BAIRRADA: 25 tintos com alma

O que poderia parecer à partida uma desvantagem comercial para a Bairrada – ter produtores com diferentes filosofias e estilos, e várias castas tintas por utilizar – é, afinal, mais uma razão para seguir de perto a região. Dos vários perfis a partir da emblemática uva Baga aos blends com Touriga Nacional e castas francesas […]

O que poderia parecer à partida uma desvantagem comercial para a Bairrada – ter produtores com diferentes filosofias e estilos, e várias castas tintas por utilizar – é, afinal, mais uma razão para seguir de perto a região. Dos vários perfis a partir da emblemática uva Baga aos blends com Touriga Nacional e castas francesas – difícil é escolher.

TEXTO Nuno de Oliveira Garcia
FOTOS Ricardo Palma Veiga

A ideia tradicional que alguns dos consumidores ainda poderão ter da Bairrada – que se trata de uma região pouco dinâmica e com vinhos uni-direcionados – não poderia estar mais longe do momento em que a mesma atravessa do ponto de vista vitivinícola. É certo que existem outras regiões com um maior número de vinhos lançados por ano, e outras que assentam num protótipo regional mais característico ou identificativo. Mas dificilmente encontramos tanta diversidade, com qualidade e bom preço, como nesta região do centro-norte do país que se espraia entre Coimbra e Aveiro.
Até na excelência dos vários tipos de vinho que produz – espumantes, tintos (maioritários) e brancos (para não falar das aguardentes e dos abafados) – se comprova que, na Bairrada, como acima começamos o texto, o mais difícil é escolher… É certo também que a região ainda não se libertou totalmente do estereótipo de fazer tintos “pouco amigos” do consumidor, difíceis, ácidos, adstringentes. Mas também é verdade que, atualmente, não existe enófilo exigente que não reconheça as qualidades e o forte carácter dos fantásticos vinhos da região. E os números do crescimento entre os consumidores estão aí para o provar.Podemos, pois, afirmar que tem existido mudança e inovação na Bairrada, e não começou nos dias de hoje. Produtores como Luís Pato e Carlos Campolargo, entre outros, tudo fizeram para que a região, ainda antes dos anos 90 do século passado, mantivesse uma aura de qualidade e modernidade e cativasse consumidores. Do primeiro, surgiram os mais relevantes ensaios com o estágio da Baga em barricas de carvalho francês, e do segundo provieram vinhos apelativos e modernos com base, em muitos casos, em castas menos comuns, algumas estrangeiras.
A par destes produtores, outros como Mário Sérgio Nuno (Quinta das Bágeiras), Sidónio de Sousa e João Póvoa (Quinta de Baixo e, atualmente, Kompassus), iam produzindo alguns dos vinhos mais míticos da região do início dos anos 90 também. Mais recentemente, produtores de uma geração mais nova alcançam sucessos dificilmente imaginados há algum tempo junto da crítica especializada, como sucede com os vinhos Vadio, de Luís Patrão, ou os Outrora, de João Soares e Nuno do Ó, verdadeiros blockbusters internacionais, com destaque para Filipa Pato, que viu o Nossa Calcário Baga 2015 obter a melhor classificação de sempre para um vinho da região na “Wine Advocate”.
De resto, vários dos produtores emblemáticos da região também parecem não querer perder o foco recente que o público está a dar à Bairrada, curiosamente com lançamentos num estilo que procura recuperar tradições mais antigas, como sucede com os vinhos centrados na designação Garrafeira ou na categoria Clássico (neste caso, sendo indispensável que, nos tintos, a Baga entre em, pelo menos, 50% no lote e o vinho estagie 3 anos, um dos quais em garrafa), como acontece com as propostas mais recentes das Caves São João, Aliança, Caves São Domingos e Messias.
Ainda no passado mês de maio, a Adega de Cantanhede – um dos projetos com maior dinamismo e modernidade – divulgou que, desde o início do ano, os seus vinhos foram galardoados com 74 medalhas em concursos internacionais; isto depois do anúncio de que 2017 terminou com um novo recorde de vendas. E se ainda houvesse dúvidas do que se vem escrevendo sobre o crescimento da atenção para com a região, há cerca de meia dúzia de anos (no final de 2012), a Bairrada viu uma das suas mais conhecidas propriedades ser adquirida pela Niepoort Vinhos, o que, só por si, revela bem o potencial da região aos olhos de uma das mais empreendedoras empresas durienses.Toda esta vitalidade foi-nos ainda confirmada pela Comissão Vitivinícola da Bairrada, que nos avançou dois dados muito interessantes; a saber: em primeiro lugar, refere-nos José Pedro Soares, presidente da Comissão, que as vendas dos vinhos Bairrada têm crescido, nos últimos dois anos e de forma continuada, na restauração e hotelaria (vulgo canal Horeca); em segundo lugar, e talvez ainda mais relevante, revelou que a Bairrada foi a região no país cujos vinhos sentiram, nos últimos anos, um maior crescimento de valor no preço médio.
