assumiu a liderança do negócio, iniciou-se a parceria de sucesso com o enólogo Jaime Quendera. Conheceram-se no ano anterior, na Vinexpo, em Bordéus. Leonor, ainda com pouca experiência no mundo do vinho, visitou a feira movida pela curiosidade. Isso abriu-lhe os horizontes e revelou-lhe que o vinho podia ser um “produto de dignificação”. “Percebi que tinha de começar a engarrafar”, recorda.

Por feliz coincidência encontrou, na Vinexpo, o seu primo, também produtor de vinhos, acompanhado por Jaime Quendera. Durante as visitas aos châteaux, conversou com Jaime, viu o seu entusiasmo e percebeu que tinha encontrado o parceiro certo para o projeto que estava a idealizar: “Acreditei no Jaime desde o primeiro momento. Não tive dúvidas.”

A motivação era grande, mas também o desafio. Leonor teve que se encher de coragem para encaminhar o adegueiro do tempo do seu pai para a reforma – a renovação era inevitável. Naquela altura, tinha encomendado algumas cubas e equipamentos para a adega. Jaime alterou tudo, explicando que em vez de depósitos altos e estreitos, habituais na altura, as cubas largas e baixas eram mais eficazes para maximizar a extração. Leonor seguiu à risca as suas recomendações. “Podia não ter conhecimento, mas sempre tive intuição”.

No ano seguinte engarrafou uma pequena quantidade de vinho (apenas sete mil garrafas) com a marca Terras do Pó. Mas o grosso do negócio continuava assente na venda a granel. Sentia até uma certa responsabilidade em manter a entrega do vinho à empresa parceira. Mas em 2002, com a crise a apertar, recebeu uma notícia inesperada: a empresa já não precisava do vinho. De um momento para o outro ficou com um milhão de litros sem destino. Leonor, no entanto, não é de baixar os braços. Arranja sempre uma solução, e melhor do que a anterior. Assim nasceu o bag-in-box MJFreitas, que não foi apenas uma salvação, mas um verdadeiro sucesso.

Ermelinda Freitas

 

“Sempre crescemos em tempos de crise, a reinventar-nos, a fazer investimentos, porque quando a crise passa, temos de estar preparados.”

 

Crise e oportunidade

“Sempre crescemos em tempos de crise, a reinventar-nos, a fazer investimentos. Porque sabemos – e o Jaime tem aqui um papel muito importante – que, quando a crise passar, temos de estar preparados.” – resume a empresária.

Leonor nunca teve medo de duas coisas: trabalhar e pedir ajuda. Foi assim que aprendeu a operar a linha de enchimento, a manobrar o empilhador e a fazer tudo o que fosse preciso para a empresa. Durante as vindimas ficava na adega até às tantas, a analisar os mostos com Jaime e, às seis da manhã, já ia buscar os trabalhadores para a vindima.

O caminho não foi fácil, mas Leonor nunca parou. Arriscou, inovou, enfrentou as críticas, plantou vinha, comprou vinha, sempre com o apoio de Jaime, e em 25 anos, transformou a Casa Ermelinda Freitas na empresa nº 1 da Península de Setúbal em faturação (42 milhões de euros) e na segunda maior produtora de vinho certificado da região.

Começou com apenas 60 hectares e duas castas – Castelão e Fernão Pires – e hoje conta com 550 hectares e mais de 30 castas. Só no último ano, a produção total (entre vinho certificado e vinho de mesa) atingiu os 25 milhões de litros.

Actualmente planeia replantar 40 hectares de vinha e arrendar mais 60 hectares por 35 anos, o que equivale, na prática, a ter vinha própria. Além disso, compra uvas e vinho feito. Em setembro passado, comprou todas as uvas dos viticultores que não tinham comprador. Apoiar a região é uma verdadeira responsabilidade social para Leonor.

A Casa Ermelinda Freitas emprega 108 pessoas, mais 20 trabalham permanentemente na vinha. Onde é possível, investe em equipamentos de ponta e já têm poda automática e vindima à máquina em cerca de 150 hectares. Mas como nem todas as vinhas estão adaptadas à mecanização, nas alturas específicas chegam a contratar mais 100 trabalhadores temporários.

A estratégia sempre foi clara: produzir o melhor produto e colocá-lo no mercado pelo melhor preço. “Ao longo dos anos, fiz marketing natural, dando a cara. O meu vinho sempre teve um rosto, boa qualidade e história” – afirma Leonor e tem toda a razão.

 

“Sabíamos da compra da Quinta de Canivães, no Douro, era difícil rentabilizar. Mas achei que tinha direito à realização de um sonho”

“Só temos dinheiro do vinho, não temos outros negócios. Por isto, os nossos sonhos têm que se tornar rentáveis”

 

Expansão para Minho e Douro

Até 2017, a Casa Ermelinda Freitas cresceu dentro da região. Mas perseguindo o sonho antigo de ter “uma quintinha no Douro”, Leonor acabou por expandir o seu negócio para duas importantes e conhecidas regiões do Norte de Portugal: o Minho e o Douro.

Encontrar uma quinta no Douro que fosse tradicional e tivesse potencial revelou-se uma tarefa difícil. As opções eram poucas e, na maioria dos casos, não eram economicamente viáveis. Estava quase a abandonar a ideia do Douro, quando recebeu uma chamada inesperada com uma proposta de uma propriedade no Minho, perto de Braga. Pensou: “já que não consigo comprar nada no Douro, tenho de ponderar. Não gosto de fechar as portas.” Foram ver a quinta e perceberam que era uma oportunidade – tinha vinha e uma adega funcional. Leonor anda muito pelos mercados externos e sentiu que ter um Vinho Verde no portefólio seria uma mais-valia.

