Heranças gastronómicas: de Portugal, vê-se todo o Mundo

É impossível andar seguro para a frente olhando apenas para trás, é certo, mas anda-se bem mais seguro quando se sabe donde se vem. A esmagadora maioria do património culinário português está impregnado das muitas influências que ganhou e deixou pelo Mundo. E temos vinhos para todas. TEXTO Fernando Melo África lusófona Angola, Cabo Verde, […]

É impossível andar seguro para a frente olhando apenas para trás, é certo, mas anda-se bem mais seguro quando se sabe donde se vem. A esmagadora maioria do património culinário português está impregnado das muitas influências que ganhou e deixou pelo Mundo. E temos vinhos para todas.

TEXTO Fernando Melo

África lusófona

Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, partilham entre si várias itinerâncias gastronómicas e as raízes do que se come estão nos produtos e costumes locais. Os portugueses foram sempre para ficar, ao contrário dos espanhóis, ingleses, franceses e holandeses, que quase sempre viveram apartados dos povos que encontraram ou subjugaram. Há um missionário e um grande amigo em cada português e excepção feita aos óbvios e históricos conflitos, os portugueses são assim lembrados. Além disso, todos os que ousaram partir tornaram-se eles próprios também, de certa forma, portugueses diferentes, no sotaque, nos hábitos e… na mesa. O continente foi-se instituindo como plataforma de fusão e hoje são diversas as delícias provenientes de cada parte. Deliciamo-nos com a muamba de galinha que nos chega de Angola, alquimia sofisticada de texturas e sabores. Óleo de palma, quiabos, malagueta e funge são os quatro pontos cardeais de um prato de cariz popular que nos leva ao céu. De Cabo Verde preenche-nos a fantasia a cachupa de carne, a que também se chama rica – injusto para a de peixe, a pobre – e é alquimia culinária pura. Um estufado de base de milho, feijão e enchidos que pacientemente vai construindo uma catedral. É um dos mais belos edifícios da lusofonia gastronómica e só se faz para muitos convivas. Não se faz cachupa para dois ou quatro à mesa. A Guiné tem o caldo de mancarra, relativamente pouco difundido entre nós, continentais mimados, mas faz-se muito nos lares de guineenses na diáspora portuguesa. Mancarra quer dizer amendoim em guineense e solta na fervura lenta sucos e texturas em que rapidamente nos viciamos. Faz-se normalmente com frango cozido, coberto com uma pasta que resulta de pisar a mancarra juntamente com tomate fresco e piri-piri. Não há quem não fique impressionado pela diferença deste prato único e preso nos seus sabores inefáveis. Moçambique tem caris incríveis, malaguetas muito picantes, e fixou pratos de influências múltiplas, todos sápidos e intensos. A cafriela de frango – cafriela vem de cáfila e de cafres, outrora marginais enjeitados pela sociedade – é a mais perfeita receita de frango que existe. A ave aberta e espalmada, primeiro é marinada em sal, manteiga, piri-piri, limão e azeite ou óleo, depois grelhada, e finalmente estufada. Três processamentos que elevam a mais simples ave de criação a prato glorioso. Praticada em Moçambique, absorveu influências da Guiné, Zambézia e Angola e está na base da profusão de churrasqueiras que encontramos incrustadas nos prédios das cidades portuguesas, receita obviamente simplificada. Quase todas foram fundadas por retornados das ex-colónias e viram que a todos apetecia. S. Tomé e Príncipe tem o incrível e maravilhoso reduto que é o calulu, de peixe ou carne. É pobre na sua génese e o ponto de partida é sempre a demolha da proteína principal, peixe seco ou carne seca. Depois é enriquecido por uma profusão de ingredientes e especiarias, para um resultado fantástico que é pena não estar mais vezes disponível nos nossos restaurantes. É normalmente muito picante.

EXPERIMENTE: Tinto da Bairrada, com muamba de galinha. Branco do Alentejo fermentado em barrica, com cachupa. Branco de Palmela com caldo de mancarra. Alvarinho Monção e Melgaço, com cafriela de frango. Alfrocheiro do Dão com calulu.

Japão

Levámos muitas delícias valiosas para a ilha longínqua a oriente. Figueira, pereira, pessegueiro, marmeleiro, oliveira e até mesmo videira. Também fomos nós que lá pusemos criação, por exemplo galinha, pato e coelho, com a correspondente parafernália culinária. A tempura com que convivemos tanto e tão bem quando comemos com pauzinhos nos restaurantes japoneses, tem uma dupla paternidade. Nasceu a partir dos peixinhos da horta, mas também a partir do acto de temperar. É atribuída aos portugueses também a namban karashi, ou seja mostarda, que conduziu a uma generalização de alguns pratos como sendo nanbam, quando na verdade eles eram originários da região Nanba, em Osaka. Tudo o que fosse animal de criação e levasse alho passou a ter chancela namban. Peixes marinados em vinagre passou a costume integrado pelos japoneses, e tem matriz óbvia nos nossos escabeches. Por lá é bem mais picante do que por cá, ainda hoje, refira-se. O açúcar refinado, inovação de enorme impacto na doçaria japonesa, de que é grande exemplo o bolo castela – pão-de-ló -, que em japonês se diz kasutera, corruptela do termo português. Os fios de ovos enfeitiçaram totalmente os japoneses, pela semelhança com a massa de cabelos de anjo e pela grande recompensa que eram a sua farta doçura e poder nutritivo. A doçaria e a arte da confeitaria receberam também baptismo com um neologismo, o kompeito. Vem de confeito, ou confeitaria e refere-se à fabulosa arte de confitar o açúcar nos frutos e legumes, e todo o trabalho dos pontos de açúcar desenvolvido empiricamente nas cozinhas dos nossos conventos. A alta pastelaria japonesa é uma das mais requintadas do mundo.

EXPERIMENTE: Rosé da região dos Vinhos Verdes com tempura. Branco do Alentejo sem madeira com sushi. Chardonnay novo com kasutera/pão-de-ló.