Fomos confrontar Miguel Pereira (Messias) com esses dados e este corroborou-nos que na restauração, sobretudo em Lisboa, o crescimento das vendas dos vinhos Bairrada nas gamas premium e ultra-premium é surpreendente. Para este responsável comercial, têm sido os vinhos da Bairrada a estrela dos últimos anos no que respeita ao portefólio da Messias, que inclui também vinhos do Douro e Dão. Quanto ao aumento da certificação dos vinhos, esse é igualmente notável, com um crescimento constante de 10% por ano. As mesmas boas notícias surgem do lado da exportação, que regista um aumento de 17%.
No mesmo sentido, releva destacar que, até ao início anos 90, a Bairrada (a par do Dão) era a grande região de vinho de mesa, sendo que os principais players se abasteciam de uvas e vinhos um pouco por todo o país. A este respeito importa não esquecer que a Bairrada nunca foi uma região de pouca produção, bem pelo contrário. Prova disso mesmo é que teve um dos mais pujantes sectores cooperativos do país, com 6 cooperativas a funcionar em simultâneo (atualmente apenas duas se encontram em funções, Cantanhede e Souselas).
Talvez por isso, o primeiro sintoma da modernização da região tenha sido, precisamente, o abandonar da produção de grandes lotes de vinho de origem dispersa, para o controlo de áreas de vinha dentro da própria região, algo que sucedeu com as empresas Aliança, Messias, Caves São João (um desses primeiros passos foi, sem dúvida, a aquisição da Quinta do Poço do Lobo pelas Caves São João, ainda nos anos 70 do século passado) e Caves São Domingos, que passaram a olhar para a vinha e não apenas para a comercialização.
E dúvidas não nos restam de que é esse o futuro da região, no sentido em que produzir um grande vinho na Bairrada pode ser mais dispendioso do que noutras regiões. Afinal, o clima da região, e as próprias características da casta-rainha Baga, obrigam a um redobrar de atenções na vinha e na adega. Algo que nos é confirmado por Francisco Antunes, enólogo da Aliança, que menciona as chuvas de setembro, no equinócio de Outono, como um dos maiores riscos no que respeita ao ano agrícola, sobretudo por na região reinarem castas tardias como a Baga, a Touriga Nacional e o Cabernet Sauvignon (ver caixa). No caso da Baga, salienta o enólogo, são mesmo precisos muitos tratamentos, e no seu devido tempo, uma vez que o cacho apertado dificulta a condição fitossanitária no mesmo. Por tudo isto, as últimas colheitas, desde 2011 (ano perfeito em todo o país), têm sido muito desafiantes para a Bairrada, apesar de se poder concluir que a qualidade geral dos tintos não se ressentiu, em especial em 2017, ano do qual se prevêem vinhos de grande qualidade.
Por isso, o posicionamento da região não deve ser procurar competir no melhor preço ou na maior produção por hectare (nesses parâmetros outras regiões são mais eficientes). Luís Patrão, do projeto Vadio, confirma as dificuldades com a casta Baga, tardia e vigorosa, e realça que vinicultura da região é ainda pouco organizada, com uma média de área por produtor muito inferior a um hectare. Luís Patrão, que tem ao seu dispor apenas 4,5 hectares, lembra que foi sempre esse o paradigma da região, onde em cada casa havia uma adega e, assim sendo, nos dias que correm, é difícil produzir grandes vinhos em quantidade e a baixo preço. Para produzir mais, e ter melhores preços, diz-nos que é preciso ser muito profissional na vinha, em especial ter cuidado nos tratamentos, e podar convenientemente privilegiando arejamento do cacho da Baga.
Com tantos desafios, não admira que a quota de mercado na moderna distribuição – na qual o preço é o fator principal de compra – tenha vindo a diminuir para a região, algo compensado, como acima se referiu, pelo aumento significativo nas vendas noutros canais. Dúvidas não restam de que a Bairrada tem condições para produzir vinhos únicos, de perfis diferentes e tendencialmente mais frescos do que o resto do país. Essa unicidade é sobretudo valorizada junto da restauração e da distribuição mais clássica (como garrafeiras ou charcutarias finas). E, note-se, esse posicionamento não implica a venda de vinhos caros, nem a criação apenas de produtos para elites. Pelo contrário, e como resulta do presente painel, são vários os topos de gama bairradinos que não ultrapassam os 15€. Boas notícias, portanto!