Mas Deus escreve direito por linhas tortas, e no intervalo entre o acordo e a concretização do negócio no Minho, surgiu uma quinta perto de Foz Côa, com os socalcos tradicionais, “um verdadeiro Douro”, exatamente como Leonor tinha sonhado. Com o parecer favorável de Jaime, avançou. “Sabíamos que era difícil rentabilizar. Mas achei que tinha direito à realização de um sonho e pensei para mim: se tiver que vender alguma coisa em Palmela, vendo”, confessa Leonor.

Investiu dois milhões de euros na Quinta do Minho na região dos Vinhos Verdes e 2,5 milhões na Quinta de Canivães no Douro, pois “o rio paga-se”. O sonho no Douro saiu mais caro e ainda precisa de muito investimento, mas valeu a pena.

“Tenho energia e projetos novos, como se fosse eterna”

 

Quinta com nome de região

A Quinta do Minho fica em Póvoa de Lanhoso, na sub-região de Ave. Embora não esteja muito longe do litoral (cerca de 40–50 km em linha reta do Oceano Atlântico), não é uma zona diretamente costeira e apresenta algumas influências do relevo interior. Está parcialmente protegida pela Serra do Gerês, que fica a nordeste, criando alguma barreira orográfica à precipitação e à temperatura.

A propriedade foi formada em 1990, a partir da fusão de duas quintas antigas: a Quinta do Bárrio e a Quinta da Pedreira. A casa principal brasonada remonta ao século XVIII. A quinta conta com 50 hectares, dos quais 10 são de vinha. A grande vantagem e a principal razão que levou Leonor Freitas a aceitar a proposta, foi a existência de uma adega bem equipada e funcional, com linha de engarrafamento. Isto permitiu uma rentabilização mais rápida do investimento. Ainda assim, o potencial da propriedade está longe de estar totalmente explorado, sobretudo na componente não industrial. A quinta inclui ainda dois palacetes antigos por recuperar, com grande potencial para projetos de enoturismo, mas este passo ainda não foi possível. “Só temos dinheiro do vinho, não temos outros negócios. Por isto, os nossos sonhos têm de se tornar rentáveis”, explica Leonor Freitas a sua grande máxima.

A adaptação à região correu bem, e Leonor partilha a sua experiência e visão desta aventura. “Pretendemos ir crescendo naturalmente. Estamos numa lógica de parceria, a contribuir para o prestígio da região e a ir ao encontro dos mercados. Ao mesmo tempo, percebemos que a antiguidade é um posto na região. Por exemplo, os vinhos com a nossa marca Campos do Minho não podem ser certificados como DO Vinho Verde, simplesmente porque o nome contém palavra “Minho”. Já um vinho de outra casa, chamado Terras do Minho, pode, porque a marca já existia antes de a regulamentação entrar em vigor. Vemos nisto alguma desigualdade de oportunidades, mas cada região tem as suas leis, e temos que aprender a lidar com elas.”

A primeira colheita foi lançada em 2020 e a produção já atinge os dois milhões de garrafas. O portefólio do Minho não concorre com o da Península de Setúbal — antes pelo contrário, criam-se sinergias: o Vinho Verde ajuda a vender os vinhos de Setúbal, e vice-versa.

A estratégia para os Vinhos Verdes mantém-se fiel à da casa-mãe: produzir bom vinho a bom preço. “O vinho tem de ter qualidade e agradar ao consumidor, que, na realidade, é quem paga as contas” – defende Leonor e acrescenta: “fazemos sempre algumas especialidades.” Neste caso, são os monovarietais de Loureiro, e certamente virá também um Alvarinho, casta com a qual já trabalha em Palmela.

Dispõem de várias marcas registadas, herdadas do proprietário anterior. Umas são mais vocacionadas para a exportação, outras para o retalho, como Fugaz e Gábia, e há marcas reservadas à restauração, como Campo da Vinha e Quinta do Minho.

A gama de estilos é abrangente e praticamente transversal às marcas, variando de um vinho ligeiro, um Vinho Verde clássico a monovarietais de Loureiro. O conceito do vinho ligeiro “importaram” da casa-mãe. É um vinho muito leve de corpo, com apenas 8,5% de álcool, ideal para o consumidor que procura vinhos menos alcoólicos. Considerado semi-doce, e os 20 g/l de açúcar estão perfeitamente equilibrados pela acidez, quando servido bem fresco, o seu perfil aromático e descomplicado funciona lindamente. Tem sido um sucesso de vendas. Outro ponto importante, na opinião de Jaime, é que “uma casa grande trabalha com casas grandes e, neste caso, os vinhos com menos álcool significam menos impostos para os importadores, o que, em escala, é muito notável.”

O estilo “clássico” do Vinho Verde corresponde ao imaginário coletivo do consumidor, com uma doçura residual (neste caso, 10 g/l de açúcar por 6 g/l de ácido tartárico) e a sensação de “agulha”, é proveniente da presença de gás carbónico (cerca de dois bar). O monovarietal de Loureiro, seco e sério, está disponível em duas versões: uma feita exclusivamente em inox e outra com uma breve passagem de dois meses pela madeira.

Quinta de Canivães – “um verdadeiro Douro”

O grande valor da Quinta de Canivães está na sua localização privilegiada, na sub-região do Douro Superior, perto de Vila Nova de Foz Côa, na margem esquerda do Douro. A propriedade tem quase um quilómetro de frente de rio, e das vinhas avista-se a confluência do rio Côa com o rio Douro.

