RIBEIRO SANTO: Um quarto de século para celebrar

Ribeiro Santo

Carlos Lucas, natural de Coimbra, enólogo e produtor vitivinícola, tem motivos para comemorar. A Ribeiro Santo completa 25 anos e o filho, Diogo Lucas, com a mesma idade, integra, desde este ano, a equipa desta casa pertencente à região vitivinícola do Dão. Mas o nosso anfitrião volta um pouco atrás no tempo, para explicar a […]

Carlos Lucas, natural de Coimbra, enólogo e produtor vitivinícola, tem motivos para comemorar. A Ribeiro Santo completa 25 anos e o filho, Diogo Lucas, com a mesma idade, integra, desde este ano, a equipa desta casa pertencente à região vitivinícola do Dão. Mas o nosso anfitrião volta um pouco atrás no tempo, para explicar a origem da designação que abrange as sub-marcas da empresa, mais concretamente a 1995, ano da compra da propriedade da casa da família, a Quinta do Ribeiro Santo, situada em Oliveira do Conde, no concelho de Carregal do Sal. De acordo com as palavras do proprietário, o nome advém do copioso ribeiro, que nunca seca.

Esta quinta mantém o núcleo vinhateiro de Carlos Lucas, enquanto produtor de vinho, que, além da vinha ali existente, preparou a terra para, em 1997, plantar mais videiras, com base no rigor apreendido na juventude, em França. “A primeira colheita foi, portanto, em 2000”, da qual o enólogo detém uma dezena de garrafas de vinho feito a partir da casta Encruzado. A vinha totaliza, atualmente, dez hectares.

Ribeiro Santo

No próximo ano vão passar a ter 70 hectares de vinha. Graças à compra de 10 Hectares, em Tábua, onde vão plantar apenas a casta Encruzado.

Sobre a identidade da Ribeiro Santo, já naquela época, matéria sensível aos olhos do produtor, revela que foi criada pela empresa inglesa Amphora Design. “O primeiro rótulo da primeira colheita foi feito por esta empresa de design, hoje famosíssima no mundo”, enfatiza. Quanto ao lançamento da referência vínica, feita a partir da casta-rainha do Dão, Carlos Lucas optou por fazê-lo na The Wine Society, espaço de venda de vinhos a retalho mais antigo do Reino Unido. “Ainda hoje é nosso cliente”, acrescenta.

As colheitas sucederam-se e contribuíram para o crescimento do portefólio da Ribeiro Santo. Numa primeira fase, os tintos registam maior número de garrafas, sobre os quais Carlos Lucas destaca as colheitas de 2003 e 2005. “Mas também temos brancos e, nessa altura, só tinha Encruzado”, avança.

Novo capítulo

O ano de 2011 simbolizou o começo de uma nova era da Ribeiro Santo, com a fundação da Magnum Wines. Para além da revitalização do nome Ribeiro Santo, Carlos Lucas reforçou a aposta no portefólio da casa e materializou, em 2014, a construção de uma adega na Quinta do Ribeiro Santo. Em 2018, comprou a Quinta de Santa Maria. A propriedade, de dez hectares, situada em Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, próximo do rio Dão, mantém a vinha plantada, em finais dos anos 90 do século XX, pelo próprio, a qual ocupa cinco hectares.
“Em 2020, 2021, a Ribeiro Santo passou a ser uma das mais importantes da região vitivinícola e de seis hectares crescemos para 60 hectares de vinha.” De dois funcionários passou para 40 e a pequena empresa tornou-se uma média empresa. “É assim que a queremos manter, porque eu não quero ser o maior produtor de vinhos do Dão”, enfatiza o empresário, que se define como “profissional desta área a tempo inteiro”, trabalhando de corpo e alma para a Ribeiro Santo, desde 2019. “No próximo ano, passaremos a ter 70 hectares de vinha, porque compramos dez hectares, em Tábua, só para plantar Encruzado”, informa.

Entretanto, Carlos Lucas adquiriu uma propriedade com 40 hectares de vinha, em Oliveirinha, concelho de Carregal do Sal, próximo do rio Mondego, na confluência entre a IC 12 com a EN 234, a dois passos do caminho de ferro da Beira Alta e a cerca de 300 metros do apeadeiro, uma mais-valia para os clientes do futuro restaurante instalado na casa original. Segundo o empresário, o foco estará na cozinha tradicional, com o bacalhau e o cabrito a receberem o devido protagonismo.

 

Além deste espaço de restauração, este imóvel irá acolher a sede da empresa, uma loja de vinhos e tapas, com esplanada na varanda, e terá um túnel subterrâneo de acesso à nova unidade de vinificação do projeto Ribeiro Santo. De arquitetura contemporânea e desenhada em prol da eficiência energética, foi construída de raiz este ano e acaba de ser estreada nesta vindima. A referida passagem subterrânea vai facilitar a visita à sala de barricas e a dinamização da sala de provas da adega dividida, ainda, por um extenso espaço reservado às cubas e ao armazém, cuja capacidade dará resposta à produção anual de vinho da empresa. Sem esquecer os vinhos de nicho. “São muitas referências e todas elas com muito tempo de guarda”, revela Carlos Lucas.

É nesta fase que entra Diogo Lucas. Embora faça parte da equipa, o empresário esclarece que a empresa não é de cariz familiar. “Estes 25 anos traduzem a minha filosofia de vida e de trabalho, que é fazer bem feito. Desde o dia em que nasceu, o objetivo da Ribeiro Santo é ser distinta, não se massificar e não se banalizar.” Neste contexto, enaltece a importância da parte social da empresa, dando como exemplo o almoço confecionado diariamente para todos, sem descurar a qualidade de vida em Carregal do Sal.

Tudo pela região

A carreira profissional de Carlos Lucas está intrinsecamente ligada à região do Dão. Começou como enólogo na Adega Cooperativa de Nelas, em 1991. “Fazia oito milhões de litros” e foi “o primeiro enólogo a tempo inteiro numa adega cooperativa do Dão”, declara. No ano seguinte, implementou uma reforma marcante nesta instituição constituída por associados: decidiu disponibilizar um dos tegões só para a Touriga Nacional, no sentido de valorizar a casta, um tegão só para brancos e um outro para as restantes castas tintas, “onde entrava 80% das uvas”.

Encetou a visita aos produtores, que evidenciou a valorização das castas tintas em detrimento das brancas. “Ainda tenho garrafas de tintos da Adega Cooperativa [de Nelas], vinhos com trinta e pouco anos e que fazem as delícias de quem os bebe. O Dão é o que me corre nas veias”, sublinha o empresário, que faz uma leitura mais positiva a respeito deste território vitivinícola, outrora “muito massificado”, mas que, “agora, voltou a encontrar-se”, graças a “muito bons produtores, porque “uma região não se faz com um produtor. Uma região faz-se com um conjunto de produtores que regula uma qualidade média-alta. Neste momento, o Dão tem muita regularidade na qualidade do seu vinho”.

A mesma opinião é partilhada por Diogo Lucas, que assume a gestão da Magnum Wines, bem como a responsabilidade dos departamentos comercial e de comunicação dentro da empresa, sendo o elo entre a equipa de produção e os mercados: “O Dão é único em Portugal e até fora do contexto português. Muitas vezes, tendemos a classificar os territórios pela distância do Atlântico, em que os vinhos das zonas costeiras são mais frescos, com menos álcool e mais acidez, e os mais distantes são de clima continental, mais intensos. Mas, se pensarmos no Dão, o Dão é uma região que foge à norma nesse aspeto, porque tem a proteção das serras”, como a da Estrela, do Açor, Caramulo, Buçaco, de Leomil, da Lapa, de Montemuro… Para o mais recente elemento desta casa, formam uma proteção, que “acaba por mitigar o efeito do Atlântico e o efeito continental vindo de Espanha”.

Por exemplo, em Cabanas de Viriato, a Quinta de Santa Maria, inserida num planalto, com uma altitude média a rondar os 500 metros, beneficia de boa exposição solar e ventilação constante, fatores determinantes para um ciclo vegetativo positivo. “Os solos são graníticos, brancos, rochosos e pouco férteis, com presença frequente de afloramentos de quartzo, resultantes de filões quartzíticos que cruzam a zona”. A textura é rígida e “a drenagem é excelente”. Tudo junto, favorece “a produção de uvas com alta concentração fenólica e boa acidez, ainda que com baixos rendimentos”, continua. Face a este cenário, Diogo Lucas adianta que as castas tintas são as mais indicadas nesta zona. “A exposição solar e o ciclo de maturação permitem boa evolução fenólica, sem comprometer a frescura nem o equilíbrio dos vinhos.”

Nas localidades de Oliveira do Conde e Oliveirinha, onde as altitudes oscilam entre os 500 e os 650 metros, as vinhas estão plantadas, muitas vezes, em zonas “com exposições a norte, que ajudam a moderar a intensidade solar”. A amplitude térmica é mais reduzida quando comparada a Cabanas de Viriato, “a pluviosidade ronda os 700 milímetros anuais e a humidade relativa é elevada nos meses frios, embora com boa circulação de ar, o que evita excesso de pressão de doenças”, condições que contribuem para o equilíbrio entre acidez e maturação. Já os solos “são graníticos de textura franco-arenosa, com alguma profundidade e presença moderada de matéria orgânica (…). Apresentam boa drenagem, mas também alguma capacidade de retenção de água, uma mais-valia em anos mais secos. A composição revela baixos níveis de potássio disponível, o que ajuda a manter a acidez das uvas brancas”. Como tal, é, de acordo com Diogo Lucas, uma “zona especialmente indicada para castas brancas, como o Encruzado, que aqui expressa frescura, mineralidade e boa estrutura”.

Em suma, estão reunidas as condições para o enrelvamento natural e a supressão de herbicidas em qualquer uma das vinhas de Carlos Lucas.

 

A plenitude da casta-rainha

Dos vários anos dedicados ao Dão, Carlos Lucas dedicou-se a fazer um trabalho de seleção das castas, no sentido de conferir mais-valias na produção vínica do território. A variedade de uva Encruzado é representativa da identidade do Dão e eleita como protagonista no universo da Ribeiro Santo. “O meu pai também teve um trabalho importante nesta seleção, com a seleção e a divulgação da Encruzado em vinho extreme”, realça Diogo Lucas.

“Parte da minha vida enológica e da minha equipa tem sido dedicada a fazer cada vez melhores vinhos brancos, em que o Dão nunca apostou muito, porque os outros produtores dedicaram-se sempre muito aos tintos”, revela o empresário à Grandes Escolhas. A crescente aposta neste tipo de vinho reflete-se no aumento de área destinada à casta-rainha deste território vitivinícola por parte do nosso anfitrião, ou seja, Carlos Lucas reúne 17 hectares de vinha reservados à Encruzado, a qual vai passar para 27 hectares em 2026. Aliás, “metade das nossas referências são vinhos brancos”, reforça.