Por isso, o posicionamento da região não deve ser procurar competir no melhor preço ou na maior produção por hectare (nesses parâmetros outras regiões são mais eficientes). Luís Patrão, do projeto Vadio, confirma as dificuldades com a casta Baga, tardia e vigorosa, e realça que vinicultura da região é ainda pouco organizada, com uma média de área por produtor muito inferior a um hectare. Luís Patrão, que tem ao seu dispor apenas 4,5 hectares, lembra que foi sempre esse o paradigma da região, onde em cada casa havia uma adega e, assim sendo, nos dias que correm, é difícil produzir grandes vinhos em quantidade e a baixo preço. Para produzir mais, e ter melhores preços, diz-nos que é preciso ser muito profissional na vinha, em especial ter cuidado nos tratamentos, e podar convenientemente privilegiando arejamento do cacho da Baga.
Com tantos desafios, não admira que a quota de mercado na moderna distribuição – na qual o preço é o fator principal de compra – tenha vindo a diminuir para a região, algo compensado, como acima se referiu, pelo aumento significativo nas vendas noutros canais. Dúvidas não restam de que a Bairrada tem condições para produzir vinhos únicos, de perfis diferentes e tendencialmente mais frescos do que o resto do país. Essa unicidade é sobretudo valorizada junto da restauração e da distribuição mais clássica (como garrafeiras ou charcutarias finas). E, note-se, esse posicionamento não implica a venda de vinhos caros, nem a criação apenas de produtos para elites. Pelo contrário, e como resulta do presente painel, são vários os topos de gama bairradinos que não ultrapassam os 15€. Boas notícias, portanto!
Os produtores da região, beneficiando de uma legislação mais “aberta” do que o habitual nos DOC portugueses, utilizam uma grande variedade de castas, desde variedades antigas na região a outras vindas de outras zonas do país ou ainda as chamadas castas internacionais. Estas são algumas das mais utilizadas nos vinhos tintos bairradinos.
É a principal casta tinta da região, apesar de já ter sido mais maioritária. Terá sido introduzida na região em consequência do oídio, sendo esta casta resistente ao fungo. Tem uma maturação tardia, o que na Bairrada pode ser problemático em anos de chuvas no início de setembro, tanto mais que é sensível à podridão. Vigorosa, quando lhe é permitida produção abundante dá origem a vinhos pouco alcoólicos e com muita acidez. Com o vigor controlado e, sobretudo, em terrenos argilo-calcários com boa exposição solar, produz os melhores vinhos da região, ricos em taninos e suportando muito bem o envelhecimento.
À semelhança da Baga, é de maturação tardia e pode ser muito produtiva, apesar de pouco sensível à podridão. Permite a produção de vinhos com muita cor e taninos, com boa longevidade, as características varietais – notas apimentadas – bastante pronunciadas, adapta-se bem a lotes com castas mais suaves, como a Jaen ou o Castelão.Omnipresente no país, terá viajado do Dão para a Bairrada, entrando em muitos lotes onde a Baga também está presente. Permite mostos com teores de álcool provável e acidez médios, ricos em substâncias fenólicas e carregados de cor (com tonalidades violáceas), e muito aromáticos, com frutado intenso a frutos pretos maduros e silvestres. É essa expressão aromática, bem como permitir vinhos encorpados e o facto de ser uma casta consistente em termos da qualidade dos vinhos que origina, que a tornam um trunfo na região.Casta bordalesa de elevado rendimento e de maturação precoce, o que é uma vantagem para a Bairrada. Tem semelhanças com o Cabernet Sauvignon, mas com taninos mais suaves, permitindo elaborar vinhos encorpados, ricos em álcool e em cor, relativamente pouco ácidos, pelo que é por vezes utilizada na região para atenuar mostos mais ácidos e com taninos mais vivos provenientes de Baga.
Outra estrela um pouco por todo o país, é uma casta produtiva, mas muito apta a produzir vinhos de grande qualidade. De maturação tardia, permite mostos muito corados, de um vermelho intenso com nuances violetas durante a juventude, e sempre com grande potencial aromático. Tem-se adaptado bem à Bairrada, sobretudo nos anos mais quentes, originando vinhos pujantes e especiados.