Normalmente, quem tem propriedades e vinhas em zonas tão boas, não as vende. No entanto, a empresa que detinha a quinta entrou em insolvência. A propriedade, dada como garantia à Caixa Agrícola de Pinhel, foi colocada à venda. O proprietário anterior, contrariado, arrancou 15 hectares de vinha e retirou todo o equipamento da adega, deixando apenas os lagares de pedra, que não conseguiu levar. Restaram 20 hectares de vinha, dos quais cinco correspondem a vinhas mais velhas, com cerca de 30 anos. Atualmente, existe apenas encepamento tinto, com as três castas principais do Douro: as duas Tourigas e a Tinta Roriz. No futuro, está previsto o plantio de mais vinha, incluindo castas brancas típicas da região.

Os socalcos tradicionais, com 2,60 m de largura e de 2,5 a 3 m de altura são lindos, mas difíceis de trabalhar e não mecanizáveis. Se em Setúbal a apanha e entrega de uvas custa 4-5 cêntimos por kg, no Douro este valor sobe para 16 cêntimos.

Há já dois anos que está a converter a vinha para o modo de viticultura biológica. Falta um ano para obter a certificação, que considera uma mais-valia importante para o futuro. Esta transição “dói” principalmente ao Sr. Carlos, o colaborador que trata da vinha e da propriedade. À pergunta de Jaime se estava tudo bem na sua ausência, Sr. Carlos responde, com um sorrizo triste: “Sim, está tudo bem, o único problema é a relva… tanta relva na vinha…”

Há ainda 4,5 hectares de olival, do qual produzem, já há quatro anos, um azeite de alta qualidade com a marca Quinta de Canivães. As quatro mil garrafas de 500 ml são vendidas em lojas especializadas.

Como ainda não têm adega, Jaime e Leonor produzem o vinho nas instalações de outra empresa duriense (Saven). Neste momento têm duas referências no mercado: Quinta de Canivães 2020 (com estágio em carvalho americano e francês durante 8 meses) e Quinta de Canivães Reserva 2019 (com estágio de 12 meses), lançadas em Setembro do ano passado. Os vinhos são vendidos nas garrafeiras e na restauração. O lançamento de Grande Reserva está previsto no final deste ano. Existe uma segunda marca – Vinha de Canivães – destinada à exportação.

Compraram alguns equipamentos, como o trator, por exemplo, mas a adega ainda precisa de muito investimento. “O mundo não é só de rosas, e mesmo as rosas têm espinhos. Nós tentamos sempre a arredondá-los. Agora temos dois diamantes para lapidar”, resume Leonor Freitas.

“Ao longo dos anos, fiz marketing natural, dando a cara. O meu vinho sempre teve um rosto, boa qualidade e história”

 

Divulgar os vinhos de Portugal

Os novos projectos no Norte enquadram-se perfeitamente na estratégia da empresa de produzir vinhos de boa relação qualidade/preço, para todas as gamas e mercados, juntando agora uma vertente importante – divulgar os vinhos de Portugal de forma mais abrangente, sobretudo nos mercados externos.

Tendo em conta que a Casa Ermelinda Freitas está intrinsecamente ligada à Península de Setúbal, criaram uma empresa “irmã” – a Ermelinda Vinhos de Portugal – para não confundir o consumidor nacional. Nos mercados externos, como o Brasil, por exemplo, basta-lhes saber que é “o vinho da Ermelinda”. A faturação da Ermelinda Vinhos de Portugal é, por agora, de cerca de três milhões de euros, somando os dois projetos nortenhos.

A filha de Leonor, Joana, que representa a 5ª geração da família, já está na empresa há 20 anos. Ficou também entusiasmada com exploração de novos territórios e reconhece o seu papel em promover a Casa Ermelinda Freitas, a região onde estão e Portugal no seu todo. “Eu dou-lhe espaço, a casa tem que ter continuidade” – diz a empresária.

Embora Leonor tenha orgulho no percurso feito ao longo de mais de 25 anos no sector vitivinícola, considera que a Casa Ermelinda Freitas está ainda a meio do caminho, e tem um enorme potencial por explorar.

“Não quero bloquear a nova geração, mas vão ter que me aturar enquanto eu tiver saúde e cabeça. Tenho a mente rápida e não me sinto velha. Como vejo mal de perto, não vejo rugas – e tenho energia e projetos novos, como se fosse eterna” – confessa Leonor, entre sorrisos. E apetece-me acrescentar que Leonor vê muito bem ao longe, muito longe – no futuro.

Nota: A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

VINEVINU: Cerdeira com muita Alma

Vinevinu

O que distingue um vinho da bebida que resulta da fermentação do mosto é a sua alma. A alma de um vinho faz-se, não só das suas características organoléticas, da harmonia dos seus sabores, da interação com os aromas, da forma e momento como é consumido, mas também dos princípios que o norteiam, que estão […]

O que distingue um vinho da bebida que resulta da fermentação do mosto é a sua alma. A alma de um vinho faz-se, não só das suas características organoléticas, da harmonia dos seus sabores, da interação com os aromas, da forma e momento como é consumido, mas também dos princípios que o norteiam, que estão na sua Génese. Vinho que tem alma, que tem uma alma cheia, também tem, por detrás, uma missão, uma visão, e um conjunto de valores.

