Pelo terroir de Coelheiros

Coelheiros

Os vinhos da Tapada de Coelheiros surgiram em 1991, pela mão da família Silveira e, desde então, ainda que com alguns sobressaltos pelo meio, mantiveram-se sempre como marca de primeira grandeza, uma referência no Alentejo. A herdade, situada em Igrejinha, Arraiolos, tem hoje cerca de 800 hectares, dos quais 50 de vinha, 40 de pomar […]

Os vinhos da Tapada de Coelheiros surgiram em 1991, pela mão da família Silveira e, desde então, ainda que com alguns sobressaltos pelo meio, mantiveram-se sempre como marca de primeira grandeza, uma referência no Alentejo. A herdade, situada em Igrejinha, Arraiolos, tem hoje cerca de 800 hectares, dos quais 50 de vinha, 40 de pomar (com destaque para o nogueiral), algum olival e, sobretudo, 600 hectares de sobreiros e azinheiras, onde uma vasta fauna de médio e grande porte (ovelhas, gamos, veados) se passeia livremente.
A grande revolução na Tapada de Coelheiros aconteceu após a sua aquisição, em 2015, por parte do empresário brasileiro Alberto Weisser, que chamou para consigo trabalhar o agrónomo e enólogo Luís Patrão. Desde então, progressivamente, foram sendo implementadas práticas sustentáveis e de regeneração do território, sendo a agricultura biológica e regenerativa um pilar vital de tudo o que ali é produzido.
“Centramos os nossos esforços em revitalizar e enriquecer os solos, cuidando da sua rica vida microbiana, incluindo bactérias e fungos, fundamentais para os processos naturais de cura da terra. Nós actuamos apenas como facilitadores destes processos”, diz Luís Patrão. Para tal, são utilizados produtos naturais, como leite, extratos de algas e de plantas, para fortalecer a resiliência da flora, promovendo a sua vitalidade.
É sabido que bio não significa, necessariamente, sustentável. Este último é um conceito bem mais abrangente e com implicações em diversas áreas. Na Tapada de Coelheiros existe perfeita noção disso, e diversas práticas reforçam o comprometimento de Alberto Weisser e da sua equipa com a Natureza. Existe, por exemplo uma rigorosa gestão da água, com o consumo monitorizado através de caudalímetros e sondas de solo, apoiadas por uma estação meteorológica própria. A energia, por seu lado, é fornecida por uma central fotovoltaica. Até os bebedouros para animais, espalhados pela propriedade, são alimentados por painéis solares. Existem abrigos para a fauna terrestre, poleiros para rapinas e refúgios para pequenas aves e morcegos, contribuindo para a manutenção do equilíbrio ecológico, da biodiversidade. Parte desta bicharada retribui o acolhimento, participando no controle biológico de pragas.
Um rebanho de mais de 1.300 ovelhas é responsável pelo pastoreio dos montados, contribuindo para a fertilização do solo e manutenção do coberto vegetal, tanto o espontâneo como o semeado, pensado para optimizar a fertilidade do solo, melhorar a drenagem e o arejamento e prevenir a erosão.
Os vinhos, de uma ou outra forma, terão de reflectir tudo isto. “Os nossos vinhos evocam a essência de cada parcela de vinha de onde têm origem”, refere Luís Patrão.

 

Vinhos de parcela
E é precisamente de parcelas que falamos, para apresentar a nova colheita do Taco e a estreia das referências Alto e Sobreira, vinhos de vinha agora “arrumados” na chamada Gama Terroir da Tapada de Coelheiros.
A vinha do Taco, com 1 hectare, plantada em 2001 é, segundo o enólogo, “um dos melhores exemplares de viticultura de sequeiro na Tapada de Coelheiros.” Está situada a uma altitude de aproximadamente 270 metros, no sopé de uma encosta, com exposição solar predominante a sul. Esta vinha tem a particularidade de ser circundada por uma densa floresta de sobreiros e azinheiras e fechada por duas linhas de água. Esta localização proporcionou depósitos de aluvião, sendo que o solo, de origem granítica, tem na superfície uma textura que varia de arenoso-argiloso para arenoso-limoso. Em profundidade, encontra-se uma camada cascalhenta, que facilita a drenagem e promove o desenvolvimento das raízes das videiras. A casta aqui plantada é Petit Verdot, proveniente de selecção massal, e a parcela está em agricultura biológica desde 2017. O Tapada de Coelheiros Taco de 2014, recentemente colocado no mercado, fermentou em inox e permaneceu 18 meses em barrica. Como tem vindo a ser habitual nesta referência (o de 2012 foi lançado em 2022) espera sempre vários anos em garrafa até chegar ao mercado.
A vinha da Sobreira foi igualmente plantada em 2001, e a casta Syrah, de selecção massal, ocupa uma parte dos seus 1,35 hectares, em sequeiro. Está localizada na cota 280-290 metros, no sopé de uma colina, com exposição noroeste, junto a uma pequena mata de sobreiros. O solo é predominantemente argilo-arenoso, com alguns elementos grosseiros de quartzo e granito, com baixa matéria orgânica. A vinha está conduzida em cordão bilateral, o que, segundo Luís Patrão, “optimiza tanto a exposição solar das uvas quanto a ventilação das folhas, proporcionando tanto boas maturações, como sanidade da fruta.” Tal como na vinha do Taco, a viticultura biológica foi aqui implementada em 2017. Em 2020, porém, passou a biodinâmica, “reflectindo o nosso compromisso com a sustentabilidade e a promoção da regeneração do solo”, destaca o enólogo.
A vinificação em separado do Syrah desta parcela, ocorrida em 2020, teve algumas nuances face ao Petit Verdot da vinha do Taco. Fermentado em lagar de inox só com as leveduras indígenas, teve uma curta maceração pós-fermentativa de cinco dias para encorajar o início natural da fermentação malolática. Depois, o vinho passou para um tonel de 1800 litros, onde amadureceu durante 18 meses, seguido de estágio em garrafa de igual período.

Coelheiros
Dos três vinhos da Gama Terroir, o Alto é o único branco. Esta vinha, com pouco mais de 1 hectare (1,09, para ser preciso), foi uma das últimas a ser plantada pela família Silveira. Fica no centro da Tapada de Coelheiros, numa ligeira encosta, a 300 metros de altitude, envolvida entre um pomar, um prado e um bosque de pinheiros mansos que inspiram o rótulo que embeleza a garrafa. Os solos têm origem granítica, são profundos e ricos em argila. É nesta zona e em parcelas adjacentes que se encontra a maior mancha de castas brancas da herdade. A parcela Alto está plantada com a casta Arinto. Diz Luís Patrão que, nos últimos anos, foi ali promovido intenso trabalho para melhorar as coberturas de solo, semeando leguminosas nas entre-linhas para promover a fixação natural de azoto. A condução do Arinto é em Guyot bilateral, originando uma boa fertilidade.
O Alto 2018 foi feito a partir da prensagem de cachos inteiros, com fermentação do mosto em duas barricas de carvalho francês usadas, de 500 litros. Ali permaneceu o vinho mais um ano, até ao seu engarrafamento. Luís Patrão aprecia particularmente a Arinto e está convencido da longevidade em garrafa dos vinhos desta casta. Daí que não tenha hesitado em esperar todo este tempo até se decidir a enviar o Alto branco 2018 para o mercado. O vinho parece dar-lhe razão.
Como se percebe, esta Gama Terroir é constituída por vinhos oriundos de pequenas parcelas, com particularidades que a equipa considera especiais dentro dos 50 hectares de vinha da propriedade. São também por isso produzidos em quantidades reduzidas: 1.410 garrafas para o Alto, 2.244 para o Sobreira e 3.600 para o Taco. Quantidades ainda assim mais do que suficientes para reafirmar a excelência do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e a singularidade do projecto Tapada de Coelheiros.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Casa Havaneza: Um lugar mítico com um produto mágico

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado […]

É uma das mais antigas lojas de charutos do mundo. Estabelecida em 1864 por Henry Burnay, Conde Burnay, no Largo do Chiado, em Lisboa, num espaço criado uns anos antes por comerciantes de origem belga, comemora, este ano, 160 anos. São os mesmos que faz o vetusto Diário de Notícias, jornal diário que tem acompanhado a vida do país e de várias gerações de portugueses até aos dias de hoje.

Henry Burnay surgiu pela primeira vez na história da Casa Havaneza em 1864, enquanto arrendatário da tabacaria. Em 27 de Maio de 1865 foi assinada nova escritura, permitindo-lhe continuar o seu negócio até 31 de Dezembro de 1874. No ano seguinte, quando nasceu a firma Henry Burnay & Cª, o banqueiro decidiu, porque os negócios estavam a correr bem, alargar o espaço da Casa Havaneza, alugando os números 124, 126 e 128 da R. Garrett. O estabelecimento passou, assim, a abranger toda a área entre a praça do Loreto e a continuação da rua do Chiado.