“Gostamos mesmo muito de vinhos brancos e de Encruzado. Vou ao restaurante e 90% dos vinhos que bebo são brancos. Para mim, a Encruzado podia ser um Premier Cru. Faço pelo Encruzado, pelo que a casta me dá. Aprendi a gostar de brancos, assim como aprendi a gostar de tintos”, expõe Carlos Lucas. Para Diogo Lucas, esta variedade de uva branca é de extrema importância no Dão. A afirmação é feita com base numa prova cega de vinhos feitos a partir de “castas históricas do Dão”. Esta missão foi realizada, há pouco tempo, no Centro de Estudos de Nelas. “Facilmente, toda a gente concordou que o vinho com maior equilíbrio, o mais prazenteiro, era, sem sombra de dúvidas, o Encruzado. É a única casta do Dão que, consistentemente, apresenta resultados de vinhos de qualidade superior. Depois também tem a ver com o lado vitícola, pois é uma casta muito resistente ao calor.”

Embora não considerem que seja ainda um problema no âmbito da Ribeiro Santo, as alterações climáticas vão ser um desafio, daí que o caminho seja apostar nas castas mais resistentes ao calor, “e o Encruzado tem essa particularidade”, remata.

 

Ribeiro Santo
Carlos Lucas e o filho, Diogo Lucas

 

Quem é Diogo Lucas

Confessa que, desde cedo, iniciou as tarefas associadas ao trabalho vitivinícola e à produção de vinho. Tendo em conta a época em que a Ribeiro Santo se consolidou ainda mais no mundo do vinho, Diogo Lucas revela que desde jovem procurou ajudar, conjugando a escola com o tempo livre, para se dedicar ao negócio do pai. No currículo, a experiência vitivinícola é muito ampla, vai do engarrafamento à rotulagem, passando pela poda e pela vindima, pela carta de trator e manuseio da empilhadora, e pelo trabalho dedicado às barricas. “As novas tinham uma risca vermelha e o meu filho lixava-as, para ficarem bonitinhas. Comprei duas ou três lixadeiras, mas tu estragaste tudo [risos]”, conta Carlos Lucas, com orgulho.

Sem descurar a importância da vinha, o gestor da empresa denota preferência pela adega, como o momento de decisão mais interessante deste universo, desde a receção da uva, “que cria expectativa” à feitura do vinho. Mas, “tentei ‘fugir’, porque não tinha a certeza se seria esta a minha vocação”. Galgou a fronteira de Portugal, para estudar uma área que nada tinha a ver com enologia, mas “não estar, em setembro, nas vindimas, fez-me uma confusão enorme”. Paralelamente, incrementou o gosto pelas provas de vinhos. “Em casa bebemos vinho de várias regiões do mundo e cultivamos muito a vontade de conhecer coisas novas.”

Nos tempos da pandemia, trabalhou, em Londres, com Lance Foyster, Master of Wine, que importa vinhos. “Foi quando percebi que queria trabalhar na área dos vinhos, enquanto produtor e, neste momento, aliado ao meu pai. Regressei de Londres com outra visão. Investi mais nos estudos.” Fez o mestrado em Gestão, na Nova SBE, em Lisboa, e, agora, dedica-se à gestão da empresa. “Gerir uma empresa é fundamental, principalmente hoje em dia, com o mercado incerto e muito dinâmico”, justifica, dizendo que está de volta a 100% à Ribeiro Santo. “Está a ser uma oportunidade de muita aprendizagem – o meu pai é o meu grande mentor – e há um investimento muito grande na futura geração. Aliás, também estou a ajudar a empresa a viver uma nova etapa”, remata.

Equipa jovem

“Faço parte de uma geração que ajudou a mudar o setor do vinho em Portugal, a qual começou um pouco antes, com João Portugal Ramos, no Alentejo. Depois, apareceram o Anselmo Mendes e o Paulo Laureano, bem como o Jorge Moreira…”, assevera Carlos Lucas, que expressa felicidade de cada vez que prova colheitas com 30 anos. “Dediquei-me, de alma e coração, ao sector do vinho. Sempre fui enólogo, nunca fiz outra coisa na vida.” Afinal, esta não era de todo uma área que estava associada à atividade da família e o melhor retorno que tem é ouvir os comentários positivos da parte dos filhos. “Na altura, não sabia se era assim tão bom, porque não havia bitola, não tive um mestre. Fui responsável por milhões de garrafas desta região e por muitas outras de outras regiões do país”, conta. E do mundo, com Montpellier, no sul de França, Piemonte, no norte de Itália, ou Priorat, na Catalunha.

Sobre o percurso profissional, que soma 34 vindimas, Carlos Lucas revela o gosto de trabalhar em equipa. “Ao contrário de muitos enólogos, que não se lhes conhece gente à volta, nunca quis trabalhar sozinho. Formei muitos jovens. Um deles é o Tiago Macena”, enólogo candidato a Master of Wine. “Esse legado, essa riqueza eu procuro passar para os jovens”, frisa Carlos Lucas, que também se assume como criativo e “essa parte criativa é o que eu quero e estou a transmitir a esta juventude”, diz, referindo-se não apenas a Diogo Lucas, mas também ao enólogo Bernardo Santos, natural de Leiria e que, desde há sete anos, trabalha com Carlos Lucas, e a Natacha Barreto, engenheira química nascida em Aveiro, responsável pela vertente da investigação relacionada com os vinhos e que, no âmbito do protocolo estabelecido entre a empresa e a instituição de ensino, faz a ponte com a Universidade de Aveiro. Sem esquecer o enólogo bairradino Carlos Rodrigues, um dos grandes alicerces da casa, e “que trabalha comigo desde sempre”. Porém, todo o trabalho na adega é assegurado pelos mais novos. “Não poderia ter escolhido melhor professor”, remata Diogo Lucas.

A prova de uma vida

Uma viagem pela história da marca Ribeiro Santo contada em vinhos. Foi isso que foi proposto a Carlos Lucas, um desafio que o produtor abraçou com entusiasmo, quase como a prova de uma vida. As garrafas vieram da sua coleção e foram abertas no momento, com todos os riscos inerentes, pois a grande maioria destes vinhos não era provada há muitos anos, ninguém sabia em que estado se encontravam. Misturámos brancos e tintos, conceitos, perfis e segmentos de preço, indo dos entrada de gama aos mais raros e ambiciosos. A viagem teve o seu início, como deve ser, pelo princípio, com um vinho de 2000, Encruzado, por sinal. E terminou com alguns vinhos já engarrafados e que só irão para o mercado daqui a alguns anos.

Enquanto as garrafas desfilavam, percebemos os vários estádios do projecto Ribeiro Santo: a busca da afirmação inicial, com vinhos vigorosos e concentrados, a barrica bem presente; a procura de novos caminhos, com referências como E.T. e Envelope; e a busca da perfeição, do rigor, com alterações de perfil nas referências mais clássicas. São 25 anos de vinhos que nos mostram muito de um projecto, de uma marca, de uma pessoa. Vamos lá, então.

Ribeiro Santo Encruzado branco 2000. Era um vinho de gama média, sem madeira (“não havia dinheiro…”), dourado na cor, amendoado no nariz, seco e austero, com perfeita acidez a segurá-lo; muito citrino e limonado. Ainda um belo vinho, com bastante alma, a entregar muito prazer (18 pontos). Ribeiro Santo Escolha branco 2007. A marca viria a dar origem, mais tarde, ao Vinha da Neve. Encruzado, com 5% de Cerceal, agora já com barrica. Sente-se a madeira fumada, num registo, muito avelanado, expressando o estilo da época. Excelente acidez, firme, salino, largo, vibrante (18). Ribeiro Santo Escolha branco 2009. A barrica está bem mais moderada do que no 2007 (já não eram novas…), num registo perfumado, floral, muito elegante, fino. Tem excelente textura e cremosidade, de final citrino, vibrante, seco, longo (18,5). Ribeiro Santo branco 2010. É o entrada de gama dos brancos, custava então 2,50 euros. Mais evoluído que os anteriores, com notas de folha de chá, mas ainda vivo, graças à boa acidez; muito interessante como branco com idade (17).

Ribeiro Santo Vinha da Neve 2014. Já da era moderna da casa, com uma nova adega. Os topos passaram a barricas de 500 litros. Jovem ainda na cor e no aroma, com fruto delicado, especiaria, barrica perfeitamente integrada. Textura cremosa, num perfil bem encorpado, mas com acidez fina e incisiva, de final citrino, vibrante, longo (18,5). Envelope branco 2016. Um branco definidor, em vários sentidos. A nova marca, posicionada acima do Vinha da Neve, pressupunha classe e singularidade, através de vinificações diferentes, nomeadamente o trabalho com borras de decantação guardadas do ano anterior. A cor é incrível, parece ter três anos e não nove. Fantástico nariz, austero, com imensa pederneira, casca de laranja e limão, erva do campo, flores silvestres. Boca finíssima (a barrica não se sente) fresca, elegante, cremosa; um branco fantástico (19).

Ribeiro Santo Grande Escolha branco 2019. A diferença para o Vinha da Neve é que este pretende ser um “Garrafeira do Dão”, com muito tempo de barrica (incluindo carvalho americano, ao estilo Rioja) e garrafa. Encruzado, com 5% de Cerceal, tem imensa especiaria proveniente da barrica, mas esta não se sobrepõe, deixando surgir a fruta citrina, num vinho profundo e rico, com notas de manteiga cortadas por toque salino (18,5). Ribeiro Santo Encruzado Dourado branco 2020. O primeiro desta referência, um Encruzado com curtimenta completa. Tem menos cor do que seria de esperar de um curtimenta, imenso brilho no aroma, pederneira, casca de uva, citrinos de limão e toranja. Seco, sério, com amargos de casca e algum tanino, enorme garra, um branco incisivo, tremendo, com muito para crescer na garrafa (19).

Ribeiro Santo Grande Escolha branco 2023. Muito menos barrica (e menos textura…) do que o 2019, reflectindo o ar do tempo, e sem carvalho americano. Elegante, muito citrino, sério e afinado, um belo vinho branco, com alma do Dão, mas muito jovem ainda (está em estágio), precisa de tempo para crescer (18). Ribeiro Santo Encruzado branco 2024. O Encruzado “de entrada” (são 85 mil garrafas!) é um vinho muito bonito, com uma certa austeridade típica da casta, citrino, boa fruta de laranja e lima, um toque fumado de madeira quanto baste, tudo no sítio, uma verdadeira referência nesta categoria (17).

Ribeiro Santo tinto 2003. O vinho mais simples da marca. Mais de duas décadas depois, mostra o passar do tempo, com evolução notória no aroma, mas ainda com alma na boca, com taninos suaves, acidez equilibrada, mato e caruma (16). Ribeiro Santo Escolha 2005. Na época ainda não tinha madeira, o que terá, talvez, contribuído para a excelente cor que mostra, ainda com fruta no aroma e tanino bem presente na boca. Muito curioso, num perfil pouco comum para aqueles anos, com bastante garra, bela acidez, vibrante, sólido, longo; grande surpresa (18). Ribeiro Santo Grande Escolha 2008. Mais ambicioso, mas bem mais cansado do que o 2005, com evolução notória, toque amargo na boca, muito seco de taninos, em queda. Outra garrafa poderá estar diferente (15,5).

Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2009. O primeiro Vinha da Neve. Grande nariz, exótico, flores silvestres, fruto negro, menta. Muita estrutura e densidade, bastante extração, representando bem a época; um tinto que se mastiga (18). Ribeiro Santo Grande Escolha tinto 2011. Um ano marcante para Carlos Lucas, com a criação da Magnum Wines. Um tinto “ao estilo de Rioja clássico”, com muita barrica e garrafa. Escuro ainda na cor, imenso no nariz, profundo e rico, fumados e especiaria. Notável textura de boca, num perfil carnudo, mas com bastante frescura, fantástica acidez a equilibrar tudo. Tremendamente jovem, para crescer em garrafa. Claramente, um vinho de afirmação pessoal (19,5). Ribeiro Santo tinto 2012. Na altura, custava 2,50 euros, mas vê-se que era bem mais ambicioso do que isso (a marca precisava de ganhar notoriedade). Muito limpo, ainda com fruto, amora, groselha, muito boa textura, sumarento, com nota de cacau amargo, grande surpresa (17).

Ribeiro Santo E.T. tinto 2013. O primeiro E.T., feito de Touriga e Encruzado, foi um vinho disruptivo, a marcar o início dos produtos diferenciadores na casa. Algo aberto de cor, está contido de aroma, muito elegante, muito delicado, num registo sofisticado, polido, ainda cheio de fruto, com imensa frescura e persistência (18,5). Ribeiro Santo Carlos Lucas/Carlos Rodrigues tinto 2015. Um vinho de reconhecimento ao trabalho “na sombra” de Carlos Rodrigues, está cheio de cor, com aromas complexos de fruto maduro, terra, húmus, cogumelos. Muita textura, muito corpo e densidade, mas muita frescura também, sólido, profundo, vibrante, sério, imensa garra e tensão. Muito jovem ainda, grande vinho (19).

Ribeiro Santo Touriga Nacional tinto 2017. Muito boa cor, madeira em primeiro plano, a fruta madura mais escondida, um curioso lado mentolado. Na boca, sente-se mais o lado de fruta madura, num perfil extraído e concentrado, mas com boa acidez a dar equilíbrio. Firme e seguro, um “Tourigão” (17,5). Ribeiro Santo Envelope tinto 2018. Os tintos Envelope começam a fermentar com engaço e, a meio da fermentação, saem das massas, acabando em barrica. Algo aberto de cor, muito elegante e frutado, framboesa e bagos silvestres, alguns fumados e especiarias. Tem volume e cremosidade, associada a tanino muito fino e discreto. Notável frescura de boca, sofisticado, longo, distinto. Imenso sabor, mas com leveza. (19).

Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2019. Ainda se pode encontrar em algumas lojas. Bem escuro na cor, como é típico da marca, barrica e fruta de grande qualidade no aroma, imensa garra na boca, potente sem ser bruto, texturado e concentrado, mas ao mesmo tempo muito elegante, preciso, com um lado quase citrino que lhe confere imensa frescura e persistência. Um grande vinho, jovem ainda, a pedir tempo (19).

Ribeiro Santo Grande Escolha tinto 2020. Barrica, tosta, fumo, especiaria, muita riqueza de aroma e sabor, intenso, profundo, sempre com a acidez a equilibrar tudo. Largo, denso, opulento, rico, para durar (18). Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2021. Menos barrica do que o 2019, mais evidência de fruta, groselha e framboesa, bagas vermelhas, um leve floral, mais elegante e menos potente do que o habitual. Apimentado, muito harmonioso, com tudo no sítio, muita especiaria, precisa de esperar uns anos (18,5). Ribeiro Santo Reserva tinto 2022. Custa entre sete e oito euros e mostra-se bem sumarento, com tostados de madeira bem integrados, taninos polidos, bastante equilibrado, saboroso, largo, muito bem feito (16,5).

Ribeiro Santo Vinha da Neve tinto 2023. Ainda em estágio, há ano e meio em garrafa. Mais Touriga do que o habitual, consuma a viragem iniciada com o 2019, para um estilo mais elegante, mais fino, mais fruta e menos barrica. Excelente fruta silvestre, imensa precisão, notável textura, discreta barrica, mas de superior categoria, mato e caruma, perfeita definição. Um tinto belíssimo que o tempo dirá onde vai chegar (19).

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)

QUINTA DA ROMANEIRA: Vinhos de origem

Romaneira

A Quinta da Romaneira é uma das maiores do Douro, com nada menos que 412 hectares de área, estendendo-se por três quilómetros de frente de rio. A propriedade atingiu esta dimensão através da sucessiva compra de quintas vizinhas, a partir dos anos 40 do século XX. No entanto, foi apenas desde a sua aquisição, em […]

A Quinta da Romaneira é uma das maiores do Douro, com nada menos que 412 hectares de área, estendendo-se por três quilómetros de frente de rio. A propriedade atingiu esta dimensão através da sucessiva compra de quintas vizinhas, a partir dos anos 40 do século XX. No entanto, foi apenas desde a sua aquisição, em 2004, por um grupo de investidores liderados por Christian Seely, que este património vinhateiro entrou na sua “idade moderna”. Mas o grande momento de viragem viria a ocorrer em 2012, quando o empresário brasileiro André Esteves assumiu a maioria do capital, dando, a Christian Seely e ao enólogo Carlos Agrellos, as ferramentas necessárias para tirar o máximo partido do gigantesco potencial da propriedade.
Essa viragem implicou, entre outros, vários investimentos na viticultura, com destaque para a crescente atenção aos vinhos brancos, aproveitando as zonas mais altas da Quinta da Romaneira. Nos 86 hectares de vinha, a componente de branco tem vindo a aumentar, frequentemente à custa dos tintos, com várias replantações orientadas por Adelino Teixeira, o viticultor da Romaneira. A mais recente implicou o arranque de 6,5 hectares videiras tintas, plantadas junto ao rio, para serem substituídas por novas vinhas de castas brancas em altitude. Assim, a área de branco totaliza, hoje, 12,5 hectares, com exposições várias, de Nordeste e Sul-Poente, em patamares e vinha ao alto.

 

Romaneira

 

No que a brancos respeita, a vinha Pulga (outrora uma quinta autónoma com o mesmo nome) é a mais relevante. As uvas do Pulga Branco provêm de diferentes parcelas situadas entre os 200 e 550 metros de altitude, com exposições predominantes de Poente e Nascente-Sul, permitindo uma diversidade que favorece o equilíbrio e a complexidade do lote final. As vinhas estão implantadas em solos de matriz xistosa, típicos do Douro, com presença de áreas de franco-argiloso, que contribuem para a retenção hídrica e o equilíbrio nutricional das plantas. A casta mais representativa é a Boal do Douro (a Semillon francesa, bastante precoce no clima duriense, exigindo ser colhida cedo), seguida de Rabigato, Viosinho e Gouveio, em videiras plantadas entre 1997 e 2006, com operações de reenxertia entre 2011 e 2021, assegurando, deste modo, a continuidade do potencial produtivo e qualitativo. Segundo Carlos Agrellos, “as altitudes elevadas e as exposições a Poente potenciam a frescura e a acidez natural, enquanto as parcelas a cotas mais baixas e orientadas a Nascente-Sul proporcionam maturação equilibrada e expressão aromática.”

O Quinta da Romaneira Pulga começou a ser ensaiado em 2019 e 2020, mas a colheita de 2021 foi a primeira a chegar ao mercado. Na apresentação do 2024, tive ocasião de provar os anteriores, e a evolução em garrafa destes vinhos, 100% fermentados em barrica, é surpreendente, crescendo bastante com o tempo. Assim, o 2021 (50% Boal, 33% Viosinho, 17% Rabigato) revela leve evolução, mostrando-se gordo e cremoso, mas com imensa frescura e um final longo e salino (18 pontos); já o 2022 (80% Boal, 10% Viosinho, 10% Rabigato), apesar do ano quente, revela um sabor crocante, tenso, muito jovem ainda, com bastante classe (18); com lote muito semelhante ao 2022, o 2023 tem, curiosamente, mais evolução e menos frescura, mas, ainda assim, bastante equilibrado, amplo, convidativo (17,5).

A linha de brancos da Romaneira inicia-se agora no Dona Clara (substitui o anterior varietal de Gouveio e inclui mais castas), seguindo-se o Reserva, terminando, no topo com o Pulga. Carlos Agrellos diz-me que o objectivo é crescer na qualidade do Reserva, diminuindo a quantidade produzida, de forma a posicioná-lo num lugar central do portefólio, mais longe do Dona Clara e mais próximo do Pulga. Um trio de respeito, sem qualquer dúvida.

E os tintos

No entanto, a Quinta da Romaneira é, sobretudo, tintos, numa paleta de castas onde se destaca a Touriga Nacional e que inclui Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinto Cão, Syrah e Petit Verdot. E também aqui quase tudo (tirando o vinho entrada de gama Sino da Romaneira e os Dona Clara e Reserva) está “arrumado” por castas e parcelas. O Touriga Francesa vem da Carrapata, o Tinto Cão da Liceiras, o Petit Verdot do Mirante, por exemplo. Já o Syrah divide-se em duas referências, de tão distintas são as vinhas onde tem origem: Apontador e Malhadal. E a Touriga Nacional vem de três parcelas muito específicas, justificando o nome Três Parcelas. Carlos Agrellos sugeriu uma vertical de Apontador e Três Parcelas, proposta, naturalmente, irrecusável. Antes, algumas notas sobre estes vinhos e a sua origem.

A primeira vinha de Syrah foi plantada em 2005. A casta aguenta bem o calor, mas precisa de muito acompanhamento na maturação. Refere o enólogo que “tem quatro dias para vindimar. Depois disso, vira compota”. É por isso colhida, quase sempre, em final de Agosto ou início de Setembro. O Apontador tinto resulta de duas parcelas localizadas entre os 210 e 340 metros, com exposição Nascente-Sul, favorecendo, nas palavras de Carlos Agrellos, “uma maturação solar directa e consistente, ideal para vinhos tintos de estrutura e concentração.” As vinhas de Syrah foram plantadas em 2005 e o enólogo faz questão de realçar o porta-enxerto (1103P) “resistente e adaptado a condições de seca” e o clone (470), “conhecido pelo seu baixo rendimento e elevado potencial qualitativo. Estas condições resultam em uvas de excelente concentração fenólica, taninos maduros e perfil aromático complexo”, descreve Carlos Agrellos.

Provadas três colheitas, o vinho revelou grande homogeneidade, com o 2019 a evidenciar o lado carnudo da casta, com bela textura, polido e envolvente, rico, afirmativo, saboroso e longo (18); no 2020, sente-se o ano seco e quente, mas, ainda assim, está bem equilibrado, com taninos maduros, apesar de ser menos vibrante no final (17,5); grande nariz tem o 2021, cheio de fruta, com imensa alma, frescura, tanino e leves amargos a dar garra ao final impositivo e apimentado (18,5).
O Três Parcelas é um 100% Touriga Nacional, proveniente, como o nome indica, de três parcelas específicas da Romaneira: Tomba Chapéus, Apontador e Mina. Estas estão localizadas em diferentes altitudes e exposições solares. “As altitudes variam entre as cotas médias e elevadas, proporcionando frescura e elegância, enquanto as diferentes orientações solares permitem uma maturação completa dos compostos fenólicos”, explica Carlos Agrellos.