 

Vinevinu

 

A Vinevinu assenta sobre dualidades e conjuntos de dualidades. É vinha e vinho. É filho e pai Cerdeira. É Terroir Marítimo e de Montanha. É Alvarinho, é Loureiro, é Arinto e é Maria Gomes

 

Os atores

Uma equação com o Manuel e o Luís como numeradores e o apelido Cerdeira como denominador. Luís Cerdeira dispensa grandes apresentações. Uma referência incontornável da região dos Vinhos Verdes, com uma experiência consolidada em mais de 30 vindimas, tendo trabalhado na Comissão Vitivinícola da região e sido uma das figuras de proa da marca Soalheiro. O Luís é, indiscutivelmente, um dos expoentes máximos do Alvarinho.

Manuel é o filho primogénito do Luís. Não alheio ao percurso do pai e ao êxito da empresa da família, Manuel decidiu procurar conhecimento académico numa paragem “pouco clássica”. Foi no Reino Unido que se licenciou em Viticultura e Enologia e consolidou o que foi aprendendo ao longo das muitas vindimas efetuadas em Melgaço e noutras regiões aquém e além-fronteiras. Durante o seu percurso académico, foi cofundador de uma iniciativa fora da caixa, “Not Yet Named Wine Co”, que envolvia os amantes de vinhos aos processos de vinificação. Escutando-o é fácil depreender “Not Yet”, mas muito possivelmente num horizonte não muito distante que, de simples numerador, passará também a potência na região.

A Vinevinu surge no seio deste elenco com o propósito de idealizar e produzir vinhos que expressem a vinha de onde nascem e potenciem, ao máximo, os diferentes terroirs, adequando, para isso, o devido trabalho enológico que reforce essa diferenciação e mais-valia. Para o Luís, certamente que esta experiência o fará reviver o que sentiu, quando saído da universidade, foi acolhido pelo pai no projeto Soalheiro que, então, ainda estava distante do que é hoje. É pois uma partilha de testemunho, mas agora no lugar oposto.

 

Os palcos

A história desenrola-se na vasta região dos Vinhos Verdes, onde é possível encontrar e potenciar uma imensidão de terroirs. A Vinevinu pretende explorar dois distintos: por um lado, a proximidade do mar, a influência atlântica e, por outro, as vinhas de montanha, abrigadas da influência atlântica pelo relevo e a altitude.

A Vinevinu assentou praça em Requião, perto de Famalicão, o seu Terroir Marítimo. Aí encontrou, simultaneamente, as condições ideais para produzir de imediato e poder crescer. Mais concretamente, procedeu a um arrendamento a 20 anos das vinhas, de terra e da adega da Casa de Compostela para produzir com base numa boa adega e nos 17 ha de vinha existente, com o objetivo de potenciar, conservar e renovar. E crescer com base em 21ha de vinha que serão plantados já em 2025. Requião está somente a cerca de 20 km do mar e tem um relevo suave que não corta a influência atlântica. Os solos são de origem granítica, com alguma argila, contando ainda com nível bastante considerável de matéria orgânica. Destas premissas resultam solos de fertilidade relativamente elevada.

Monção e Melgaço ficam mais no interior da região dos Vinhos Verdes. Fisicamente, o relevo corta a influência atlântica. O Terroir de Montanha da Vinevinu tem solos graníticos, sem argila e mais pobres. As vinhas eleitas foram cultivadas em altitude e de proprietários com quem a família Cerdeira nunca teve parceria de produção de uvas. Em 2025, Luís e Manuel pretendem iniciar o projeto de construção da adega em Melgaço.

Do pouco que vimos, não tardará muito para que a Vinevinu seja reconhecida pela excelência, empenho e inovação na produção de vinhos com Alvarinho.

 

A meta

Da conversa que tive com o Manuel e o Luís depreende-se, com facilidade, que a Vinevinu sabe onde quer chegar e o caminho que quer trilhar. Conhecendo bem a versatilidade da casta Alvarinho, tanto vitícola, como enológica, pretendem produzir vinhos que se distingam na região dos Vinhos Verdes. Do pouco que vimos na adega e da visão partilhada da viticultura da região, não tardará muito para que a Vinevinu seja reconhecida pela excelência, empenho e inovação na produção de vinhos com Alvarinho.

Como referido, o propósito inicial da visita foi conhecer o projeto. Não tinha a ideia de escrever um artigo. Na realidade, integrei-me num grupo que foi com o mesmo objetivo: saber o que Luís Cerdeira andava a fazer. Visitámos a adega, conversámos com vista e sobre a vinha, atual e futura. E conhecemo-nos uns aos outros.
Tudo o que via e ouvia dava a sensação de que alguma lógica, algum fio condutor unia os conceitos, os detalhes do projeto. E não tardou a ficar evidente que a Vinevinu assenta sobre uma dualidade ou conjuntos de dualidades.

Vinevinu é vinha e vinho. É filho e é pai. É Terroir Marítimo e Terroir de Montanha. É Alvarinho, é Loureiro, é Arinto e é Maria Gomes. Perspetiva-se que venha a ser também Espadeiro e Padeiro. Fermenta em inox e em foudres de madeira. Estagia em Ovos de Cimento e em Barricas Mixtus. Mixtus é o nome dado a barricas exclusivas da Vinevinu, especialmente projetadas para incorporar um conceito único de mistura de madeiras. Cada barrica é construída combinando aduelas (as tábuas de madeira que formam o corpo da barrica) de diferentes tipos de madeira e origens. Por exemplo, pode-se alternar entre aduelas de carvalho português e carvalho francês, ou combinar carvalho português com castanheiro português, entre outras possibilidades. Essa abordagem permite criar barricas personalizadas que conferem características únicas e complexas aos vinhos.
Depois de me ver neste emaranhado de dualidades, lembrei-me de Agatha Christie e de Arthur Conan Doyle. Mas vou quebrar este ciclo. Prometo escrever um e um só artigo.