Foi em 1877 que os dois belgas fundadores, François Caen e Charles Vanderin, assinaram a escritura de “transacção amigável” com a firma Henry Burnay & Cª, passando a gestão da tabacaria a ser da inteira responsabilidade do banqueiro e dos seus dois sócios: Eugénio Larrouy e Ernesto Empis, cunhado de Burnay. Na altura, a passagem pela Casa Havaneza era quase uma oferta extra à do Banco Burnay, já que os clientes podiam entrar na instituição para pedir um empréstimo e, à saída, comprar um charuto cubano já que, desde a sua fundação, este estabelecimento esteve sempre ligado ao epicurismo, à comercialização de charutos cubanos premium e acessórios para fumadores. Mas também bebidas e os cristais e outros artigos usados para as servir, por exemplo.

Lugar de encontro
A localização da Casa Havaneza na baixa, no coração da vida intelectual de Lisboa na época, perto do Teatro S. Carlos e da Livraria Bertrand, entre outros, e às portas do Bairro Alto, contribuiu para que esta loja fosse um dos lugares de encontro desde a sua fundação. Alguns anos mais tarde, no início do século XX, era o único terminal de Lisboa para os telegramas da Havas, a primeira agência de notícias do mundo, o que tornava o local ainda mais apelativo para políticos, jornalistas, escritores e artistas, que ali iam procurar novas da Europa e do mundo e ostentavam, à sua porta, os seus charutos, enquanto conversavam sobre as últimas intrigas da velha Lisboa. Também aqui se localizou a primeira estação de chamadas telefónicas, para uso dos lisboetas. No livro “Os Maias”, Eça de Queiroz faz uma descrição deste lugar, num dia daquele tempo, escrevendo que “um lindo Sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.” Ou seja, naquele lugar da baixa lisboeta, em frente à Havaneza, muitos se reuniam para fumar e conversar, desde a gente anónima aos mais conhecidos e ilustres daquele tempo. Era o caso de “Rafael Bordalo Pinheiro, que se auto-retratou de charuto na mão, que também foi presença assídua e interveniente mordaz nas tertúlias da Casa Havaneza, tal como o foram outros grandes vultos da nossa cultura, entre eles, Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro”, conta Pedro Rocha, CEO da Empor, empresa proprietária da Casa Havaneza, salientando que esta “sempre foi, e será, um espaço dedicado ao epicurismo, por excelência, e um lugar cheio de história política, social e cultural”.

Loja com história
Identificada, hoje, como uma das “Lojas com História” da cidade de Lisboa e monumento de interesse público, o espaço foi passando por várias remodelações na sua fachada e no seu interior, mas manteve sempre a sua função e o ambiente tradicional. Uma das primeiras decorreu ainda no início do século 20, quando saiu uma lei que obrigava as áreas financeiras dos estabelecimentos comerciais a separar-se das suas zonas de retalho. “Antes disso, na Casa Havaneza também se trocava dinheiro por ouro e faziam-se empréstimos”, conta Pedro Rocha, salientando que ali passou a funcionar também uma dependência bancária, dos mesmos proprietários. A última obra decorreu sob a supervisão de Nuno Corte Real e Alexandre Carvalho, na década de 80 do século passado e a sua estética leva, ainda hoje, turistas nacionais e estrangeiros à loja só para a apreciarem.

A Casa Havaneza do Chiado mantém, hoje, a sua essência, vendendo principalmente charutos cubanos, bebidas e acessórios para fumadores e escanções. Mas já não tem os artigos de decoração, incluindo os cristais que vinham de França e Itália noutros tempos. Ou seja, “mudou um pouco o estilo com o passar dos anos, mas a sua essência e o serviço aos clientes mantiveram-se”, afirma Pedro Rocha. E é isso que tem garantido o sucesso do seu negócio durante tanto tempo.

Casa Havaneza

Mudança inevitável
A mudança foi inevitável com a chegada da era dos grandes centros comerciais a Portugal, que passaram a ser um atractivo irresistível para os clientes nacionais. A tendência não deixou os gestores da Casa Havaneza indiferentes, que iniciaram a expansão da marca, na procura de se manterem perto dos seus clientes mais tradicionais. A Casa Havaneza do Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa, abriu as suas portas ao público em Setembro de 1985. A loja do Colombo desde 1998 e “finalmente, concretizou-se, em 2012 um sonho antigo, a abertura de uma Casa Havaneza no Porto, que fica perto da zona do Bessa”, conta Pedro Rocha, explicando que as lojas são frequentadas pelo mesmo tipo de clientes de sempre. Afinal, quem procura as lojas da Casa Havaneza são “os aficionados e as pessoas que querem entrar neste mundo do epicurismo e aprender mais um pouco, ou seja, aqueles que sabem que ali encontram o que querem, pessoas entre os 30 e os 90 anos, sobretudo das classes média e média/alta”, revela, acrescentando que, nas suas lojas, também encontram quem os possa aconselhar, “para os ajudar a encontrar aquilo que se adapta melhor ao seu gosto pessoal”. O principal produto da casa, ainda hoje, são os charutos cubanos, o que não é de estranhar, já que esta é uma marca do Grupo Habanos, empresa que faz a distribuição dos charutos da ilha para todo o mundo. Mas também podem ser encontradas marcas da República Dominicana, Nicarágua e Honduras, onde a empresa também os fabrica.

 

Casa Havaneza Quem é Pedro Rocha?

Nasceu em Ponta Delgada, na ilha açoriana de S. Miguel, porque o pai, oficial do exército, estava lá destacado em missão. Mas não viveu na lá e sim em Castelo Branco, na Beira Baixa, a região de origem do pai, e também nas Caldas da Rainha, a cidade de origem da mãe.

Frequentou os Pupilos do Exército, onde tirou Contabilidade e Administração, e a Universidade Moderna, onde se licenciou Organização e Gestão de Empresas. Trabalhou depois na Caixa Geral de Depósitos, muitos anos na Microsoft e depois na PT, onde lançou o Office 365. E foi numa ida ao Festival del Habano, evento que se realiza uma vez por ano, em Cuba, como aficionado, numa altura em que já conhecia o distribuidor da Habanos em Portugal, entre charutos, harmonizações e outras coisas, que lhe foi feito o convite para vir para mudar de ramo de negócio.

Fumador de charutos desde os 17 anos, que diz serem a sua maior paixão, não resistiu à tentação e mudou-se para a Empor, empresa do Grupo Habanos que é proprietária da Casa Havaneza, em 2011. Esteve três anos como director comercial, antes de passar a director geral da empresa, e conta que o seu primeiro desafio foi perceber como é que se trabalhava e como funcionava um sector tão distinto daquele onde tinha trabalhado até àquela altura. “Foi essencial para perceber o que podia, ou não, mudar, e definir quais os investimentos a fazer para isso acontecer”, explica, acrescentando que a mudança teve o sucesso esperado com a ajuda de toda a equipa, o que contribuiu para a empresa se manter, até hoje como líder no seu ramo de actividade.

O que é um bom charuto?

Para Pedro Rocha, o CEO da Empor, é aquele que é feito com as melhores qualidades de folhas, produzidas nos melhores terroirs, obedecendo a todos os processos de cura, fermentação, envelhecimento. Se isto estiver tudo bem feito, um bom charuto é aquele que nos proporciona o melhor prazer possível.

A Havaneza e a literatura

Foram vários os escritores portugueses que citaram a Havaneza nos seus livros, já que este foi, principalmente entre os séculos XIX e XX, um lugar de encontro especial na Baixa Lisboeta. Eis alguns exemplos:

“Nos fins de Março de 1871 havia grande alvoroço na Casa Havanesa, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam, rompiam pelos grupos que atulhavam a porta… Mas ninguém se mostrava mais exaltado que um guarda-livros do hotel, que do alto do degrau da Casa Havanesa brandia a bengala, aconselhando à França a restauração dos Bourbons.” – Eça de Queirós, em “O Crime do Padre Amaro”.