Aqui pude provar quatro colheitas, a começar pelo 2017, um tinto de excelente aroma, profundo e fino, com apontamentos florais elegantes, menta e especiaria, um vinho requintado, complexo e fresco ao mesmo tempo, e com muito para crescer na garrafa (18,5); no 2018, sente-se um ano fresco, vibrante, com a casta bem evidente, num estilo mais leve, elegante, sofisticado, perfumado e floral, um lado Touriga pouco comum no Douro (18,5); o 2019 foi o primeiro a levar a identificação Três Parcelas e mostra-se um vinho profundo, concentrado, cheio de fruto, com notas de amora madura, sólido, texturado, bem jovem ainda (18); no mercado está o 2020, ainda fechado, concentrado, com taninos gordos e polidos, sente-se o ano, mas, apesar do álcool elevado (15%) tem belo equilíbrio e presença (18).

A diversidade de castas, altitudes, exposições e solos da Quinta da Romaneira, aliada ao conhecimento vitícola e enológico de quem ali trabalha, permite a produção de vinhos que expressam, de forma autêntica, este território, e isso é bem evidente nestas provas. Nas palavras de Carlos Agrellos, “Pulga branco, Apontador Syrah e Três Parcelas Touriga Nacional representam o compromisso da Romaneira com a qualidade, o equilíbrio e a identidade dos vinhos do Douro.”

(Artigo publicado na edição de Outubro 2025)

AXA MILLÉSIMES: Pichon Baron e Suduiraut, esplendor bordalês

Pichon Baron

Quando se fala da AXA Millésimes em Portugal, a memória recai quase inevitavelmente sobre a reputada Quinta do Noval, um nome de peso no Douro. Alguns lembrar-se-ão também da Quinta do Passadouro. Porém, esta divisão da seguradora francesa está na origem de um portefólio internacional de propriedades vitivinícolas históricas, adquiridas numa altura menos favorável, revitalizadas […]

Quando se fala da AXA Millésimes em Portugal, a memória recai quase inevitavelmente sobre a reputada Quinta do Noval, um nome de peso no Douro. Alguns lembrar-se-ão também da Quinta do Passadouro. Porém, esta divisão da seguradora francesa está na origem de um portefólio internacional de propriedades vitivinícolas históricas, adquiridas numa altura menos favorável, revitalizadas e elevadas novamente à excelência.

Nesse conjunto cintilam dois nomes maiores de Bordéus: Château Pichon Baron e Château Suduiraut, ambos presentes na famosa Classificação de 1855. Aos vinhos destas duas propriedades foi dedicada a masterclasse organizada pela Vinitrust e conduzida por Ana Carvalho, embaixadora global da AXA Millésimes.

Pichon Baron, a majestade de Pauillac

Quem percorre a Estrada D2, ao longo do Médoc, conhecida como “Route des Châteaux”, dificilmente passa sem reparar no Château Pichon Baron. Trata-se de um castelo de arquitectura renascentista francesa do século XIX, com duas torres e pináculos simétricos. A sua silhueta, digna de um conto de fadas e reflectida num lago artificial em frente, faz dele um dos postais mais reconhecíveis e fotografados da região.

Fundado no final do século XVII por Jacques de Pichon, barão de Longueville, o château permaneceu nas mãos da família por mais de duzentos anos. Em 1850, uma partilha familiar deu origem ao Château Pichon Baron tal como o conhecemos hoje, erguido por Raoul de Pichon, herdeiro da casa. À sua frente, do outro lado da estrada, fica o Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande que outrora pertencia à mesma família.

O século XX trouxe as inevitáveis oscilações da fortuna. Foi em 1987 que a história ganhou novo impulso: a aquisição pela AXA Millésimes marcou o renascimento da propriedade. O Director Técnico Jean-René Matignon, que entrou praticamente na mesma altura, conduziu a transição com sabedoria até 2022, ano em que passou o testemunho a Pierre Montégut, também responsável pela enologia no Château Suduiraut.

Os 75 hectares de vinha, que é uma dimensão média para a região, representam o encepamento clássico de Pauillac com 66% de Cabernet Sauvignon, 27% de Merlot, 5% de Cabernet Franc e 1% de Petit Verdot, sendo que as últimas duas variedades nunca entram no Grand Vin. No passado utilizavam Petit Verdot e Cabernet Franc, mas hoje não, pois “o Cabernet Franc tem manias e o Petit Verdot confere rusticidade ao vinho”. Ainda têm cerca de 1% Semillon, o resultado da selecção massal “importada” do Château Suduiraut, do qual fazem um vinho branco seco. A idade média das videiras ronda os 35 anos, fruto de uma política de replantação anual de cerca de 1% de encepamento.

A vindima é feita manualmente e de forma muito selectiva, ao contrário de um período menos feliz da propriedade, quando a uva era colhida à máquina. A fermentação ocorre separadamente, por parcelas e castas, para isso contam com depósitos de variadíssimas dimensões.

Nos anos 1990, o Grand Vin superava as 300 mil garrafas. Hoje, em busca quase obsessiva pela qualidade, esse número foi reduzido para metade através dos critérios da selecção mais exigentes. Les Griffons de Pichon Baron, criado em 2012, junta-se ao já conhecido Les Tourelles de Longueville, como segundo vinho, mas com perfis distintos. O primeiro espelha a seriedade tânica do Grand Vin; o segundo, mais dominado pelo Merlot, revela-se pronto mais cedo. O uso de barrica nova no Grand Vin corresponde a 80% e é mais moderada nos restantes.

 Château Suduiraut, a doçura repensada

A história de Château Suduiraut começou em 1580, por meio do casamento entre Nicole d’Allard e Léonard de Suduiraut. Os jardins do château, desenhados por André Le Nôtre, o mesmo de Versailles, ainda hoje testemunham grande ambição estética. Ao longo dos séculos, o Château Suduiraut foi passando de mão em mão, até mudou de nome durante algum tempo. A propriedade encontrou novo fôlego, quando foi adquirida, em 1992, pela AXA Millésimes.

Sob a direção técnica de Pierre Montégut, a casa soube adaptar-se à nova realidade: o Sauternes doce, outrora símbolo de luxo e longevidade, nas últimas décadas ia perdendo o terreno na mente do consumidor. O caminho foi claro — manter o grande vinho em doce, mas abrir espaço para a frescura dos brancos secos, também mais económicos em termos de produção e menos dependentes das condições climatéricas. Estes, não podendo levar o nome de Sauternes por imposição legal, surgem sob o rótulo genérico de Bordeaux Blanc Sec. Uma injustiça, talvez, mas uma realidade, por enquanto.

O primeiro branco seco, S de Suduiraut, foi lançado em 2004. Rebaptizado como Lions de Suduiraut, em 2021, assumiu outra ambição. É um blend de Sémillon, Sauvignon Blanc e Sauvignon Gris (casta que Pierre Montégut aprecia bastante por ser menos aromática do que o Sauvignon Blanc e conferir mais corpo), feito com maceração pelicular e fermentação parcial em barrica. A produção ronda as 70 mil garrafas.

Num patamar acima surge o Château Suduiraut Vieilles Vignes, com primeira colheita em 2020, feito a partir das vinhas mais velhas (45 anos) de Sémillon e Sauvignon Blanc. Sujeito a uma prensagem longa, extraindo alguns polifenóis, com fermentação e estágio em barrica (12% nova) de 9 meses.

No capítulo doce, o Château Suduiraut 2010 que provámos tinha 90% Sémillon e 10% Sauvignon Blanc. Em anos recentes, optaram por fazer o vinho exclusivamente com Sémillon, numa afirmação de identidade. A colheita, em várias passagens entre setembro e novembro, antecede um estágio de 20 meses, com 50% de barrica nova.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2025)

BACALHÔA: O Bical de que se fala

bacalhoa

A Caves Aliança, fundada em 1927 e localizada em Sangalhos, no território vitivinícola da Bairrada, iniciou, na segunda metade da década de 1990, a linha de monovarietais Galeria. Naquela época, Francisco Antunes, diretor de enologia da casa desde 1993, elegeu as castas Chardonnay e Bical, para fazer os respetivos monovarietais, “mas, na realidade, a Bical […]

A Caves Aliança, fundada em 1927 e localizada em Sangalhos, no território vitivinícola da Bairrada, iniciou, na segunda metade da década de 1990, a linha de monovarietais Galeria. Naquela época, Francisco Antunes, diretor de enologia da casa desde 1993, elegeu as castas Chardonnay e Bical, para fazer os respetivos monovarietais, “mas, na realidade, a Bical nunca me satisfez muito”, revela, e a referência Galeria acabou por desaparecer.

À semelhança das demais histórias de produtores de vinho, a ainda Caves Aliança continuou a reforçar o aumento da área de vinha, com o foco no enaltecimento da viticultura e da enologia. Em 2003, procedeu à aquisição da Quinta da Rigodeira. Nesta propriedade situada entre a Fogueira e Ancas, no concelho da Anadia, há uma parcela de vinha registada em 1931, ano associado a um extenso cadastro feito nesta e noutras regiões portuguesas, razão pela qual poderá haver fortes probabilidades de remontar a muito antes no tempo. As cinco mil plantas, exclusivamente de castas brancas, plantadas em 4,5 hectares, com solos predominantemente arenosos, têm matéria-prima para produzir “bons vinhos brancos”, de acordo com o histórico deixado por antigos proprietários.

Com a passagem do tempo e, por conseguinte, já na era da Aliança Vinhos de Portugal – pertencente à Bacalhôa Vinhos de Portugal desde 2007 –, este registo determinou Francisco Antunes, agora diretor de enologia do Grupo Bacalhôa, e a sua equipa a proceder ao levantamento e à classificação das castas ali plantadas. A cada uma foi atribuída uma cor. No alinhamento dos trabalhos, as cepas foram reerguidas, no sentido de otimizar a saúde das plantas e facilitar a apanha da uva. “Tem uma variedade interessante de castas: Bical, Maria Gomes, Sercialinho, Cercial, Arinto, Rabo de Ovelha, Alicante e Chardonnay”, afirma Francisco Antunes, que decidiu arriscar novamente na produção de um vinho a partir da variedade de uva Bical. Feitas as contas, “era a casta mais plantada, a única que poderia dar à volta de 4000, 5000 litros, sem problema”, justifica.