O autor deste artigo escreve segundo o novo acordo ortográfico

(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)

James Martin’s: Um escocês só para nós

whisky

Martin’s é nome de whisky da Escócia. Até aqui não parece haver motivo de espanto, tal a proliferação de marcas de destilados que a região produz. Ao passear na zona velha de Edimburgo, deparamo-nos com imensas lojas não só dedicadas ao whisky, mas também aos tecidos de xadrez com que cada clã é identificado. Para […]

Martin’s é nome de whisky da Escócia. Até aqui não parece haver motivo de espanto, tal a proliferação de marcas de destilados que a região produz.

Ao passear na zona velha de Edimburgo, deparamo-nos com imensas lojas não só dedicadas ao whisky, mas também aos tecidos de xadrez com que cada clã é identificado. Para turistas, existe depois a parafernália de acessórios e bugigangas relacionadas com o whisky. E, ao olhar para uma montra carregada de garrafas, apercebemo-nos que mais de metade são marcas que desconhecemos. Nós, os simples apreciadores, sim, já para os coleccionadores o assunto é outro. E foi com coleccionadores que fomos a Edimburgo à apresentação da edição especial do whisky James Martin’s, apenas disponível em Portugal. A razão de ser desta exclusividade prende-se com o facto de a marca só ter sido mantida em virtude do apreço que tinha em Portugal.

Fundada em 1878, pertence hoje à Glenmorangie que, por sua vez, está integrada no universo LVMH. Desde 2013, a James Martin’s teve apenas duas edições – de 32 e 35 anos – exclusivas para Portugal. Sempre num registo de whisky de luxo, o James Martin’s, que actualmente ainda surge com frequência em leilões – conhecida pelo 20 anos e 30 anos mas também por algumas edições datadas -, apresentou agora uma edição exclusiva para Portugal de 498 garrafas com 44 anos. Estas edições limitadas prolongar-se-ão por quatro anos, saindo, em cada ano um deles, uma quantidade limitada e numerada.

Tal como acontece com muitas outras marcas escocesas, também a Martin’s estagia o seu whisky em barricas que anteriormente serviram a xerez oloroso e bourbon. Foi a partir das últimas reservas dos anos 80 que esta edição foi concebida. Trata-se de um single malt, ou seja, um whisky feito de cevada maltada, destilado numa única destilaria, distinguindo-se assim do pure malt, que resulta do lote de whiskies de várias destilarias.

O whisky, por ser uma bebida com longevidade assegurada em garrafa, deu origem ao nascimento de um alargado núcleo de coleccionadores, alguns deles integrados nesta comitiva que se deslocou a Edimburgo. Em todo o mundo estes clubes proliferam e as edições exclusivas são muito disputadas. Algumas garrafas atingem preços astronómicos, de dezenas de milhar de euros. Este 44 anos apenas estará disponível no Corte Inglés, em Lisboa.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)

Casa da Tapada: Novidades de um lugar com história

Casa da Tapada

A apresentação dos novos vinhos da Quinta Casa da Tapada decorreu no restaurante Santa Joana, que ocupa o espaço de uma antiga igreja da rua de Santa Marta, em Lisboa. Para além dos quatro vinhos brancos, um deles um espumante da vindima de 2019 com 48 meses de estágio sobre borras, foi apresentada a nova […]

A apresentação dos novos vinhos da Quinta Casa da Tapada decorreu no restaurante Santa Joana, que ocupa o espaço de uma antiga igreja da rua de Santa Marta, em Lisboa. Para além dos quatro vinhos brancos, um deles um espumante da vindima de 2019 com 48 meses de estágio sobre borras, foi apresentada a nova imagem da marca, mais adaptada aos objectivos da empresa e ao mercado.

Propriedade de charme

Há muito que Luís Serrano Mira, proprietário da Serrano Mira, grupo que detém a Herdade das Servas, no Alentejo, e a Casa da Tapada, nos Vinhos Verdes, ambicionava fazer vinho fora do Alentejo. O objectivo concretizou-se em 2018, com a aquisição da última, uma propriedade de charme no concelho de Amares, Região dos Vinhos Verdes, compra feita em parte com base emocional, já que um dos grandes amigos do seu avô produzia lá vinhos. “Esta amizade especial da família com um produtor de Vinho Verde contribuía para que houvesse sempre vinho da região à mesa, que eu aprendi a gostar desde cedo”, explica Luís Mira.
Situada em Fiscal, Amares, a Casa da Tapada inclui um solar imponente, uma mata centenária com 10 hectares e um património botânico diversificado. A propriedade tem 24 hectares, dos quais 12 são de vinha.
O edifício foi mandado erguer pelo poeta e conhecido humanista Francisco de Sá de Miranda, responsável pela introdução do movimento literário renascentista no nosso país, que ali se instalou, com quase 50 anos, em 1530 e começou a produzir vinho depois de alguns anos de vida em Lisboa. Com onze quartos, o solar da Casa da Tapada foi erguido em 1540 e ampliado por duas vezes, a primeira no século 17 e a segunda no século 19.