Índia

Goa é a representação principal da Índia no nosso imaginário e é também o território indiano que mais influência portuguesa recebeu. Portugal foi, de resto, potência administrante até 1961, sente-se bem e claramente em cada pequeno detalhe culinário. Ao mesmo tempo, é porventura o maior exemplo de fusão em todo o mundo, tanto pelo estendimento no tempo como pelo contínuo de influências recíprocas. A carne em vinha d’alhos, por exemplo, preparação típica do norte alentejano e de latitudes mais acima, deu no vindaloo. O vinho tinto foi contudo cedendo terreno ao vinagre, resultando na miscigenação quase perfeita, já que o vinagre também entrou nos hábitos dos portugueses. Inequivocamente alentejano é o sarapatel, mais propriamente de Portalegre, onde ainda se processa como sempre. Em rigor é um cozido de carne e partes moles de porco, na Índia ganhou temperos exóticos como cardamomo, cominhos, malaguetas – estas juntamente com quiabos levadas por nós – gerando um prato universalmente reconhecido e aceite sem reservas como sarapatel. Inefável o caril, de camarão ou galinha, com o competente arroz basmati aromatizado ao lado. A base de leite de coco do caril goês é muito importante, além de registo de proximidade em relação a outras ex-colónias, especialmente Moçambique. Aspecto curioso e digno de registo é a introdução dos caldos e sopas nas muitas dietas de toda a Índia. Foi mesmo um costume levando por nós mediterrâneos, para quem sopa, caldo e ensopado significam a mesma coisa. A arte doceira conventual também chegou longe, a bebinca é forte exemplo do trabalho dos ovos e do açúcar, ao mesmo tempo que incorpora a paciência e a perfeição da mesa indiana ancestral.

EXPERIMENTE: Tinto do Douro com vindaloo. Branco de Lisboa com caril. Moscatel de Setúbal com bebinca.

Edição nº 34, Fevereiro de 2020

Entrevista com Chef Diogo Rocha: A estrela Michelin e o novo livro

A entrevista aconteceu no auge da felicidade, com o chef Diogo Rocha ainda mais sorridente do que é costume. Em finais de Novembro, quando ainda festejava a conquista da primeira estrela Michelin, apresentou o seu novo livro, Queijaria do Chef, feito em parceria com o fotógrafo Mário Ambrózio. Conversa sobre o que passado e o […]

A entrevista aconteceu no auge da felicidade, com o chef Diogo Rocha ainda mais sorridente do que é costume. Em finais de Novembro, quando ainda festejava a conquista da primeira estrela Michelin, apresentou o seu novo livro, Queijaria do Chef, feito em parceria com o fotógrafo Mário Ambrózio. Conversa sobre o que passado e o futuro do restaurante Mesa de Lemos, em Silgueiros, Viseu, com o aroma de queijos em fundo.

TEXTO Ricardo Dias Felner

RDF: Comecemos pelos queijos. Como é que nasceu este livro?
DR: Eu e o Mário somos amigos de infância, andámos na mesma escola em Canas de Senhorim.

E ele também gosta de comida?
Imenso. Ele chegou a estagiar com a Marlene Vieira. Era fotógrafo de dia e à noite ia para a Marlene, como estagiário. Ele cozinha muito bem e gosta de cozinhar.

Vem de uma zona de queijos. Que relação tem com os queijos?
Sim, sobretudo do Serra da Estrela. É uma coisa desde muito miúdo. O meu pai tinha uma mercearia, vendia imensos queijos. Ia com ele comprar directamente às queijarias, algumas hoje em dia estão fechadas. Tenho bem presente aquele aroma de queijaria, não é bem um cheiro a chulé, não é desagradável. Pelo menos para mim [risos].

Associa a esses momentos, portanto.
E também a festa. O queijo era uma coisa de festas. Tinha de estar na mesa nessas alturas. E então era sempre o Serra da Estrela. Para consumo diário havia o tipo Serra ou mesmo o flamengo, que vendíamos muito.

Gosta de flamengo?
Há alguns flamengos bem feitos, que não são insípidos, que são cremosos, saborosos.

Como é que surgiu o livro?
Já tinha este desejo e coincidiu com uma viagem a Viena. Fui jantar a um restaurante em Viena que tinha um carrinho de queijos delicioso, com exemplares do mundo inteiro. Ele vem com o carro e pergunto-lhe: e queijos portugueses? “Portugal não tem queijos”, disse-me o empregado. Cheguei a Portugal e despachei um Serra da Estrela para ele. Recebi uma carta depois em que o chef dizia que o queijo tinha sido seleccionado para entrar no carro e ia ser afinado. Eles têm um afinador de queijos lá no restaurante e o livro inicialmente até era para se chamar O Afinador de Queijos. O clique para o escrever deu-se aí.

Tem queijos no restaurante Mesa de Lemos?
Tenho sim, de forma ainda discreta. Mas projecto ter um carro de queijos portugueses.

Não é uma comida muito pesada para integrar numa degustação?
Tem de se pensar a degustação já a contar com esse momento mais robusto. E eu que a mais-valia é podermos afinar os nossos queijos. Temos de perceber que não devemos comer Serra todo o ano. Se calhar o melhor é no princípio do ano. Da mesma forma, as pessoas que procuram requeijão no Verão não sabem o que estão a fazer.

Falta-lhes gordura?
Sim, ou são pasteurizados sem aquelas características do requeijão feito quando o leite está melhor. Tem a ver com o pasto, tem a ver com os animais. Dão leite mas a qualidade não é a mesma.

Mas há Serra da Estrela todo o ano.
Mais do que Serra da Estrela até comemos Seia todo o ano. Gostava que as pessoas percebessem a diferença entre um queijo Serra, um Seia e um Serra da Estrela, que é uma coisa diferente.