“Chiado, um cenário, um ritual de charuto a fumegar, à porta da Havaneza, Ramalho Ortigão assistiu à passagem por aqui du tout Lisbonne do seu tempo”  – José Cardoso Pires, em “Lisboa, Livro de Bordo”

Vamo-nos encostar à porta da Havaneza/E veja-se passar, essa burguesa,/Que vai de risco ao meio e vai de fato preto/ Ao sport de uma hora – à igreja do Loreto” – Guerra Junqueiro, em “No Chiado”

Monte Branco: O lado imprevisto de Estremoz

Monte Branco

Luís Louro foi um dos mais jovens produtores individuais do Alentejo, atirando-se “de cabeça” na fundação da Adega do Monte Branco logo em 2004, tinha apenas 23 anos. O gosto e “a escola” herdou-a de seu pai, Miguel Louro, conceituado criador de vinhos na vizinha Quinta do Mouro. Mas tudo o resto veio do seu […]

Luís Louro foi um dos mais jovens produtores individuais do Alentejo, atirando-se “de cabeça” na fundação da Adega do Monte Branco logo em 2004, tinha apenas 23 anos. O gosto e “a escola” herdou-a de seu pai, Miguel Louro, conceituado criador de vinhos na vizinha Quinta do Mouro. Mas tudo o resto veio do seu próprio trabalho, talento e investimento, crescendo e solidificando, a pouco e pouco, o projecto que criou, desde o início baseado, sobretudo, numa marca – Alento – genial no nome, rótulo e conteúdo da garrafa. Desde 2008 ganhou o apoio da também enóloga Inês Capão, que ali parou após experimentar outras uvas e vinhos mais a norte. A cumplicidade entre os dois profissionais é evidente, até quando discutem e discordam no melhor caminho para alcançar o objectivo. Destes debates nasce, muitas vezes, a luz, que ilumina aromas e sabores em vinhos quase sempre marcantes. E quando não chegam a consenso, prossegue cada um o seu caminho vínico, com humor e criatividade: foi assim que nasceu a linha Lou (de Louro) Ca (de Capão). Os LouCa, são duos de brancos e/ou tintos que os enólogos fazem, “à sua maneira”, sem entraves ou compromissos.

Monte Branco
A parcela em redor da adega, chamada Vinha do Monte Branco, com solos de transição de xisto/calcário, foi plantada em 2017/2018 e ocupa 3,5 hectares.

O projecto da Adega do Monte Branco estabilizou já nas 250 a 300 mil garrafas/ano, com a marca Alento (incluindo a declinação Reserva) a dar conta da maioria da produção, sobrando depois as especialidades: a já citada linha LouCA, os varietais, os vinhos de vinha e, é claro, o topo de gama, branco e tinto, simplesmente chamado Monte Branco. Tudo isto assenta em 28 hectares de vinhas próprias e outros 18 arrendados, localizados na área de Estremoz, vinhas plantadas em solos calcários, de xisto ou de transição entre ambos, entre os 320 e os 400 metros de altitude, com as idades a andar entre os dois e os 28 anos. O modelo de viticultura é o da produção integrada, com várias vinhas de sequeiro aqui trabalhadas com cuidados especiais. Naturalmente, a variabilidade entre as parcelas é enorme, em termos de solos (origem, composição e profundidade), exposição e orientação. Luís e Inês tentam tirar o maior partido de cada parcela, adaptando porta-enxertos, castas e condução às suas características específicas.

Onde nascem os vinhos

Vale a pena gastar algumas linhas com estas parcelas de vinha própria, até porque cada uma origina uvas para vinhos concretos, alguns deles agora colocados no mercado. Várias destas vinhas estão particularmente vocacionadas para brancos de topo, de teor alcoólico moderado e imensa frescura, mas a que não falta volume e equilíbrio, e que são cada vez mais “imagem de marca” pela sua presença diferenciadora, deste novo ciclo do Monte Branco, casa que este ano cumpre 20 anos (já?) de idade. Aliás, nos vinhos de topo, os brancos ocupam 30% do total.

A parcela em redor da adega, apropriadamente chamada Vinha do Monte Branco, com solos de transição de xisto/calcário, foi plantada em 2017/2018 e ocupa 3,5 hectares. É a principal vinha de brancos da casa e, segundo Luís Louro, funciona também como campo de ensaios. “Os vinhos daqui têm uma acidez incrível!”, refere. Às brancas Esgana Cão, Arinto e Galego Dourado (julgaríamos estar nos arredores de Lisboa!) juntam-se as tintas Tinta Miúda, Alicante Bouschet e Sousão. Aqui nasce o Monte Branco branco, o Vinhas Novas branco, o Ca 2021 (feito só de Esgana Cão) e o varietal de Sousão.

Já a Vinha de São Pedro tem uma parte “nova”, 3,3 hectares plantados em 2001 em xisto, com Alicante Bouschet e Aragonez (“dá tintos muito concentrados”, diz Luís Louro); e uma parte “velha”, de 1996, com 3,2 hectares de Castelão, Trincadeira e Aragonez em solos de xisto/calcário. É a vinha mais antiga da casa, de sequeiro, com as castas misturadas, onde têm sido feitas algumas experiências e ainda está a ser estudada e recuperada pelos dois enólogos.

A parcela Horta do Gaudêncio, são 2,6 hectares em solo calcário, que foram plantados em 2019 com Alicante Bouschet, Castelão e Trincadeira, com enxertia no local a partir de varas das melhores parcelas de cada casta. É também uma vinha de sequeiro, aproveitando o solo profundo com boa retenção de humidade. Inês e Luís estão surpreendidos com a qualidade geral, apesar da juventude da vinha, mas a falta de enxertadores condiciona o modelo de enxertia no campo: Cinco anos depois, a parcela ainda tem 30% de falhas. Daqui saiu o Lou tinto 2021.

A Vinha da Freira é a maior parcela, com 10,5 hectares, plantada em 2020 com Trincadeira, Alicante Bouschet, Tinta Miúda, Tinta Grossa, Moreto, Castelão, Tinta Carvalha, Marufo, Tinto Cão, Arinto, Roupeiro. Como se percebe pela diversidade, funciona também como campo de ensaios, com castas antigas do Alentejo e de outras regiões nacionais. Teve em 2023 o seu primeiro ano de produção, “com resultados muito promissores”, referem os enólogos. Também plantada em 2020, a Courela Estreita (1 hectare em calcário) contempla nada menos de 32 castas misturadas, com poda em vaso. O “field blend” foi colhido em 2023 e, ao que parece, deu para entusiasmar. Parcela que há muito deixou de ser promessa para se tornar valor seguro é a Vinha da Cabrota: 3,5 hectares de Alicante Bouschet, Aragonez e Castelão, plantados em 2001. É uma vinha de sequeiro, em solo calcário, com muito baixa produção e uvas que “temperam” com imensa frescura os melhores lotes da Adega do Monte Branco, com particular incidência nos seus tintos de topo.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Charutos: A arte de produzir e fumar “puros”

Charutos

Fumar um charuto pode representar uma pausa na vida do dia a dia, para apreciar o ambiente onde se está, seja o de um canto tranquilo de casa, de uma mesa de final de repasto com amigos ou um espaço ao ar livre que oferece uma vista panorâmica. Ou seja, “há um charuto para cada […]

Fumar um charuto pode representar uma pausa na vida do dia a dia, para apreciar o ambiente onde se está, seja o de um canto tranquilo de casa, de uma mesa de final de repasto com amigos ou um espaço ao ar livre que oferece uma vista panorâmica. Ou seja, “há um charuto para cada ocasião e uma ocasião para cada charuto”, defende Pedro Rocha, CEO da Empor, empresa proprietária da histórica Casa Havaneza, loja que vende charutos em Portugal há mais de 160 anos.
Mas o universo dos charutos não envolve apenas o acto de fumar. É, muito mais do que isso, uma experiência holística muito mais vasta que esse momento, pois envolve a escolha, a arte de fazer o corte mais adequado e de os acender e, depois, a forma de os fumar. Descobrir as preferências pessoais em cada um destes aspectos é uma viagem de autodescoberta e parte do encanto fascinante deste passatempo sofisticado.

A arte de bem cortar
Aprender a cortar um charuto de maneira correta e confortável é uma arte que leva tempo para ser dominada, já que não se trata apenas de um objecto, mas de um produto artesanal que leva muito tempo a ser feito, cuja qualidade não depende apenas das características das folhas de tabaco que o compõem, mas também da experiência, profissionalismo e arte de quem as escolhe e as enrola manualmente.
Qualquer um pode cortar aleatoriamente a ponta de um charuto e começar a fumar. No entanto, o verdadeiro conhecedor reserva um pouco de tempo para admirar o trabalho feito, e identificar a forma do extremo a cortar antes de o remover da forma mais correcta. Esta pequena cerimónia transforma, desde logo, a experiência em algo muito mais profundo e agradável. O segredo é cortar apenas o suficiente para permitir uma puxada confortável e, ao mesmo tempo, preservar a estrutura do charuto. O cortador de charutos escolhido desempenha um papel significativo neste processo. Por isso, escolher o mais correcto melhora a experiência de cortar e fumar o charuto, contribuindo para que seja mais lenta, saborosa e prazerosa, tal como todos os bons momentos devem ser.
Para acender o charuto, a forma mais ortodoxa é usar um fósforo, que é mais comprido que o normal, ou um isqueiro a gás. Deve-se segurar o charuto horizontalmente e acendê-lo girando a extremidade para obter uma queimadura uniforme e intensa, antes de colocar a outra extremidade na boca para começar a fumar. Mas não se deve inspirar. Porquê? Porque a experiência pode não ser a mais agradável.

