2020

É um número bem redondinho, o do ano que agora se inicia. E como é natural, todos esperam ou desejam que o novo ano seja melhor do que o anterior. Ao nível individual, as previsões não fazem sentido. “Prognósticos, só no final do jogo”, como dizia o outro. Mas sectorialmente, podemos sempre descortinar tendências. No […]
É um número bem redondinho, o do ano que agora se inicia. E como é natural, todos esperam ou desejam que o novo ano seja melhor do que o anterior. Ao nível individual, as previsões não fazem sentido. “Prognósticos, só no final do jogo”, como dizia o outro. Mas sectorialmente, podemos sempre descortinar tendências. No que vinho diz respeito, aqui deixo o meu contributo sobre o que podemos esperar de 2020.
Luís Lopes
Espumantes. As bolhas parecem estar, finalmente, a conquistar o coração e a boca dos portugueses. O mercado pede mais espumante e praticamente todos os produtores procuram incluí-lo no seu portefólio. Muitos esquecem, no entanto, que o espumante é um produto altamente especializado em termos de vinha, cave, equipamento e know-how. E que para se alcançar um patamar elevado, para além desses requisitos, é preciso dar-lhe tempo. E tempo é dinheiro. Porém, para quem quer um bom espumante a um preço muito acessível, o método “cuba fechada” é sempre uma boa solução, e com tendência para crescer.
Diferença. O consumidor de nicho ambiciona ser reconhecido enquanto tal. E para isso, nada como beber diferente. De tal forma o “conhecedor” valoriza a singularidade que, em alguns casos, a qualidade deixa de ser importante. Mas a qualidade e diferença são compatíveis e estão disponíveis no mercado, basta escolher os produtores que não abdicam da primeira para ter a segunda. Para atingir o factor distintivo tão valorizado no consumo de nicho, toda a diferença serve: altitude, atlântico, castas raras, orgânico, vegan, “natural”, talha, branco de curtimenta ou branco de tintas, pet nat. Separar o trigo do joio, é o desafio para o apreciador.
Marcas. O mercado não vive dos nichos. A esmagadora maioria dos consumidores quer beber vinho, não estatuto. Com as prateleiras inundadas de marcas e designativos, o cliente que procura ir além dos exclusivos super promocionados dos hipermercados, tentará defender-se com aquilo que conhece e que, normalmente, não o desaponta. As marcas que fizeram nome assente na consistência qualitativa e na boa comunicação, vão ser cada vez mais um porto seguro no revolto oceano de vinho. E fazer marca, construir marca, será também a forma dos produtores se defenderem e garantirem o futuro.
Aquisições. Para quem produz, o negócio tornou-se muito competitivo e difícil. Para ganhar dinheiro, dentro e fora de portas, é preciso ser-se muito talentoso e muito profissional. E mesmo para aqueles que são tudo isso, frequentemente, falta músculo financeiro. Um número considerável dos agentes do sector do vinho, em Portugal, arruma-se em dois tipos: os amadores, que não vivem de e para o vinho; e os de média dimensão, nem tão pequena que permita viver do mercado de nicho, nem suficientemente grande para alcançar economia de escala e capacidade de investimento. A solução é vender. Há muitos negócios, propriedades e marcas apetecíveis que irão mudar de mãos em 2020.
Sub-regiões. Afinal, elas existem. Depois do grito do Ipiranga dado por Monção e Melgaço, os produtores de outras sub-regiões começam a perceber a mais valia que pode haver na afirmação identitária de uma unidade geográfica mais pequena. E a pouco e pouco, as sub-regiões vão aparecendo nos rótulos e na comunicação empresarial: Lima e Baião, nos Vinhos Verdes, Douro Superior, no Douro, Portalegre e Vidigueira, no Alentejo, Serra da Estrela, no Dão, são algumas das que já iniciaram esse caminho. E a tendência será sempre o reforço dessas identidades regionais.
Sustentabilidade. É absolutamente incontornável. A consciência ambiental generaliza-se junto de produtores e consumidores. Cada vez mais, os primeiros sentem uma genuína necessidade de introduzir práticas e modelos amigos do ambiente, na vinha e na adega. E cada vez mais, os segundos querem saber que essas medidas são implementadas, mesmo que não estejam dispostos a pagar mais por um vinho “eco-friendly”. Todos somos escrutinados nas nossas acções e comportamentos ambientais. Sem fundamentalismos, que nada trazem de positivo para o ambiente e para o mundo, é bom que assim seja.