Edição Nº14,  Junho 2018

As muitas faces da Bairrada

A região da Bairrada caracteriza-se pela sua paisagem diversificada, vinhos especiais e gastronomia vibrante. Neste cantinho do país que se estende pelos distritos de Aveiro e Coimbra, há muito para descobrir e saborear – razão mais do que suficiente para nos fazermos à estrada. No roteiro, um museu, uma cave tradicional e uma adega moderna. […]

A região da Bairrada caracteriza-se pela sua paisagem diversificada, vinhos especiais e gastronomia vibrante. Neste cantinho do país que se estende pelos distritos de Aveiro e Coimbra, há muito para descobrir e saborear – razão mais do que suficiente para nos fazermos à estrada. No roteiro, um museu, uma cave tradicional e uma adega moderna. E alguns bons restaurantes, claro.

TEXTO Luís Francisco
FOTOS Ricardo Palma Veiga

Há muito tempo que o Museu do Vinho Bairrada, na Anadia, se tornou um destino central para quem visita a região. O edifício de arquitectura moderna inaugurado em 2003 e as suas colecções (as temporárias, abertas a uma variedade de temáticas e autores; e a permanente, à volta do vinho) atraem uma média de 2.000 visitantes por mês e servem, muitas vezes, de porta de entrada para o universo vitivinícola da região. Foi também esse o caminho que escolhemos: chegámos à Bairrada e dirigimo-nos ao museu do seu vinho. E fizemo-lo antes do almoço, saliente-se, porque o leitão é muito bom, mas a Bairrada tem muito mais para oferecer…Situado bem no centro da cidade de Anadia, junto à Estação Vitivinícola e à vinha que une os dois edifícios, fazendo a ponte entre o passado e o futuro, o Museu do Vinho Bairrada alinha-se num volume esguio e elegante. No primeiro piso, o espaço do lobby de entrada cola-se ao espaço do auditório e a áreas de exposição, povoadas agora por obras de Júlio Resende (até ao final de Maio), que nos transportam aos lugares que influenciaram os seus traços. Chama-se “A Experiência do Lugar” e é um excelente exemplo de como o museu trabalha outras áreas que não apenas a que lhe está no nome – uma iniciativa recente são as “Quintas no Museu”, série de tertúlias à quinta-feira à noite com gente com história e histórias para contar. Em Junho, será a vez de Júlio Pereira. A entrada é livre.
É no andar inferior que o enoturista vai encontrar a temática do vinho e da vinha. Descemos ao longo de um átrio onde, em lugar de destaque, repousa um lagar com tanque de madeira e prensa de vara. E então encaramos um comprido corredor, com salas laterais que nos levam pelo “Percurso do Vinho”. Primeiro a sala “Vinha”, depois a “Vindima” e por aí fora… Em todos estes espaços, o testemunho físico dos objectos do passado é complementado com imagens do presente projectadas na parede. Nalgumas salas, painéis com linguagem pictográfica ajudam a passar a mensagem a quem tenha limitações cognitivas.
Lá mais para a frente entraremos no espaço dedicado ao espumante – que tem, como é natural, papel de protagonista no museu. Encontramos máquinas de meados do século XIX e outras da viragem para o século XX, testemunhando o carácter pioneiro dos primeiros produtores da Bairrada. Fora dos olhos do grande público, o centro de documentação do museu disponibiliza a consulta de documentos dessa era. Os primeiros rótulos da época anunciavam então o “Champagne Portuguez”.
Três colecções, já no final do percurso, chamam imediatamente a atenção. Uma, a Colecção Comandante José Rafeiro, é constituída por cerca de 250 tambuladeiras (recipiente para provar o vinho, agora em desuso) de prata. A segunda, a colecção de saca-rolhas da família Adolfo Roque, exibe centenas destes instrumentos, dos mais elaborados aos mais simples, em metal, plástico, madeira, marfim. Já foi considerada uma das melhores 50 do mundo. A terceira colecção ocupa duas salas e mostra-nos garrafas, rótulos e publicidade do passado da região. Ficamos a saber que o licor Junípera é “o melhor produto estomacal”. E que houve em tempos um vinho chamado Matateu.

