DO MERCADO – Alperce

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO D.R. É um dos frutos mais fugazes dos nossos mercados. O alperce aparece nas bancas em Maio, Junho, e logo acaba. Também por isso tem um interesse acrescido. A família é a mesma de outras prunóideas, onde entram frutos de caroço como pêssegos e ameixas, e a origem — adivinhem […]

TEXTO Ricardo Dias Felner

FOTO D.R.

É um dos frutos mais fugazes dos nossos mercados. O alperce aparece nas bancas em Maio, Junho, e logo acaba. Também por isso tem um interesse acrescido. A família é a mesma de outras prunóideas, onde entram frutos de caroço como pêssegos e ameixas, e a origem — adivinhem — é apontada à China, com referências a 2000 anos a.C.

O nome científico, contudo, remete para a Arménia (Prunus armeniaca), país onde existem centenas de cultivares, boa parte plantadas na mítica cordilheira de Ararat. A historiadora da gastronomia Ana Marques Pereira explica que o nome se justifica pelo facto de, durante muito tempo, se pensar que o alperce “era natural da Arménia”, de onde teria sido “trazido pelos romanos para o sul da Europa, em 70-60 a.C., através da Grécia e da Itália, razão porque no século XIX também foi designado albaricoque romano”.

A questão da designação, aliás, continua a ser uma questão. No Algarve, ainda há quem lhe chame albaricoque. Em algumas regiões do Norte do país, por sua vez, usa-se damasco, numa alusão à cidade do mesmo nome, na Síria.

Hoje, não é fácil encontrar alperces dos bons. Como tantos outros frutos valiosos, a produção é difícil, implicando a apanha à mão. Algumas variedades, como a californiana Blenheim, estiveram mesmo em risco de desaparecer. A Turquia é o maior produtor mundial, de Espanha chega a maioria do stock que se encontra no comércio português, mas por ser um produto que amadurece mal fora de árvore procure os portugueses, com menos tempo de viagem.

Fora de época tem também a possibilidade de comprar alperce seco, que dá uma acidez e uma textura interessantes a saladas ou tártaros. Os de cor laranja vibrante são secos com dióxido de enxofre, pelo que procure antes os de produção biológica, mais escuros.

Edição Nº25, Maio 2019

Choco

TEXTO RICARDO DIAS FELNER FOTO ARQUIVO Quem frequenta mercados de peixe já deve ter reparado. Os chocos estão lindíssimos desde Janeiro e vão continuar a aparecer assim até Março, pelo menos. Esta é a altura em que estes cefalópodes, primos de lulas e polvos, se aproximam da costa e dos estuários para se reproduzirem, arrastando […]

TEXTO RICARDO DIAS FELNER
FOTO ARQUIVO

Quem frequenta mercados de peixe já deve ter reparado. Os chocos estão lindíssimos desde Janeiro e vão continuar a aparecer assim até Março, pelo menos. Esta é a altura em que estes cefalópodes, primos de lulas e polvos, se aproximam da costa e dos estuários para se reproduzirem, arrastando tantas vezes com eles outros animais belos, como os golfinhos.

Este ano já os comprei no máximo da sua frescura, gordura e sabor, e por apenas 10€/kg, (normalmente andam acima dos 12€/kg). Eram absolutamente magníficos, uns 20 centímetros de comprimento. Com este tamanho já costumo preferi-los no tacho, mas a qualidade e gordura eram tantas que ficariam igualmente bem numa brasa suave e, depois, banhados em manteiga, salsa e limão.
No caso, acabaram numa feijoada com chouriço, cenoura e malagueta (o choco ama a malagueta) só com o tempo a guisar necessário para os conseguirmos mastigar facilmente, sem os tornar numa papa.
É muito provável que os bichos que comprar nesta altura venham carregados de ovas — e isso é outra coisa, cozinhada de outra maneira (não deixe que o peixeiro as descarte). Os algarvios são quem mais sabe de ovas de choco (como de tantas outras coisas do mar), fritando-as na frigideira até a parte laranja formar uma pasta, com alho, coentros e limão.
Outra opção é usar o choco aos pedaços numa tomatada picante com manjericão, que no fim se junta a esparguete, e tem aí uma pasta como deve ser.

Edição Nº23, Março 2019

Queijo

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga É um segredo que o sector não gosta de revelar. Mas é mesmo assim. O queijo também é sazonal. Os melhores queijos de pasta mole, como os Serra da Estrela ou os Azeitão de produção artesanal — mas também os frescos e os requeijões —, são particularmente […]