Não há bons queijos sem serem certificados com D.O.P.?
Há sim, óptimos. Mas com os D.O.P. temos mais garantia de qualidade. E até na mesma queijaria podemos lá ir hoje e o queijo ser diferente do queijo de amanhã. Mas concordo que há grandes artesãos de queijos que não são D.O.P..

O Serra da Estrela é o seu preferido?
Não. Gosto de queijos mais curados. Como o de São Jorge. Ou o de São Miguel, com uma cura de nove meses, que não sendo muito já lhe dá um picante. Ou os queijos picantes de Castelo Branco, que normalmente quando estão no mercado já ultrapassaram o tempo certo. Ele tem um ponto em que é cremoso, pica, mas não é muito agressivo. É maravilhoso. Nos Serra vende-se todo o stock, que é pouco, antes de eles estarem curados, e é uma pena. O queijo com 40 dias para mim tem sempre um sabor ainda demasiado lácteo.

O restaurante Mesa de Lemos.

E o que acha do queijo comido à colher?
Não é uma guerra que eu queira travar. Mas nós explicamos que ele deve ser cortado à faca, por causa das diferenças de textura e sabor entre a pasta e a casca. Mas dito isto as pessoas devem comê-lo como lhes apetecer.

No livro também se fala da travia.
Sim, é o soro. As pessoas estão meio distraídas, mas todas as grandes superfícies têm.

O que se faz com a travia?
No livro fizemos uma proposta para um bolo. Mas ela é óptima para saladas, porque tem bastante acidez, ou mesmo numas pizzas e numas pastas.

Dos queijos do livro qual é o mais surpreendente?
O queijo chèvre do Adolfo Henriques, da Maçussa. Acho que é uma coisa do outro mundo, campeão mundial. Mas também não sabia que havia um queijo de cabra no Algarve. Ou queijos frescos na Madeira.

Há quem diga que Portugal tem poucos queijos bons, sobretudo olhando para países como Espanha ou França.
Nós temos 18 certificados. Mesmo que sejam todos muito bons, e eu acho que são, são poucos.

O que achas do Rabaçal que se encontra por aí?
O Rabaçal é melhor do que o que as pessoas julgam. Eu tenho ali um certificado que não tem nada a ver com o amanteigado do costume. Não é extraordinário, mas é bom.

Qual é a tua região preferida?
A Beira Baixa tem muitos e bons queijos artesanais. É a zona mais rica em queijos. De cabra, de ovelha, de mistura.

Numa semana, ganhou a primeira estrela Michelin, agora o lançamento do livro. Já sabia há mais tempo que ia ganhar a estrela?
Fui contactado pela Michelin para me convidarem para a cerimónia. Mas apercebi-me que houve um ou outro chef, no ano passado, que estava convidado para a gala e não recebeu a estrela. E isso deixou-me na dúvida.

Foi por email?
Inicialmente sim, mas eu não o vi, foi parar ao spam. Entretanto ligaram-me estava eu a almoçar no Cantinho do Tito, em Viseu, um arroz de vinha d’alhos com grelos, e pediram-me para responder ao email. Confesso que não parei o almoço para responder ao email.

A garrafeira do Mesa de Lemos.

Falou mais alto o arroz de vinha d’alhos.
Sim e, quando voltei de Espanha, o primeiro sítio onde fui comer também foi lá. Cheguei já muito tarde mas o sr. Tito reabriu de propósito para me dar de almoço.

Quando estava na cerimónia, em Sevilha, antes do anúncio ainda estava ansioso?
Estava, pois.

Era muito importante ter a estrela?
Era sim. Era um projecto de vida. Acreditava que podia acontecer. Trabalhava para isso e achava que os padrões do Mesa de Lemos encaixavam nisso. Aquilo foi um momento maravilhoso. Eu considero-me uma pessoa feliz, mas aquilo foi…

Olhando para trás, acha a estrela foi dada na altura certa, e não há três anos, quando se começou a falar nessa possibilidade?
Acho que este foi o melhor ano para ganhar a estrela. Fomos melhor equipa, mais consistentes. Acho que premiaram essa consistência.

Portanto não foi por ter posto foie gras ou carabineiro no menu este ano?
[Risos] É curioso que este ano não tive carabineiro. E nunca tive foie gras. Até por uma gestão do food cost. E da mesma maneira a carta de vinhos continua a ser só com vinhos de produção própria.

Alguma vez questionou a Michelin se o facto de só ter vinhos da Quinta de Lemos seria um impedimento para ter a estrela?
Sim, a dada altura fizemos abertamente essa pergunta. Disseram que não.

Eles quando cá vieram apresentaram-se?
Numa das vezes, sim. Este ano tivemos três visitas de três pessoas diferentes. Um deles era o novo inspector português.

Já sabe quem é, então?
Já sei. Mas na altura não desconfiei.

O que é que acontece quando a cozinha se apercebe de que há um inspector na sala?
O Gonçalo, que está comigo no fogão, uma vez perguntou: “E agora?” E eu disse-lhe: “E agora vamos fazer aquilo que fazemos todos os dias.” E ele foi corar o peixe como faz todos os dias. Nós acreditamos que temos bom produto e boa técnica. Obviamente que há dias maus…

Começou logo a haver mais reservas?
Logo nessa semana, é incrível. A dimensão passa a ser internacional. As pessoas dizem que o Guia está desactualizado. É mentira. Tive reservas logo dos EUA, Bélgica, França e Espanha. Pessoas que te dão os parabéns e querem fazer a reserva daqui a um mês, dois. E só tens noção disso quando recebes a estrela. A pessoa que trata das reservas já não se conseguia orientar com tanto pedido.

E agora, vai querer a segunda estrela?
Não, este projecto foi pensado para uma estrela. A segunda implica mais recursos humanos, porventura a garrafeira teria também de mudar.

Está feliz assim?
Muito. É uma sensação do caraças.