MUSEU DO VINHO BAIRRADA
Av. Engenheiro Tavares da Silva, 3780-203 Anadia
Tel: 231 519 780
Mail: museuvinhobairrada.m.anadia@gmail.com; m.anadia.p.dias@gmail.com
Web: cm-anadia.pt/2014-04-02-16-11-20/museu-do-vinho-bairrada
O museu está aberto todos os dias excepto à segunda-feira (10h/13h e 14h/18h aos dias de semana; 11h/19h aos fins-de-semana e feriados). A entrada custa um euro. Para além da exposição permanente sobre o mundo do vinho, há mostras temporárias de artes e autores diversos, bem como um auditório para 80 pessoas, biblioteca, mediateca e um espaço para eventos, com capacidade para 100 pessoas no interior e mais 50 num pátio interior (aluguer: 300 euros/dia).

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 2
Prova de vinhos (máx. 3): *
Venda directa (máx. 3): *
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 3
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5*
* Nota ponderada. A filosofia do espaço não contempla estas actividades.A devoção especial ao espumante criou na Bairrada um tipo muito especial de instalações vinícolas, as caves. A sua história já teve altos e baixos – muitas destas casas não resistiram ao desaparecimento dos mercados das ex-colónias e desapareceram no último quartel do século XX, mas outras deram a volta e souberam renascer, adaptando-se às novas realidades. Um destes casos está ali bem perto da Anadia, na localidade de Ferreiros. Um longo edifício cor-de-rosa sinaliza que chegámos às Caves do Solar de São Domingos.
A entrada, discreta, faz-se por uma escadaria que leva a um pequeno pátio interior e, daí, à loja. A seguir, descemos para um salão onde se alinham uma centena de grandes barricas de 650 litros (há mais 500 na cave), guardiãs das aguardentes que envelhecem. Ao meio, uma mesa, num dos topos, duas salas com garrafas – são memórias da casa (uma delas, a Garrafeira Abílio Santos, homenageia um antigo colaborador com mais de 50 anos de empresa, que ainda visita as instalações de quando em vez). Uma escadaria abre caminho para as caves e é por aí que seguimos.
Os visitantes são recebidos na sala de cima e ficam a conhecer a história da casa (as instalações foram remodeladas em 1986, após um severo incêndio), mas é nas caves que encontramos a essência da Bairrada. Longas galerias “decoradas” com fungos pendurados do tecto e das paredes, o esqueleto de um antigo elevador de garrafas de corrente metálica, salas pequenas, um túnel amplo que em breve será preenchido com as garrafas que tilintam noutra zona, na linha de enchimento. E, claro, vinho, muito vinho – nestas caves repousam cerca de dois milhões de garrafas.
Num dos extremos, um túnel muito baixinho foi escavado à mão, para dar acesso a outra galeria, 12 metros abaixo do solo. Ainda são visíveis nas paredes as marcas da picareta, agora ornadas de gotículas de água que cristalizam em formas suaves. É preciso baixarmo-nos bastante para passar por aqui – muitos visitantes são mesmo desaconselhados de o fazer – e a explicação é simultaneamente pragmática e anedótica: quando o construtor perguntou de que altura deveria fazer o túnel, disseram-lhe para o fazer da altura de um homem. E ele fez, da sua altura…
Da atmosfera mágica e temperatura constante das caves para o espaço dos andares superiores. Passámos, entretanto, pelo armazém e entramos no edifício principal, onde encontramos os salões de eventos. Mesas enormes, peças de alambique, máquinas antigas, pés de vide – estamos na sala Bairrada. No andar de cima está outra sala, ainda maior, com janelas amplas e espaço para mais de uma centena de convivas. É aqui que abrimos uma garrafa de espumante e provamos uma das aguardentes da casa. Ao olhar para o tecto, percebemos que estamos na sala Baga. Bairrada de cima a baixo.