O tipo de tabaco, o clima, o solo, o conhecimento secular, desde o agricultor às pessoas que enrolam os charutos, aqueles que detêm o conhecimento e o saber fazer, são os factores que mais influenciam e contribuem para a qualidade e distinção dos charutos cubanos.

 

Uma hora de prazer
Para fumar um charuto, basta aspirar para dentro da boca, apreciar todos os sabores e aromas do fumo antes de o expirar lentamente. Para isso, segure o charuto perto da boca e puxe suavemente. Bastam apenas uns tragos por minuto para usufruir do prazer de os fumar, já que o acto é uma oportunidade para descontrair, relaxar e imergir na experiência.
A maioria dos charutos leva pelo menos uma hora para fumar. Quando se apagam, a meio do percurso, basta sacudir as cinzas, reacender e expirar pelo charuto para ejectar o fumo frio. De outra forma, as cinzas só devem ser removidas após algum tempo, apesar de não haver regras de etiqueta em relação ao tema. Mas o seu tempo de permanência no charuto é uma das formas de certificar a sua qualidade, que pode ser atestada por quem o fuma e está, à volta, a partilhar o momento.
E o que se pode fazer se, apesar de todos esses passos cuidadosamente orquestrados, se descobre que não se está a gostar da experiência? Basta colocar o charuto no cinzeiro e deixá-lo apagar naturalmente.
O universo dos charutos é vasto e variado, com uma infinidade de sabores, intensidades e tamanhos. Pode ser necessário algum tempo de experimentação para encontrar o tipo certo para o gosto pessoal. Por isso, é melhor experimentar marcas, formatos e tamanhos diferentes, percorrendo uma viagem de aprendizagem e conhecimento que poderá ser tão fascinante como descobrir as suas origens, desde a mais reconhecida ilha de Cuba, onde são produzidos os Habanos, até ao México, Equador, Brasil, Honduras, Nicaragua ou República Dominicana, entre outros, e os seus terroirs. São passos de um percurso longo em que é essencial também a experiência, arte de bem saber fazer e profissionalismo dos seus artesãos. No final, lembre-se que a arte de fumar charuto é uma jornada pessoal. Trata-se de saborear momentos de tranquilidade, enquanto se aprecia tudo aquilo que cada um tem para oferecer. Quer você seja um conhecedor experiente ou um iniciado curioso, o mundo dos charutos oferece uma experiência cativante, rica em tradição e repleta de sofisticação.

Depois de colhidas, as folhas de tabaco vão para armazéns de cura, onde estão vários dias, por vezes meses

 

A viagem até ao Habano
O tipo de tabaco, o clima, o solo, o conhecimento secular, desde o agricultor às pessoas que enrolam os charutos, aqueles que detêm o conhecimento e o saber fazer, são os quatro factores que mais influenciam e contribuem para a qualidade e distinção do Habano, ou seja, dos charutos cubanos.
A produção de cada unidade leva cerca de três anos, desde que as plantas são semeadas no campo até que cada uma é colocada na caixa respetiva, e implica mais de 500 procedimentos manuais. Até o processo de colheita de folhas obedece a regras, já que começa de baixo para cima. São retiradas apenas duas ou três folhas de cada vez, com uma semana de alternância até a planta ficar completamente despida. “Só assim se garante que têm a composição e constituição certas para integrarem os futuros Habanos”, defende Pedro Rocha.
O tabaco para a tripa e para o capote, que integram o interior dos charutos, é produzido, no campo, através do método designado como “tabaco ao sol”, enquanto que, para a capa, é produzido pelo processo de “tabaco tapado”, que decorre em instalações de forma semelhante à das às estufas, mas cobertas com tecido para originar apenas ensombramento. O objectivo é diminuir a intensidade da radiação que chega às folhas, “para que fiquem com mais goma, não criem tantas nervuras vincadas e grossas e sejam o mais elásticas possível, para ficarem com o aspecto mais apelativo possível, porque são as que ficam no exterior dos charutos”, explica o gestor.
Há três tipos principais de folha de tabaco nos charutos: o ligero, o seco e o volado. O primeiro, de grande fortaleza e queima lenta, é responsável pela sua robustez e dá-lhe um toque de sabor, o segundo, de fortaleza média, é o principal responsável pelo seu aroma e, o terceiro, aquele que tem menor fortaleza, é-o pela sua capacidade de combustão. Depois, o blend de cada marca está ligado à sua origem, no campo, e à quantidade e qualidade das folhas postas em cada charuto.
Depois de colhidas, as folhas de tabaco vão para armazéns de cura, onde estão vários dias, por vezes meses, até passarem ao tom carmelita ou castanho. A ventilação e a luz são reguladas para permitir variações naturais de temperatura e umidade. Esse processo dura, no mínimo, 50 dias, e é mais prolongado para as folhas colhidas nas zonas mais altas das plantas.
O processo seguinte, a primeira fermentação, é semelhante ao que ocorre nas pilhas de folhas que se acumulam nos jardins das casas, para serem usadas depois como fertilizante natural. Também aqui são colocadas em pilhas, que são amarradas e cobertas antes de se iniciar uma fermentação que decorre naturalmente devido, entre outros, à humidade que ainda fica retida nas folhas após o processo de cura e ao calor e humidade cubanos. Como gera calor, é supervisionada constantemente para que siga os parâmetros desejados.

As virtudes da fermentação
O processo dura até 30 dias e serve para baixar os níveis de nicotina, amoníaco, alcatrão e outros compostos menos desejáveis no charuto, tornando cada folha muito mais própria para se fumada. As destinadas ao capote e a tripa do charuto são depois humedecidas e arejadas para serem classificadas e separadas mais facilmente, já que não têm todas as mesmas dimensões e formas. Depois de escolhidas, são agrupadas em quatro categorias. Seguindo os rigorosos processos que caracterizam a produção dos charutos cubanos, somente metade das folhas são classificadas como fortaleza média, ligero, seco, volado e capote, para serem utilizadas na sua produção.
Posteriormente, todas as folhas passam por uma nova fermentação, sendo colocadas em pilhas e cobertas com panos. Também aqui a temperatura deve ser monitorizada com muito cuidado, para evitar excessos. Quando é muito alta, as pilhas são desfeitas para as folhas esfriarem antes de serem refeitas, com as folhas que estavam em cima a passarem para baixo e vice-versa. É um processo que se repete várias vezes durante esta etapa. A seguir decorre o despalillo (desengace), onde as despalilladores (desengaçadores) usam um dedal de metal no seu polegar para retirar as nervuras da base das folhas da tripa e do capote, antes de se iniciar um novo processo de fermentação.
A seguir decorre o planchado, em que as folhas ficam a estagiar. As de ligero são 24 meses e as de fortaleza média, até ao seco, entre 12 e 18 meses e o volado e as coisas com menor fortaleza nove a 12 meses”, explica Pedro Rocha. Quanto mais tempo a folha estiver a amadurecer, melhor será a sua qualidade.
Depois, as folhas de tabaco saem dos armazéns para as fábricas, onde se inicia o processo industrial, começando pela sua molha, para que possam ser manuseadas, antes de entrarem na Baraguita, onde está o “mestre da ligada”, aquele que diz o tipo de charuto que vai ser feito, um Partagas de 4, por exemplo, definindo quanto é que vai dar de cada tipo de folha de tabaco a cada enrolador para fazer o que é a norma (número) diário deste tipo de charutos.

60 tonalidades diferentes
“Nas nossas fábricas, a norma diária são 100 cem robustos por dia, aqueles que cada operador tem de fazer, explica Pedro Rocha. Ou seja, o mestre dá, a cada um, uma determinada quantidade de ligero, seco, capa e capote e anuncia qual a quantidade, de cada um deles, que cada operador tem de por em cada charuto.
Os enroladores estão na Galera a fazer isso, numa operação fiscalizada pelos vários departamentos de control de qualidade, incluindo a avaliação por “máquinas de tiro”, aquelas que controlam a capacidade de cada charuto de ter tiro, ou seja, de se conseguir dar, neles, a primeira puxada de fumo depois de serem acesos. “O charuto só não é fumável quando não tem tiro, ou seja, quando não tem canais de ar no seu interior que permitam que seja aceso e fumado”, explica Pedro Rocha, acrescentando que todo o trabalho de enrolar é feito à mão, em Cuba, mas noutros países pode ser usada uma máquina semelhante à de enrolar cigarros.
Depois de enrolado, o charuto vai para um escaparate, durante algum tempo, para baixar o seu nível de humidade até aos 65 a 70%, antes de ir para uma secção de escolha de cores. Como as folhas de tabaco podem ter 60 tonalidades diferentes após o fim de todo o processo produtivo, é preciso fazer uma selecção, para garantir que todos os charutos da mesma caixa têm os tons mais homogéneos possível. Depois de selecionados, outro operador coloca-lhes a anilha, e outro nas caixas respectivas, processos sempre acompanhados pelo controlo de qualidade. “São três anos, desde que as sementes de tabaco são plantadas no campo até que o charuto é colocado na caixa, o que implica que haja sempre folhas disponíveis armazenadas para garantir a resposta às solicitações do mercado”, salienta ainda Pedro Rocha. É um caminho longo, com muitos passos e muitas pessoas envolvidas, desde que as sementes da planta do tabaco são deitadas à terra até que cada charuto é escolhido. Por isso, é natural que o seu preço também possa chegar aos milhares de euros, apesar de, com dois, se puder comprar um. Os terroirs, os tipos de folhas, a arte de saber fazer e o profissionalismo dos operadores, e os cuidados seguidos em todas as partes de um ciclo produtivo que deu os seus primeiros passos há umas centenas de anos, dão origem a um produto com muito mais do sabores e cheiros. Para quem gosta mesmo, apreciá-los é um ritual que pode dar origem a uma pausa no tempo para pensar, apenas observar, dialogar ou conviver. Ao que parece, é irresistível…