Edição nº 33, Janeiro 2020

[ADIADO]Beira Interior Gourmet 2020 tem participação de 33 restaurantes

ADIADO POR TEMPO INDETERMINADO A primeira edição do Concurso Beira Interior Gourmet terá 33 restaurantes aderentes, um evento que decorrerá entre os dias 14 de Março e 16 de Abril. Em conjunto com os produtores de vinhos da região, estes restaurantes pretendem potenciar um dos ex-libris da Beira Interior, a sua gastronomia e os seus […]

ADIADO POR TEMPO INDETERMINADO

A primeira edição do Concurso Beira Interior Gourmet terá 33 restaurantes aderentes, um evento que decorrerá entre os dias 14 de Março e 16 de Abril. Em conjunto com os produtores de vinhos da região, estes restaurantes pretendem potenciar um dos ex-libris da Beira Interior, a sua gastronomia e os seus vinhos.

Estarão diferentes pratos a concurso, harmonizados com vinhos da região, que o público terá oportunidade de provar durante este período. Os restaurantes estarão em competição no âmbito das seguintes categorias:

O menu a concurso é composto por entrada, prato principal e sobremesa, que deverão ser acompanhados por vinhos da Beira Interior certificados (DO e/ou IG) inseridos na carta de vinhos do restaurante.

Esta iniciativa insere-se na estratégia de promoção do enoturismo da região, no qual a recentemente criada Rota dos Vinhos da Beira Interior faz deste evento uma aposta no desenvolvimento da região. Para avaliação, foi reunido um júri das áreas da cozinha; turismo e cultura; ensino e enologia, cuja presidência estará a cargo de Fernando Melo, conceituado crítico de vinhos e cozinha, colaborador da Grandes Escolhas.

Os restaurantes aderentes:

Okah Restaurant & Rooftop recebe Paulo Laureano para jantar vínico

Dia 12 de Março, quinta-feira, será dia de jantar vínico no ŌKAH Restaurant & Rooftop, com uma vista privilegiada sobre Lisboa e o rio Tejo. A experiência, que terá início às 20h00, contará com os vinhos do enólogo e produtor Paulo Laureano, harmonizados com as propostas criativas do chef Luís Barradas. A refeição começará com […]

Paulo Laureano.

Dia 12 de Março, quinta-feira, será dia de jantar vínico no ŌKAH Restaurant & Rooftop, com uma vista privilegiada sobre Lisboa e o rio Tejo. A experiência, que terá início às 20h00, contará com os vinhos do enólogo e produtor Paulo Laureano, harmonizados com as propostas criativas do chef Luís Barradas.

A refeição começará com Vieira, Tupinambour e Cogumelos Shimeji. Seguir-se-á o prato de peixe, um Carolino de Lingueirão com Algas do Sado, que fará par com um Verdelho 2018. Para os amantes de carne, será servido Borrego acompanhado de Beringela, Pão Pita e Hortelã, harmonizado com um Alfrocheiro 2016. Lombelo e Pastinaca com Legumes do Poial serão conjugados com um Dolium Tinto 2014. Para terminar, o chef Luís Barradas apresentará um Pudim Abade de Priscos, que Paulo Laureano complementará com um Tinta Grossa 2015.

O jantar tem o valor de €45 por pessoa e as reservas podem ser feitas através do e-mail reservas@okah.pt ou do contacto telefónico 914 110 791.

O espaço do novo edifício do Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Alcântara, marca pela sua gastronomia única, com uma filosofia que integra diversas influências da cozinha de Portugal e do Mundo, e que neste jantar irá inspirar-se no vinho.

Chef Luís Barradas.

Doçuras natalícias e os vinhos da (nossa) cave

Aproxima-se a data onde o consumo de açúcar dispara, por força das doçarias que por tradição acompanham os momentos de convívio familiar. Não vale muito a pena fazer planos de dietas para a época que se avizinha. Venham os doces e bem acompanhados. Aqui ficam algumas sugestões, a Chef Justa Nobre com os doces e […]

Aproxima-se a data onde o consumo de açúcar dispara, por força das doçarias que por tradição acompanham os momentos de convívio familiar. Não vale muito a pena fazer planos de dietas para a época que se avizinha. Venham os doces e bem acompanhados. Aqui ficam algumas sugestões, a Chef Justa Nobre com os doces e a minha garrafeira com os vinhos.

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Mário Cerdeira

Quando o assunto é a doçaria de Natal pode aplicar-se com propriedade a máxima do “cada cabeça sua sentença”. Cada pessoa carrega nas suas memórias olfactivas e gustativas um conjunto de referências que, não raramente, assumem o protagonismo natalício. Cada um tem o seu Natal, as memórias de infância e das famílias do campo (que quase todos temos), os cheiros das lareiras e fornos a lenha, da terra molhada, da canela e do açúcar acabam por nos marcar para toda a vida.

O Natal é assim a época em que revivemos tempos passados e cheiros antigos, no ambiente típico da época: crianças aos gritos a correr de um lado para o outro, cães e gatos à mistura, travessas a circular, vinhos (no caso de gente que não sabe que a Grandes Escolhas existe…) em frente à lareira para ficarem “à temperatura ambiente”, peru seco e desenxabido que todos dizem que está óptimo “sobretudo o recheio…”, querendo assim afirmar que o dito peru é uma tragédia mas nesta época não estamos aqui armados em críticos gastronómicos…

Foi a pensar nos doces da época que procurámos ajuda à Chef Justa Nobre que, com total simpatia e disponibilidade, recebeu a Grandes Escolhas no restaurante Nobre, ao Campo Pequeno. Não tínhamos propriamente plano de trabalho nem queríamos este ou aquele doce em particular. Antes dissemos à Chef Justa que fizesse o que mais gostasse. Assim fez e brindou-nos com um conjunto de doces que, embora baseados em receituário tradicional, levaram aqui uma volta com novidades criadas pela Chef.