Casa da Tapada

Lugar com história

Luis Mira contou, durante a apresentação, que a maior parte da obra do poeta foi escrita na Casa da Tapada e que ainda hoje existem os lagares usados no século 16. Essa foi outra das razões que o levou a aproveitar a oportunidade de compra da quinta, “porque é ainda melhor produzir vinho num lugar com história”. O solar, classificado como Imóvel de Interesse Público em 1977, tem um valor histórico-cultural que pesou no investimento feito pela família Serrano Mira. Ali existem, ainda, as Casas da Eira e da Confraria, a Capela de Nossa Senhora da Guia, para além da adega e da loja de vinhos.
Quando a propriedade foi adquirida, a vinha estava praticamente abandonada e as suas plantas estavam espalhadas em pequenos patamares, difíceis de reconverter e de trabalhar. Por isso foi feita a sua reconversão, e alargados os patamares para dimensões exequíveis para o maneio adequado da vinha, tendo em conta a sua rentabilidade. Também foi adicionada a casta Alvarinho, que na região de Amares se chama Pedernã, às que já existiam ali, o Alvarinho e o Loureiro. Dão origem a duas marcas de vinho: Capela da Tapada, produzida também com uvas de parceiros, e Quinta Casa da Tapada.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)

Ode Phosphorus: de Pessac-Leognan ao Vale de Franschhoek, a Hunter Valley e à região Tejo…

Ode Winerie

Acredito sinceramente que a casta Sémillon é merecedora de uma audiência maior no mundo vínico e enófilo, pois consegue originar vinhos deliciosos e extremamente acessíveis na sua juventude e desenvolve múltiplas nuances e grande complexidade ao longo da sua vida em garrafa. De origem francesa, é conhecida por estrelar os reverenciados vinhos brancos doces de […]

Acredito sinceramente que a casta Sémillon é merecedora de uma audiência maior no mundo vínico e enófilo, pois consegue originar vinhos deliciosos e extremamente acessíveis na sua juventude e desenvolve múltiplas nuances e grande complexidade ao longo da sua vida em garrafa. De origem francesa, é conhecida por estrelar os reverenciados vinhos brancos doces de Sauternes e os secos de Pessac-Leognan, da região de Bordeaux, de que é exemplo o icónico Chateau Haut-Brion, cujo lote é composto por Sémillon e Sauvignon Blanc, com ligeira predominância da primeira.

Mas diz-se ter sido na Austrália, no Hunter Valley, estado da Nova Gales do Sul, a norte de Sydney, que a Sémillon encontrou o seu terroir de eleição, onde, aliás, se encontra plantada desde o século XIX (1830) até aos dias de hoje. Na verdade, tal como a Chenin Blanc, no Vale do Loire, a Pinot Noir, na Borgonha ou a Nebbiolo, na região do Piedmonte, não existem muitos outros sítios no mundo onde a Sémillon produza resultados tão excepcionais como no Hunter Valley.

A versatilidade da casta manifesta-se na facilidade com que se adapta tanto a climas quentes como frios. No calor, ela apresenta aromas e sabores suculentos de frutas amarelas e tropicais como pêssego, manga e papaia, e produz vinhos com maior teor alcoólico e bom potencial de envelhecimento. No frio, os vinhos são mais frescos, com aromas e sabores de frutas cítricas, maçã, pêra e melão. São exemplares com mais acidez e menos álcool.
Em Portugal é uma das castas autóctones do Douro, por exemplo, tendo sido, inclusivamente, uma das mais utilizadas pelos viticultores da região, que a conheciam pelo nome de Boal. Só quando foi “importada” para o nosso País se descobriu que Sémillon e Boal são a mesma casta.

 

Ode Winerie

 

Produzido a partir de algumas das melhores uvas Sémillon, fermentadas e envelhecidas durante 12 meses em barricas de carvalho francês de 500 l, apresentou-se-nos um vinho elegante, texturado e extremamente gastronómico

 

A casta Sémillon no Tejo

A ODE Winery, Farm & Living é uma adega com história, localizada em Vila Chã de Ourique, freguesia do Município do Cartaxo, distrito de Santarém, a apenas 50 minutos de Lisboa.
Totalizando 96 hectares, começa a operar em 2022 pelo grupo Immerso Collective, criado com foco no luxo e sustentabilidade por David Clarkin e Andrew Homan, que têm mais de trinta anos de experiência em investimento e desenvolvimento imobiliário de futuro nos mercados asiático e australiano, bem como em gestão de fundos de investimento imobiliário. O objectivo foi criar um projecto que trouxesse a merecida visibilidade à região Tejo e à sua extensa cultura do vinho.

A Ode Winery integra a adega e vinhos ODE, produzidos numa unidade de vinificação de última geração, que manteve a sua beleza e origem históricas, que remontam ao ano de 1902.
Jim Cawood, australiano de nascença e com uma vasta experiência em todas as vertentes do negócio do vinho, tendo sido sommelier, importador, distribuidor e retalhista, e também produtor em Espanha, é o “director of Wines and Good Times” da ODE. Anfitrião por excelência, apaixonado pelo projecto e pelo terroir ODE, desde logo identificou várias semelhanças entre o terroir calcário onde está inserida a empresa e o clima e ph dos solos de Hunter Valley. Mas foi um feliz acaso que levou a Sémillon até à ODE Winery. Ou talvez não tenha sido totalmente um acaso. Em conjunto com a enóloga Maria Vicente, com mais de 20 colheitas no seu percurso profissional quando assumiu o projecto ODE, nas inspecções iniciais às vinhas, Jim constatou algo de esquisito na parcela onde estava registada e plantada a casta Viognier.

De um lado era Viognier, sem qualquer dúvida, mas, do outro, de certeza absoluta que Viognier não era. Eram simplesmente duas plantas diferentes. A outra era Sémillon!
Os motivos que levaram os antigos proprietários (Vale d’Algares) a registar tudo como Viognier não sabemos. Podemos apenas especular que fosse por a Sémillon não ser uma casta autorizada na região Tejo, na altura em que foi plantada, ou simplesmente por engano do viveirista. A verdade é que não sabemos. O que sabemos é que Maria e Jim, perante a realidade das coisas, decidiram apostar na casta, e em boa hora o fizeram, já que os resultados se têm revelado excelentes.