Edição nº 33, Janeiro 2020
30 anos não são 3 dias

Neste mês de dezembro de 2019 atinjo três décadas consecutivas de escrita sobre vinhos. Não sei se é muito ou pouco, mas talvez seja o suficiente para poder transgredir a regra de ouro do jornalismo (nunca se tornar o sujeito da notícia) e deixar aqui uma reflexão, tão lúcida quanto possível, sobre a minha passagem […]
Neste mês de dezembro de 2019 atinjo três décadas consecutivas de escrita sobre vinhos. Não sei se é muito ou pouco, mas talvez seja o suficiente para poder transgredir a regra de ouro do jornalismo (nunca se tornar o sujeito da notícia) e deixar aqui uma reflexão, tão lúcida quanto possível, sobre a minha passagem por esta profissão.
TEXTO Luís Lopes
Tenho 58 anos de idade, sou jornalista há 35 e escrevo sobre vinhos há exatamente 360 meses, sem interrupção. Não trocaria esta profissão por nenhuma outra e adorei todos (ou quase todos) os momentos que passei aprendendo, provando, conversando, visitando pessoas, vinhas, adegas, mercados, em Portugal e no mundo.
Ao contrário do que se vê por aí, eu não renego o passado e muito menos procuro reescrever a história, apagando ou omitindo factos e personagens à boa maneira estalinista (nos dias de hoje, com o digital, seria ainda mais fácil fazer desaparecer das fotos os antigos líderes do regime…). Pelo contrário, olho para trás com saudade, respeito e prazer. Orgulho-me de, em 1989, ter fundado a Revista de Vinhos (estão a ver, escrevi o nome e não fui fulminado por um raio…) e ter orientado essa publicação ao longo de quase vinte e oito anos. Tanto quanto me orgulho destes dois anos e meio enquanto director da Grandes Escolhas.
Ao longo da minha vida assisti à ascensão de muitos produtores, castas, técnicas enológicas, perfis de vinho, conceitos, padrões de consumo e modelos de negócio, e ao desvanecer de outros tantos. O meu trajecto profissional permitiu-me conhecer pessoas extraordinárias e criar com algumas delas relações de grande amizade. Aprendi (e continuo a aprender) muitíssimo com todos, desde o viticultor ao enólogo, do produtor ao vendedor na loja. Mas foi junto do consumidor que mais profundos ensinamentos recolhi. Perceber porque é que alguém prefere este vinho àquele é algo que continua a fascinar-me. Entender os mecanismos do gosto e tudo aquilo que condiciona a compra de uma garrafa é, para mim, uma verdadeira paixão.
Cometi erros de avaliação, certamente muitos. A todos os produtores que viram o seu esforço prejudicado por uma prova menos acertada, deixo aqui as minhas desculpas. Acreditem, porém, que sempre procurei escrever e provar com o máximo de concentração, isenção e profissionalismo. A classificação de um vinho encerra sempre alguma subjectividade e, também por isso, exige total sentido de responsabilidade, que deverá estar obrigatoriamente presente quando levamos um copo à boca. Nesse aspecto, estou de consciência tranquila.
Os projectos são feitos de pessoas, e na Revista de Vinhos e na Grandes Escolhas muitas foram aquelas e aqueles que ajudaram a tornar o sonho realidade. Alguns ficaram pelo caminho (ou por vontade própria ou porque a lei da vida não os deixou prosseguir), com outros continuo a trabalhar diariamente. A todos agradeço sentidamente o terem-me ajudado a fazer o que gosto e que espero continuar a fazer por muitos e bons anos, assim leitores e consumidores tenham paciência para me ler e ouvir.
Na última década, sobretudo, muitas vezes me questionaram sobre o que de mais significativo ajudei a mudar ou desenvolver no sector do vinho ao longo da minha carreira. Uma pergunta à qual tenho respondido, invariavelmente, da mesma forma: o progresso é feito de contributos colectivos, não individuais, e o que verdadeiramente me deu gozo foi poder assistir, na primeira fila, à fulgurante caminhada que o Portugal do vinho tem feito desde 1989. De agora em diante, porém, quando surgir a questão a resposta será outra. O contributo de que mais me orgulho, o meu legado, se quiserem, é presente e futuro e não passado: chama-se Mariana, tem 28 anos e é jornalista de vinhos.