Tradição transmontana

Justa não se cansa de nos lembrar que é transmontana, que é lá que encontra as suas raízes culinárias, ali bem perto de Macedo de Cavaleiros. A tradição local nunca foi baseada numa doçaria muito rica, nomeadamente em ovos, “por lá usavam-se muitos ovos mas era na Páscoa; no Natal muito menos”, alguns ingredientes são-lhe especialmente queridos, como a aletria mas também havia os milhos doces “uma sobremesa de pobre”, o bolo de água (da família do pão de ló) que se chama assim porque leva uma colher de sopa de água por cada gema enquanto se está a bater e “fica muito fofo, é óptimo”. Lembra-se ainda dos económicos, que eram uns bolos secos tipo broa de erva doce.

Hoje preparou uma sobremesa com aletria que, no sul, “não tem assim tantos adeptos, é um doce nortenho; na minha zona fazemos com ovos mas também se faz aletria sem ovos. O doce é então um travesseiro de aletria com frutos secos, canela, maçã e banana, tudo envolto em massa folhada. Como tem algum volume e, se cortada às fatias, fica também com um aspecto de torta”. Justa chama-lhe um falso Strudel – a célebre receita que teve origem no século XVIII – desde sempre muito popular quer na Alemanha quer na Áustria e hoje vulgarizada por muitos outros países. Caso seja servido morno, o travesseiro fica muito bem com uma bola de gelado, de nata ou baunilha. Para este doce escolhemos dois vinhos de Colheita Tardia; diferentes, mas ambos a terem a doçura certa (não exagerada) para este tipo de doce que é delicado e leve de sabores. Caso se opte por um gelado de frutos vermelhos poderá então escolher o Licoroso da Ravasqueira.

A rabanada é dos mais conhecidos e tradicionais doces de Natal. A Chef Justa preparou uma rabanada com um twist, ou seja, uma rabanada com nos surge dobrada (tipo almofada) e no meio tem um recheio feito com doce de castanha, “é um fruto da época e achei que ligaria bem, foi criação minha, não tem tradição na minha terra”. Açúcar e canela envolvem então a rabanada que pode ser servida fria. Para a rabanada escolhi um Porto 30 anos, neste caso da Quinta do Vallado.

Também porque estamos na época dele, Justa fez um doce que incluiu marmelo. Por norma “come-se em marmelada ou assado no forno, mas optei por fazer uma mousse de marmelo que é aligeirada com natas batidas e servido depois com pequeninos cubos da marmelada que todos nós conhecemos”. Como se trata de um doce que tem leveza e de sabores suaves, optei pelo Moscatel de Setúbal que se mostrou perfeitamente à altura.

No Natal não podem faltar os doces de abóbora, sendo os mais conhecidos as filhós ou sonhos. A opção aqui foi fazer um fondant de abóbora, “tipo petit gateau e funciona muito bem porque também leva nozes que é também um fruto seco desta época; ganha assim alguma crocância, o que hoje em dia também é muito apreciado nos doces. Para esta sobremesa encontrámos a ligação perfeita com o Kopke tawny 10 anos, também ele rico e marcado pelas notas dos frutos secos.

Quanto ao momento certo de servir estes doces no seu restaurante, Justa não tem dúvidas: “quanto mais nos aproximamos do Natal menos vezes posso servir doces destes. É que depois as pessoas ficam em preparação para as festas e deixam de pedir estas doçuras quando nos visitam”.

Este é o conselho que também vamos (tentar) cumprir mas…com tantos almoços e jantares de Natal ainda antes das festas propriamente ditas, a coisa não se mostra fácil.

Vinhos (mais ou menos) doces

A ligação da doçaria de Natal com vinho tem tradições e hábitos arreigados. Na nossa escolha optámos por algum conservadorismo até para equilibrar alguma ousadia na criação doceira com a que a Chef Justa nos brindou.
Seguimos assim a lógica e resolvemos privilegiar o Vinho do Porto – no caso um tawny 10 anos e outro 30 anos – alargando depois para o moscatel de Setúbal, vinhos Colheita Tardia e um licoroso alentejano. Com a introdução deste tipo – não esqueçamos que os licorosos são feitos com a mesma metodologia do Vinho do Porto – pretendemos chamar a atenção para a qualidade que actualmente se encontra nestes vinhos. Eles existem um pouco por todo o país e a qualidade tem vindo a mostrar-se muito elevada. São por isso boas escolhas. Só no Alentejo são já em número significativo, mas mesmo em regiões menos habituais, como a Bairrada, também existem. São vinhos a ter em atenção.
Os vinhos de moscatel (onde se deve também incluir os do Douro) são especialmente vocacionados para sobremesas que incluam laranja, em doce ou calda. Mas em tortas simples com ovos ou mesmo torta de cenoura poderão ser perfeita companhia. Não use os mais velhos, esse devem ser consumidos a solo.
Tínhamos inicialmente previsto a inclusão de um Madeira Bual que acabou por não ser provado, mas é sempre uma boa opção porque a doçura contida que apresenta pode ligar bem. Quanto a inovações existe uma tese (que partilhamos) da ligação de tintos velhos com doces de ovos, evitando-se assim o excesso de doce. É surpreendente e vale a pena tentar. Finalmente há também, sobretudo em zonas produtoras, a tradição de ligar alguns destes doces com espumante. É sempre uma boa escolha mas, cremos, será de evitar os que forem do tipo Brut Nature; sirva os que tiverem leve dose de açúcar residual, até 8/10 gramas.

Os vinhos que os doces pediram

€75
Vallado
Porto tawny 30 anos
Quinta do Vallado
Deverá ser servido ligeiramente refrescado. É um tawny muito elegante, já muito polido pelo tempo e que se liga muito bem com a rabanada. À falta de copos próprios para este serviço, use copos de vinho branco, nunca copos de licor.

€25
José Maria da Fonseca Colecção Privada DSF
Moscatel de Setúbal 1998
José Maria da Fonseca
Elegância pura e qualidade muito elevada da casta moscatel estão aqui reunidas e o resultado é brilhante. O vinho tem uma enorme delicadeza e pede por isso doces não muito fortes de sabor ou textura. Neste caso a temperatura de serviço é absolutamente determinante. Frigorífico obrigatório antes de servir.