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Um Vinhas Velhas “marcante”

 Desta vontade de enaltecer a casta típica da Região Demarcada da Bairrada resultou a estreia do Bacalhôa Bical 1931 Vinhas Velhas na colheita de 2021. “É uma vindima sui generis, porque metemos um rancho de mais de 20 pessoas a apanhar só a Bical”, devido à dispersão das cepas desta variedade de uva na parcela plantada há quase 95 anos, na Quinta da Rigodeira. Ao final de cada dia de vindima, e face à inexistência de câmara frigorífica, “as uvas eram espremidas e o mosto guardado no frio”.

Terminada a colheita da uva, que decorreu durante uma semana, juntaram os mostos, decantaram e fermentaram 40% em seis barricas novas e usadas e 60% em inox. Ali ficaram por cerca de um ano. Em setembro de 2022, chegou a vez de avançar para o lote e o vinho foi engarrafado. O lançamento para o mercado aconteceu em novembro do ano seguinte, ou seja, ao fim de aproximadamente 13 meses de estágio em garrafa. E foi logo um enorme sucesso, junto do mercado e da crítica especializada.

Além da “qualidade intrínseca”, o diretor de enologia considera este Bairrada Clássico um vinho muito especial. “Ao fim de 30 e poucos anos de carreira na Aliança, faltava-me ter um vinho marcante”, confessa Francisco Antunes, referindo-se igualmente ao novo Bacalhôa Bical 1931 Vinhas Velhas branco 2022, “mais fresco e com uma acidez mais equilibrada, quando comparado com a colheita de 2021”, segundo o enólogo. Sobre o processo de vinificação, fica o registo de que 50% fermentou e estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês, novas e usadas, e 50% em inox. “Para nós, as barricas novas são importantes, até porque usamos barricas que não marcam muito o vinho. Na Aliança, somos muito cuidadosos, no sentido de nunca haver excesso de madeira e há uma parte do mosto que fermenta em inox. Sempre! Preferimos ter mais opções de lote, para podermos construir o vinho no final”, garante Francisco Antunes, secundado pela enóloga residente da Aliança, Magda Costa. O tempo destinado ao descanso do vinho em barricas é passado numa pequena sala especialmente preparada para “o nosso 1931”. Depois, passa ainda mais um ano em garrafa antes de chegar ao mercado.

Em relação a esta referência, o diretor de enologia explica que todos os vinhos monovarietais estão sob a umbrella Bacalhôa e, desta parcela de vinha de 1931, localizada na Quinta da Rigodeira, a Bical é, para já, a única casta a dar corpo a um vinho do grupo. Pode ser que, no futuro, a variedade de uva branca Sercialinho também venha a “dar frutos” em garrafa… e no copo. Entretanto, confirma que vai haver Bacalhôa Bical 1931 Vinhas Velhas branco de 2023 e 2024. “O de 2024 está nas barricas e também promete muito!”, assegura Francisco Antunes.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

Califórnia: Stag’s Leap, um ‘First Growth’ de Napa Valley

Califórnia

Tudo tem um princípio. Podíamos afirmar, com algum critério, que o princípio da história de Stag´s Leap Wine Cellars foi em 1970, com a aquisição da Stag’s Leap Vineyard, mas, na minha opinião, o verdadeiro princípio desta narrativa, assim como para a região de Napa Valley foi, provavelmente, o julgamento de Paris de 1976. O […]

Tudo tem um princípio. Podíamos afirmar, com algum critério, que o princípio da história de Stag´s Leap Wine Cellars foi em 1970, com a aquisição da Stag’s Leap Vineyard, mas, na minha opinião, o verdadeiro princípio desta narrativa, assim como para a região de Napa Valley foi, provavelmente, o julgamento de Paris de 1976.

O julgamento de Paris de 1976 foi uma prova cega de elite, com um júri composto pelos organizadores do evento, os wine merchants Steven Spurrier e Patricia Gallagher, e membros da aristocracia vínica francesa, alguns Chateaux, sommeliers e jornalistas especializados, colocando, lado a lado, Cabernet Sauvignons da Califórnia e First Growth de Bordéus, Chardonnay da Califórnia e Premier e Grand Cru Chardonnay da Borgonha. Tudo às cegas. E o resultado chocou o mundo naquela época!

O The Wall Street Journal escreveu “The 1976 Judgment of Paris had a revolutionary effect, like a vinous shot heard round the world.” E não foi caso para menos. O 1973 Chateau Montelena Chardonnay, de Napa Valley, recebeu a maior honra entre os brancos, enquanto que, nos tintos, o resultado foi o seguinte:

 

Palavras para quê? Impressionante, certo?

E ainda mais impressionante se torna se tivermos em mente que o vinho vencedor saiu de uma vinha, a S.L.V. Vineyard, plantada em 1970, com apenas três anos, portanto, ao passo que a classificação de Bordéus, e os First Growth, foram estabelecidos em 1855.

Foi, pois, com elevadas expectativas, que fomos ao mais recente espaço de provas da cidade de Lisboa, ainda em soft opening, o 1933 by Garrafeira Nacional, localizado no Hotel Tivoli Avenida, onde provamos cinco vinhos de Stag’s Leap Wine Cellars, importados para o nosso país pela Garrafeira Nacional.

O 1933 by Garrafeira Nacional denota requinte e bom gosto. Além de sala de prova, também funciona como uma pequena loja de vinhos nacionais e internacionais, com uma curadoria altamente especializada, e tem o propósito de se tornar uma referência como espaço dedicado a provas de pequena dimensão, em ambiente exclusivo, para produtores de vinho, bem como para pequenos eventos de iniciativa particular relacionados com vinho. É dada ainda a possibilidade aos clientes do Seen by Olivier, na porta ao lado, de adquirirem a garrafa de vinho da sua preferência e consumirem-na no decurso da refeição no restaurante, mediante o pagamento de uma taxa de rolha. Mas vamos ao que interessa.

Califórnia

Os solos são um misto de sedimentos de xisto, areia, barro, gravilha, rocha e material vulcânico. Quanto ao clima, as encostas rochosas de Palisades reflectem o calor que se faz sentir durante o dia

 

Dias quentes, noites frescas

Napa Valley é uma AVA (American Viticultural Area), em si mesmo, e tem-no sido desde que recebeu a designação em 1981. Foi a primeira AVA reconhecida na Califórnia e a segunda nos Estados Unidos. Dentro da Napa Valley AVA existem dezasseis outras AVAs aninhadas, mais pequenas, uma espécie de sub-regiões. São elas: Atlas Peak, Calistoga, Chiles Valley, Coombsville, Diamond Mountain District, Howell Mountain, Los Carneros, Mt. Veeder, Oak Knoll District of Napa Valley, Oakville, Rutherford, St. Helena, Spring Mountain District, Stags Leap District, Yountville e Wild Horse Valley.

Os vinhos de Stags Leap District são conhecidos por serem “um punho de ferro, dento de uma luva de veludo”, em virtude da combinação entre a composição dos solos e o clima.

Os solos são um misto de sedimentos de xisto, areia, barro, gravilha, rocha e material vulcânico. Quanto ao clima, as encostas rochosas de Palisades reflectem o calor que se faz sentir durante o dia, aquecendo a vinha, mais do que em outros locais de Napa Valley, beneficiando, no entanto, das frescas brisas marítimas provenientes da Baía de San Pablo, que, juntamente com o vento característico da zona, arrefecem as plantas durante a noite, contribuindo para o equilíbrio dos níveis de açúcar e acidez. Dias quentes e noites frescas ajudam a prolongar o período de vindima sendo estas as condições ideais para variedades de maturação tardia, como a Cabernet Sauvignon.

 

O objectivo que Warren Winiarski anteviu e definiu como possível consistiu em produzir um vinho no estilo clássico de Bordéus, mas com um sentido de terroir e de identidade 100% Napa Valley

 

O salto para o mundo

“Stag” significa veado, e “Leap” significa salto. A origem do nome Stag’s Leap não está bem documentada, mas reza a lenda do povo nativo-americano Wappo, que o nome do local se ficou a dever a um veado que, em tempos, perseguido e acossado por caçadores, no limite de um penhasco, preferiu dar o seu “Leap of  Faith” (literalmente, salto de fé), em direcção à morte certa, do que ser morto por eles; outra lenda conta a história de um veado que conseguiu iludir toda uma geração de caçadores, desaparecendo sempre, no último instante, através do tal Leap of Faith.

Foi exactamente ao lado da Stag’s Leap Vineyard (S.L.V.) que Nathan Fay plantou a Fay Vineyard, com Cabernet Sauvignon, em 1961. Quando, em 1970, Warren Winiarski teve o seu momento eureka ao provar um dos Cabernets daí provenientes, de imediato comprou a S.L.V.

e fundou a Stag’s Leap Wine Cellars. O objectivo que Warren Winiarski anteviu e definiu como possível consistiu em produzir um vinho no estilo clássico de Bordéus, mas com um sentido de terroir e de identidade 100% Napa Valley. O Cabernet de Nathan Fay conseguia isso, e, como tal, a vinha ao lado também haveria de tornar isso possível. Anos mais tarde, em 1986, Nathan Fay vendeu a Fay Vineyard a Warren Winiarski.

Existem vinhos no mundo, cuja reputação está tão bem estabelecida, que praticamente vivem no reino do icónico. Stag’s Leap, é um desses vinhos.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

Mano a mano: O loureiro e o alvarinho

Tiago e Gonçalo Mendes

Aos 31 anos e com formação em gestão, Tiago Mendes já viu muita vindima, ainda que só a partir de 2019 tenha encarado o vinho como actividade profissional, assumindo, hoje, a liderança da área comercial e de marketing na empresa familiar. O seu irmão Gonçalo Mendes, dois anos mais velho, é médico urologista e aproveitou […]

Aos 31 anos e com formação em gestão, Tiago Mendes já viu muita vindima, ainda que só a partir de 2019 tenha encarado o vinho como actividade profissional, assumindo, hoje, a liderança da área comercial e de marketing na empresa familiar. O seu irmão Gonçalo Mendes, dois anos mais velho, é médico urologista e aproveitou a formação científica, para desenvolver o gosto pelas técnicas de produção. Ou seja, um está mais focado na estratégia e no mercado, enquanto o outro está vocacionado para a vinificação e o produto, mas ambos são conhecedores de todas as facetas de uma empresa vitivinícola e devotos admiradores dos grandes vinhos de Portugal e do Mundo.

“Fiz a minha primeira vindima a sério com o meu pai em 2017”, conta Tiago Mendes, “e fiquei deslumbrado com a variedade Loureiro. Achava que produzia vinhos muito perfumados e elegantes, e não percebia porque é que a casta não tinha tanto reconhecimento quanto a Alvarinho, que acabava por viver na sua sombra.” Com 70 hectares de Loureiro no vale do Lima, divididos por seis quintas diferentes, Tiago Mendes entendia que a família devia aproveitar estes recursos para fazer um Loureiro “de parcela”, um vinho de grande ambição, posicionado ao nível dos melhores Alvarinhos. Tanto “apertou” com o pai que, nessa vindima, surgiu o primeiro Anselmo Mendes Private Loureiro. “Inicialmente foi complicado”, confessa Tiago Mendes. “O feedback dos consumidores era positivo e as críticas de imprensa muito boas, mas as vendas, talvez pelo preço pouco habitual num Loureiro, ficavam um pouco aquém. Com o tempo, porém, este Loureiro acabou por se afirmar e, hoje, é uma referência da casta.”