Termino como comecei, solicitando a vossa indulgência por desperdiçar espaço editorial desta revista a falar sobre a minha pessoa, coisa que, como sabem todos os que minimamente me conhecem, não é algo que me agrade. Mas enfim, há momentos para tudo, e trinta anos não são três dias.
Edição n.º32, Dezembro 2019
A minha vinha é mais velha do que a tua

Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas. TEXTO Luís Lopes […]
Os mais ambiciosos tintos do Douro são tema em destaque nesta edição da Grandes Escolhas. Entre as quase seis dezenas de vinhos provados surgem denominadores comuns: a muito grande qualidade (em alguns casos atingindo o brilhantismo) e o vincado carácter regional estão na primeira linha. Transversalmente, emergem as palavras mágicas: vinhas velhas.
TEXTO Luís Lopes
O Douro é hoje, inquestionavelmente, a região de eleição dos consumidores portugueses nos segmentos superiores de preço. Um sucesso inteiramente merecido e que assenta, sobretudo, na qualidade dos seus vinhos, produzidos num território especialmente vocacionado para a excelência vínica. Mas também no elevado nível de profissionalismo, dedicação, foco, por parte da maioria dos seus produtores, que fazem um trabalho de formiguinha incansável junto das lojas de vinho e dos líderes de opinião (em Portugal e no mundo) batendo às portas certas e tocando a melodia perfeita. Do lado da estratégia comunicacional, a chave que abre mais portas chama-se “vinhas velhas”.
Dos 58 vinhos durienses de topo que apreciámos no nosso painel de prova, mais de metade apresenta-se no rótulo, no contra-rótulo ou na ficha técnica, como sendo oriundos de vinhas velhas. Se olharmos para estes números, podemos ser levados a acreditar que, ou no Douro a maioria das vinhas são velhas, ou a vinha velha é determinante para fazer um grande vinho nesta região. Conclusões absolutamente erradas que partem de uma premissa errada. É que ninguém sabe definir, em concreto, o que é isso de uma vinha velha.
O problema não se manifesta apenas no Douro, longe disso. “Vinhas Velhas” tornou-se um designativo que, por falta de enquadramento legal, é usado indiscriminadamente como bandeira de qualidade um pouco por todo o país. Noutras regiões, já visitei “vinhas velhas” com 20 anos. E porque não, se é a vinha mais velha do produtor? Para ele, faz todo o sentido. Mas sentido, significado, valor, é precisamente o que vamos perder se continuarmos a banalizar a expressão “vinhas velhas” ao sabor da vontade de cada um. Numa pesquisa rápida pelos sites das cadeias de retalho, encontro tintos intitulados “vinhas velhas” a €4,50. Acho que isto resume tudo.
Vinha velha não significa necessariamente qualidade, todos os produtores o sabem, mas a expressão tem sido vendida ao consumidor como um sinónimo de excelência e personalidade. O Douro, sendo a região de Portugal onde se preservaram mais vinhas antigas e, consequentemente, aquela que mais utiliza o conceito para promover os seus vinhos, tem aqui responsabilidade acrescida. Deverá por isso ser o Douro, no seu próprio interesse, a liderar o processo de definição e regulamentação da designação vinhas velhas. Uma associação de viticultores, a Prodouro, que congrega 72 agentes económicos regionais, já deu o primeiro passo propondo, para definir uma vinha velha duriense, resumidamente, algo como isto: “vinha plantada até ao ano 1965 segundo o modelo comum ‘socalco pós-filoxera’, embora, por razões de topografia do terreno, possa não ter obrigado à construção de socalcos suportados por muros de pedra posta. Contudo a vinha velha em socalco pós-filoxera constituirá um subgrupo de eleição a que sugerimos chamar ‘vinha velha histórica’.”
É um ponto de partida, para ser apreciado e discutido no Douro. Como é evidente, este modelo, idade e descritivo não serve a todas as regiões de Portugal. Por isso, cada uma deverá encontrar critérios e regras adequadas ao seu passado e presente vitícola. Mas acredito que, se o Douro der o exemplo, as outras regiões o seguirão. E se o fizerem, conseguiremos duas coisas: primeiro, deixar de iludir/confundir os consumidores; e depois, trazer verdade e valor ao conceito de vinhas velhas e aos vinhos que originam, contribuindo assim para preservar esse tão importante património genético, histórico e cultural do Portugal do vinho.