Fontes: Casa Havaneza e os sites da Habanos, Ape to Gentleman, The Art of Manliness e William Henry

O universo dos charutos é vasto e variado, com uma infinidade de sabores, intensidades e tamanhos e pode ser necessário algum tempo de experimentação para encontrar o tipo certo

 

Aprofundando-se no mundo dos charutos

Quando se embarca jornada cativante de fumar charuto, há várias coisas a considerar, desde o conhecimento sobre tamanhos, formatos e embalagens, até à forma de os armazenar adequadamente.

Tamanhos e formatos

Os charutos têm vários tamanhos e formatos, comummente chamados vitolas, que têm efeito na experiência de fumar, pois afectam a taxa de queima e a extração do charuto. Por exemplo, os mais grossos, conhecidos  como robustos, oferecem uma queima mais lenta e uma fumada mais fria, enquanto os mais finos e longos, como o lancero, proporcionam uma queima mais rápida e um sabor mais concentrado. Compreender as diferentes vitolas pode ajudar na seleção do charuto certo para a ocasião e duração preferida para fumar.

Invólucros de charuto

A capa, a folha mais externa de um charuto, desempenha um papel importante no seu perfil de aromas e sabores.

Harmonização com bebidas

A bebida certa pode elevar a experiência de fumar um charuto, realçando os seus sabores e oferecendo uma prova mais sofisticada. Um rum velho, um uísque single malte, um porto vintage, um café forte ou até um chá podem ser combinações perfeitas para o charuto escolhido.

Armazenamento de charutos

Manter a humidade e a temperatura corretas é essencial para preservar a qualidade dos charutos. Um humidificador de charutos bem conservado pode garantir que os seus permaneçam frescos e se mantenham aromáticos e prontos para fumar.

Notas de prova

Desenvolver um paladar refinado para identificar as diversas notas de prova de um charuto é um aspecto gratificante da jornada. Desde o primeiro terço ao final, o perfil sensorial de um charuto pode mudar bastante. Aprender a discernir essas mudanças e complexidades sutis pode aumentar e melhorar a sua capacidade de os apreciar.

Etiqueta

Finalmente, há uma etiqueta associada ao fumo de charuto, que inclui a regra de não soprar o fumo na direção dos outros e respeitar as regras dos locais onde se está a fumar.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Grande Prova: De norte a sul Os “outros” Alvarinho

Grande Prova Alvarinhos

A casta que hoje nos ocupa é mais uma daquelas que, por norma, dizemos ser casta portuguesa e que em boa verdade é uma variedade ibérica. Nuestros hermanos, que também a apelidam de Cainho Branco, fizeram dela a rainha das Rias Baixas e a fama ultrapassou fronteiras, tendo chegado a outros continentes. Por lá foi […]

A casta que hoje nos ocupa é mais uma daquelas que, por norma, dizemos ser casta portuguesa e que em boa verdade é uma variedade ibérica. Nuestros hermanos, que também a apelidam de Cainho Branco, fizeram dela a rainha das Rias Baixas e a fama ultrapassou fronteiras, tendo chegado a outros continentes. Por lá foi referenciada em 1843 mas A. Girão (tratado Prático da Agricultura das Vinhas) já fala dela em 1822 como casta de Monção. Entre nós esteve muito tempo confinada ao Minho, inicialmente à zona de Monção e Melgaço, onde adquiriu justa fama. Sempre dispersa nas vinhas e misturada com outras castas, a Alvarinho conheceu a primeira vinha contínua em 1964 no Palácio da Brejoeira, orientada por Amândio Galhano. Até há poucos anos era só de Monção e Melgaço que poderiam sair vinhos com Denominação de Origem Vinho Verde, mas a situação actual é bem diferente, uma vez que em qualquer zona da região se pode fazer um Alvarinho com direito a D.O.. A área de vinha deverá atingir actualmente cerca de 1500 ha.

A grande divulgação da casta só começou no final dos anos 80 do século passado, quando muitos produtores resolveram avançar para projectos próprios como engarrafadores. Passámos então de quatro ou cinco marcas – Deu la Deu, Palácio da Brejoeira, Adega de Monção e Cêpa Velha – para as mais de 100 que existem agora, com muitos milhões de garrafas produzidas anualmente. Gradualmente deixou de ser o branco da aristocracia rural minhota, vinho de ricos e de eventos de luxo, para se tornar um branco acessível a todos. Terá sido essa expansão e o sucesso que os vinhos tiveram junto do consumidor que despertou o interesse de produtores de outras zonas do país para as virtudes da Alvarinho. Temos hoje, assim, vinhos varietais em várias regiões, umas mais quentes que outras, umas de interior e outras costeiras.

A casta gosta de estar perto do mar, mas protegida do mar, ainda que tal possa parecer contraditório.

Os registos da prova
Na prova que fizemos, que não permite juízos de valor definitivos, foram, no entanto, perceptíveis algumas tendências. Mas as conclusões poderão ser apressadas porque avaliámos vinhos de idades muito diferentes; recuando no tempo, tivemos amostras desde 2023 até 2019. Por isso havia no painel algum desequilíbrio temporal. É verdade que, em termos abstractos, um branco de 2019 não se considera velho ou demasiado evoluído em nenhuma região do mundo, mas o facto de estarem aqui vinhos precocemente evoluídos pode permitir algumas leituras sobre a adaptação (ou não) da casta a solos e climas muito distintos dos da zona de origem (Minho).

A expansão da casta, cremos, ficou a dever-se às suas virtudes intrínsecas: produz bem, aromaticamente é muito rica e além de um corpo elegante, resulta com uma acidez muito expressiva que alegra o lote final. Pela experiência nas zonas de Monção e Melgaço, percebeu-se também que, uma vez plantada em solos diversos, poderia originar vinhos expressivos e diferenciados de perfil. Ora, tendo o país zonas costeiras e de interior, zonas frias e quentes, de planície e de altitude, era inevitável a “atracção fatal” que a casta exerceu sobre os produtores. É também por isso que estamos em crer que o futuro próximo nos irá trazer mais amostras de outros produtores interessados na casta.
Os resultados da prova têm algo de paradoxal: a vitória de um vinho mais “atlântico” poderá ser considerada normal, mas os dois lugares seguintes com origem em zonas de interior já podem ser mais surpreendentes. Jorge Moreira, que faz no Douro o “seu” Alvarinho Poeira e também o Quinta de Cidrô, reconhece na casta “a capacidade de mostrar bem o local de onde vem, acentuando no Douro o seu carácter mais gordo, mas conservando uma excelente acidez e pH”. Ao seu Poeira há a acrescentar o Pó de Poeira, ambos da sua propriedade mas de vinhas diferentes. Já Anselmo Mendes, com muitos vinhos feitos em Monção, acentua que “a casta gosta de estar perto do mar, mas protegida dele. Ainda que possa parecer contraditório, a verdade é que, se demasiado perto da orla marítima e sem protecção, a casta pode originar uma acidez exagerada”. Na Bairrada, onde dá apoio enológico ao vinho Kompassus, Anselmo assinala que “a casta se mostra muito bem em solos argilo-calcários, resultando num vinho um pouco mais fechado, mais reduzido, mas com mais salinidade na prova de boca; estou convencido que a proximidade do mar pode ser determinante, tal como é a influência do enólogo”, disse.