CAVES DO SOLAR DE SÃO DOMINGOS
R. Elpídio Martins Semedo, 42, 3780-473 Anadia
Tel: 231 519 680
Mail: info@cavesaodomingos.com
Web: www.cavesaodomingos.com
De segunda a sexta-feira, há dois horários fixos de visita (11h e 15h – encerra para almoço entre as 12 e as 14h); outros horários e sábado, solicita-se marcação antecipada. Há quatro programas de visita e prova (Momentos Moderados, Tranquilos, raros e Deliciosos), com preços que variam entre os 7,5 e os 27,5 euros, conforme os vinhos e os petiscos de acompanhamento. O programa Momentos Intensos inclui refeição quente e fica por 45 euros por pessoa – os jantares não podem prolongar-se para lá das 24h. O programa Roteiro Vitivinícola da Bairrada, com actividades em várias quintas, visita às caves e almoço custa 75 euros por pessoa.
Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2,5
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 2,5
Ligação à cultura (máx. 3): 2,5
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17,5

De dia, a adega da Quinta do Encontro é bonita e, situada num ponto alto sobre uma confluência de estradas, constitui um verdadeiro marco na paisagem. Mas à noite fica ainda melhor. Mesmo que a meteorologia obrigue a esperar pacientemente por uma aberta sem chuva até se poder enquadrar este conjunto de linhas suavizadas e matizadas pelas luzes interiores e exteriores. Havemos de voltar na manhã do dia seguinte, para a conhecer mais em pormenor.
A quinta foi comprada em 2000 pela então Dão Sul, agora Global Wines e, embora a sua reduzida dimensão (apenas 4 hectares) não lhe permita assumir grande protagonismo num grupo que produz vinho em seis regiões portuguesas e no Brasil, a verdade é que a construção da adega (iniciada em 2005 e com inauguração em 2007) trouxe a esta propriedade da Bairrada uma relevância muito especial. O projecto, do arquitecto Pedro Mateus, emula o movimento circular do vinho num copo, com rampas circulares ascendentes e descendentes em redor de uma adega central.
Em 2017, passaram por aqui umas dez mil pessoas, metade das quais cumpriram a visita à adega (que é gratuita) – as outras são visitantes que apenas passam pela loja ou se dirigem ao restaurante para refeições que podem ser de degustação ou de filosofia mais executiva (aos almoços, de semana). De uma forma ou de outra, todas são atraídas pela silhueta circular do edifício e pela forma simultaneamente harmoniosa e imponente como domina a paisagem em redor.
Uma paisagem que, diga-se, fica muito enriquecida pelas vinhas de dois outros produtores, Campolargo e Colinas de S. Lourenço, cujas instalações se situam nas proximidades. São estas vinhas que compõem o cenário quando subimos à galeria exterior e estendemos o olhar em volta. E há muito para ver: nos dias sem nuvens, a silhueta da serra da Estrela mostra-se ao longe, mais perto temos o Caramulo, ondulações suaves nas proximidades, bosques, matas e vinhas.
Lá em cima, uma sala multifunções está disponível para eventos. Cá em baixo, na cave, as barricas e as garrafas de espumante alinham-se numa galeria circular em volta da adega, com dois conjuntos semi-circulares de cubas de alumínio. O andar do meio, térreo, é composto pela recepção e loja – onde uma bela lareira central fornece um toque de conforto familiar a um ambiente moderno e luminoso – e ainda pelo restaurante, muito popular entre as gentes locais e chamariz para os turistas nas épocas altas.
Na Quinta do Encontro, como se o nome tivesse sido escolhido por isso mesmo, deparamo-nos com uma amostra bem alargada do portefólio da Global Wines, cujo epicentro se situa no Dão. Mas manda a tradição da casa que o vinho servido a quem bate à porta, mesmo que não seja possível efectuar a visita, seja um espumante local. Ou não estivéssemos na Bairrada…