Edição n.º31, Novembro 2019
Factor X

Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano. TEXTO Luís Lopes O […]
Existem muitas definições para o chamado factor X. Aquela de que mais gosto explica-o desta forma: “Uma variável, numa dada situação, que pode vir a ter o impacto mais significativo no resultado final”. No caso do vinho, não tenho qualquer dúvida: a variável principal, o factor X, é o factor humano.
TEXTO Luís Lopes
O vinho é um produto da civilização. Ao contrário de outros bens que a natureza nos oferece, o vinho não pode existir sem a intervenção humana. Essa intervenção começa na própria videira, a vitis vinifera, resultado da domesticação da videira selvagem, e prolonga-se em todos os trabalhos de campo, sem os quais a videira não frutificaria. Diferentemente do que acontece com uma ameixeira ou macieira, por exemplo, uma vinha abandonada, passados alguns anos, deixa de dar frutos.
A progressiva banalização da palavra terroir pode levar-nos a pensar que a natureza tudo determina, e que o perfil de um determinado vinho é quase exclusivamente definido pelas características do local. Mas não é verdade.
A natureza é importantíssima na definição de um vinho, todos o sabemos. A mesma casta, trabalhada na adega da mesma forma, origina vinhos diferentes consoante o local onde nasceu, ou as condicionantes climáticas do ano vitícola. Mas a quantidade de variáveis introduzidas pela intervenção humana acaba sempre por sobrepor-se aos desígnios da natureza, com um impacto determinante no resultado final. Um exemplo, muito simples: perante um dado talhão de vinha, posso vindimar agora com 11% de álcool provável ou optar por colher as uvas mais tarde, com 14%. A decisão é minha, e desse exercício de livre arbítrio nascem vinhos completamente distintos. Multipliquemos isto por todo o tipo de variáveis aplicáveis na vinha e na adega decorrentes da intervenção humana e facilmente percebemos que cada decisão (mesmo a de não intervir) condiciona sempre o resultado final.
Nesta edição da Grandes Escolhas temos vários exemplos do poder do factor X na definição do perfil de um vinho. Desde logo, a grande prova de vinhos brancos de Monção e Melgaço. Em pouco mais de 30 vinhos provados, a diversidade de estilos patenteada é enorme. Estamos a falar da mesma casta (Alvarinho) e da mesma região, ainda que com diferenças de produtor para produtor ao nível de tipologia de solos, exposição solar ou altitude, que introduzem nuances distintas no aroma e sabor. Mas quando avaliamos dois vinhos produzidos em vinhas contíguas e nos deparamos com um deles exuberante, intenso e tropical, e outro, austero, citrino, mineral, percebemos então facilmente o efeito do factor humano no perfil de um vinho.
Veja-se, também nesta edição o caso de Cortes de Cima. Um produtor da Vidigueira resolve plantar vinha à beira mar, em Vila Nova de Milfontes. Podia ter dado mau resultado, pois não havia histórico vitivinícola no local. Dez anos depois, com muito trabalho para superar os exigentes desafios que a humidade atlântica traz, o novo terroir é uma aposta ganha. O mesmo se pode dizer de José Afonso, um médico que gosta (literalmente) de deitar as mãos à terra, em Souropires, Pinhel. Ali, a quase 700 metros de altitude, trabalha as vinhas antigas com as castas tradicionais, mas também faz belos vinhos das “imigrantes” Verdelho ou Chardonnay. Esses vinhos são, tal como os outros, produto daquele terroir. Um terroir do qual o Homem faz obrigatoriamente parte.
O factor X tem obviamente limites. Não é possível fazer um grande vinho num terroir que não está vocacionado para isso. Do mesmo modo, o ser humano é capaz, e demonstra-o com frequência, de desperdiçar um terroir de excelência fazendo vinhos vulgares. Ainda bem que assim é. É preferível tomar decisões, agir e aprender com os erros, até alcançar o máximo que um terroir pode dar, do que deixar um produto criado pelo Homem ao cuidado dos insondáveis desígnios da natureza. A natureza não faz vinho. Mas pode fazer um bom vinagre….