Nas zonas quentes a produção do Alvarinho pode levantar alguns problemas. Paulo Laureano que também a trabalha no Alentejo, confessa que levou algum tempo a perceber a melhor forma de contrariar a tendência da casta para a sobrematuração que deriva do clima quente. Diz, por isso, que “uma poda adequada e um clima que inclua alguma brisa são fundamentais porque a maturação pode parar por excesso de calor”. Já a Herdade da Ravasqueira começou por plantar a casta ainda em finais dos anos 90 e desde a segunda década deste século que tem feito vinhos varietais, “uma aposta segura”, como nos disse Vasco Rosa Santos, que integra a equipa de enologia da Ravasqueira. Na Herdade da Lisboa a produção tem sido irregular e, por exemplo, a partir de 2020 ainda não é certo quando voltará a haver. Ali a casta é também usada para base de espumante e, para vinho tranquilo, é fermentada em barrica.
Estamos perante uma casta que aceita vinificações variadas, desse o clássico inox, barricas de vários tipos e idades e cimento. A tendência actual, que aponta sobretudo para a vinificação e estágio em barrica usada, encontra nesta variedade uma compincha. E, tal como acontece no Minho, os produtores estão também a descobrir-lhe as virtudes para ser vinificada como base para espumante. Eles já existem abundantemente em Monção e Melgaço e, cremos, irão surgir também noutras zonas do país.
Como se pode verificar pelos vinhos que provámos, os preços podem ter enormes variações mas essa é discussão para ter noutro fórum que não este. Pode-se, de qualquer maneira, concluir que o consumidor pode ter acesso a Alvarinhos de todo o país, com muito boa qualidade e a preço sensato.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

Raposeira: A celebração de cada dia

Caves Raposeira

Durante o passeio pelas vinhas perto das Caves da Raposeira e pelos corredores infinitos subterrâneos, cheios de garrafas em repouso, Marta Lourenço, a enóloga responsável pela produção nesta casa e na Murganheira, partilhou a história da empresa, contada pelo seu sogro, um profundo conhecedor e especialista nesta categoria de vinhos e uma figura incontornável no […]

Durante o passeio pelas vinhas perto das Caves da Raposeira e pelos corredores infinitos subterrâneos, cheios de garrafas em repouso, Marta Lourenço, a enóloga responsável pela produção nesta casa e na Murganheira, partilhou a história da empresa, contada pelo seu sogro, um profundo conhecedor e especialista nesta categoria de vinhos e uma figura incontornável no que toca aos espumantes nacionais – Orlando Lourenço.
Lamego foi uma das primeiras regiões em Portugal onde se começou a estudar os processos de espumantização. As Caves da Raposeira tiveram o seu início no seio familiar de Adelino Pereira do Vale, com o seu filho e genros, um dos quais, José Teixeira Rebelo Junior, com residência permanente em Lamego, desempenhou um papel importante como administrador. Segundo as informações da empresa, as primeiras tentativas de criar bolhinhas começaram ainda em meados do século XIX e, a partir de 1898, já produziam e comercializavam os “vinhos espumantes tipo Champagne” na cidade de Lamego.
Nos anos 30 do século passado, a Caves Raposeira tornou-se numa empresa de grande prestígio, visitada pelas figuras do Estado Português e Brasileiro, onde a marca era bem apreciada. Nos anos 50-60, os espumantes da Raposeira eram vinhos de luxo, custando uma garrafa de 35 a 90 escudos (preço para retalhistas), numa altura em que a minha sogra se lembra que um garrafão de vinho de 5 litros custava 4,5-5 escudos. O salário dela, em Lisboa, era pouco mais de 2000 escudos e um espumante com estes preços “era nem pensar”. Tratava-se claramente de um produto para “quem pode”.

Mas não há bem que sempre dure… Quando, em 1980, faleceu o administrador da empresa, apaixonado pelas bolhinhas e dinâmico Eugénio Vale Teixeira, a Raposeira foi vendida à multinacional canadiana Seagram. As duas décadas seguintes revelaram-se um período mais desconcertante na história da empresa, que enfraqueceu a força da marca. A abordagem visava a rotatividade rápida do produto, vender barato e ganhar pela escala, descartando a importância da matéria prima e dos processos que asseguram a qualidade. Desfizeram-se das quintas (tinham quatro) e dos fornecedores de uva habituais, passando a importar vinho de mesa barato a granel. Diluíam-no, espumantizavam e vendiam barato. “Não vinificaram 1 kg de uva própria”, conta Marta Lourenço. Devido a este período negro, a Raposeira é, hoje em dia, vista como um parente pobre da Murganheira que, fundada mais tarde, não passou por estes ciclos comprometedores.

A viragem do século trouxe outro gigante multinacional a assumir a gestão das caves em Lamego. Em 2000, duas das maiores empresas mundiais do sector das bebidas alcoólicas, a britânica Diageo e a francesa Pernod Ricard fizeram uma joint-venture para adquirir a divisão de bebidas da Seagram, onde se incluía a Raposeira. No entanto, a marca não integrou o seu portfólio por muito tempo. Como a Pernod Ricard já representava duas marcas de Champagne, Moët & Chandon e Dom Perignon, em Portugal, rapidamente se desfez de um activo que não era estratégico. O melhor que aconteceu à Raposeira foi a sua aquisição pela Murganheira em 2002 e a entrada de Orlando Lourenço como administrador. É difícil de imaginar outra pessoa para quem a Raposeira representasse um valor sentimental tão grande, uma vez que já tinha ligação forte à empresa desde a infância: a sua mãe trabalhou como operária na Raposeira e o seu pai produzia vinho base para espumante destinado a esta casa. Por isto, quando entrou, o objectivo não era o lucro imediato, mas sim a recuperação da antiga fama da marca. Fez uma revolução qualitativa. Voltou a apostar na matéria prima (agora contam com uvas de mais de 400 viticultores) e introduziu novos processos de trabalho na adega, já aplicados na Murganheira.

Entre o Douro e Távora-Varosa
A Raposeira é a única empresa em Portugal que pode certificar os seus vinhos com duas denominações de origem – Távora-Varosa ou Douro. A fronteira passa precisamente pela vinha junto à adega. Entretanto, como as uvas são misturadas no vinho final, este fica “desclassificado” para vinho de mesa. Internamente estão a ponderar a possibilidade de certificação, mas não é urgente, pois a marca sobrepõe-se à associação a qualquer DO.
A maior parte das uvas (70%) vem do Douro, sobretudo do Baixo Corgo, mas do Cima Corgo e de algumas partes do Douro Superior também. Os descendentes dos fundadores, por exemplo, são os maiores produtores de uvas (na sub-região de Baixo Corgo e na fronteira com Távora-Varosa). Marta nota uma grande diferença no perfil das uvas que amadurecem em condições diferentes. O Douro é xisto, Távora-Varosa granito. As amplitudes térmicas em Távora-Varosa são bem mais pronunciadas. “As pessoas estão habituadas a usar um casaco polar por cima de uma t-shirt”, conta a enóloga. Os mostos de Távora-Varosa apresentam pH 2,7-3, enquanto no Douro 2,9-3,4 e isto faz diferença no produto final.
Do Douro vêm sobretudo a Malvasia Fina e Viosinho e as castas tintas – Touriga Nacional, Touriga Franca (ficam muito bem no espumante) e Tinta Roriz; de Távora-Varosa acresce o Pinot Blanc. A produção não é muito alta, contam com 4-8 toneladas de uva por hectare.
A mesma casta também se comporta de forma diferente. A Malvasia Fina do Douro é mais fácil, mais floral, em Távora-Varosa, mais exigente, com maior acidez e mineralidade.
Quando a enóloga Marta Lourenço entrou, em 2005, as mudanças na empresa já estavam em andamento. Para além dos espumantes doces e semi-secos, introduziram os brutos e criaram uma linha “Gourmet”, a incluir Super Reserva Blanc de Noirs Bruto, Super Reserva Blanc de Blancs Bruto, Super Reserva Rosé Bruto, Super Reserva Peerless Bruto e Super Reserva Tinto Bruto.
O processo produtivo é praticamente igual na Murganheira e na Raposeira. Existe uma única diferença na recepção de uva. Na Murganheira, a uva inteira e intacta vai directamente para a prensa, na Raposeira ainda usam o tegão e a bomba que resulta sempre em algum rompimento de bago. Para evitar isto, nos espumantes especiais usam um pequeno tapete transportador para colocar uvas na prensa. Já existe um projecto para fazer obras destinadas à melhoria na recepção de uvas. E é para breve.
O fraccionamento de prensas, as leveduras livres e o estágio prolongado são três pilares de qualidade do espumante que não se abdicam na Raposeira, tal como na Murganheira.
O mosto é separado em quatro frações: première pièce – os primeiros 400-500 litros resultantes da “lavagem” das uvas com o próprio mosto, que é descartado em anos maus e por vezes pode ser aproveitado para os espumantes meio-secos e doces; cuvée – a melhor parte do mosto destinada à produção dos espumantes brutos; taille – resultante do início da prensagem – também utilizada para espumantes meio-secos e doces; e finalmente rebêche, a última parte da prensa que é sempre descartada.
Tal como na Murganheira, na Raposeira trabalham exclusivamente com leveduras livres. É mais trabalhoso, mas qualitativamente fazem espumantes mais ricos e complexos, sobretudo com o tempo de estágio prolongado. Têm uma sala com cubas destinadas à multiplicação das leveduras, para as adaptar às condições pouco confortáveis (teor de etanol produzido na primeira fermentação e presença de gás carbónico) em que ocorre a segunda fermentação. Começam com 80% de água e 20% de vinho e depois vão aumentando a percentagem de vinho, num processo que demora sete dias e exige um controlo quase constante.
E aqui chegamos ao terceiro ponto importante – tempo de estágio. Na Raposeira os espumantes brutos estagiam com borras antes de dégorgement no mínimo quatro anos, meio-secos três anos e os doces no mínimo dois anos.
Para além dos pontos fulcrais, existem ainda muitos detalhes durante todo o processo produtivo que podem fazer a diferença. O controlo rigoroso em cada etapa é a parte menos romântica, mas vital. Na empresa não abdicam de inovação e investimentos se estes trazem benefícios na qualidade do espumante. Por exemplo, em alguns espaços usam iluminação LED específica, com espectro muito estreito, calibrado para não interagir com riboflavina (vitamina 2 presente no vinho) e não provocar alterações sensoriais chamados “gosto de luz”. Estas lâmpadas (caríssimas) produzem uma luz âmbar monocromática, que permite visibilidade suficiente para trabalhar, por exemplo na sala de giropaletes ou caves, evitando deterioração do vinho.