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga

É um segredo que o sector não gosta de revelar. Mas é mesmo assim. O queijo também é sazonal. Os melhores queijos de pasta mole, como os Serra da Estrela ou os Azeitão de produção artesanal — mas também os frescos e os requeijões —, são particularmente bons em Janeiro e Fevereiro. É nesta altura que eles estão com a máxima pujança e isto tem a ver com uma lógica simples: há mais pasto, logo os animais comem melhor, logo o leite tem mais gordura, logo o queijo tem outra potência.
Pedro Cardoso, dono da Queijaria, em Lisboa, e fornecedor de restauração de topo, estende este período até Março, altura em que o queijo ganha outras notas. Pedro Silveira, especialista em queijos beirões, antigo director do Museu do Queijo, na Covilhã, explica que os queijos de Março e Abril ganham notas florais interessantes, próprias da paisagem primaveril. Mas aduz: “Pessoalmente, nos Serra da Estrela, prefiro os de Janeiro e Fevereiro, com mais gordura.”
Como é que então é possível comer-se queijo de pasta mole o ano inteiro? Por um lado, mesmo alguma produção artesanal usa ração para compensar a falta de pasto ou então compra leite fora — e não se coíbe de produzir o ano inteiro, mesmo se tem de baixar a qualidade. Por outro lado, recorre-se frequentemente à congelação e isso quebra a textura da pasta. Foi isso que aconteceu, provavelmente, com aquele Serra da Estrela DOP que estava na sua mesa de Natal. Um luxo de época pode não ter sido um luxo de queijo.

Edição Nº21, Janeiro 2019

Feijão-verde

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga Sim, encontra feijão-verde todo o ano. Mas se é uma pessoa atenta aos preços sabe que noutras épocas pode pagar três euros ou mais por quilo — e ainda assim ter mau produto. É no Verão, sobretudo em Julho e Agosto, que esta leguminosa está no seu […]

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga

Sim, encontra feijão-verde todo o ano. Mas se é uma pessoa atenta aos preços sabe que noutras épocas pode pagar três euros ou mais por quilo — e ainda assim ter mau produto. É no Verão, sobretudo em Julho e Agosto, que esta leguminosa está no seu esplendor em Portugal e isso significa vagens tenras, frescas e baratas.
Agora, vamos directos ao drama, ao horror: o fio. O fio do feijão-verde é uma chatice inultrapassável. Há no mercado variedades sem fio. A invenção dessa espécie foi, aliás, considerada de tal importância para a humanidade que o horticultor norte-americano que a inventou ficou com o epitáfio de “pai do feijão-verde sem fio” (Calvin N Keeney, 1858 – 1922). Sucede que nunca encontrei nenhum feijão-verde tão bom como o de fio, achatado e com mau-feitio.
Posto isto, enfrente-se o calvário. Como minorá-lo? Esqueça a faca e agarre num descascador. Com um movimento suave de cada lado do feijão verde vai ver que o fio sai fino, de uma só vez. A tarefa, contudo, ainda não acabou. Se a ideia é fazer sopa de feijão-verde, depois de descartar as pontas, corte a vagem em quatro ou cinco troços oblíquos. Lembre-se ainda que sopa de feijão-verde sem segurelha não é sopa de feijão-verde.
Se a ideia é cozer, então vai ter de recorrer a outro truque. Feijão-verde cozido inteiro e feijão-verde cozido em tiras ao comprido são duas coisas diferentes. E a segunda coisa é a melhor coisa. É outra chatice, mas se é fã do produto aconselho a compra de um equipamento muito simples que cumpre o corte de forma eficaz. No final, depois de cozido em água abundante (de 5 a 15 minutos, dependendo da maturação do feijão), tempere com alho laminado, vinagre e azeite. Um petisco.

Edição Nº15, Julho 2018

Pêssegos

TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga Um dos frutos mais difíceis de gerir pela grande distribuição é o pêssego. Por um lado, tem uma polpa sensível, o que obriga a que seja colhido verde para chegar à banca bonitinho. Por outro, pertence ao grupo de frutos que não amadurece bem fora da árvore. […]

TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTO Ricardo Palma Veiga

Um dos frutos mais difíceis de gerir pela grande distribuição é o pêssego. Por um lado, tem uma polpa sensível, o que obriga a que seja colhido verde para chegar à banca bonitinho. Por outro, pertence ao grupo de frutos que não amadurece bem fora da árvore.
A isto, acresce o flagelo da fruta grande e bonita, essa falácia que os produtores portugueses continuam a alimentar, muitas vezes valendo-se de bioquímicos pouco recomendáveis.
Daí que comprar um bom pêssego saboroso, sumarento ou careca, seja uma coisa raríssima, que deve ser festejada. A altura para tentar a sorte grande é esta, até Setembro, quando tradicionalmente se faz a colheita do Maracotão, uma das mais valorizadas variedades tradicionais portuguesas, comum no centro do país.
O pêssego da Cova da Beira é o único com certificação IGP, mas talvez o mais celebrizado como coisa gourmet seja o pêssego rosa de Colares, citado por Fortunato da Câmara no livro TOP – Tesouros de Origem Portuguesa e alvo da admiração de Miguel Esteves Cardoso.
Dito isto, ainda há bons pêssegos um pouco por todo o país. Procure sobretudo nos mercados locais ou no seu merceeiro de confiança. Escolha os de tamanho médio ou pequeno, que sejam pesados.

Edição Nº15, Julho 2018