Edição n.º29, Setembro 2019
Ser sustentável

Vivemos numa sociedade de consumo o que implica, por um lado, delapidação de recursos naturais e, por outro, desperdício. A produção de bens alimentares (vinho incluído) não foge a esta regra. O que mudou, sobretudo na última década, foi a consciência ambiental, e hoje em dia a preocupação de muitos consumidores e produtores esclarecidos passa […]
Vivemos numa sociedade de consumo o que implica, por um lado, delapidação de recursos naturais e, por outro, desperdício. A produção de bens alimentares (vinho incluído) não foge a esta regra. O que mudou, sobretudo na última década, foi a consciência ambiental, e hoje em dia a preocupação de muitos consumidores e produtores esclarecidos passa por minimizar os efeitos da nossa pegada no planeta.
TEXTO Luís Lopes
Convenhamos, o conceito de sustentabilidade não é algo inteiramente claro aos olhos do apreciador de vinho. Para muitos, a sustentabilidade junta-se no mesmo saco a um vasto conjunto de sub-categorias, muitas das quais pouco ou nada têm a ver com sustentabilidade. O mais recente trabalho da Wine Intelligence (empresa de referência que realiza estudos de mercado um pouco por todo o mundo) define nada menos do que 13 categorias naquilo que baptizou de índice SOLA (acrónimo de “sustainable, organic and lower alcohol”). Listadas por ordem de interesse e oportunidade em 15 diferentes mercados (incluindo o português), são elas: vinho orgânico, vinho produzido de modo sustentável, vinho de comércio justo, vinho amigo do ambiente, vinho sem conservantes, vinho sem sulfitos, vinho de adega com neutralidade carbónica, vinho de baixo teor alcoólico, vinho “laranja”/curtimenta, vinho biodinâmico, vinho sem álcool, vinho vegan, vinho vegetariano. Por aqui se vê que pegada de carbono, orgânico, sulfitos, vegan (e ainda podíamos juntar aqui os chamados “vinhos naturais”, que ninguém sabe bem o que são) se misturam num caldeirão de conceitos que traduzem algo bastante vago e indefinido, mas que poderíamos resumir como “vinhos alternativos”.
Na verdade, é óptimo que as pessoas procurem coisas diferentes, que fujam do chamado “mainstream”. Mas seria ainda melhor que não se confundissem gostos, modas, ou tendências, com algo tão fundamental para a vida de todos nós quanto a sustentabilidade.
A começar, desde logo, pelos dois conceitos mais atractivos para os novos consumidores: sustentável e orgânico são coisas distintas. É possível ser-se orgânico sem se ser mais sustentável (sobretudo ao nível da pegada de carbono, além da polémica questão do cobre) e é possível ser-se mais sustentável sem aderir ao orgânico. O orgânico é um dos vários caminhos para a sustentabilidade e, tal como todos os outros, um caminho com desafios difíceis e buracos escondidos. Não existe um modelo perfeito, isento de danos colaterais. A sustentabilidade é, antes de mais, equilíbrio. E esse equilíbrio deve atravessar toda a fileira do vinho, desde a uva até ao copo do consumidor. Uma viticultura sustentável tem de estar associada a uma adega sustentável, a uma embalagem sustentável, a uma logística sustentável, a um comércio sustentável, no fundo, se quisermos, a um modo de vida sustentável.
Os vinhos “amigos do ambiente” são negócio de presente e de futuro. Mas mais do que estampar no rótulo da garrafa uma certificação ambiental que ajude a comunicar um produto diferente, é a consciência ambiental, ao nível do individuo, das empresas, da sociedade, que é realmente importante. Um cada vez maior número de produtores de vinho acredita, verdadeiramente, que não pode e não deve desenvolver o seu negócio prejudicando o meio ambiente, a sua sustentabilidade e, em última análise, o futuro das gerações vindouras. Ou seja, opta pela protecção ambiental por convicção, e não por ser “trendy” ou por ser um mercado em crescimento. Da mesma forma que cada vez mais consumidores optam por vinhos produzidos por empresas amigas do ambiente, não porque sejam melhores vinhos mas, sobretudo, porque se preocupam.
Os ganhos ao nível da sustentabilidade conseguem-se através da educação, promovendo uma consciencialização e uma cultura ambiental individual e colectiva. Nesse sentido, o sector do vinho, tendo embora muito para melhorar, tem também boas razões para se orgulhar do muito que já foi feito. Cabe-nos a nós, consumidores, fazer a nossa parte.