Raposeira

 

A Raposeira é hoje o maior produtor de espumantes em Portugal. Anualmente saem 2,5 milhões de garrafas efervescentes, das quais cerca de um milhão são espumantes meio-doces e doces e o resto – brutos, dos quais cerca de 120 000 garrafas da linha especial.

Nos longos corredores subterrâneos permanecem, em estágio, 12 milhões de garrafas, mais do que a população do nosso país. Dava uma garrafa para cada português e ainda sobrava! E 80% da produção é comercializada no mercado nacional.

 

Os espumantes antigos da Raposeira
Nem sabia que existiam! Depois da prova da gama actual, uma grande surpresa foi a prova de espumantes antigos. Nem todos se apresentavam em melhores condições, mas permitiu claramente sentir as diferentes épocas na vida da marca.
O Velha Reserva 1995 apresentava uma cor dourada clara, fruta compotada, a lembrar o vinho da Madeira, notas amendoadas e pão seco. O açúcar residual era bem perceptível e quase não tinha gás. O 1996 sentiu-se mais caramelizado no sabor, com notas de leite-creme e alguma ferrugem. O 2000, com limão caramelizado e nuance amendoada, era mais fresco no nariz e com mais tensão na boca, mas leve amargo no final evidenciava o uso do mosto de prensa. A partir de Velha Reserva 2001 nota-se uma mudança na elaboração: com fruta mais limpa, maior presença de gás, final com sabor a pão mas também com frescura, cremoso e com certa untuosidade. O 2005 apresentou tonalidade de limão intenso a caminhar para dourado, nariz muito limpo com notas de casca de limão cristalizada, fruta branca, tisanas, todo tenso e vibrante, cheio de vivacidade e mineralidade. O 2006 com fruta madura a lembrar pêssego em caldo, mel, notas florais, com ligeira doçura frutada no final. O 2010 tem a vida toda pela frente, cheio de fruta, intenso, bem seco e cremoso. O 2011 com sugestões de limão, pêra, tisanas e mel, expressivo e transparece frescura.
O Chardonnay 2010 – no primeiro impacto demonstrou uma ligeira redução. Mas rapidamente se recompôs, alinhou-se todo e, com boa pressão, bolha fina, textura cremosa, limpo e saboroso, finalizou a prova em grande.
Absolutamente inesperada foi a performance do Primor seco feito de Moscatel dos anos 70-80 (não deu para identificar o ano exacto), que apresentava uma cor dourada e aroma extremamente complexo e bonito com pêssego em calda, marmelada, xaropes de farmácia, mel, estragão e notas resinosas, com um enorme equilíbrio do conjunto – uma bela surpresa!
E, por fim, o Velha Reserva Bruto 1979, com uma raposa diferente no rótulo, deu uma grande prova com uma acidez fantástica, nariz doce com canela, mel e alperce em caldo, ainda com gás carbónico a vibrar. Incrível e cheio de vida.

Celebrar a vida com Raposeira
A Raposeira tem muito para contar. Já foi uma marca emblemática que dificilmente tinha concorrência em Portugal, e sofreu com a errada gestão estratégica. Agora, quando só o mais preguiçoso não produz espumante, porque está na moda, afirma-se com nova força e dinamismo, associada a uma imagem sempre impecável. A Raposeira tem um grande legado e muito know-how graças às pessoas dedicadas e profissionais que vivem a marca. O volume de produção permite manter os preços acessíveis com um nível de qualidade ao qual muitos espumantes bem mais caros não conseguem chegar.
Se o Murganheira é posicionado como um espumante para os momentos especiais, o Raposeira é um espumante de dia a dia, para celebrar a vida em qualquer momento.

(Artigo publicado na edição de Maio de 2024)

António Zambujo: Música numa garrafa

António Zambujo

Foi no eixo Beja-Vidigueira que se conheceram ainda miúdos e a vida levou-os em diferentes direcções, sem nunca os separar totalmente. A dada altura, nos seus regulares encontros à volta da mesa e do vinho (como não podia deixar de ser), uma ideia foi assentando. O conceito inicial poderia formular-se assim: criar uma linha de […]

Foi no eixo Beja-Vidigueira que se conheceram ainda miúdos e a vida levou-os em diferentes direcções, sem nunca os separar totalmente. A dada altura, nos seus regulares encontros à volta da mesa e do vinho (como não podia deixar de ser), uma ideia foi assentando. O conceito inicial poderia formular-se assim: criar uma linha de vinhos que traduzisse, na forma e no conteúdo, os 20 anos da carreira musical de António Zambujo. Uma carreira eclética que passou, primeiro, pelo cante alentejano e pelo fado, mais tarde abrindo-se a influências do mundo, um ecletismo que os vinhos deveriam igualmente expressar.
Dando a liderança técnica ao enólogo entre eles (Luís Leão, profundo conhecedor do Alentejo e da Vidigueira em particular), todos participariam na definição dos lotes e dos perfis dos vinhos que, nesta fase de arranque do projecto, deveriam estar alinhados com as influências musicais de cada um dos 10 álbuns do artista, deles retirando igualmente o nome. Como não têm vinhas nem adega, caberia a Luís selecionar vinhos em diferentes produtores da Vidigueira, adquiri-los, lotá-los e estagiá-los.
Bem dito, bem feito. Só que, a dada altura, foi preciso encontrar um local para colocar as barricas que albergavam os “vinhos musicais”. João Pedro Baião colocou-se em campo e descobriu e adquiriu, em Vila de Frades, centro de um dos mais significativos terroirs vitivinícolas da Vidigueira, um espaço imponente construído em 1879 como adega de talhas e onde mais tarde funcionou uma carpintaria. Quando começaram a reabilitá-lo, acharam que não fazia sentido ficar fechado, apenas um armazém. Porque não abrir ali um wine bar/loja de vinhos? E assim nasceu a Adega da Zabele. O nome encontrado resulta da conjugação das iniciais dos três sócios, mas também tem um lado feminino. Pode significar a maneira alentejana de dizer Isabel.

António Zambujo
António Zambujo, Luís Leão e João Pedro Baião.

 

Vinhos e concertos

A Adega da Zabele funciona às sextas, sábados e domingos. Mas atenção, não é um restaurante. Sem cozinha, apenas com copa, funciona à base de petiscos, pão, azeitonas, azeite, queijos, enchidos, conservas, escabeches e outras coisas boas. As paredes estão forradas com vinhos de quase todos os produtores da Vidigueira, que ali podem ser adquiridos a preço de loja e servidos, mediante módica taxa de rolha. Uma vez por mês, há um jantar-concerto, com a cozinha encomendada a mãos experientes. O primeiro foi, naturalmente, inaugurado por António Zambujo, em Outubro do ano passado, mas por lá já passaram nomes como Pedro Abrunhosa, Ricardo Ribeiro ou Tiago Nogueira. O próximo vai ser protagonizado por uma orquestra argentina. Nestes jantares-concertos (cujos 54 lugares, vendidos através das redes sociais, costumam esgotar em 24 horas, com gente vinda de todo o país) há sempre um produtor local convidado a apresentar os seus vinhos.
A propósito de vinhos, convém falar dos que agora chegaram ao mercado. São três, com rótulos distintos, correspondendo a outros tantos álbuns de António Zambujo: Outro Sentido, Guia e Quinto. Luís Leão procurou que o conteúdo das garrafas fosse ao encontro do perfil das obras musicais, e estes primeiros lotes foram elaborados com base em vinhos comprados em 6 diferentes produtores da Vidigueira. Mas não quer dizer que, no futuro, seja sempre assim. “Defendemos o nosso território, mas não estamos agarrados a ele, diz João Pedro. E Luís exemplifica: “O álbum Avesso vai traduzir-se, naturalmente, num branco da casta Avesso, da região dos Verdes. E, quase certo, vamos ter um vinho da região de Lisboa, para expressar um álbum de fado.”
Dos vinhos agora apresentados fizeram-se 1000 garrafas de cada, em embalagem conjunta. Os dois primeiros álbuns de António Zambujo (O Mesmo Fado e Ode) vão encher 600 garrafas magnum cada um. “O projecto começou de forma descontraída e vai crescer devagarinho, desenvolver-se de modo natural, juntando amigos e vinhos”, comenta António Zambujo. “Hoje já vamos vendo isto como um negócio, mas tudo começou sentados à mesa.” E que boa maneira de iniciar uma coisa destas…

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)

Real Companhia Velha: São 268 anos, but who’s counting?