€17,50
Casal de Santa Maria
Reg. Lisboa Colheita Tardia branco 2015
Adraga
Mostra-se muito atractivo, com uma cor algo carregada, mas com uma doçura contida que irá ligar muito bem com os doces. Beber mais frio do que os brancos normais é a regra a seguir.

€16,50
Graça
Douro Viosinho Colheita Tardia branco 2016
Vinilourenço
A casta contribui aqui para um aroma muito delicado, com uma fruta doce mas muito subtil. Se não é apreciador dos brancos muito doces este pode ser uma boa opção e, tal como o anterior, com uma temperatura baixa ao servir.

€21
Kopke
Porto tawny 10 anos
Sogevinus
O tawny 10 anos é um Porto muito versátil podendo por isso ter várias ligações gastronómicas. Por um lado, ainda tem muita energia e estrutura que vem da fruta madura e por outro já nos mostra o lado dos frutos secos que se ligam muito bem com estes doces. É sempre uma boa escolha.

€60
Ravasqueira
Vinho Licoroso Alentejano
Soc. Agr. Dom Diniz
Feito com três castas do Douro que também entram nos vinhos do Porto, este licoroso é mesmo uma grande surpresa para quem não conhece: concentrado, muita textura de fruta madura e compotas, tudo aquilo que um certo tipo de vintage novo às vezes também traz. Pode assim ser bom parceiro para sobremesas que incluam frutos vermelhos.

 

Edição n.º32, Dezembro 2019

Tanto para comer em Braga

Desde que nasce o sol até que a noite desce sobre a Sé, há cada vez mais propostas novas para comer e beber bem na capital do Minho. TEXTO Ricardo Dias Felner 10h30 Nórdico Coffee Shop Um brunch não é um pequeno-almoço e para sublinhar isso este Nórdico só abre mesmo às 10.30. À frente […]

Desde que nasce o sol até que a noite desce sobre a Sé, há cada vez mais propostas novas para comer e beber bem na capital do Minho.

TEXTO Ricardo Dias Felner

10h30

Nórdico Coffee Shop
Um brunch não é um pequeno-almoço e para sublinhar isso este Nórdico só abre mesmo às 10.30. À frente da casa desde 2017 está o casal Catarina Silva e Ricardo Ferreira, que se apaixonaram pelo café de especialidade quando ambos estavam a trabalhar em Londres. Foi o café que levou à abertura da casa, especializada em pequenos-almoços tardios, e é o café que continua a estar no centro de tudo. A preferência é por grãos torrados na Europa (torras mais leves), mas com origem em pequenos produtores, que tanto podem vir do Brasil como da Etiópia. O que não muda é serem todos arábicas e todos bem tratados. Uma das baristas do Nórdico ganhou o campeonato na modalidade de aeropress, um tipo de filtragem. À parte o café, a carta também tem lattes espumosos com flores bem desenhadas, todos com base de leite gordo Vigor, sendo particularmente interessante o chai latte, com uma mistura de especiarias, e o pink latte, com beterraba em pó. Nos comes, as panquecas são à americana, com maple syrup, e nas tostas a estrela é a de pera abacate com ovo.
Rua do Anjo 90A

12h00

Corriqueijo
Não há muitas queijarias fora-de-série em Portugal, mesmo contando com Lisboa e Porto. Ora Braga já se pode gabar de ter a sua, e com uma curadoria apertada. À frente da loja está Rita Lima, que também atende, e, portanto, sabe sempre do que fala. Ali não entra nada que ela não conheça e tenha aprovado. As secções francesa e espanhola são fortes, como de costume em queijarias topo de gama, mas a portuguesa não lhe fica atrás. Há desde apostas seguras, como os queijos da BeiraLacte, até produtores mais vanguardistas, como os que fazem uma roda de queijo de vaca ao estilo de São Jorge, em Azeitão; ou os queijos Prados de Melgaço e as suas experiências com curas em Alvarinho, seja no estilo Camembert, sejam um queijos de cabra curados; ou o Campo Capela, outro vaca, este afinado com infusão de café.
Rua dos Biscaínhos 89

12h30

Fava do Cacau
Na mesma rua da Corriqueijo, apareceu esta pequena chocolataria artesanal, onde até se pode assistir à transformação dos grãos de cacau em tabletes ou bombons ou bolos de chocolate. O cacau é proveniente de vários pontos do mundo, do Equador ao Brasil, mas vem todo via Bélgica, onde está sedeada a empresa importadora com quem à Fava trabalha. A proprietária é Adélia Azevedo, que depois de deixar a contabilidade foi estudar o ofício do cacau em Barcelona e na Bélgica. Para além de ser uma loja de chocolate, a Fava é também um café onde se pode tomar o pequeno-almoço ou lanchar.
Rua dos Biscainhos 25

13h30

O Filho da Mãe
A ideia de Eurico Silva, arquitecto, era abrir um restaurante onde ele se visse cliente diário. A outra premissa é que não fosse de cozinha portuguesa, que disso já havia com fartura na cidade. O acaso trouxe-lhe então um cozinheiro venezuelano e a oportunidade de servir culinária da América Latina. Guilherme Rumbos, 26 anos, é o jovem atrás dos fogões deste restaurante que senta apenas 26 pessoas, mas que está quase sempre cheio. Inaugurado em Janeiro, já habituou uma clientela fiel aos ceviches, às arepas, às empanadas caseiras, tudo bem assessorado pelo pão de fermentação lenta da padaria Norre, também ela uma boa novidade na cidade.
Rua Dom Afonso Henriques 25

 

 