Edição n.º28, Agosto 2019
Reserva, mas não tanto

Os chamados “designativos de qualidade” fazem parte da vida de qualquer apreciador de vinho. Escolha, Reserva, Colheita Selecionada, são evidenciados na rotulagem e sugerem estarmos perante um produto de patamar vincadamente superior. Mas, olhando para o que está dentro da garrafa, o que é que o designativo de qualidade nos garante? Bom, na verdade, rigorosamente […]
Os chamados “designativos de qualidade” fazem parte da vida de qualquer apreciador de vinho. Escolha, Reserva, Colheita Selecionada, são evidenciados na rotulagem e sugerem estarmos perante um produto de patamar vincadamente superior. Mas, olhando para o que está dentro da garrafa, o que é que o designativo de qualidade nos garante? Bom, na verdade, rigorosamente nada.
TEXTO Luís Lopes
A Portaria 239/2012, do Ministério da Agricultura, define as “menções tradicionais”, entre elas os designativos Colheita Selecionada, Escolha, Reserva, Reserva Especial, Grande Reserva, Superior, etc. As diferenças entre eles são subtis, mas, basicamente, exige-se que estes vinhos tenham “características organoléticas destacadas” ou “muito destacadas”, ou seja, que a sua qualidade se demarque claramente da média. Em cima desta lei geral, cada CVR (organismo que gere a certificação em cada região) estabelece normas regionais que podendo ser mais restritivas que a lei geral, não podem nunca ser mais permissivas. Além disso, as CVR definem os critérios técnicos para aferir a “qualidade destacada”. Regra geral, passa por esses vinhos obterem mais alguns pontos na câmara de provadores que faz a certificação. Em teoria, tudo certo. O problema é a prática.
Se corrermos as prateleiras das lojas de retalho encontramos inúmeros exemplos de vinhos que ostentam orgulhosamente designativos de qualidade e que são vendidos a preços ridículos. Numa rápida pesquisa online de tintos Reserva até €3, deparei-me com vinhos que vão desde €1,99 (Dão e Tejo) a €2,99 (Alentejo), passando por valores intermédios, €2,29 (Lisboa) e €2,49 (Setúbal e Douro). Convenhamos: alguém acredita que vinhos vendidos a estes preços (IVA incluído!) possuem “qualidade destacada”? Geralmente são vinhos bem feitos, adequados ao valor que se pede por eles, mas, quase sempre, a única coisa que os diferencia de outro vinho do mesmo patamar qualitativo, é o sabor à madeira que lhes foi adicionada.
Os supermercados limitam-se a vender o que lhes é proposto, aos preços que conseguem negociar, os consumidores fazem as suas escolhas e mal nenhum viria ao mundo se tudo a isto se resumisse. Cada qual compra o vinho que quer (ou pode) e o que importa é que lhe saiba bem. O enorme problema são os efeitos colaterais destes Reservas “da treta”. O mais grave, é a banalização dos designativos de qualidade: se tudo merece “qualidade destacada”, então nada há que se destaque. Depois, a desinformação do consumidor: porquê comprar aquele vinho “colheita” por €5 se se pode comprar este “reserva” por €2,49? Acrescente-se a isto a autoviciação das câmaras de provadores: se para ser Reserva basta ter madeira, então só pode ser Grande Reserva um vinho que tiver muita (mesmo muita!) madeira. Finalmente, o descrédito internacional: um comprador que conhece o Reserva espanhol de 3 anos de idade e o Gran Reserva de 5 anos, olha para os Reserva portugueses como uma vigarice. Nos anos 80 estragámos, talvez para sempre, um excelente mercado, a Dinamarca, inundado com “Garrafeiras” miseráveis. É esta a imagem que queremos continuar a dar dos nossos vinhos?
Não há uma forma fácil de resolver isto, mas acredito não podem haver designativos de qualidade sem estágio obrigatório, que pode variar de região para região. Se um Reserva, por exemplo, só puder ser comercializado com dois ou três anos de idade, isso obriga o produtor a utilizar o designativo num vinho verdadeiramente bom, que não pode nunca ser vendido muito barato. Em paralelo, as câmaras de provadores regionais deverão melhorar e afinar o seu critério.