Potencial para envelhecer

Para adicionar textura e definição, cerca de 15% desse vinho envelheceu em barricas novas de 500 l de carvalho francês durante cinco meses. Seco e cítrico, com notas de limão, lima, maçã verde, e um final de boca mineral, na sua juventude será um vinho que harmoniza com facilidade com marisco, por exemplo, mas tendo potencial para envelhecer em garrafa até 10 ou mais anos. Envelhecido, será um vinho perfeito para acompanhar um assado de porco ou aves, como o faisão por exemplo.
Produzido a partir de algumas das melhores uvas Sémillon, fermentadas e envelhecidas durante 12 meses em barricas de carvalho francês de 500 l, apresentou-se-nos um vinho elegante, texturado e extremamente gastronómico. O Ode Phosphorus junta-se, assim, às 12 referências Ode já disponíveis no mercado. Pois seja bem vindo!

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)

Vinilourenço: Pai Horácio 1945, De filho para pai… a celebração do legado

Vinilourenço

Foi sem dúvida um dia de emoções fortes, uma cerimónia preparada pela família, com a presença dos amigos de sempre e todos os colaboradores da empresa que o “Pai Horácio” criou, impulsionou e que o filho Jorge fez crescer. E não faltaram à mesa os pratos preferidos do Sr. Horácio, seja a “torradinha com azeite”, […]

Foi sem dúvida um dia de emoções fortes, uma cerimónia preparada pela família, com a presença dos amigos de sempre e todos os colaboradores da empresa que o “Pai Horácio” criou, impulsionou e que o filho Jorge fez crescer. E não faltaram à mesa os pratos preferidos do Sr. Horácio, seja a “torradinha com azeite”, o bacalhau “que ele tanto apreciava de qualquer forma” ou o fabuloso “cabritinho assado no forno com um não menos delicioso arroz de miúdos”, “tudo pratos que o meu pai gostava” disse, com emoção, Jorge Lourenço. Almoço excecional, acompanhado por alguns dos grandes vinhos da casa e, claro está, pela estrela maior, o Pai Horácio 1945, lançado no dia em que faria 80 anos – um tinto de contemplação.

 

Regresso às origens

O lançamento ocorreu na sede da Vinilourenço, em Poço do Canto, Meda, onde se localiza também a adega, a loja e casa da família. Atualmente, a Vinilourenço possui uma área própria de 50 hectares de vinha, repartidos pelos concelhos da Meda e Vila Nova de Foz Côa, cujas altitudes variam entre os 130m e os 700m. Ficam sobre solos de xisto e granito, têm orientações solares e declives muito variáveis e uma diversidade de micro terroirs que permite explorar o melhor de cada casta e apresentar vinhos de perfis diversos. O portfolio é bastante extenso, onde talvez as marcas D. Graça e Fraga da Galhofa sejam as de maior notoriedade no mercado.

Destaque igualmente para a coleção castas, onde os monovarietais Samarrinho, Donzelinho, Casculho, Gouveio, diferentes abordagens ao Viosinho, entre outras, representam o regresso às origens, resultando em vinhos com perfil singular, evidenciando o carácter da casta versus terroir. Toda a produção é acompanhada e gerida pelo produtor, Jorge Lourenço, de 43 anos, que desempenha a função de enólogo principal. Embora o forte contributo do professor Virgílio Loureiro, sobretudo nos primeiros anos da Vinilourenço tenha sido evidente, hoje é Jorge que se encarrega da enologia.

Vinilourenço
Jorge Lourenço deu continuidade ao sonho do pai, criando a empresa ViniLourenço, à qual se dedica integralmente há mais de duas décadas

A Dona Graça e o apego à Terra

Horácio Lourenço, desde muito jovem mudou-se para Cascais, em busca de melhores condições e, com apenas 15 anos, já trabalhava na Câmara Municipal. Outros tempos, é claro… Aos 18 anos e finda a recruta militar foi para Angola, onde conheceu a algarvia Dona Graça, que viria a ser sua esposa e empresta o nome à talvez mais emblemática marca do extenso portfolio da Vinilourenço. Com a vida totalmente estabelecida em África, tal como muitos outros portugueses, foi forçado a regressar a Poço de Canto com muito pouco na bagagem, mas o suficiente para se iniciar na construção civil. Contudo, a sua grande paixão sempre foi a terra e, não tardou muito, começou a plantar vinhas.

Foi no final dos anos 70, princípio dos anos 80. “Estou aqui hoje para homenagear o grande patrono deste projeto, um homem fascinante, com uma enorme paixão pela terra. Eu também tinha essa paixão, mas a começar na adega. Com o Sr. Horácio era o contrário, ele queria estar nas vinhas e a adega era para os outros. Aprendi muito com ele”, refere o professor Virgílio Loureiro. No início as uvas eram vendidas para a adega cooperativa. Mas na viragem para o século XXI, Jorge Lourenço, que herdou a paixão pelas terras e pelas vinhas do seu Pai, tornou-se num trabalhador ávido por aprender e começou a demonstrar um grande espírito de liderança. Não surpreende, pois, que após concluir o ensino secundário tenha pretendido aperfeiçoar as suas características, fazendo um curso de jovem agricultor e, mais tarde, uma pós-graduação em Enoturismo.