QUINTA DO ENCONTRO
São Lourenço do Bairro, 3780-907 Anadia
Tel: 231 527 155
Mail: enoturismo@quintadoencontro.pt
Web: www.globalwines.pt/enoturismo
A adega está aberta a visitas, mas apenas mediante marcação – a boa notícia é que a entrada não é paga e quem entra pode sempre saborear uma flute de espumante. O restaurante está aberto de terça a sábado para almoço e jantar (12h/15h, 19h/22h) e aos domingos para almoço (12h/16h); encerra à segunda-feira. Organizam-se eventos com preços sob consulta.

Originalidade (máx. 2): 2
Atendimento (máx. 2): 2
Disponibilidade (máx. 2): 1,5
Prova de vinhos (máx. 3): 2
Venda directa (máx. 3): 2,5
Arquitectura (máx. 3): 3
Ligação à cultura (máx. 3): 2
Ambiente/Paisagem (máx. 2): 2

AVALIAÇÃO GLOBAL: 17
Para qualquer português que goste de sentar à mesa, Bairrada é sinónimo de leitão assado. Mas há muito mais na gastronomia bairradina para nos proporcionar o devido reabastecimento nas estações de serviço para humanos. Aqui ficam três sugestões: um restaurante centrado no leitão (Mugasa), outro que partiu do pequeno reco para criar uma oferta ampla e requintada (Rei dos Leitões), e um terceiro que assenta os seus trunfos nos produtos do mar (Magnun’s & Co). Em qualquer deles, é pecado não pedir um espumante da região para acompanhar a comida.
MUGASA – Largo da Feira, Fogueira, Sangalhos; 234 741 061
REI DOS LEITÕES – EN1 Av. Restauração, Nº 17, Mealhada; 231 202 093
MAGNUN’S & CO – Av. Floresta 120, Mealhada; 960 024 268

Edição nº13, Maio 2018

 

Caves São João comemoram 97

Quase na reta final para o centenário das Caves São João, surge o vinho que assinala os 97 anos desta empresa tão clássica da Bairrada. Caves São João 97 Anos de História tinto 2014 é um Baga estreme muito elegante e leve (12,5% de álcool), de um ano difícil para as uvas tintas da Bairrada, […]

Quase na reta final para o centenário das Caves São João, surge o vinho que assinala os 97 anos desta empresa tão clássica da Bairrada. Caves São João 97 Anos de História tinto 2014 é um Baga estreme muito elegante e leve (12,5% de álcool), de um ano difícil para as uvas tintas da Bairrada, devido ao chuvoso mês de Setembro. José Carvalheira, enólogo da casa, confirmou dizendo que “Só com uma viticultura muito cuidada é que conseguimos fazer este Baga em 2014”. Lembrou, ainda: “Pela primeira vez em alguns anos decidimos criar um vinho que fosse 100% desta casta”. Fermentado em lagar, estagiou 12 meses em carvalho, 18 meses em cubas de cimento e três meses em garrafa.

Da esquerda para a direita: Fátima Flores, Manuel José Costa, Célia Alves, Gonçalo Soares e José Carvalheira

Como já é habitual, o rótulo e a caixa abordam um tema especial e marcante para o Mundo e a Humanidade. Nesta edição, o foco é na preocupação ambiental, com o desenho de uma árvore cujo tronco é uma mão a suportar a copa, numa ideia de protecção. A inspiração, segundo a gestora Célia Alves, remonta à década de 90, à conferência das Nações Unidas conhecida por Eco-92, onde os chefes dos Estados-membros debateram os problemas ambientais mundiais. E, por esta razão, o vinho foi apresentado no centro de um monumento do escultor Armando Martinez, na Mealhada. Um conjunto de sete blocos de pedra com formas petroglíficas, a perfazer um círculo, que simbolizam a ligação “mágica” do Homem à Terra e o agradecimento ao Universo. Seguiu-se uma belíssima refeição, com prova do novo vinho, no restaurante Magnun’s & Co do Chef Gonçalo Soares.

Do 97 Anos de História foram feitas 3908 garrafas e o seu preço na prateleira é €45.

A colecção “Rumo ao Centenário”, um lançamento por ano