Nenhum produtor é obrigado a utilizar designativos de qualidade. Aliás, muitos dos mais caros e prestigiados vinhos portugueses não lhes fazem menção. Mas quando se envereda por este sistema de classificação, colocando a palavra Reserva (ou outra congénere) no rótulo, era bom que isso significasse alguma coisa.
Edição Nº22, Fevereiro 2019
O nome das uvas

Temos nomes diferentes para a mesma casta. Temos castas diferentes com o mesmo nome. Temos a mesma fonética para grafias e castas diferentes. Temos grafias diferentes para a mesma casta. Felizmente, só temos 250 castas nativas, se não, imagine-se a confusão que por aí andaria… TEXTO Luís Lopes Com frequência, ao longo dos últimos 15 […]
Temos nomes diferentes para a mesma casta. Temos castas diferentes com o mesmo nome. Temos a mesma fonética para grafias e castas diferentes. Temos grafias diferentes para a mesma casta. Felizmente, só temos 250 castas nativas, se não, imagine-se a confusão que por aí andaria…
TEXTO Luís Lopes
Com frequência, ao longo dos últimos 15 anos, tenho-me visto perante uma plateia de enófilos ou profissionais estrangeiros, incumbido de lhes apresentar e dar a provar um conjunto de vinhos portugueses. Confesso que é um trabalho que aprecio bastante. É entusiasmante poder transmitir a outros a minha paixão pelos vinhos de Portugal, revelando um território onde qualidade, diversidade e personalidade se conjugam de forma notável. E é com um certo “orgulho nacional” que assisto à surpresa deliciada daqueles que, pela primeira vez, se deparam com a grandeza vinícola escondida neste pequeno país.
Em todas estas sessões, há um momento que tenho como certo: quando alguém me pede, meio envergonhado pelo seu desconhecimento, que lhe explique melhor porque é que a casta X também se chama Y e por vezes (mas nem sempre) se escreve com Z. Regra geral, safo-me dizendo que os portugueses são um povo tão extraordinário e seguro de si que, se puderem fazer uma coisa de forma complicada, não vão fazer simples. Depois da risada geral, acrescento que os espanhóis ainda são mais tortuosos, dando como exemplo a ubíqua Tempranillo, que, consoante o local onde está plantada, se pode chamar Ull de Llebre, Tinta del Pais, Cencibel, Tinto Fino, Tinta de Toro, Vid de Aranda, Escobera e Chinchillana, para além de algumas variações sobre estes nomes. Ao pé disto, nós portugueses, com a Aragonez e a Tinta Roriz, somos uns meninos de coro…
Se o problema estivesse apenas nas sinonímias não seria um problema. Torna mais difícil de explicar a quem quer conhecer (seja estrangeiro ou português) mas é ultrapassável e até reforça as identidades regionais. Mas as confusões não estão apenas nas sinonímias. Na verdade, neste país de 250 castas conseguimos o assinalável feito de estabelecer quatro patamares de confusão, qual deles o mais rebuscado:
1. Temos nomes diferentes para a mesma casta. Citando apenas alguns dos mais de 50 sinónimos oficialmente admitidos: Arinto/Pedernã, Arinto dos Açores/Terrantez da Terceira, Bical/Borrado das Moscas, Fernão Pires/Maria Gomes, Malvasia Fina/Boal, Síria/Roupeiro/Códega, Alvarelhão/Brancelho, Aragonez/Tinta Roriz, Rufete/Tinta Pinheira, Trincadeira/Trincadeira Preta/Tinta Amarela.
2. Temos o mesmo nome para castas diferentes. Algo que é (ou deveria ser) ilegal, pois induz em erro o consumidor. Mas nem produtores nem organismos de controlo (CVR’s/IVV) se preocupam em repor a verdade, através do correcto cadastro do que efectivamente existe na vinha. Quando se sabe que muito do vinho vendido como Verdelho é, na realidade, Gouveio ou Verdejo, e se encolhe os ombros como se nada fosse…
3. Temos a mesma fonética para grafias diferentes e castas distintas. É o caso do Sercial (casta típica da Madeira – que também se chama Esgana-Cão no continente, já agora…), do Cercial (da Bairrada) e do Cerceal Branco (do Dão e do Douro), tudo uvas distintas que se pronunciam da mesma forma mas se escrevem de maneira diferente.
4. Temos grafias distintas para a mesma casta. Algumas reconhecidas oficialmente (Boal/Bual, Malvasia/Malvazia) outras nem tanto, como o Aragonez/Aragonês que, segundo a legislação, deveria ser sempre Aragonez mas cada qual escreve como lhe apetece.