17h00

Pappa Lab
A aprendizagem de Marta Bezerra fez-se na melhor escola possível, a geladaria Nannarela, em Lisboa. Depois de lá ter trabalhado, a jovem bracarense voltou à cidade-natal e abriu o seu próprio espaço. De início, contou com a consultadoria da antiga mestre Constanza Ventura, dona da Nannarela, e as receitas são assumidamente as mesmas, à base de ingredientes frescos, água e leite. “Não usamos corantes, nem conservantes. E a fruta compro no mercado”, garante Marta. Há os clássicos de amora, pistáchio, chocolate com 75 por cento de cacau de São Tomé, baunilha feita só com vagem, nata com infusão de manjericão, menta com folhas de hortelã ou requeijão com abóbora. E há ainda uma atenção para com quem é sensível ao glúten e à lactose. “Temos cones bons para essas pessoas”. O restaurante está aberto todos os dias, das 12.00 às 22.00.
Rua de São João 28

20h00

Kartilho
Mesmo em frente ao O Filho da Mãe está este restaurante, também ele novidade. As carnes maturadas chegaram a Braga e algumas não tiveram de andar muito. No frigorífico, logo à entrada, vêem-se espécimes de má figura, mas óptimo sabor, grandes nacos ressequidos à espera da grelha. As raças bovinas minhota e arouquesa estão no topo da pirâmide, mas também há Black Angus, mais em conta, tudo devidamente certificado e com data de abate. É assim possível sabermos os tempos de maturação e vermos as peças a serem decepadas antes de ir para a grelha, esta movida a carvão de casca de coco, na cozinha aberta. Nos acompanhamentos, brilham o arroz de fumeiro com enchidos e a batata assada com alecrim. Fora as carnes há bacalhau confitado no forno e polvo com batatas à camponesa. O restaurante faz gala também da sua selecção de vinhos, contando com loja especializada de venda para fora, no primeiro andar.
Rua Dom Afonso Henriques 36 e 38

Edição n.º32, Dezembro 2019

Cozinha, não sejas francesa

A gastrónoma Maria Emília Cancella de Abreu foi uma das pessoas que mais lutou pela identidade da cozinha portuguesa, nos anos 1960 e 1970. Um novo livro lembra o seu trabalho à frente da revista Banquete. TEXTO Ricardo Dias Felner Estávamos em Março de 1960. O objectivo anunciado no primeiro número parecia modesto e tinha […]

A gastrónoma Maria Emília Cancella de Abreu foi uma das pessoas que mais lutou pela identidade da cozinha portuguesa, nos anos 1960 e 1970. Um novo livro lembra o seu trabalho à frente da revista Banquete.

TEXTO Ricardo Dias Felner

Estávamos em Março de 1960. O objectivo anunciado no primeiro número parecia modesto e tinha o ar do tempo. A directora da estreante revista Banquete queria uma publicação “sem pretensões e unicamente com a finalidade de ajudar as donas de casa na preparação das suas ementas, quer estas sejam simples ou de alta cozinha, de execução rápida ou demorada”.
Dito assim, parecia só mais um folhetim de receituário para domésticas com foco nos sabores nacionais, “não esquecendo que Portugal vai desde Valença do Minho ao longínquo Timor”. Mas pouco depois ficou claro que havia mais. Maria Emília Cancella de Abreu, mãe de nove filhos, nascida numa família de títulos nobres, não só era talentosa na escrita como tinha, afinal, uma missão maior: lutar pela culinária regional portuguesa, contra a hegemonia exercida por Paris.
No editorial do terceiro número, chamado “À Volta da Mesa”, o relato de uma viagem deprimente pelo Minho é exemplo desse panorama triste, confuso, perdido — que se pretendia alterar. “Nas ementas que me apresentaram havia uma impressionante falta de originalidade”, lamentava Cancella de Abreu. “A torto e a direito, encontrei os neurasténicos filetes de peixe com salada mais ou menos murcha, a triste pescada cozida e o melancólico bife de uma vitela já com netos”, escreveu, para depois rematar com humor: “Quando, num restaurante minhoto, pedi o característico arroz de forno, o criado não me olhou com mais espanto do que aquele que teria se eu lhe tivesse encomendado uma refeição tipicamente chinesa”.
Não era só a ausência de um prato regional que a zangava, mas também esse tique, presente sobretudo nos restaurantes de hotéis, da cozinha com sotaque francês. O arroz de forno não se fazia, mas o “criado” espantado era rápido no gatilho do menu francófono. “Se eu desejasse poderia mandar servir-me um linguado meunière ou uns tornados parisienne”, recorda Cancella de Abreu, no mesmo editorial.
A campanha que perpassa nestas palavras, em favor de um identidade da cozinha portuguesa, terá dados os seus frutos. É pelo menos essa a tese de Fátima Iken, autora do livro Códice dos Sabores Portugueses, publicado em Outubro, para quem a directora da Banquete iniciou uma revolução política nesta matéria. “Paulatinamente, as autoridades oficiais vão mudando a sua atitude para com a cozinha portuguesa, legislando no sentido de proteger ou lançando concursos nacionais para a população em geral e para os hotéis e restaurantes”, escreve a autora, concretizando algumas dessas alterações. “Foi assim que, por sugestão de Maria Emília Cancella de Abreu, o SNI (Serviço Nacional de Informação, antiga Sociedade de Propaganda Nacional) passou a legislar no sentido de ser obrigatório haver nos restaurantes um prato português”.
No texto, não se faz prova de causa-efeito, mas a pressão da Banquete no sentido de dignificar os pratos mais tradicionais, contra o modismo dominante, é notória. Como exemplos dessa portugalidade, Cancella de Abreu citava o leitão da Bairrada, a lagosta suada de Peniche, o presunto de Chaves, as migas do Alentejo, as alheiras de Trás-os-Montes, a chanfana da Beira ou as tripas à moda do Porto.