Em 2020, Gonçalo Mendes concluiu os estudos em Medicina. Nos tempos livres dedicou-se a aprofundar os seus conhecimentos teóricos e práticos sobre enologia, acabando por passar muito tempo com o irmão na empresa, em Melgaço, onde Tiago Mendes já estava a trabalhar, fazendo um pouco de tudo.

Foi assim, dessa cumplicidade entre irmãos, que surgiu a vontade de fazer algo deles, com uma identidade própria, que fugisse ao portefólio Anselmo Mendes. Nesse ano, Tiago Mendes voltou a questionar o pai: “por que é que grande parte dos nossos vinhos da casta Alvarinho passam por barrica e o Loureiro não?” Anselmo Mendes tinha algum cepticismo quanto ao comportamento do Loureiro em barrica, temia que prejudicasse a delicadeza e elegância da casta. Mas Tiago Mendes não desistiu e lançou o desafio: “vamos fazer um Loureiro com fermentação e estágio em barrica!” Como pai e como enólogo, não dava para dizer não.  E assim se fez, logo nessa vindima um Loureiro estagiado em barrica.

Tiago e Gonçalo Mendes

Depois do Loureiro, o Alvarinho

Durante os meses seguintes o vinho foi sendo provado regularmente, sempre se mostrando à altura das expectativas iniciais de Tiago Mendes e acima das do pai, Anselmo Mendes. O resultado levou Tiago Mendes a incentivar o irmão: “porque não fazeres também tu um vinho?”

Há muito que Gonçalo Mendes perguntava o pai a razão de não realizarem a fermentação maloláctica em alguns Alvarinho da casa: “se há grandes vinhos da Borgonha que são feitos com maloláctica, porque é que nós nunca o fazemos?” Anselmo Mendes, que, ao longo da carreira, já o havia experimentado diversas vezes, nunca ficando convencido – “achava que os vinhos iam ficar ‘aborrecidos’ e perder alguma da tensão que os caracteriza”, conta Gonçalo Mendes – não estava pelos ajustes. Mais uma razão para Gonçalo querer o contrário: “se o Tiago pode fazer um Loureiro com barrica, eu vou fazer um Alvarinho com maloláctica”. E, de novo, assim se fez, na vindima de 2021. E outra vez com sucesso.

Quatro anos depois, os desafios lançados por Tiago e Gonçalo Mendes chegam finalmente ao mercado, trazendo consigo uma história de envolvimento e partilha geracional numa empresa familiar. “Estes vinhos espelham um pouco do que é a segunda geração: queremos dar continuidade e aprender com os nossos pais, mas gostamos de os questionar”, explica Gonçalo Mendes. “No fundo, a base para fazer estes vinhos foi, acima de tudo, fazer aquilo que o nosso pai fez a vida toda: questionar os dogmas que existem no vinho. Quisemos, assim, criar vinhos que tenham a nossa identidade, vinhos ainda não ‘assinados’ pelo nosso pai.”

O Loureiro do Tiago e o Alvarinho do Gonçalo (os vinhos assumiram no rótulo os nomes pelos quais ficaram conhecidos na adega desde que nasceram) são, naturalmente, bastante distintos entre si. E não apenas nas variedades que lhes deram origem.

“Tal como as castas se expressam de forma diferente e cada uma tem uma personalidade própria, também os irmãos assim são”, refere Tiago Mendes.  E detalha o que os une e os diferencia: “embora tenhamos nascido e vivido sempre na cidade do Porto, passávamos fins-de-semana e férias em Monção e Melgaço, e crescemos rodeados de adegas e vinhas. Quando éramos mais novos, eu sempre tive muita curiosidade nas marcas, nos rótulos, e achava fascinante que os nossos vinhos estivessem em tantos países. Fui, aos 13 anos, à primeira Prowein com o meu pai! Já o meu irmão, tendo uma formação na área das ciências, sempre teve mais curiosidade pela técnica: em entender para que servia uma cuba, porque é que uns vinhos iam para barrica e outros não, e por aí fora. Quando desenvolvemos a imagem para estes vinhos, explorámos também essas diferenças entre nós.”

A rotulagem dos vinhos foi inspirada no conceito Mar-Montanha. O que caracteriza o Loureiro é o vale do Lima e a proximidade ao mar, enquanto o Alvarinho é o vale do Minho e as montanhas de Monção e Melgaço, daí as diferenças nos rótulos de cada referência: o do Loureiro de Tiago Mendes tem linhas azuis horizontais e o do Alvarinho do Gonçalo Mendes linhas verdes verticais. “Por enquanto, é uma edição limitada, mas é um primeiro passo da segunda geração nos vinhos do projecto familiar. No futuro, mais experiências virão.” Fica a promessa dos manos. Anselmo Mendes tem todas as razões para estar feliz.

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

Adega de Borba celebra “bodas de vinho”

Adega de Borba

Borba, uma das oito sub-regiões do Alentejo vitivinícola, foi, desde sempre, uma região com uma forte relação com a cultura da vinha e do vinho, legado deixado, há cerca de dois mil anos, pelos romanos. A herança persiste e “os habitantes daqui sempre sobreviveram à custa da uva e do vinho, digamos assim”, afirma Óscar […]

Borba, uma das oito sub-regiões do Alentejo vitivinícola, foi, desde sempre, uma região com uma forte relação com a cultura da vinha e do vinho, legado deixado, há cerca de dois mil anos, pelos romanos. A herança persiste e “os habitantes daqui sempre sobreviveram à custa da uva e do vinho, digamos assim”, afirma Óscar Gato, enólogo principal e membro do conselho de administração da Adega de Borba.

Como tal, em tempos idos, em Borba, os pequenos viticultores vendiam as uvas a outros viticultores e estes, por sua vez, faziam o vinho com matéria-prima própria e comprada. Parte da venda do produto ao consumidor final estava nas mãos dos intermediários, que, no fundo, detinham a mais-valia neste negócio. Mas esta ação nem sempre era consolidada, o que acarretava dificuldades aos produtores, as quais eram acrescidas “com o valor residual recebido em troca do vinho”, recorda Óscar Gato. Este cenário, comum em todo o país e, em particular, neste concelho alentejano quase raiano, determinou o surgimento do movimento do associativismo.
Face a esta realidade, em 1955, um grupo de 12 pessoas procedeu à escritura dos estatutos da Adega Cooperativa de Borba, uma das primeiras a ser constituída em Portugal. Cerca de três anos mais tarde, contavam com a participação de 60 viticultores, que, em 1958, entregaram as uvas todas a esta casa. Esse ano foi marcado pela produção de 500 mil litros de vinho e pela venda direta do produto ao consumidor final. Um ano depois, foi feito o primeiro ‘enogarrafonamento’ do vinho, ou seja, em vez da venda a granel, o vinho passou a ser vendido em garrafão, como explica o enólogo principal, relembrando que, à época, os ditos recipientes eram revestidos, no exterior, com palhinha. Como a reutilização estava tão em voga, o revestimento evoluiu para o plástico, para facilitar a higienização do garrafão. O primeiro enchimento em garrafa aconteceu em 1961, “a então famosa garrafa de litro com as cinco estrelas, que também era reutilizável”, relembra Óscar Gato.

Esta nova era incentivou a Junta Nacional da Vinha e do Vinho a promover um concurso de vinhos anual. A participação nestas competições por parte da Adega de Borba valeu-lhe a conquista de diversas distinções para brancos e tintos, como a recebida pelo célebre Reserva 1983. “Estes prémios alavancavam a notoriedade destes vinhos, de forma que chegassem aos grandes centros urbanos, nomeadamente a Lisboa, onde o consumo era muito maior”, frisa Óscar Gato.

 

Do total de 230 produtores de uva, 100 estão certificados no âmbito do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e, simultaneamente, representam 85% da área total de vinha. “Destes sócios, a maioria começou, há 20 anos, com o sistema de Proteção Integrada”

 

2003, o ano do novo capítulo

Na década de 80 do século XX, a vinha, vincadamente tradicional, coassociada com oliveiras e árvores de fruta, passou a ter uma abordagem diferente, com a criação, em 1985, da Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo (ATEVA). Constituída por engenheiros agrónomos, esta entidade tinha – e ainda tem – como objetivo apoiar os viticultores na transição da vinha tradicional para a vinha extreme. Ou seja, “vinha em contínuo, aramada, arrumada e com maiores condições para a mecanização”, esclarece Óscar Gato. Definir as castas principais, de modo a serem as eleitas na reestruturação da vinha, foi outro dos factores postos em prática pela ATEVA.

Um ano antes, em 1984, a Adega de Borba, tinha estabelecido normas quantitativas e qualitativas inerentes à produção. “Foi como arrumar a casa.” Assim, ficaram estabelecidas as operações que o viticultor tinha de aplicar no terreno com a tónica na qualidade do produto. Esta ação foi apenas o preâmbulo do que veio a acontecer poucos anos depois, o surgimento da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) criada em 1989. “O primeiro vinho certificado pela CVR a chegar ao mercado foi um vinho branco da Adega de Borba, da colheita de 1989, um VQPRD Borba”, recorda Óscar Gato.

No começo do século XXI, é feito o investimento em infraestruturas, com a ampliação do edifício da adega, no sentido de dar resposta à crescente produção de vinho associada ao aumento do número de associados, tal como o fizeram décadas antes. Acresce a aquisição de barricas e de equipamento de vinificação e engarrafamento moderno e é dado um passo em frente no âmbito da profissionalização dos quadros da adega, com ênfase na parte económico-financeira, no controlo de qualidade, na enologia, bem como na criação da função de diretor-geral, entre outros cargos. “No fundo, foi feita a repartição de responsabilidades dentro da adega”, reforça o enólogo que, a partir de 2003, integra a equipa da casa. Estava aberto o novo capítulo da Adega de Borba, que passou a adotar um vincado carácter empresarial. Porém, as mudanças não ficaram por aqui.

20 anos de sustentabilidade

À época, contabilizavam-se três centenas de sócios. Hoje, são 230. De acordo com Óscar Gato, esta redução deve-se ao crescimento do escalão etário atual dos viticultores, embora haja “alguns jovens com interesse e/ou herança nesta cultura”. O número de associados traduz-se em 2200 hectares de vinha, dos quais 70% estão ocupados por castas tintas, enquanto os restantes 30% estão reservados às brancas, num total de cerca de 40 variedades de uva distribuídas pelas 1600 parcelas espalhadas pelos concelhos de Borba, Estremoz, Sousel, Terrugem (no concelho de Elvas), Vila Viçosa, Alandroal.