Real Companhia Velha

1960: a família Silva Reis assume o controlo da Real Companhia Velha (RCV), com 60% do seu capital. Outros 35% pertencem à Casa do Douro e o resto está disperso. Já há vários anos que a direcção está a cargo de Pedro Silva Reis. Os seus filhos foram entrando pouco a pouco no negócio. Pedro […]

1960: a família Silva Reis assume o controlo da Real Companhia Velha (RCV), com 60% do seu capital. Outros 35% pertencem à Casa do Douro e o resto está disperso. Já há vários anos que a direcção está a cargo de Pedro Silva Reis. Os seus filhos foram entrando pouco a pouco no negócio. Pedro é enólogo e tem responsabilidades nos vinhos de mesa, Tiago é enólogo e blender de vinhos do Porto. Há muitos anos que o enólogo principal da casa é Jorge Moreira, e a viticultura está na mão de Álvaro Martinho Lopes. Hoje banalizou-se chamar paixão a tudo, mas é impossível ouvir Álvaro falar do Douro e não sentir que é essa a única palavra para o descrever.

A vida do Douro

Em evento recente no Hotel Bairro Alto em Lisboa, Álvaro Martinho Lopes explicou apaixonadamente (lá está) a vida do Douro. A vida das plantas, neste caso, e como elas influenciam e são influenciadas pelo homem. Álvaro é um homem da terra, do Douro, e faz compreender tudo muito bem. Quem já foi ao Douro sabe do que ele está a falar. Embevecido, relembra as suas memórias dessa incrível região de vinho. Quem não foi, fica imediatamente com vontade de ir. Vejamos algumas headlines: “uma vinha com 40 anos é jovem”, “o Douro tem um clima óptimo, mas as plantas têm de lutar, o solo é selectivo”, “O Douro é uma equação grande, com muitas variáveis: altitude, castas, exposição, vinhas velhas, vinhas novas. As Carvalhas são uma quinta igual às outras, o que difere são as pessoas.” Jorge Moreira interveio depois e confirmou isto tudo, enfatizando que, com as variações dentro da própria vinha, e tendo como objectivos os estilos de vinho pretendidos para cada parcela ou cada combinação de parcelas, o factor mais importante, quando chega a hora, é a data de vindima.
Quando Jorge Moreira chegou à RCV, em 2010, as Carvalhas estavam dedicadas ao vinho do Porto. Com 500ha, 150ha são de vinha, dos quais 50 são vinhas tradicionais, e nas outras há várias exposições solares, várias altitudes, várias pendências, inclusive algumas parcelas com caraterísticas que obrigam a trabalho com tracção animal. Jorge Moreira afirmou: “Com esta localização única, a quinta tem de tudo e tudo em grande escala, uma conjugação de factores que permite e obriga a fazer vários tipos de vinho. Há várias gerações que faz vinhos incríveis, e esta diversidade inclui pessoas, gente com sabedoria, com cultura de vinho, entre os quais proprietários apaixonados pelo Douro. E tem o Álvaro. Hoje vamos provar cinco vinhos que demonstram variedade. Mas poderíamos mostrar 10 ou 12.”
Uma outra questão interessante que Jorge Moreira abordou foi o terroir dos vinhos. Parece haver a convicção de que há zonas separadas para tawny, para vintage, para branco. Jorge não acredita muito nisso, e provou-o fazendo um branco da Serra de Galgas, a 450m de altitude e com menos 3ºC de média de temperatura e 1h20m diários de luz, ou melhor, tem luz mas não exposição directa ao Sol. Com exposição Norte, esta parcela de Gouveio tem uma fotossíntese gradual e é sempre a última a ser vindimada. O vinho completa-se com Viosinho da parcela Cruz, por cima da estrada interior da quinta, com altitude mais baixa.

“Há várias gerações que a Real Companhia Velha faz vinhos incríveis, e esta diversidade inclui pessoas, gente com sabedoria, com cultura de vinho, entre os quais proprietários apaixonados pelo Douro” – Jorge Moreira

 

56 castas vinificadas em separado…

A Quinta das Carvalhas presta-se a experimentação com castas, e tem grande sucesso nos seus varietais de castas raras. Talvez tanto sucesso que algumas deixem de ser raras. A Tinta Francisca resiste muito bem ao calor sem água. É uma casta nativa do Douro, logo melhor preparada para fazer o seu percurso fisiológico o mais eficientemente possível. Ou seja, amadurecer as sementes. Eficiente é fazer tudo com pouco. Sem desperdício. Segundo nos contou Álvaro Martinho Lopes, estas experiências nem sempre têm sucesso, e o pior é que demoram anos a ter resultados e representam investimentos significativos. A má experiência com o Donzelinho tinto foi uma boa lição, mas saiu cara. Segundo Pedro Silva Reis (filho), em 2023 fizeram na Real 287 vinificações, incluindo 56 castas separadas.
O Vinha do Eirol é a menina dos olhos de Pedro. Vem de uma parcela de vinhas velhas com a habitual mistura de castas, com exposição Poente, a 380m de altitude. A vinificação pouco interventiva assegurou pouca extracção e um perfil elegante, ligeiro e guloso. Um vinho à moda antiga, mas uma moda que regressa para alegria dos apreciadores de “vins de soif”.
Esta masterclass teve muita adesão da imprensa, influencers (?) e escanções. Uma sala cheia que provou depois uma nova referência, o Quinta das Carvalhas Reserva tinto. Este vinho pretende ocupar um lugar vago na gama das Carvalhas, com um perfil clássico, de Douro tradicional, assegurado por um lote de vinhos provenientes de parcelas com exposição Norte e outras de exposição Sul, e incluindo vinhas velhas, as Tourigas e o Sousão.
Em seguida, a apoteose com o Vinhas Velhas de 2020, um ano muito quente, mas de onde vem este vinho contido, mestria da viticultura e enologia da RCV, e seu conhecimento da quinta. Três parcelas específicas, cada vez mais as mesmas para este vinho, uma das quais teve direito a duas vindimas, uma precoce e outra tardia. Raposeira entra parcialmente para dar volume e maturação, Costa da Barca e Cartola garantem acidez e taninos vigorosos. Parece simples, mas representa muita sabedoria e o resultado é espantoso. Para confirmar que isto não é um acaso da Natureza, provámos um VV 2011, cuja elegância e juventude me impressionaram vivamente. Já com a Tinta Francisca tinha vindo uma testemunha de 2012, que fresco e vibrante mostrou uma suavidade que acrescenta garantias de prazeres futuros a todos estes vinhos.

Estilo leve e vibrante

Começa a faltar-me o espaço, mas não o fôlego. Gostei muito deste evento, onde ouvi falar com conhecimento e paixão dos lugares, terroirs, pessoas, vinhos, provei as novidades e suas testemunhas antigas. Em seguida houve um almoço ligeiro de finger food, onde pude ver o desempenho destes vinhos com comida, não esqueçamos que é esse o seu destino. O Hotel Bairro Alto teve recentemente Nuno Mendes como director criativo, que deixou os traços da sua genialidade na oferta gastronómica. Depois do almoço relaxado, numa sala ao lado podiam-se provar as múltiplas referências da empresa, com o bónus de ter a excelente equipa da Real a explicar cada vinho. Valem muito a pena os velhos vinhos do Porto, que a Real cultiva com um estilo leve e vibrante. Também aprecio muito o seu trabalho com castas minoritárias. É das poucas empresas onde se podem provar vinhos de Rufete ou Cornifesto. Tenho a certeza de que esta aposta vai dar frutos, e que mais vinhas serão plantadas com estas castas, para as salvar e preservar o estilo de vinhos que elas oferecem. A Real Companhia Velha é uma das empresas mais influentes do Douro, e eu agradeço-lhes a teimosia.

(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)