Foi assim que Jorge Lourenço deu continuidade ao sonho do pai, criando a empresa ViniLourenço, à qual se dedica integralmente há mais de duas décadas. “Felizmente, hoje temos já uma equipa de 18 pessoas, a quem eu também muito agradeço, e o lançamento deste vinho muito especial é também para dignificar aquilo que é o nosso trabalho conjunto, honrando a memória e o legado do meu pai”, remata Jorge. O legado está assim perpetuado no vinho de homenagem Pai Horácio 2021 tinto Grande Reserva Edição Especial. Trata-se de uma produção limitada de 1945 (ano de nascimento de Horácio Lourenço) garrafas, em caixa individual. Resultou de um blend da seleção de parcelas, plantadas pelo próprio Horácio Lourenço, com base no estudo dos terroirs, ao longo das últimas décadas e da interpretação dos mesmos por Jorge Lourenço.

Cada detalhe foi pensado meticulosamente, com destaque para o rótulo duplo com dedicatória do filho para o pai, ou a tira de couro que envolve a garrafa, simbolizando o compromisso entre pai e filho, a família e a amizade. Um package realmente bonito e singular! Como Jorge Lourenço referiu, um vinho à imagem de seu pai, “forte, com muita estrutura e muita alma”.

Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Quinta da Boavista: Expressões de um terroir duriense

Boavista

O local onde decorreu o evento não poderia ser mais aprazível, o 1638 Restaurant & Wine Bar By Nacho Manzano, o bar de vinhos e restaurante de cozinha de autor do novo hotel Tivoli Kopke, em Gaia, que abre oficialmente em Maio. A vista sobre o rio Douro e a zona velha do Porto, enquadrada […]

O local onde decorreu o evento não poderia ser mais aprazível, o 1638 Restaurant & Wine Bar By Nacho Manzano, o bar de vinhos e restaurante de cozinha de autor do novo hotel Tivoli Kopke, em Gaia, que abre oficialmente em Maio. A vista sobre o rio Douro e a zona velha do Porto, enquadrada pelas paredes dos antigos armazéns de vinhos do Porto agora transformados para albergar os quartos deste cinco estrelas, é imperdível, e acrescentou um pouco de sedução ao evento de apresentação das novas colheitas da Quinta da Boavista, da Sogevinus. Decorreu na companhia de uma refeição criada por Nacho Manzano, consultor gastronómico do hotel e chefe de cozinha asturiano que recebeu, no ano passado, a sua terceira estrela Michelin  na Casa Marcial, o restaurante que fundou na casa da sua família em 1993.

Texturas, aromas e sabores

Durante o repasto, feito de pratos compostos por dois a quatro elementos cozinhados na perfeição, sentiu-se que tudo o que o que criou, e apresentou na mesa, foi certamente desenhado para a companhia dos vinhos da Quinta da Boavista servidos, pela forma como as suas texturas, aromas e sabores se foram equilibrando ao longo do repasto, o que nem sempre tem acontecido em apresentações similares onde vou.

Gostei sobretudo da aparente simplicidade e da qualidade dos ingredientes e temperos dos pratos, tudo muito bem conjugado para potenciar os seus aromas e sabores e a ligação aos vinhos. Evidência, em particular, para o Lagostim com beurre blanc e pinhões, a que o suco das cabeças acrescentou uma ligação praticamente perfeita com o Quinta da Boavista Vinho do Levante 2022, o branco lançado nesse dia. Também para o Polvo braseado com puré de abóbora e molho de amêijoas, na só pela textura e sabor do polvo, que estava inexcedível, mas também pela forma como o conjunto de um prato aparentemente simples, se harmonizou com o vinho selecionado, o Boavista Reserva 2021, um tinto com estrutura, fruta e um toque de madeira. A estes juntaram-se um monovarietal de Alicante Bouschet, um vinho cheio de personalidade acrescentado à linha de monovarietais desta casa, para além dos dois ícones, o Vinha do Oratório e o Vinha do Ujo, todos da colheita de 2021, ou seja, de um ano de verão seco. Segundo Ricardo Macedo, o enólogo dos vinhos Douro da casa, a vindima da primeira, uma vinha velha cujas castas principais, entre 56 variedades, são a Touriga Franca, a Tinta Pinheira e o Rufete, é feita patamar a patamar, o que implica que sejam “feitas 14 fermentações desta vinha, para se identificar os melhores vinhos que ela produz” em cada ano.

Plantada em patamares horizontais pré-filoxéricos, suportados por pequenos muros de xisto, a Vinha do Ujo fica entre os 180-210 metros de altitude, um pouco mais longe do rio que a do Oratório, e inclui 26 castas. A sua vindima é manual, e a fermentação das uvas decorre em barricas de madeira francesa de 500 e 600 litros. Após um período de maceração, o vinho resultante continua o seu estágio durante pelo menos 16 meses em barricas de 225 litros de carvalho francês antes de ser engarrafado.

Vinha muito velha

Jean-Claude Berrouet, um grande defensor da expressão dos terroirs e enólogo do Château Pétrus durante mais de 40 anos, é o consultor da Quinta da Boavista desde 2013, e está sempre presente nas principais decisões enológicas. A propriedade tem actualmente 80 hectares, dos quais 36 ha de vinha, uma parte significativa da qual de vinha velha dos períodos de antes e do pós-filoxera. Reconhecida desde a primeira demarcação da região vinícola do Douro, datada de 1756, a propriedade está também assinalada nas plantas de Joseph James Forrester, o Barão de Forrester, do século XIX. Depois da sua morte foi comprada pelo Barão de Viamonte, seu herdeiro. No século seguinte, esteve nas mãos de vários proprietários, até ser adquirida, em 2020, pelo Grupo Sogevinus.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2025)