Do total de 230 produtores de uva, 100 estão certificados no âmbito do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo e, simultaneamente, representam 85% da área total de vinha. “Destes sócios, a maioria começou, há 20 anos, com o sistema de Proteção Integrada e já com cuidados acrescidos na instalação da vinha, na escolha do porta-enxerto mais aconselhado e nas castas que interessam ao viticultor, enquanto produtor de uva, mas também sob o ponto de vista enológico”, elucida Óscar Gato. Do ponto de vista sanitário, o enólogo principal da Adega de Borba destaca a supressão de produtos fitossanitários agressivos para a fauna e a flora, ação assumida desde 2005, na vinha. “Este sistema de Proteção Integrada rapidamente evolui para Produção Integrada, com regras ainda mais exigentes, como o enrelvamento, pelo menos, em linhas intercaladas”, pelo que quando a Adega de Borba passou a fazer parte do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo “já vinha com muita sustentabilidade”, ou seja, esta responsabilização ambiental começou muito antes, em 2005. Poupança da água e da energia, reciclagem de cartão, plástico e vidro, controlo natural de temperatura e não inclusão dos aparelhos de ar condicionado são algumas das medidas implementadas desde então.
Óscar Gato dá ainda como exemplo a nova adega. Concluído em 2012, este edifício está munido com claraboia, para facilitar a entrada de luz e minimizar o desperdício de eletricidade; um enorme pé direito, com uma caixa de ar que permite o controlo das amplitudes térmicas, sem ter de se recorrer à instalação de aparelhos de ar condicionado; parte do topo tem enrelvamento, com o propósito manter a baixa temperatura no interior; e as paredes exteriores estão revestidas com alvéolos de mármore, que fazem ensombramento, com a finalidade de evitar a incidência direta da luz solar.

Tudo isto permitiu que Borba fosse a primeira adega cooperativa do Alentejo a ser certificada em uva e em vinho, ambos a 100%, a partir da colheita de 2020, no contexto do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo.

“Sempre se consideraram produtores de uva, para fazer vinho. No fundo, os proprietários da adega são os associados”, enaltece Óscar Gato

 

O solo, o clima e as serras

“Podemos afirmar que estamos numa zona privilegiada, porque basicamente estamos entre duas serras, o que acaba por marcar muito o terroir de Borba. A sul, temos a serra d’Ossa e, a norte, está a serra de Portalegre”, descreve Ricardo Silva, enólogo da Adega de Borba desde 2024 e membro do conselho de administração desta casa. Ou seja, cada uma dista, respetivamente e em linha reta, cinco e 50 quilómetros de Borba.
“Além de estarmos entre estas duas serras e de grande parte das nossas vinhas se situar a uma altitude média de 400 metros – estamos num planalto, que é o eixo dos mármores –, que liga Sousel a Vila Viçosa, temos, essencialmente, dois tipos de solos: os argilo-xistosos e os argilo-calcários”, continua Ricardo Silva. O planalto é um maciço calcário que faz a transição para o xisto, dando origem a solos “mais delgados”, nas palavras de Óscar Gato, a sul, e a argila, mais a norte, convertida em solos mais férteis.

O mais recente enólogo da Adega de Borba foca a importância das grandes amplitudes térmicas: “temos dias com 40 °C e noites de 18, 20 °C.” Realça ainda os benefícios dos nevoeiros matinais quase diários na parte sul, onde há um vale, junto à serra d’Ossa. “Isso permite que a maturação das uvas ocorra de uma forma mais controlada. Conseguimos não ter tanta degradação dos ácidos, a maturação fenólica acaba por acompanhar a maturação alcoólica e isto resulta em vinhos com uma acidez mais natural, uma fruta mais pura, mais expressiva. Não temos uvas excessivamente maduras ou muito desidratadas”, declara Ricardo Silva. Estão, assim, reunidas as condições benéficas para a vinha e para o vinho, em relação ao qual Óscar Gato evidencia a frescura conferida pela acidez natural das uvas.
Em jeito de conclusão, o enólogo principal da Adega de Borba enumera três palavras-chave no que toca aos vinhos da Adega de Borba: equilíbrio, estrutura e elegância.

Vindima de filigrana

Desde há seis anos que Óscar Gato e a sua equipa elucidam cada viticultor para a compra de plantas certificadas, com o propósito de ficar com o registo da casta e do clone associado a cada uma, bem como do porta-enxerto, com o respetivo clone. Esta informação permite abrir caminho a experiências no terreno, no sentido de “perceber a adaptação cultural desta casta com este clone, com este porta-enxerto nos diferentes terroirs”, fundamenta o enólogo principal. Ao fim de cinco anos, já é possível obter a informação necessária acerca de cada clone.
“Por isso, é que nós olhamos para esta adega como uma empresa há muitos anos”, reforça Óscar Gato. Neste contexto, ambos falam sobre quão relevante é informar os sócios nas assembleias gerais, em reuniões e nas ações de formação, através das quais todos também têm acesso à grelha de valorização respeitantes a cada variedade de uva, a qual permite otimizar eficazmente a vinha.

À informação, soma-se a mais-valia de segregar e rastrear. A Adega de Borba detém toda a informação sobre cada garrafa que está à venda, assim como o registo acerca de todas as vinhas dos viticultores, através dos cadernos de campo de cada um. Na etapa final, mais concretamente na fase da maturação das uvas, cada associado dirige-se à Adega de Borba, para deixar amostras dos bagos, para análise. “Consoante o resultado obtido, são informados sobre quando a vindima é recomendável”, diz o enólogo principal.
A minúcia do trabalho realizado na Adega de Borba começa na vinha. E a vindima é o expoente máximo da vida de cada viticultor associado. “Apesar da nossa dimensão, conseguimos fazer vinificações separadas, casta por casta, por tipos de solo, em volumes maiores, em volumes mais pequenos, com grande precisão”, assegura Ricardo Silva.

A responsabilização por parte dos associados não fica por aqui. “Todos os sócios têm de entregar a totalidade da uva à adega. Não podem vender uvas a terceiros. Se o fizerem, não estão a cumprir com os estatutos e podem ser excluídos”, afirma Óscar Gato. Em contrapartida, “mesmo em anos difíceis, a adega não compra vinho a terceiros”, garante.
O enólogo principal da casa assegura ainda que os produtores de uvas encaram a Adega de Borba como muito mais do que o local onde é depositada a matéria-prima. “Sempre se consideraram produtores de uva, para fazer vinho. No fundo, os proprietários da adega são os associados”, enaltece Óscar Gato. A somar à venda da uva, cada associado é embaixador do vinho da Adega de Borba, que não assume apenas o papel de receber as uvas e as transformar em vinho. Há ainda o compromisso do pagamento. “Somos das poucas adegas do país a pagar as uvas a tempo e horas. O viticultor vê o trabalho recompensado através do que recebe pelas uvas e essencialmente por receber o dinheiro atempadamente. Antes de começar a vindima do ano seguinte, tem as uvas do ano interior pagas”, afiança Ricardo Silva.

Afiança Óscar Gato: “nós, neste momento, não temos falta de vinho branco para o mercado. Porquê? Porque estamos regulados com o mercado.”

 

Branco ou tinto?

Segundo Óscar Gato, nos anos 1950, Borba teria sensivelmente 50% de castas brancas e 50% de variedades tintas. “Se recuarmos mais no tempo, é provável que cheguemos à conclusão que teríamos 60% de [castas] brancas e 40% de tintas”, analisa. Certo é que, face ao panorama nacional, o vinho tinto foi conquistando terreno, em consequência das exigências do mercado.
No contexto da Adega de Borba, nas últimas duas décadas, o trabalho efetuado a par com os associados tem servido de pêndulo, com o propósito de regular a quantidade de castas brancas e tintas plantadas nas vinhas, consoante as necessidades da casa septuagenária. Afiança Óscar Gato: “nós, neste momento, não temos falta de vinho branco para o mercado. Porquê? Porque estamos regulados com o mercado.”

O teor alcoólico do vinho, muitas vezes determinado pelas condições climáticas, é outra das questões em debate. Contudo, “dentro do Alentejo, somos um bocadinho privilegiados, porque temos a possibilidade de colher uvas brancas, por exemplo, com 11 ou 11,5 °C e com boa maturação, e isso reflete-se na nossa grelha de valorização”, assevera Ricardo Silva. De acordo com esta tabela, os viticultores que entregarem uva entre os 11 e os 13 °C recebem 100% da valorização, enquanto nos tintos a mesma condição é estabelecida às uvas com grau alcoólico entre 12 e 15 °C. Para a base de espumante, o desafio é apresentado a um associado específico, as uvas podem entrar na Adega de Borba com 10,5 °C. Neste caso, “valorizamos a 100%, porque é uma necessidade nossa”, reforça Ricardo Silva.

Na base dos vinhos brancos constam três variedades autóctones do Alentejo: Roupeiro, Rabo de Ovelha e Antão Vaz. A este trio junta-se a Arinto. A Adega de Borba conta igualmente com outras variedades adaptadas a esta sub-região, como Alvarinho, Loureiro, Gouveio, Verdelho, Encruzado, Riesling e Viognier, que representam 10% a 15% do encepamento. Nos tintos, a Aragonez possui, de longe, a maior representatividade no universo dos associados da Adega de Borba. Seguem-se a Syrah, a Alicante Bouschet, a Trincadeira, a Periquita e a Touriga Nacional.

Diversidade e rejuvenescimento

Ao longo dos últimos anos, a Adega de Borba tem alinhado o perfil dos vinhos com o preço. Nas palavras de Óscar Gato, é dada uma atenção especial à relação qualidade/preço: “temos vindo a oferecer diversidade ao nosso consumidor a um preço justo e o preço justo é o reconhecimento do preço real do mercado do vinho.”

Dentro dos 11 milhões de litros de vinho produzidos, em média, todos os anos, Ricardo Silva avança: “temos os nossos produtos tradicionais, mas também temos de ter capacidade de estar atentos às tendências do mercado.” O borbic – produto, cuja base é o Adega de Borba licoroso branco, ao qual são adicionados água tónica q.b., gelo e hortelã – é um desses exemplos. A este segue-se o lançamento, para breve de, pelo menos, dois outros produtos, a pensar na nova geração de consumidores. O enólogo defende a comunicação dirigida aos jovens, através da produção de “vinhos com menor teor alcoólico e uma imagem mais forte”. A gama Senses, nome atribuído aos monovarietais da Adega de Borba, serve como modelo neste contexto, igualmente graças à nova imagem, “totalmente disruptiva”, segundo Ricardo Silva, apresentada ao mercado no dia 6 de agosto, com a colheita Senses Viognier 2024.
Por outro lado, importa evidenciar as joias da coroa da Adega de Borba, como as cinco aguardentes (três bagaceiras e duas vínicas) ou o Reserva, com o icónico rótulo de cortiça, que, com a passagem do tempo, tem vindo a ser modernizado. “Não é uma inovação, mas sim o rejuvenescimento da tradição”, defende Óscar Gato, referindo-se a esta linha, cuja primeira colheita data de 1964.