Francesismos idiotas, a 25$00 cada

A revista era propriedade da Sacor, empresa de combustíveis do Estado Novo, que viu na Banquete uma possibilidade de divulgar o uso do fogão a gás Cidla (uma marca da casa) nas casas portuguesas de então, mas também os seus postos de abastecimento automóvel. Uma das rubricas mais curiosas foi uma espécie de crítica de restaurantes de estações de serviço.
Ao seu lado na equipa, muito curta, a directora contou com outros célebres companheiros de luta. Um dos poucos críticos gastronómicos regulares daquele tempo, Luís Sttau Monteiro, foi um dos mais brilhantes representantes da causa. Com crónica regular no Diário de Lisboa e na revista Almanaque, o escritor e publicitário apontou aos mesmos alvos de Cancella de Abreu, atingindo sobretudo os novos-ricos. “A esta gente é indiferente comer sopa de pacote, caldo verde da véspera ou seja o que for desde que a sopinha figure na lista como sendo vichyssoise e custe, pelo menos, 25$00. Não espanta, nestas circunstâncias, que os proprietários dos restaurantes se riam e sirvam alcunhada de vichyssoise qualquer restinho de puré de batata que tenham no frigorífico e ainda esteja em estado de poder ser misturado com um pouco de leite e uns restinhos de cebola promovida a alho-porro”.
Ainda assim, as figuras verdadeiramente capazes de influenciar o povo, em matéria de comida, contavam-se pelos dedos de uma mão. A cara mais conhecida era Maria de Lurdes Modesto, que nunca escreveu na Banquete nos 15 anos que ela durou. Fátima Iken retrata-a como alguém que divulgava receitas “inicialmente, maioritariamente, francesas”, quer enquanto apresentadora do programa Culinária, que passava na RTP, quer como “autora de fichas culinárias, sob o pseudónimo francês de Francine Dupré, com o patrocínio do Instituto Culinário Vaqueiro”.
Logo a seguir faz-se outra afirmação, que de alguma forma indicia uma rivalidade entre Maria de Lurdes Modesto e Maria Emília Cancella de Abreu. “Mais tarde, em 1961, apresenta na RTP o Concurso Nacional de Cozinha e Doçaria Portuguesas, promovido pelo Secretariado Nacional de Informação, o que permitiu reunir elevado número de receitas de cozinha e doçaria portuguesas. Mas a verdade é esta: essas receitas premiadas foram divulgadas em primeira mão pela Banquete”, diz Fátima Iken. Maria de Lourdes Modesto comentou à Grandes Escolhas: “Éramos as duas Senhoras da culinária e, para mim, nunca passou disso.”

Uma autora a requerer de (re)conhecimento

Maria Emília Cancella de Abreu acabou, no entanto, por não ter o mesmo reconhecimento público que Lourdes Modesto. O filho, Jaime Cancella de Abreu, director da Prime Books — editora que publicou o Códice dos Sabores Portugueses —, põe a questão nestes termos. “[A minha mãe] foi alguém que aliava um profundo conhecimento da cozinha portuguesa à sobriedade e modéstia próprias da sua personalidade, razão pela qual nunca aceitou fazer campanhas de publicidade televisivas para marcas de produtos alimentares, com isso perdendo a possibilidade de massificar o seu nome junto de gerações futuras”, disse à Grandes Escolhas.
Em todo o caso, o esforço valeu a pena, quanto mais não fosse porque a Banquete permitia a toda a família Cancella de Abreiu deleitar-se com manjares raros — “porquanto todos os cozinhados e respetivas fotografias eram realizados em nossa casa, e nenhuma receita saía na revista sem que antes fosse testada pela nossa mãe” — concretiza o filho. Curiosamente, o prato favorito de Jaime era uma novidade no país, “uma fantástica pizza que ela fazia em casa”.
Prova impressiva de como a gastrónoma levava o seu trabalho a sério, foi a sua reacção a uma imprudência do filho, durante a fermentação da massa da pizza. “Lembro-me (…) de uma vez ter levado um bem oportuno tabefe por ter sido apanhado a levantar a toalha que cobria o alguidar com a massa, que descansava de um dia para o outro”.

Edição n.º32, Dezembro 2019

DO MERCADO – Bacalhau

TEXTO Ricardo Felner A tradição tem razões fundas, a tradição é esperta. No Natal come-se muito Bacalhau, mas não, necessariamente, por causa do nascimento do Menino Jesus. É que o bacalhau de Novembro, Dezembro, costuma ser mesmo o melhor. Dois factores contribuem para isso: a altura da pesca e a cura prolongada. É entre Janeiro […]

TEXTO Ricardo Felner

A tradição tem razões fundas, a tradição é esperta. No Natal come-se muito Bacalhau, mas não, necessariamente, por causa do nascimento do Menino Jesus. É que o bacalhau de Novembro, Dezembro, costuma ser mesmo o melhor.

Dois factores contribuem para isso: a altura da pesca e a cura prolongada. É entre Janeiro e Abril que os ‘gadus morua’ desovam nas águas da Noruega, e um pouco mais tarde na Islândia, entre Fevereiro e Maio. Por fazerem grandes travessias, a sua carne fica musculada e particularmente saborosa.

Na Noruega chamam a esta qualidade de bacalhau ‘premium de skrei’. Os skrei nadam centenas de quilómetros (nalguns casos, mais de 1.500 km) desde o Mar de Barents até à costa da Noruega. Na Islândia, chegam do Mar da Gronelândia até às zonas menos profundas e mais quentes da costa.
Ora, os bons bacalhoeiros selecionam os melhores exemplares das pescarias entre o Inverno e a Primavera e reservam boa parte deles para serem curados durante seis meses ou mais e só são postos à venda algumas semanas antes do Natal. Mesmo que não coma todo o bacalhau no Natal, invista nele nesta época. Pode sempre armazená-lo no frio ou mesmo demolhá-lo e congelá-lo, para comer mais tarde.
Escolha os bacalhaus mais rijos, com uma cor palha-amarelada, sem marcas de sangue. Em matéria de calibre, prefira o graúdo e o especial.

Edição n.º32, Dezembro 2019