Agora imaginem-me perante um grupo de sommeliers de Taiwan a tentar explicar tudo isto. É um pouco embaraçoso. Mas, acreditem, tremendamente divertido.
Setembro com Dirk

Para os profissionais do vinho, Setembro não é apenas mais um mês do calendário. É, acima de tudo, o início de um novo ciclo, marcado pela vindima enquanto apogeu de um ano vitícola (e bem difícil este, por sinal). A edição de Setembro da Grandes Escolhas assinala a “rentrée” com o destaque de capa para […]
Para os profissionais do vinho, Setembro não é apenas mais um mês do calendário. É, acima de tudo, o início de um novo ciclo, marcado pela vindima enquanto apogeu de um ano vitícola (e bem difícil este, por sinal). A edição de Setembro da Grandes Escolhas assinala a “rentrée” com o destaque de capa para Dirk Niepoort, figura incontornável do vinho português.
TEXTO Luís Lopes
A vindima já está aí e a equipa da Grandes Escolhas prepara-se para correr o país de norte a sul, acompanhando todo o bulício que a colheita dos tão aguardados frutos gera. Até ao lavar dos cestos, diz o ditado, muito poderá ainda acontecer, mas não restam dúvidas que este tem sido um ano de sofrimento para as videiras e para quem delas cuida. O granizo afectou diversas propriedades, os ataques de míldio foram devastadores em várias regiões, e o escaldão daquela primeira semana de Agosto marcou a ferro e fogo vinhas um pouco por todo o lado. São de esperar quantidades mais reduzidas na generalidade do território e muitos produtores de referência, sobretudo entre os mais pequenos e os que apostam tudo na viticultura orgânica (com menos opções preventivas e curativas), ficaram praticamente sem uvas para colher. Como um viticultor atingido por estes fenómenos da Natureza me dizia há poucos dias, “por mais vindimas que tenhamos no lombo, os anos nunca são iguais e este vai ficar na memória como o ano do míldio e do escaldão, ou então o ano dos mentirosos, aqueles a quem por milagre ou microclima nada acontece e as uvas e vinhos aparecem sempre…”
Mas deixemos, por enquanto, as vindimas, que mal começaram ainda, e passemos ao tema de capa que, desta vez, é uma pessoa, Dirk Niepoort, porventura a figura do vinho português mais conhecida e com mais influência junto dos líderes de opinião internacionais. Antes de prosseguir, porém, uma declaração de interesse: o Dirk é um dos meus mais antigos amigos no mundo do vinho. É por isso que, na entrevista que publicamos nestas páginas, uso a segunda pessoa do singular, o “tu”, repudiando o que tradicionalmente os jornalistas fazem nas entrevistas para esconder a sua intimidade com o entrevistado. Eu não tenho nada a esconder. Sou amigo do Dirk, e admiro-o enquanto amigo e enquanto profissional. Isso não me impede de discordar dele em muitas coisas. Aliás, ao longo da entrevista tive por diversas vezes a enorme tentação de questionar e rebater os seus conceitos e teorias, de contra-argumentar, de iniciar uma das intermináveis discussões que sempre fizeram parte das nossas conversas. Mas uma entrevista não é um debate, enquanto jornalista cabe-me expor a sua visão do vinho, não apresentar a minha. E foi isso que procurei colocar nas páginas: o vinho, segundo Dirk.
Dirk Niepoort é único e arrebatador, complexo, polémico, desafiante, criativo, mentor de vinhos grandiosos e de (alguns) vinhos falhados, um pouco incoerente também (e isso em nada o preocupa) como acontece com muitos visionários e descobridores de novos caminhos. Ao longo das últimas três décadas, revolucionou uma empresa familiar e antecipou modas e tendências. A sua casa no Porto, autêntico viveiro de talentos (uma espécie de The Factory de Andy Warhol) acolheu, incentivou e impulsionou muitos produtores e projectos de sucesso. Dirk teve (e tem) um papel determinante na transformação da região do Douro e, com o tempo, tornou-se uma bandeira do Portugal do vinho, do Portugal da diferença, do Portugal capaz de surpreender aqueles que, lá fora, pensam que sabem e conhecem tudo. Acho que já merecia uma capa, não acham?