Já o vinho de talha, processo ancestral adequado aos novos tempos, sobretudo quando o enfoque está no baixo teor alcoólico, é feito desde 2015, ano da primeira colheita do tinto. “Mas nem todos os anos comercializamos vinhos de talha e sobre a alçada do designativo Vinho de Talha Alentejo, só a partir de 2017” A primeira colheita de branco é de 2021.
Naturalmente, são sempre de evidenciar as edições de vinhos mais raros e especiais, como os recentemente apresentados (e provados na edição de junho desta revista) para comemorar, precisamente, os 70 anos da casa: Havendo Tempo, branco de 2023 e tinto de 2021, e Adega Cooperativa de Borba Edição Especial, branco de 2021 e tinto de 2011, este último recuperando a rotulagem dos primeiros anos de atividade da adega.

E como a comida é parte substancial do vinho, o enólogo principal assegura que a Adega de Borba tem capacidade de resposta. Prova maior está no Restaurante Adega de Borba, meca da gastronomia alentejana e da arte de bem cozinhar, situado paredes meias com a loja de vinhos. Eis duas montras do portefólio vínico da casa, que podem ser degustados in situ ou na sala de provas da adega erguida em 2012, a qual dista aproximadamente 350 metros da original.

Adega de Borba

 

Óscar Gato dá ainda como exemplo a nova adega. Concluído em 2012, este edifício está munido (…) um enorme pé direito, com uma caixa de ar que permite o controlo das amplitudes térmicas, sem ter de se recorrer à instalação de aparelhos de ar condicionado

 

Casa septuagenária de boa saúde

A avaliar pela imagem do novo rótulo da gama Senses e pela integração do jovem enólogo Ricardo Silva no conselho de administração, a análise feita à Adega de Borba é promissora. Embora ocupe o cargo há um ano, já faz parte desta casa há 20 anos. “O meu pai é viticultor associado da Adega de Borba. Sempre o acompanhei e estive sempre muito próximo da adega.”

Para Ricardo Silva, foi como voltar às raízes, acima de tudo pelos valores, destacando o rigor e o profissionalismo do trabalho efetuado dentro da Adega de Borba desde 2003. “Por isso, vejo os próximos 70 anos a serem feitos como os últimos 20: a inovar e a não ter medo de experimentar, mas sempre com o sentido crítico e o rigor em relação à viticultura e à gestão, dois elementos fundamentais para que uma cooperativa tenha sucesso. Tudo o resto tem a ver com o trabalho efetuado pela empresa”

Óscar Gato, a exercer funções na Adega de Borba desde 2003, enfatiza a importância de uma cooperativa ser gerida como uma empresa: “tem de haver custos, receitas, despesas… A distribuição é feita pelos donos da cooperativa, que são os associados.” O enólogo principal salienta ainda a importância de manter o interesse dos mais jovens na atividade vitícola, “porque é necessário manter a paisagem vitícola, para evitar a desertificação e garantir a sustentabilidade social, ou seja, preservar a família e quem trabalha na vinha”. Sem esquecer a questão ambiental, fundamental no contexto da proteção do ecossistema e, em particular, das videiras, nem a parte económica, que assegura a permanência da residência dos locais. “Esta passagem de testemunho para as gerações vindouras é fundamental para manter o negócio da uva e do vinho”, remata.

 

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2025)

 

QUINTA DO CRASTO: Vertical Vinha da Ponte

Quinta do Crasto

A Quinta do Crasto dispensa apresentações, sendo hoje um dos projetos mais consolidados e prestigiosos do Douro. Atualmente com uma gama de vinhos alargada, brancos, rosés e tintos, sem esquecer os Portos, a produção total ascende já a 1 milhão e meio de garrafas. Costumo dizer que na Quinta do Crasto tudo é bom, a […]

A Quinta do Crasto dispensa apresentações, sendo hoje um dos projetos mais consolidados e prestigiosos do Douro. Atualmente com uma gama de vinhos alargada, brancos, rosés e tintos, sem esquecer os Portos, a produção total ascende já a 1 milhão e meio de garrafas. Costumo dizer que na Quinta do Crasto tudo é bom, a vista da magnifica piscina, a comida do enoturismo e, claro está, os seus vinhos e até azeites!

A reputação recente desta casa duriense, sita em Gouvinhas na margem direita do Rio Douro, entre a Régua e o Pinhão, foi sendo construída há mais de 25 anos com base no porta-estandarte Crasto Vinhas Velhas, um neoclássico duriense com preço não especulativo que nunca para de surpreender a cada colheita. Essa reputação estava, evidentemente, assente no facto de a propriedade ser histórica, desde há muito ligada ao vinho do Porto. Entretanto, a quinta começa a ganhar contornos de celebridade com a fama a surgir do aparecimento, em 1998, de dois tintos magníficos. Falamos de dois “vinhos de vinha”, ou seja, provenientes de duas vinhas específicas sem que no lote de cada uma entrassem uvas de outras parcelas da mesma, ou de outra, propriedade. Ora, isto, há mais de 20 anos, não era comum encontrar no Douro. Falamos, claro está, dos tintos Vinha Maria Teresa e Vinha da Ponte, dois vinhos incontornáveis do Douro moderno que conquistaram uma legião de fãs que esgotam cada colheita. Aliás, existe é certo, sempre uma comparação (saudável, neste caso) entre os dois vinhos, comparação que, na generosa colheita de 2015 foi ‘desfeita’ com apresentação (única até à data) de um lote com vinhos das duas vinhas, o limitado e soberbo tinto Honore, engarrafado em 1615 garrafas todas elas em formato magnum.

Sobre o Vinha Maria Teresa já muito escrevemos. Quer dos seus impressionantes 4,7 hectares em socalcos tradicionais virados a nascente, quer das 54 castas que ali se encontram identificadas. E já relatámos que, por tudo o que esse vinho representa, a família Roquette, proprietária da quinta, tudo têm feito para a conhecer melhor, preservar e até multiplicar. Para tal, e depois da geo-referenciação diferencial (com precisão videira à videira), procedeu-se à classificação ampelográfica das videiras culminando na identificação visual das referidas 54 variedades. Por fim, e com base em todo este manancial de informação, foi criado um campo de multiplicação de genótipos na propriedade, uma verdadeira espécie de “viveiro reserva” onde todas estas castas estão representadas, perpetuando o encepamento integral da vinha. Em todo este processo, que começou em 2013, Tiago Nogueira, engenheiro agrícola e viticólogo, teve um papel fundamental, sendo mais recentemente coadjuvado pela sua colega Inês Cabral.

Num futuro próximo, a Quinta do Crasto espera extrapolar este trabalho para as restantes vinhas velhas da propriedade, nomeadamente a igualmente histórica Vinha da Ponte. Mas falemos então da Vinha da Ponte que é a estrela deste texto!

Quinta do Crasto

Uma vinha centenária

Igualmente centenária, e plantada na mesma altura do que a Vinha Maria Teresa, a Vinha da Ponte tem um encepamento bastante diferente, mais marcado por castas como Grand Noir e Tinta Roriz, e com menos Tinta Amarela do que a sua vinha irmã. Mais pequena em dimensão, também a orientação da vinha é diferente, essencialmente virada a Nascente – Sul, com uma maior parte da vinha exposta ao sol durante quase todo o dia, e dispõe de uma grande homogeneidade de altitude (180-220 metros). Quanto ao vinho, e após muitas provas ao longo dos anos, não temos dúvidas que o Vinha da Ponte, em comparação com o Vinha Maria Teresa, tem um perfil mais fechado e austero, com uma estrutura mais vincada. Longe de ser menos fresco, o Vinha da Ponte é muitas vezes mais vibrante e compacto, marcado por uma vertente mais silvestre e terrosa, fruto azul e negro em evidência e, arriscamos, denotando um perfil mais selvagem. Mais hermético e menos vivo nos primeiros anos de garrafa, mantém mais facilmente um perfil sério e não poucas vezes é mais longevo que o seu irmão Maria Teresa. Mas mais, atendendo ao perfil do trabalho das muitas (mais de 3000) barricas da Quinta do Crasto — trabalho luxuriantemente presente e marcante nos vinhos — a estrutura do Vinha do Ponte assenta-lhe particularmente bem. Enfim, não posso ser culpado do crime de não ter opinião…

Já na vinificação, e tirando particularidades sempre importantes, existe identidade nos dois topos de gama, ou seja, uvas integralmente (dependendo do ano, mas é essa a regra) pisadas em lagar, seguindo para cuba de inox e estágio de 20 meses em barrica de 225 litros, todas novas. Quanto aos tipos de madeira, aí sim, são diferentes consoante se trata de Vinha da Ponte ou Vinha Maria Teresa.

No que respeita à colheita de 2019 agora lançada, para o enólogo Manuel Lobo foi um ano excecional, caracterizado Primavera e Inverno bastante secos, e que beneficiou de temperaturas relativamente amenas nos meses de Verão e de uma chuva divina que chegou nos dias 21 e 22 de setembro para ajudar na maturação final das castas mais tardias. Depois de uma magnífica versão de 2019 do Vinha Maria Teresa, o Vinha da Ponte do mesmo ano mantém o nível elevadíssimo!

Quinta do Crasto

18,5 B

Quinta do Crasto Vinha da Ponte tinto 2012

Cor impecável para a idade. Muito bem no aroma, revela-se expressivo e profundo, complexo com notas de fruto azul, alguma barrica ainda, mas já integrada, tabaco doce e paprika. Saboroso e amplo em boca, acidez média, taninos aveludados. Belíssima evolução, e ainda com muita vida pela frente. (14,5%)

 

18 B

Quinta do Crasto Vinha da Ponte tinto 2014

Muito boa cor apesar de denotar menor concentração do que a colheita de 2012. Aroma sumptuoso, com fruto encarnado à frente, secundado pela habitual fruta azul silvestre, num perfil fechado ainda. A boca confirma o registo, com tanino apertado, boa percepção de acidez, saboroso, com a barrica mais discreta do que no nariz, e final apimentado. (14,5%)

 

19,5 A

Quinta do Crasto Vinha da Ponte tinto 2015

Aroma fabuloso, nota clássica com fruta azul e negra, barrica presente e impecável a contribuir com especiarias doces (cardamomo), grafite e leve nota terrosa. Mantém o nível em boca, compacta, mas com bastante frescura, fantástica textura com cremosidade assinalável. Um enorme vinho em grande momento de forma! (14,5%)

 

18,5 B

Quinta do Crasto Vinha da Ponte tinto 2016

Cor denotando juventude e concentração. Aroma muito vivo e vinoso, profundo e latente, fechado até, com notas fruto azul, tinta-da-china, especiaria fina, chocolate negro e terra molhada. Na boca confirma o perfil, tanino vivo e barrica a pedirem garrafa, boa frescura geral, tem muita garra que só mais alguns anos irão domar. (14%)

 

19,5 C

Quinta do Crasto Vinha da Ponte tinto 2018

Cor opaca. Aroma muito jovem e fechado, os habituais fruto azul e negro mais em evidência nesta colheita, com a especiaria e o cacau em segundo plano. Muito poderoso em boca, taninos maduros massivos, novamente percepção de juventude, num perfil mais tenso, másculo e preciso do que outros anos. Termina intenso e apimentado. (14%)

 

 

(Artigo publicado na edição de Agosto de 2025)